sábado, 16 de maio de 2015

pelo direito à infância e à adolescência

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pelo direito à infância e à adolescência

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ESCRITO POR OSVALDO RUSSO   
SEXTA, 15 DE MAIO DE 2015


Há 42 anos, no dia 18 de maio, a menina Araceli, de 8 anos, era sequestrada, violentada sexualmente e brutalmente assassinada no Espírito Santo. Seus algozes, jovens de classe média alta, nunca foram punidos. Em 2000, esse dia foi instituído, por lei, como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Na década de 1990, várias ações foram articuladas e institucionalizadas pelo poder público nas várias esferas federativas. Em Brasília, em 1996, por ocasião do Congresso das Américas, preparatório do Congresso Mundial em Estocolmo, na Suécia, o governo do Distrito Federal aprovou e implantou o Programa de Prevenção e Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes que, junto com o Programa Bolsa-Escola, conquistou o Prêmio Criança e Paz 1996. Na época, foi inovador ao considerar no seu escopo a intersetorialidade e a integração das políticas públicas.

Em 2004, segundo o relatório da CPMI do Congresso Nacional, que investigou a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes – a forma mais degradante de trabalho infantil –, um dos elementos fundamentais para se enfrentar esta questão deve ser a implementação de políticas públicas de combate à pobreza, além da luta contra a impunidade e pela mudança de cultura e mentalidade na garantia dos direitos humanos.

Em 2005, o programa de enfrentamento estava presente em 314 municípios, atendendo a 29 mil crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Com a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o enfrentamento foi redesenhado, integrando todos os serviços socioassistenciais de proteção especial nos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS). Em 2013, segundo o IBGE, esses centros totalizavam 2.229 unidades instaladas em 2.032 municípios, que oferecem assistência psicossocial e apoio jurídico às vítimas de violência.

Em 2007, o governo federal, num esforço de articulação institucional, criou, no âmbito da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Comissão Intersetorial de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, que coordena, nas diferentes esferas de governo, os programas de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil.

Em 2009, foi sancionada a Lei 12.015, que classifica como estupro de vulnerável qualquer ato libidinoso contra menores de 14 anos ou pessoas com deficiência mental, com pena que varia de oito a 15 anos de reclusão. Esse tempo pode ser aumentado em 50%, se houver participação de quem tenha o dever de cuidar ou proteger a vítima. O autor de estupro contra adolescentes entre 14 e 18 anos terá de 8 a 12 anos de prisão.

Em março de 2013, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do DF, 73,9% das vítimas de estupro foram atacadas na própria casa ou na residência do autor. Em 84,1% dos casos, os estupradores têm vínculos com as vítimas, sendo que 71,6% delas têm idade até 17 anos e 28,9% de nove a 13 anos. O abuso sexual e a exploração sexual constituem as mais perversas formas de violência contra crianças e adolescentes, reduzindo a sua autoestima e comprometendo a sua formação e desenvolvimento.

Em 2014, outra CPI da Câmara dos Deputados que investigou a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes concluiu o seu relatório destacando que redes de exploração sexual de crianças e adolescentes funcionam envolvendo rede hoteleira, taxistas, empresas de turismo, hotéis, motéis, boates, bares e assimilados, sem que os criminosos sejam incomodados pelas autoridades. Mais grave ainda é o envolvimento de autoridades, como policiais, políticos e juízes com essas quadrilhas especializadas, como clientes ou até mesmo participando diretamente do aliciamento de jovens para a exploração sexual.

Estado e sociedade precisam atuar juntos. De um lado, agir preventivamente, nos lares, escolas, unidades de saúde e serviços sócio-assistenciais; de outro, atuar no combate à violação dos direitos da infância e da adolescência, em especial à violência sexual, em residências, estabelecimentos comerciais, nas ruas ou na internet. É preciso estruturar e integrar as políticas e os serviços, capacitar os agentes públicos e desmontar as redes de pedofilia e exploração sexual comercial. É preciso, sobretudo, articular e mobilizar a sociedade na luta pelo fim da violência sexual contra crianças e adolescentes.

Leia também:


Osvaldo Russo foi secretário da Criança e Assistência Social do Distrito Federal e secretário nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

O mundo-cão da mineração

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O mundo-cão da mineração

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ESCRITO POR JULIO CÉSAR DE CASTRO   
SEXTA, 15 DE MAIO DE 2015

Quando o povo desta terra – salve, salve Brasil! – reverencia o heroico Tiradentes por destemidamente enfrentar a Coroa Portuguesa, ante a exploração à larga da riqueza do solo brasileiro, para saciar a voracidade do poder econômico da Inglaterra, ainda hoje assistimos à classe de vassalos políticos e mercadores de toga conluiar-se com as transnacionais. Mesmo que isto implique “passar o trator” sobre direitos legais, sobre terras e casas de camponeses, desarranjar o ecossistema e aniquilar com famílias de trabalhadores. E, para tal intento atroz, utilizam-se de todo meio vil de intimidação, calhamaço de liminares de remoção forçada e da truculência do braço armado do Estado para impor as “ordens” e barbaridades do grande capital.

