Declaração da IX Assembleia Geral da Rede Brasil
sobre Instituições Financeiras Multilaterais
15 a 17 de Agosto, Luziânia – Goiás
Hoje,
a mercantilização da vida e a financeirização da natureza manifestam-se como
expressões do capitalismo neoliberal que, em escala mundial, avança
violentamente sobre as populações, cerceando seus direitos, impedindo o acesso
ao meio ambiente saudável necessário à sua sobrevivência e reprodução e
provocando a desterritorialização. Trata-se de um sistema que depende da
ampliação das desigualdades de classe, gênero, raça e etnia para garantir a sua
acumulação. Em nome do acúmulo de poder e riqueza, corporações industriais e
financeiras se colocam acima do Estado de direito, pressionando para que sejam
efetivadas mudanças nas legislações e a criação de políticas públicas em países
e setores que possibilitem o desenvolvimento de novos mercados.
No
Brasil, observamos a vigência deste modelo historicamente imposto,
principalmente, pelas Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs), com a
conivência das elites nacionais. Neste sentido, as IFMs travaram esforços para
garantir a desregulação e privatização das políticas públicas, o consequente
esvaziamento dos espaços representativos e participativos e a perda de direitos
fundamentais da população. Esta situação se aprofunda nas diversas esferas
políticas e áreas de atuação das organizações-membro da Rede Brasil, como a
saúde, educação, meio ambiente, cultura, comunicação e outros direitos, como
energia, saneamento, habitação, transportes e etc.
A
recente aprovação do novo Código Florestal é um exemplo emblemático dessa
perversa lógica. Além de legalizar a expansão criminosa do agronegócio,
hidronégocio e da pecuária, cria instrumentos, a favor do lobby ruralista, para
a especulação da natureza, como a criação de títulos de compensação pela
destruição da biodiversidade (os Certificados de Reserva Ambiental - CRA).
Trata-se de um precedente perigoso que se reproduz agora em novas leis em
tramitação, como o marco regulatório da mineração, os projetos de leis sobre
Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) e Pagamentos por
Serviços Ambientais (PSA). Estas legislações se relacionam com a ampliação de
negócios econômicos e financeiros calcados na compensação pela degradação
socioambiental via mercantilização do ar, água, biodiversidade e até de valores
culturais na forma de papéis negociados nas bolsas de valores. Este processo só
se faz possível através do aprofundamento das relações de expropriação e
exploração, do aumento da dependência das populações ao mercado e do
aprofundamento da criminalização da resistência.
O
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se apresenta como
um ator central no atual padrão de acumulação no Brasil, sendo responsável pelo
conjunto de violações de direitos associados aos megaprojetos e pelos conflitos
socioambientais em todas as regiões do Brasil e de outros países, notadamente
na América Latina e Caribe e na África Lusófona. Paralelamente, os fundos e
produtos verdes, lançados como parte da política socioambiental do BNDES, estão
em consonância com as diretrizes financeirizadoras do clima e da natureza,
também propagadas pelo Banco Mundial.
Internacionalmente,
as IFMs se fortalecem e se capitalizam com o aprofundamento do processo
neoliberal. Apesar de estarem na causa das crises, elas apresentam ao mundo as
mesmas falsas soluções já experimentadas nos países do Sul Global. Tanto é que,
hoje, na Europa, a política está sendo substituída e sequestrada pelo FMI e
pelo sistema financeiro em espaços que definem, de forma assimétrica, a
política econômica global, como o G20. Ao mesmo tempo, as IFMs renovam
constantemente o seu papel em países como o Brasil. Atualmente, priorizam
empréstimos diretos aos estados e municípios e o investimento em assistência
técnica aos Ministérios e outros órgãos da União, de modo a formatar os
conceitos, as metodologias e as políticas a serem implementadas pelo Estado. A
"economia de baixo carbono" proposta pelo Banco Mundial e os
empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para as políticas
urbanas são alguns exemplos.
