segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Novos compromissos mundiais contra a fome e a desnutrição

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Novos compromissos mundiais contra a fome e a desnutrição

Mais de 2.200 representantes de 170 países, reunidos na Segunda Conferência Internacional sobre Nutrição (CIN2), aprovaram recentemente importantes instrumentos encaminhados a erradicar problemas como a fome e a obesidade.


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Durante a conferência, realizada de 19 a 21 de novembro na capital italiana, os delegados assumiram o compromisso de tomar medidas concretas para reverter a incidência de flagelos que, 22 anos após a primeira cimeira sobre o tema, continuam afetando grande parte da população mundial.

“Chegou o momento de atuar com decisão para assumir o desafio da Fome Zero e garantir nutrição adequada para todos”, expressou o diretor geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), José Graziano da Silva.

Segundo afirmou o representante do organismo internacional, a reunião de Roma destacou o início de um renovado esforço e será reconhecida por ter convertido a nutrição em um tema público.

A sua vez, Oleg Chestnov, subdiretor geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), ressaltou que a CIN2 foi o primeiro evento desse tipo dedicado a abordar a desnutrição em todas as suas formas, da fome até a obesidade, com compromissos políticos qualificados como metas pelo alto funcionário.

Por meio dessas palavras, os representantes das duas entidades encarregadas de organizar a conferência reconheceram os avanços alcançados nos três dias de sessões, em momentos nos quais o acesso aos alimentos e à saúde nutricional permanecem como prioridades globais.

Fome, desnutrição e obesidade

Cerca de 805 milhões de pessoas vivem hoje em condições de fome crônica no mundo, pois os progressos registrados durante os últimos anos são modestos e desiguais, reconheceram os convocados à conferência.

De acordo com vários oradores, existe profunda preocupação pelo fato de que apesar dos significativos êxitos alcançados por muitos países na erradicação da fome, de 2012 a 2014 o número de atingidos por esse mal continuava em níveis elevados.

Ao mesmo tempo, a desnutrição constitui a primeira causa de morte entre crianças menores de cinco anos, pois durante 2013 provocou 45% das mortes registradas nessa faixa etária, e a desnutrição crônica golpeou 161 milhões de crianças e a aguda outros 51 milhões.

Centenas de ministros e integrantes da sociedade civil e da comunidade empresarial, entre outros delegados, indicaram que no ano passado se registraram 42 milhões de menores afetados pelo sobrepeso, enquanto em 2010, mais de 500 milhões de adultos tinham obesidade.

Os participantes à CIN2, que teve convidados como o papa Francisco, a rainha Letizia da Espanha e o rei Letsie III de Lesotho, também reconheceram que, embora os riscos alimentares incidam em todos os grupos socioeconômicos, existem fortes desigualdades, tanto entre países como dentro de uma mesma nação.

“Reconhecemos que as situações bélicas e pós-bélicas, as emergências humanitárias, as crises prolongadas, incluídas as secas, inundações, desertificação e pandemias, comprometem a segurança alimentar e a nutrição, manifestaram.

Destacaram também a necessidade de fazer frente aos efeitos da mudança climática e outros fatores ambientais que incidem na quantidade, qualidade e diversidade dos alimentos produzidos.

“Somos conscientes de que a desnutrição afeta o bem-estar das pessoas ao repercutir negativamente em seu desenvolvimento físico e cognitivo, comprometer o sistema imunológico, aumentar a suscetibilidade a doenças, limitar a realização do potencial humano e reduzir a produtividade”, acrescentaram.

Medidas concretas

Para vencer os riscos que supõem todos esses fatores e levar a cabo estratégias sólidas que revertam os índices negativos, os Estados participantes aprovaram a Declaração de Roma.

Com esse instrumento os governos se comprometeram a prevenir a desnutrição em todas suas formas, incluindo a fome, as carências de micronutrientes e a obesidade, bem como a aumentar os investimentos para melhorar a produção de alimentos e a distribuição equitativa.

O texto esteve acompanhado por um Marco de Ação, no qual se recomendaram 60 iniciativas que as autoridades podem incorporar em seus planos nacionais de saúde, agricultura, educação, desenvolvimento e investimento.

Além disso, foram propostas metas como reduzir em 40% o índice de menores de cinco anos que sofrem atraso no crescimento, em 50% o de mulheres em idade reprodutiva que sofrem anemia e em 30% o dos bebês com baixo peso ao nascer.

Outros objetivos que se fixaram incluem aumentar em 50% os índices de aleitamento materno nos primeiros seis meses de vida, e diminuir em 30% o consumo de sal, açúcares, gorduras animais e as chamadas trans. Tanto a declaração como o marco comprometeram os líderes mundiais a estabelecer políticas destinadas a erradicar a desnutrição e a transformar os sistemas alimentares com vistas a que as dietas adequadas estejam disponíveis para todos.

Como essas metas precisam de um financiamento adequado, a FAO criou um fundo fiduciário para apoiar projetos e programas dirigidos a promover sistemas sustentáveis e um comércio que melhore a nutrição, aumente a informação nutricional e eleve a segurança alimentar.