Não bastassem as denúncias de órgãos de defesa do Meio Ambiente e de Direitos Humanos, e da mídia independente (o jornal A Nova Democracia teceu matérias contundentes às aberrações do mineroduto em terras brasileiras) alertando sobre graves danos de impacto socioambiental e do sofrimento com clamor de vítimas, a Anglo American Minério de Ferro do Brasil S/A (ex-Anglo Ferrous Minas-Rio Mineração S/A), cooptando governantes e secretários do Estado, inclusive peemes de alta patente, contratando advogados de luxo, e “agradando” magistrados a fazerem vista grossa à legislação e ouvido de mercador às escancaradas declarações de abusos, cometidos em todo o processo de instalação e operação da mina de minério de ferro, a empresa arrombou o direito constitucional, “comprou” licença ambiental e impôs na marra toda a estrutura de linha de transmissão de energia, barragens e estradas, desalojou numerosas famílias e instalou o mineroduto com 525 km de extensão, da região mineira de Conceição do Mato Dentro até o Porto de Açu, no Rio de Janeiro.

Na arrogante determinação de a Anglo American reeditar o processo colonial de economia predatória, aqui acobertada pela Companhia de Desenvolvimento CODEMIG e pela Polícia Militar mineira (até a construção / reforma da unidade da PM em Conceição do Mato Dentro foi “concedida” pela mineradora), a empresa adquiriu suas terras de modo tenebroso, com todo vício de fraudes processuais e crimes de estelionato contra famílias desassistidas, que há centenas de anos, geração a geração, estavam morando e trabalhando com dignidade por lá.

Assim, além de omitir-se de responsabilidades, agir com má-intenção em explorar o produto mineral do solo expropriado, por intermediação de vigaristas profissionais do ramo fundiário, matreiramente a Anglo American desvaloriza a pequena propriedade dos trabalhadores e arrota desalojá-los de suas terras com sucessivas liminares de emissão de posse e “ordens de despejo”, sem levar em consideração nem a vulnerabilidade social de idosos e doentes no processo de desapropriação e reassentamento.

Assim, quando a “crise” descortina o quadro da dura realidade brasileira, o que era vendido como mera “marolinha” pelo sarcasmo lulista e maquiado por inserções publicitárias, agora, passado o engodo das eleições, estão às claras os números econômicos avultados no país. E, como sempre, esse gerenciamento oficial de subservientes ao capitalismo impõe ao povo arcar com a conta dos desmandos e corrupção impunes em todas as esferas de governos.

Ou seja, para manter a “boa relação política” com lobbies no Congresso Nacional e o acúmulo de capital, ocultaram os números econômicos, promoveram a Economia de ficção, represaram índices de inflação, seguraram as tarifas de energia elétrica e de água encanada para as empresas, isentaram muitas delas de impostos, financiaram e refinanciaram com recursos do BNDES obras e serviços públicos superfaturados, e legalizaram indistinta, irresponsável e inconsequentemente a famigerada terceirização da mão-de-obra a todos os setores de atividade profissional, com precarização e concentração da renda.

Além do mais, ainda estão subtraindo direitos trabalhistas e previdenciários, com a conivência das centrais pelegas, cobrando mais sacrifício da população trabalhadora com aumento do custo de alimentação, tarifas e impostos. Essas são as elites, manifestadas na mídia de troca-textos vendida, que defendem “os ajustes” nas contas do governo, com redução de recursos da Educação, Saúde, Previdência etc.

Assim, analisemos a enormidade de volumes que a Anglo American consumiu e vem consumindo de energia elétrica e de água (criminosamente retirada do solo, o que extingue nascentes afora) para a operação do seu mineroduto. Os saques infrenes da riqueza de minério de ferro em Minas Gerais, para aplacar a ganância do capital transnacional. As aberrações cometidas contra o bem público e contra a vida em comunidades.

Tudo isto sob aplausos intensos de claques e oportunistas, salamaleques e solenidades à “chave-de-ouro” em palácios de “Excelências”, configurando ostentoso crime de lesa-pátria. E, à luz da triste história de invasão e exploração nesta Terra Adorada, a Anglo American é mais uma Predadora S/A, e com os infames argumentos oficiais de “equilíbrio da balança comercial”. Enquanto as famílias de trabalhadores sofrem com as atrocidades dessas empresas.

Um caso emblemático, dentre tantos outros vividos por famílias de camponeses de Minas, é o drama da lavradora aposentada Natalina Ferreira da Silva, de 83 anos de idade, cardíaca gravemente adoentada, e seus filhos deficientes – conforme relatórios médicos –, moradora de Serra da Ferrugem, na zona rural de Conceição do Mato Dento, jogada ao deus-dará e à vulnerabilidade do núcleo familiar, isolada em área de risco, ultrajada por processo de despejo, desde o ano de 2012, quando a Anglo American ajuizou ação de reintegração de posse, com base em contrato de compra e venda repleto de vícios. Muito embora o advogado da família dela tenha requerido na Justiça a anulação contratual, devido à obrigação, não cumprida, de a empresa reassentá-la em outra fazenda na mesma região, e em face de condicionantes determinadas pela SUPRAM.