É
nesse contexto que a Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
reafirma, como horizonte estratégico da sua atuação, o enfrentamento das
instituições financeiras no coração do capitalismo como parte da luta contra hegemônica
por transformação social.
Tendo
como paradigma transversal a defesa e promoção dos direitos e a justiça
ambiental, reconhecemos ser fundamental o combate ao patriarcado e ao racismo,
que estruturam as possibilidades de exploração capitalista.
Celebramos
assim, a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) sobre a
determinação de paralisar as obras de Belo Monte, que receberia o maior
empréstimo da história do BNDES. Esta atitude evidencia a necessidade de se fazer
cumprir a legislação em vigor e reconhecer os direitos dos povos indígenas,
constantemente flexibilizados no âmbito do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC).
A
Rede Brasil declara-se solidária à luta das populações indígenas e tradicionais
na defesa de seus direitos coletivos sobre a terra e o território, assim como
dos movimentos urbanos em luta por dignidade e contra os despejos forçados.
Portanto, rechaçamos também as afrontas federais aos direitos territoriais dos
povos realizadas por meio de manobras como a PEC 215 e a Portaria 303 da
Advocacia Geral da União (AGU).
Reivindicamos
a urgente reconfiguração dos espaços políticos deliberativos, que devem ser
ampliados e qualificados para garantir a capacidade da sociedade organizada de
constranger e confrontar o modelo hegemônico violador e negador de direitos,
além de disputar o papel do Estado no sentido de promover mudanças, por
exemplo, nas políticas que regulem o sistema financeiro, e não o contrário.
Colocamo-nos
como ator político disposto a continuar somando forças com os coletivos que
realizam mobilização social na defesa de um projeto de sociedade que promova a
distribuição dos recursos públicos de forma descentralizada e que valorize as
experiências contra hegemônicas como modos de existência.
Desse
modo, a Rede Brasil reafirma, neste período de convergência das lutas
populares, a incidência sobre o Financiamento ao Desenvolvimento como o objeto
central da sua atuação, através do monitoramento, reflexão crítica e
mobilização frente:
1) a todos os
impactos e violações de direitos causados pelos projetos e políticas das IFMs e
do BNDES, fortalecendo as lutas populares pelos Direitos Humanos e da Natureza
e por Justiça Ambiental;
2) ao impacto das
Instituições Financeiras e do BNDES sobre a formulação e influência nas
políticas públicas nacionais e na economia global que resultam no
aprofundamento do modelo neoliberal e consequentes crises sistêmicas e
oportunidades de acumulação financeira;
3) à financeirização
da vida através da economia verde, com consequências nas disputas territoriais,
e à privatização dos direitos e espaços públicos;
4) aos megaeventos
e megaprojetos industriais e urbanos, fortalecendo a mobilização das
comunidades atingidas, em especial do setor extrativo/mineiro e energético, no
Brasil e América Latina;
5) à criminalização
de todas as formas legítimas e justas de resistência e enfrentamento às
violações sistemática de direitos.
Diante
do exposto, a Rede Brasil assume o compromisso de:
-
envolver e sensibilizar seus membros através de estratégias políticas de
comunicação, formação, mobilização, descentralização, regionalização e troca de
experiências;
-
fortalecer o processo de mudança e repactuação política interna;
-
fortalecer o processo de convergência das lutas sociais no Brasil.
Entendemos que
a resistência contra hegemônica ao sistema financeiro no atual modelo de
desenvolvimento e o monitoramento crítico das instituições financeiras, nos 17
anos de atuação da Rede Brasil, têm somado às lutas por direitos e
transformação social em um caminho por mudança nos rumos do país. Nesse
sentido, juntamos forças às experiências de agricultura familiar, agroecologia,
turismo comunitário, economia justa e solidária e outras que integram as lutas
pela garantia de direitos à vida, terra, água e território. Unimo-nos às
agricultoras e agricultores familiares, populações tradicionais, indígenas,
quilombolas, ribeirinhas, povos que sofrem com a exploração do trabalho, que
são vulnerabilizados pela violência e confinados às periferias das cidades,
mulheres, estudantes, servidores públicos e tantos outros que permanecem
escrevendo a história de resistência contra a mercantilização da vida.