Contestada a ação de reintegração e despejo em juízo, com as plausíveis justificativas, a dona Natalina conseguiu suspender a decisão da Justiça inquisitória. Mas a Anglo American, no rompante do poder econômico, interpôs recurso no TJMG pela manutenção de execução da ordem de despejo. E, após três anos, esse Tribunal de Justiça de Minas Gerais concedeu para a mineradora o recurso, atropelando a primeira instância, que ainda não decidiu pela ação. Com isto, a fim de questionar e suspender a tendenciosa ordem do TJMG, a família prejudicada entrou com outro recurso; ainda em curso de decisão.

Como convém, estaremos atentos ao desenrolar e desfecho de mais esse caso, denunciando as mutretas e o favoritismo, entre a Anglo American e o Estado. Estaremos firmes na defesa dos direitos conquistados na luta pelo conjunto dos cidadãos trabalhadores.

Este é o retrato de um Brasil injusto, socialmente excludente, tratado com descaso, desmandos, servilismo político-partidário e “desvio de recursos” (leia-se roubo do patrimônio público), em escusas transações, sob a gerência da canalha do velho Estado e da máfia empresarial.


Julio Cesar de Castro presta assessoria técnica em Construção Civil.
E-mail: jota.castro(0)yahoo.com.br ,

Tomba árvore, Tomba índio

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Tomba árvore, Tomba índio

Os Ka’apor arriscam a vida para expulsar madeireiros de sua terra.  Em meio ao conflito, líder indígena é assassinado
Eusébio Ka’apor e seu primo viajavam de moto quando foram abordados por dois homens encapuzados e armados em uma encruzilhada. Os indígenas seguiam o caminho de casa, cruzando os povoados que cercam a Terra Indígena Alto Turiaçu, no Maranhão. “Tava chovendo muito, quase escuro”, relembra P (os nomes dos indígenas foram ocultados). Ao ouvir os gritos dos pistoleiros, ele resolveu acelerar. “Achei que não ia atirar, mas o cara atirou: tá!”, diz, simulando o som do disparo que atravessou o corpo de Eusébio, na garupa, e pegou de raspão nas costas de P.
A moto percorreu cerca de 80 metros, até que ele caiu. “Tá doendo”, foram algumas das últimas palavras de Eusébio. Ainda vivo, foi carregado até um povoado próximo. P foi então pedir socorro na aldeia Ximborendá. Com M, filho de Eusébio, usaram um caminhão para carregar o corpo, “espirrando sangue”, e correram para o hospital no município de Zé Doca. Alguns quilômetros antes de chegar na cidade, o Ka’apor faleceu.
P é a única testemunha da morte de Eusébio. O crime ocorreu no dia 26 de abril, na zona rural do município de Maranhãozinho, a três quilômetros da entrada da aldeia Ximborendá. Na manhã seguinte, na sede da cidade de Zé Doca, seu filho conta que foi abordado por um proprietário de serraria. “Ele disse que já sabia da morte e veio dizer que tinha outras pessoas pra morrer”, relata M. “E ainda reclamou que não consegue mais madeira lá”.
O madeireiro se referia à terra indígena dos Ka’apor, que sofre constantes invasões para o roubo de árvores. Cansados de esperar pela ajuda do Estado, desde 2013 os índios resolveram colocar a própria vida em risco para expulsar os madeireiros. Eusébio era uma das lideranças deste movimento.
Essas ações foram batizadas pelos indígenas como ‘missões’. Sempre dentro de sua terra, eles seguem a trilha dos invasores, tomam seus equipamentos, queimam seus veículos e expulsam os madeireiros (que têm que sair a pé). As trilhas por onde as árvores eram retiradas são fechadas. Os pátios, antes usados como base pelas serrarias, passam a ser ocupados por novas aldeias Ka’apor que levam o nome de Kaar Husak Ha – “áreas protegidas”.
Embora a investigação sobre o assassinato ainda esteja em andamento, são muitos os elementos que levam os indígenas a suspeitar dos madeireiros. Além de terem sido abordados por um proprietário de serraria na manhã seguinte ao crime, outros dois Ka’apor sofreram um atentado parecido: uma semana antes do assassinato, no dia 19, dois indígenas foram abordados por homens encapuzados e armados enquanto andavam de moto. Os pistoleiros, tomaram o veículo, espancaram um dos indígenas e ordenaram que corressem para a mata. A poucos quilômetros do local, os agressores dispararam três tiros – um deles, no tanque da moto, que foi deixada na estrada.
Ex-cacique de Ximborendá, a maior das dezoito aldeias na terra Alto Turiaçu, Eusébio perdera o posto quando os Ka’apor substituíram o cacicado por conselhos gestores. Mas ainda era uma liderança importante. Sua morte assustou os dois mil indígenas que vivem nos 530 mil hectares do território indígena – uma das áreas mais conservadas do Maranhão.
A sobrevivência dos Ka’apor está diretamente relacionada à floresta. “Nós não dependemos da cidade, nós dependemos da mata. Por isso o nome é Ka’apor: ‘nós somos da mata’. E a mata também depende da gente”, diz J, outro indígena que falou sob anonimato. Ainda triste pela morte de Eusébio, ele aponta uma castanheira e explica por que as missões não podem parar: “esta árvore já estava aqui antes de eu nascer e antes do meu pai nascer. Por isso que lutamos. Nós podemos morrer, mas nossos filhos sempre vão ter a floresta”.
Quem matou Eusébio?
A investigação foi prejudicada pelo fato da Polícia só ter chegado ao local do crime dias depois, quando a Secretaria de Segurança Pública do estado encarregou uma equipe para investigar o caso. O delegado José Henrique Mesquita trabalha com duas hipóteses: “A primeira é de que alguém está cometendo assaltos na região, e não tem nenhum envolvimento do conflito com os madeireiros. A segunda é de que a morte aconteceu à mando dos madeireiros para amedrontar os indígenas”.
A primeira linha da investigação, de latrocínio, é a mais difundida pela imprensa local. O histórico de conflitos na região, contudo, corrobora a segunda hipótese. “Esse tipo de ameaça já vinha sendo feita, e o Eusébio era uma das lideranças ameaçadas. É estranho que alguém tenha abordado justamente a motocicleta de uma liderança como ele”, diz o advogado Luiz Antônio Pedrosa, presidente da comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MA).
“A gente entende que, a princípio, é um delito relacionado com a situação de conflito local com os madeireiros”, diz o procurador Galtiênio Paulino, do Ministério Público Federal do Maranhão. Ele solicitou que a Polícia Federal investigue o caso, mas a PF respondeu que não deve entrar no caso enquanto as suspeitas de latrocínio não forem descartadas pela Polícia Civil.
Apesar de não ter ajuda federal, a investigação tem apoio dos próprios indígenas. Primeiros ao chegar ao local do crime, eles acharam um projétil calibre 38 revestido com uma capa de cobre. Pouco comum na região, é similar a outra bala disparada contra os indígenas na semana anterior ao assassinato, dia 19 de abril. Segundo o delegado da Polícia Civil, a coincidência entre os projéteis fortalece a hipótese do assassinato pelos madeireiros.
Um crime anunciado
O histórico de ameaças e os atentados contra os Ka´apor apontam para outro possível elemento do assassinato de Eusébio: a omissão do Estado. Desde 2008, o Ministério Público Federal pede ajuda de instâncias federais para conter este conflito. Seis anos depois, a Justiça Federal determinou que a Funai apresentasse um plano de fiscalização para a terra indígena e a instalação de postos de segurança fixos, o que ainda não aconteceu.
A Funai afirma que intensificou as operações contra a extração ilegal de madeira na região nos últimos cinco anos e que “orienta os indígenas a não abordarem os invasores diretamente”. Segundo os Ka’apor, porém, as ações de fiscalização pontuais não funcionam porque os madeireiros voltam depois.
O diretor de proteção ambiental do Ibama, Luciano de Meneses Evaristo, reconhece os limites das operações e avalia positivamente ações como as dos Ka’apor. “Eles protegem estas áreas. Por que eu tenho hoje um milhão de metros quadrados [preservados em Terras Indígenas]? Por que o índio está lá. Se ele não estivesse lá, já tinha ido” afirma. Mas essa proteção pode custar a vida dos indígenas. As ameaças contra eles aumentaram a partir de dezembro de 2014, depois que os Ka’apor fecharam o último ramal por onde a madeira era retirada da terra indígena. Foi quando um grupo de madeireiros invadiu e queimou plantações de uma aldeia. “Roubaram as roupas, as galinhas, queimaram os barracos, pisaram nos velhos”, conta J.
Ele relembra a dificuldade para registrar o boletim de ocorrência do episódio. “Os policiais viam os parentes todos enfaixados, cabeça com esparadrapo, ombro machucado, mas ninguém queria fazer B.O. Andamos 200 quilômetros, fomos na delegacia do Encruzo [Governador Nunes Freire], de Centro do Guilherme, de Santa Luzia do Paruá, e só diziam que o delegado não estava, que não tinha escrivão”. Em fevereiro, indígenas Ka’apor de diferentes aldeias envolvidas nas operações relataram ter sofrido dois ataques semelhantes ao de Eusébio, mas dizem ter “medo de registrar ocorrência por não confiar nos policiais e medo de serem insultados ou agredidos por parentes dos agressores na cidade”, segundo documento entregue pela associação indígena Janderuhã ha Ka’a rehe à Secretaria Estadual de Segurança Pública do Maranhão no início de maio.
Em dezembro do último ano, os Ka’apor solicitaram à Secretaria Especial de Direitos Humanos, órgão vinculado à Presidência da República, a inclusão de quatro indígenas no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Esse programa dá escolta a lideranças ameaçadas. A secretaria afirma que recebeu o pedido para três indígenas e que aguarda informações do MPF, Funai, PF e do governo do estado para dar prosseguimento à avaliação do caso.
Fronteira Verde
As árvores dos Ka’apor são tão cobiçadas por que representam o pouco que resta da Amazônia no Maranhão. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), pouco mais da metade do que sobrou da floresta no estado está dentro de Terras Indígenas. Até nos mapas do Google é possível ver como a fronteira Ka’apor coincide com a fronteira de desmatamento: o verde da floresta é mais forte dentro do território indígena, enquanto as áreas do entorno estão desmatadas.
A simples repressão aos madeireiros, porém, não seria suficiente para sanar o conflito, acredita o procurador federal Alexandre Soares. Para ele, a pressão sobre a floresta é agravada pela falta de outro modelo econômico na região, que dê alternativas de renda aos moradores locais. Até mesmo alguns Ka’apor, antes do início das missões, recorriam ao trabalho em serrarias para sobreviver.
“Foi antes do nosso despertar”, diz J, que carrega uma certa tristeza no rosto ao lembrar dessa parte de seu passado. “Nós, Ka’apor, estávamos perdendo o tradicional, agora está voltando. Estamos recuperando a floresta e recuperando como nós vivíamos antes”.
Após o assassinato, a pressão sobre eles só aumenta. “Ontem [dia 9 de maio], os madeireiros abriram outro ramal próximo ao que tínhamos fechado na missão”, relata o indígena A, que avistou diversos caminhões e tratores dentro da terra indígena. Mas lembra que só será possível avaliar a real intensidade da invasão com o fim das chuvas amazônicas e chegada do período seco, em junho. A tensão pode ganhar contornos trágicos se, até lá, os governos federal, estadual e municipal continuarem deixando os Ka’apor sozinhos na defesa da floresta.
Por: Ruy Sposati e Piero Locatelli
Fotos: Ruy Sposati