Luziânia, 17 de agosto de 2012
Organizações e
coletivos da sociedade civil presentes na IX Assembleia da Rede Brasil:
*
Organizações-membro da Rede Brasil:
01 - Ação Educativa
02 - Amigos da Terra Brasil - ATB
03 - Associação Brasileira de Gays,
Lésbicas e Transgêneros - ABGLT
04 - Associação
Brasileira de ONGs - Abong
05 - Associação
Brasileira Interdisciplinar de Aids - Abia
06 - Associação Civil Alternativa
Terrazul
07 - Associação
Global de Desenvolvimento Sustentado - AGDS
08 - Attac Brasil
09 - Care
Brasil
10 - Centro de
Assessoria Multiprofissional - Camp
11 - Centro de
Cultura Luiz Freire
12 - Centro de Direitos Humanos e
Educação Popular do Acre - Cddhep
13 - Centro de Estudos Ambientais -
CEA
14 - Centro de
Pesquisa e Assessoria - Esplar
15 - Centro Josué
Castro
16 - Coletivo Leila
Diniz
17 - Confederação
Nacional dos Bancários - Contraf/CUT
18 - Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Educação - CNTE
19 - Conselho
Regional de Economia do Rio de Janeiro - Corecon/RJ
20 - Ecologia e
Ação - Ecoa
21 - Federação de
Órgãos para Assistência Social e Educacional - Fase
22 - Federação Nacional
dos Urbanitários - FNU
23 - Fórum da
Amazônica Ocidental – Faoc
24 - Fórum da
Amazônia Oriental - Faor
25 - Fórum Brasileiro de Orçamento -
FBO
26 - Fórum de Meio
Ambiente e Desenvolvimento do Mato Grosso do Sul - Formads
27 - Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará
27 - Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará
28 - Fórum
Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento - Formad
29 - Fundação Viver Produzir e
Preservar - FVPP
30 -
Greenpeace
31 - Instituto
Brasil Central - Ibrace
32 - Instituto
Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas - Ibase
33 - Instituto de Estudos
Sócio-Econômicos - Inesc
34 - Instituto de
Pesquisas em Ecologia Humana - IPEH
35 - Instituto de Políticas
Alternativas para o Cone Sul - Pacs
36 - Instituto Mais Democracia
37 - Instituto Pólis
38- Instituto Socioambiental - ISA
39 - Instituto Terramar
40 - International Rivers
41 - Justiça Global
42 - Mater Natura – Instituto de
Estudos Ambientais
43 - Movimento de Articulação de
Mulheres da Amazonia - Mama
44 - Rede Alerta Contra o Deserto
Verde
45 - Rede Cerrado
46 - Rede Mata Atlântica
47 - Rede Pantanal
48 - Rede Social de Justiça e
Direitos Humanos
49 - Sindicato dos Economistas do Rio
de Janeiro
50 - Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Santarém
51 - Sociedade de Defesa dos Direitos
Sexuais na Amazônia – Só Direitos
52 - Terrae Organização da Sociedade
Civil
53 - Visão Mundial
* Organizações convidadas:
01 - Articulação Nacional dos Comitês
Populares da Copa - Ancop/Comitê DF
02 - Conselho Indigenista Missionário
- Cimi
03 - Fern
04 - Fundação Heinrich Böll
05 - Fundação Friedrich Ebert - FES
06 - Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional - Ippur/UFRJ
07 - Ministério Público Estadual -
MPE-PA
08 - Oxfam
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