Fonte: Repórter Brasil 

13/5: Machado e o cinismo da elite “abolicionista”

http://outraspalavras.net/brasil/13-de-maio-machado-cinismo-da-burguesia-abolicionista/


13/5: Machado e o cinismo da elite “abolicionista”

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150513-Di
“Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade”
Por Machado de Assis, na Gazeta de Notícias, em 19/5/1888 | Resgatado por Página13 | Imagem: Di Cavalcanti
Bons dias! 
Eu pertenço a uma família de profetas après couppost factum, depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico.
No golpe do meio (coup du milieu, mas eu prefiro falar a minha língua), levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que os homens não podiam roubar sem pecado.
TEXTO-MEIO
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu sobrinho) pegou de outra taça, e pediu à ilustre assembléia que correspondesse ao ato que acabava de publicar, brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que…
– Oh! meu senhô! fico.
– …Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu cresceste imensamente. Quando nasceste, eras um pirralho dêste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos…
– Artura não qué dizê nada, não, senhô…
– Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis; mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
– Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete.
Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí pra cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; coisas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.
O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a toda a gente que dele teve notícia; que esse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar, (simples suposições) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que o digam os poderes públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu.
Boas noites.

As grandes lições do terremoto do Nepal

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/542604-as-grandes-licoes-do-terremoto-do-nepal


As grandes lições do terremoto do Nepal

Todo o mundo sabia há anos que quando um terremoto sacudisse o Nepal, localizado em uma das zonas sísmicas mais ativas do sul da Ásia, a quantidade de mortos e os danos seriam descomunais. “Estima-se que as perdas humanas, só no vale de Katmandu, no caso de um evento sísmico importante, serão catastróficas”, alertou Mahendra Bahadur Pandey, ministro de Assuntos Exteriores do Nepal, na Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Redução do Risco de Desastres, realizada em março na cidade japonesa de Sendai.
A reportagem é de Amantha Perera, publicada por Envolverde, 13-05-2015.
Apenas algumas semanas depois, em 25 de abril, houve o terremoto de 7.8 graus de magnitude. Mais de 8.500 pessoas foram declaradas mortas, enquanto centenas continuam desaparecidas. As autoridades temem que o saldo de mortes aumente nos próximos dias. Mais de 17.500 pessoas estão feridas e 10 hospitais ficaram completamente destruídos, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA). Dos 27 milhões de habitantes do país, cerca de oito milhões, principalmente nas regiões ocidental e central, são vítimas do desastre.
As cidades maiores, como Katmandu e Pokjhara, foram muito afetadas. Nas 72 horas após o terremoto mais de meio milhão de pessoas fugiram da capital para zonas periféricas. O Nepal luta para atender as necessidades de uma população assediada e assustada, que resistiu à inúmeras réplicas do sismo na semana posterior ao terremoto.
Centenas de famílias continuam vivendo em barracas de campanha, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) solicitou fundos para a ajuda alimentar de emergência destinada a cerca de 3,5 milhões de pessoas. Os médicos atendem os pacientes na rua. A OMS destinou US$ 1,1 milhão ao pessoal e suprimentos médicos e já tratou de 50 mil pacientes nos 14 distritos mais gravemente afetados.
Mas, há um limite para o que podem fazer as agências de ajuda e os países doadores, e os especialistas consideram que o governo não está preparado para assumir a maior parte dos esforços de recuperação. “Trata-se de uma enorme operação de ajuda, provavelmente a maior que já realizamos na região”, afirmou à IPS Orla Fagan, porta-voz do escritório regional doOCHA em Bancoc, na Tailândia. A reconstrução a longo prazo poderia custar até US$ 5 bilhões, e as agências da ONUinformaram nos últimos dias que necessitam de pelo menos US$ 415 milhões para a ajuda imediata e nos próximos três meses.
Fagan explicou que, como a ameaça era conhecida, o Nepal havia alcançado antes do terremoto certo grau de coordenação e preparação em caso de desastres, sobretudo com relação à formação e sensibilização das pessoas. “Houve coordenação entre governo e as agências da ONU, mas em escala muito pequena. Deve-se compreender que esse é um dos países mais pobres do mundo e os recursos são extremamente escassos”, acrescentou a porta-voz.
Nepal está na lista de países menos adiantados e ocupa o 145º lugar entre 187 países no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Também tem uma dívida superior a US$ 3,8 bilhões com o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Asiático de Desenvolvimento. Em 2014 o governo destinou mais de US$ 217 milhões para o pagamento dessa dívida, alguns recursos teriam sido essenciais para melhorar seus sistemas de preparação e gestão de desastres. 
Apesar do risco real de sofrer terremotos, chuvas torrenciais, deslizamentos de terra e transbordamento de lagos glaciais, suas políticas de resposta em caso de desastre continuam sendo regidas pela Lei de Ajuda Diante das Calamidades Naturais de 1982. O parlamento ainda não ratificou um projeto de lei de 2008 que prevê a criação de uma Autoridade Nacional de Gestão de Desastres. “A esperança agora e que com todos os recursos internacionais e a boa vontade recebidos o Nepal possa construir uma política e um mecanismo de preparação para os desastres naturais mais forte”, ressaltou Fagan.
“Em primeiro lugar, os fundos devem ser usados para as intervenções de recuperação”, recomendou SI Arambepola, diretor do Centro Asiático de Preparação para os Desastres, em Bancoc. “Mas uma parte dos fundos deve ser empregada para desenvolver um mapa do caminho para um Nepal que seja resistente aos desastres”, acrescentou.
“O documento também identificaria as funções e responsabilidades de diversas agências governamentais na aplicação, assegurando que o governo inicie um plano de longo prazo para a redução do risco de desastres com o apoio da comunidade de desenvolvimento”, disse o especialista à IPS. Esse documento especificaria quais divisões emitiriam os alertas, quais as difundiriam e quais seriam encarregadas das evacuações, por exemplo.
Arambepola acredita que o Nepal poderá aprender com seus vizinhos que também experimentaram desastres naturais. “O Nepal deve seguir o exemplo de outros países do sul da Ásia, como ÍndiaPaquistão e Sri Lanka, para desenvolver a política, os marcos jurídicos e o marco institucional para a redução do risco de desastre”, apontou.
Sri Lanka, em particular, é um bom exemplo porque em 2004 teve uma crise semelhante, totalmente sem preparação para enfrentar a devastação do tsunami asiático que deixou o saldo de 35 mil mortes, mais de um milhão de pessoas sem lar e um custo de reconstrução superior aos US$ 3 bilhões.
O ex-secretário do Ministério de Gestão de Desastres do Sri Lanka, SM Mohamed, assegurou que o tsunami os obrigou a “despertar” porque desatou os esforços do governo e da sociedade civil para que o país nunca mais estivesse em uma situação de guarda baixa. O caminho para uma gestão melhor e uma preparação mais sólida nem sempre foi tranquilo, mas o Sri Lanka avançou muito desde aquele fatídico dia, e uma das medidas foi a criação do Centro de Gestão de Desastres (CGD).
Este organismo se converteu no principal centro nacional para a preparação em caso de desastres, bem como na agência pública central para a coordenação do socorro e alertas. Conta com escritórios nos 25 distritos do país cujo pessoal está preparado para se deslocar a qualquer momento. Em abril de 2012 o CGD dirigiu a evacuação de mais de um milhão de pessoas da costa, devido a uma ameaça de tsunami.

Por trás da fome, as verdades da economia e da política. Artigo de Amartya Sen

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Por trás da fome, as verdades da economia e da política. Artigo de Amartya Sen

Uma grande variedade de temas econômicos, sanitários, sociais e políticos, de fato, está ligada à permanência da fomeendêmica e das carestias recorrentes. Devemos entender profundamente muitas relações de causa e efeito, se quisermos conseguir vencer e, por fim, apagar o fantasma da fome no mundo.
A opinião é do economista e filósofo indiano Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998, em artigo publicado no jornal La Stampa, 14-05-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A persistência generalizada da fome no mundo, um mundo muito mais rico do que antigamente, é um problema que encerra um desafio. Devemos compreender as causas tanto da fome endêmica de que sofre uma parcela significativa da população mundial, quanto do surto recorrente de fomes que matam um grande número de pessoas e abalam a vida de muitas outras.
A primeira coisa a se esclarecer é que devemos considerar a falta de alimentos como um problema econômico.
É um problema econômico em vez de um "problema alimentar" em sentido estrito. Há mais de 40 anos, em 1981, em um livro intitulado "Pobreza e fomes", eu tentei usar um conceito que defini como "capacidade de obter comida" para explicar as fomes, mas a mesma ideia também serve para entender as causas da fome nas suas diversas manifestações, endêmica, moderada e às vezes catastrófica.
A ideia de base da capacidade de obter comida é extremamente simples. Porque os alimentos e os outros recursos não são distribuídos gratuitamente à população. A sua utilização depende, por força, de coisas da cesta de bens e serviços que podemos nos dar ao luxo de comprar.
Em uma economia de mercado, a variável que conta é a quantidade de alimentos que uma pessoa pode adquirir, tanto diretamente, quanto por tê-los produzido no seu próprio lote de terra.
A existência de grandes quantidades de alimentos no mundo ou no mercado local, por si só, não torna mais fácil o problema de ter comida suficiente para se alimentar. O que podemos comprar depende das nossas rendas, e isso, por sua vez, depende daquilo que temos para vender.
A fome e a privação são o resultado do fato de que as pessoas não têm o suficiente para comer, e não o fato de que não haja isto no país ou na região. Depois, é preciso considerar também outros fatores, incluindo a distribuição de alimentos dentro da família. Nem todos os seus membros têm renda: as crianças e as pessoas muito idosas não o têm, e, em muitas sociedades, as mulheres trabalham em casa, mas não são elas que levam o pão para casa.
A condição dos membros da família depende, por conseguinte, das regras que regem a distribuição dos alimentos. A análise da situação, por isso, deve ser ampliada e compreende as problemáticas relacionadas às normas sociais e às convenções que estabelecem quem tem direito a quê.
Por exemplo, é típico das sociedades sexistas considerar que as mulheres têm menos direito de atenção no âmbito da família em relação aos homens ou que as meninas têm menos título de receber uma boa comida ou bons tratamentos médicos, e tudo isso demonstra a necessidade de ampliar a ideia de "capacidade" no que diz respeito às regras e aos costumes.
Essas convenções e essas normas relativas à partilha dos alimentos e dos outros recursos requerem um exame atento e, muitas vezes, reformas ponderadas.
A fome e as carestias, finalmente, não são influenciadas apenas por fatores econômicos e sanitários, mas também pelo sistema político. Isso vale especialmente para as fomes que ocorrem nas sociedades autoritárias, onde não há nenhuma participação no processo decisional da política, como acontece, ao contrário, nas democracias.
Quando uma democracia é realmente tal, o governo está sujeito a exame e exposto às críticas e não pode permitir que se verifiquem as condições para uma fome. Por outro lado, um ditador pode sobreviver a uma carestia fazendo uso do seu poder. A ocorrência de uma fome é sempre influenciada pelo sistema político e, em geral, é prevenido graças às práticas da participação democrática, como eleições regulares, jornais cotidianos e meios de comunicação não sujeitos a censura.
A ideia da "capacidade" dos indivíduos, portanto, abre a porta para muitas áreas de intervenção. Uma grande variedade de temas econômicos, sanitários, sociais e políticos, de fato, está ligada à permanência da fome endêmica e das carestias recorrentes.
Devemos entender profundamente muitas relações de causa e efeito, se quisermos conseguir vencer e, por fim, apagar o fantasma da fome no mundo.

O PT vota contra os Trabalhadores

ihu
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O PT vota contra os Trabalhadores

"Infelizmente, o “bem comum” ou o “bem-viver” de todos e de todas, principalmente dos mais pobres - que é o objetivo da política - passa muito longe das preocupações interesseiras e egocêntricas dos nossos governantes e parlamentares", afirma em artigo Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia (UFG). 
Eis o artigo.
Na campanha para a sua reeleição, a presidenta Dilma Rousseff havia prometido que não mexeria nos direitos dos trabalhadores, “nem que a vaca tussa”. Confiando nessa promessa, feita com tanta firmeza pela então candidata, Centrais Sindicais, como a CUT e a CTB, promoveram diversos atos públicos para apoiar a Dilma.
No dia 30 de dezembro de 2014, dois meses depois de sua reeleição, a presidenta Dilma Rousseff, editou as Medidas Provisórias 664 e 665, que mudam os direitos dos trabalhadores e as regras para o acesso a benefícios previdenciários como o seguro-desemprego, o abono salarial e outros benefícios: aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão, auxílio-acidente, salário-família.
seguro-desemprego
“O que é: o benefício pago aos trabalhadores que perdem o emprego. Como era: o trabalhador tinha direito ao benefício se tivesse trabalhado por seis meses. O que o governo queria: que o trabalhador tivesse trabalhado 18 meses nos 24 meses anteriores à demissão para solicitar o seguro-desemprego pela primeira vez. Como fica com a alteração do Congresso: para pedir o benefício pela primeira vez o trabalhador precisa ter estado empregado por 12 meses consecutivos nos 18 meses anteriores à demissão. Na segunda vez, serão exigidos nove meses de trabalho nos 12 meses anteriores à demissão. Nas demais solicitações, serão necessários seis meses ininterruptos de trabalho antes da demissão”.
abono salarial
“O que é: o benefício pago ao trabalhador com carteira assinada e remuneração mensal média de até dois salários mínimos. Como era: recebia o benefício de um salário mínimo, o trabalhador que tinha trabalhado ao menos 30 dias com carteira assinada no ano-base do benefício. O que o governo queria: que o trabalhador tivesse trabalhado 180 dias antes de receber o benefício e que o benefício passasse a ser proporcional ao tempo de trabalho, como o 13º salário. Como fica com a alteração do Congresso: o trabalhador precisa ter trabalhado ao menos 90 dias com carteira assinada no ano-base e o benefício será proporcional ao tempo de trabalho” 
Na quarta-feira, dia 6 do mês corrente, a Câmara - em sessão tumultuada, que teve bate-boca entre deputados, panelaço no plenário e retirada de sindicalistas das galerias - aprovou a MP 665. A votação foi apertada: 252 votos a favor e 227 contra. Na quarta-feira, dia 13, a Câmara - também em sessão tumultuada - aprovou, por 277 votos a 178, a MP 664, a outra Medida do ajuste fiscal.
Ver o PT votar em peso a favor da MP 665 e 664 - contra os trabalhadores - é chocante e repugnante. Dá nojo! Que outros partidos façam isso, não é novidade. Mas o PT - que pensávamos fosse um partido diferente - realmente nos surpreende. Que vergonha! Que decepção! Que traição!
Dos 64 deputados federais do PT, 54 votaram “sim” à MP 665 e 664, 9 não votaram (se ausentaram: espero que tenha sido por uma razão válida e não por covardia, como costuma acontecer nesses casos) e um votou “não” à MP 665 e 664. As Medidas seguem agora para votação no Senado.
Vejam a lista completa dos parlamentares do PT (e também dos outros partidos) que votaram contra os trabalhadores e trabalhadoras, aqui.
Eleitores e eleitoras, gravem bem o nome deles e delas. Esses parlamentares - mesmo que se digam do PT - devem ser banidos para sempre da vida pública.
Embora não o conheça pessoalmente, parabenizo o deputado federal do PT, Weliton Prado (MG), o único que teve a coragem - apesar de o partido ter oficializado o “fechamento da questão” - de praticar a “objeção de consciência”, votando “não” às Medidas Provisórias 665 e 664. Deputado, conte com o nosso apoio e a nossa solidariedade. É de parlamentares como o senhor que o Brasil precisa.
Outra prática política repugnante e nojenta é a prática oportunista, corrupta, desumana e antiética do “toma lá dá cá” da grande maioria dos governantes e políticos, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
“O governo e sua base aliada lançaram mão de fisiologismo explícito para aprovar a primeira das duas Medidas Provisórias (MPs) do ajuste fiscal. Enquanto o Palácio do Planalto fez negociação aberta de nomeações para o segundo e terceiro escalões, já tendo encaminhado 70 cargos para a Casa Civil, os parlamentares cobraram abertamente a fatura da votação, inclusive ameaçando derrotar o governo na próxima semana (na votação da MP 664, dia 13) caso o palácio não publique as nomeações no Diário Oficial. Uma longa lista de indicados políticos aguarda liberação do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que recebeu nesta quinta-feira, assim como outros articuladores do governo, como o vice-presidente Michel Temer e o ministro Eliseu Padilha (Aviação Civil), diversos parlamentares para que fossem sacramentadas as nomeações. Entre os cargos almejados, estão aqueles que lidam com volume significativo de recursos ou que têm influência política local, como as agências de desenvolvimento regionais, as ligadas a Transportes e Saúde, além de diretorias em bancos e representações federais, como delegacias do Ministério da Agricultura”.
Infelizmente, o “bem comum” ou o “bem-viver” de todos e de todas, principalmente dos mais pobres - que é o objetivo da política - passa muito longe das preocupações interesseiras e egocêntricas dos nossos governantes e parlamentares.
Por fim, a respeito do ajuste fiscal, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante - com a maior cara de pau - afirma que as limitações à concessão dos programas servem para “corrigir excessos e evitar distorções”. É muita desfaçatez, senhor ministro, falar de “excessos” e “distorções” nos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Eles são tão poucos e conquistados a duras penas em lutas que custaram, muitas vezes, a vida dos próprios trabalhadores.
Por que o governo não corrige “excessos” e evita “distorções” em relação aos ricos? Por que são os trabalhadores que devem pagar o preço do ajuste fiscal, mudando (ou reduzindo) direitos adquiridos?
Por que o governo não mexe no dinheiro dos ricos, “nem que a vaca tussa”? Por que não cobra das grandes empresas que sonegam o fisco?
Por que não taxa as grandes fortunas (incluindo as heranças)? Por que não cobra os lucros obtidos pelos bancos acima de um determinado teto preestabelecido? (Leia  o artigo: “Ajuste fiscal que reduz direitos dos trabalhadores? ‘Nem que a vaca tussa!’”).
Por que o governo é tão submisso e subserviente aos interesses financeiros dos poderosos? Quem é que realmente governa no país? Políticos e governantes meditem sobre essas questões! Não sejam covardes e mesquinhos!
Um outro Brasil é possível! Trabalhadores e trabalhadoras, lutemos por ele!