A fim de assegurar a prestação de contas após a CIN2, o fundo ajudará também aos países a criar mecanismos sólidos para o acompanhamento de seus compromissos na área.

Temos adiante a década da nutrição, apontou o diretor geral da FAO no encerramento do evento, e enfatizou que esse tema ocupará um lugar destacado na agenda de desenvolvimento pós-2015 da ONU.

Fonte: Prensa Latina

Comissão da Verdade recomendará punição aos agentes da ditadura

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Comissão da Verdade recomendará punição aos agentes da ditadura

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) entregará, na próxima quarta-feira (10) à presidenta Dilma Rousseff o relatório final das investigações. O documento, com cerca de 2 mil páginas, recomendará punição civil, administrativa e criminal para suspeitos de serem responsáveis pela violação de direitos humanos na ditadura. 


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Segundo a assessoria do órgão, o relatório apontará 434 mortos e desaparecidos políticos, o que amplia em 72 nomes o total de 362 registrados pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

A Comissão da Verdade foi criada pela Lei 12.528/2011 e instituída em maio de 2012 por Dilma. O colegiado foi constituído a fim de apurar as denúncias de violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, período que abrange o regime militar.

Durante os últimos anos, foram colhidos 1.120 depoimentos – 132 de agentes militares –, produzidos 21 laudos periciais e realizadas 80 audiências públicas em 15 estados. No período de funcionamento da comissão, foram feitas sete diligências em Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.

Entre as pessoas ouvidas pela CNV nesses dois anos e meio, estiveram o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do II Exército; o general reformado José Antonio Nogueira Belham, que comandou o DOI-Codi do Rio de Janeiro; e o coronel Paulo Malhães, morto neste ano, e que admitiu ter participado de torturas e mortes durante o regime militar.

O coordenador da Comissão da Verdade, Pedro Dallari, afirmou que o relatório pedirá a punição aos agentes da ditadura em razão de o colegiado ter provas “robustas” da participação dessas pessoas em casos de tortura, execuções e ocultação de cadáveres. Na avaliação de Dallari, os trabalhos da comissão foram positivos e ele diz que o documento está além de questões político-ideológicas.

"Nós não somos uma comissão jurídica. Embora a maioria dos integrantes seja de pessoas da área do direito, nós não fomos mandatados para exarar posições júridicas. Nós não somos um órgão jurídico. Qual foi a nossa atribuição? Apurar o fato em si e propor recomendações. O fato que se revelou é um quadro muito grave de graves violações dos direitos humanos, torturas, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres", disse Dallari.

"Tivemos investigações que dizem respeito a eventos ocorridos há muito tempo, há mais de 40 anos. Então, isso, obviamente, criou um quadro de dificuldade. Mesmo nesse contexto, acho que a comissão conseguiu – do ponto de vista do levantamento de informações pela busca da verdade – fazer um bom trabalho e isso vai se refletir nas 2 mil páginas do relatório, que é consistente, abrangente e muito detalhado, que não tem opiniões. É um relatório fático", afirmou.

Segundo ele, as cerca de 2 mil páginas do documento que serão entregues à presidente Dilma Rousseff "deixarão claro" que os trabalhos da comissão não tiveram viés ideológico.
O relatório não vai analisar o regime militar. O documento analisa as graves violações feitas pelo regime. Foi o que nós fizemos. [...] O relatório tem toda a consistência necessária e tira esse viés político."
Pedro Dallari, coordenador da Comissão Nacional da Verdade
Para o coordenador da CNV, o documento precisa ser "amplamente" divulgado, para que a sociedade brasileira e as famílias de vítimas do regime tenham conhecimento do que ocorreu no período da ditadura. "E é até capaz que o leitor ache nossas conclusões tímidas, pelas provas que vamos apresentar", avalia.

Dallari afirmou ainda que o fato de ter sido criado na CNV um departamento de perícia técnica permitirá, segundo avalia, que a comissão não seja acusada de ter produzido um documento "contra militares", mas, sim, segundo ele, que mostre o que ocorreu no país durante o regime e ainda não havia sido divulgado.

"O relatório não vai analisar o regime militar. O documento analisa as graves violações feitas pelo regime. Foi o que nós fizemos. Essa análise é importante porque nós nos concentramos em uma base pericial, na apuração de todos os fatos com exame de documentos. O relatório tem toda a consistência necessária e tira esse viés político", afirmou.

Tortura em instalações militares

Em meio aos 50 anos do golpe militar que deu início à ditadura, as Forças Armadas se comprometeram a apurar denúncias de que torturas teriam sido praticadas em instalações militares durante o regime.

Em 18 de fevereiro, a CNV enviou ao ministro Celso Amorim o pedido de instauração das sindicâncias internas.

Em relatório enviado à CNV, porém, Exército, Marinha e Aeronáutica informaram não ter encontrado provas de que houve desvio de finalidade do uso das instalações, o que significa que não foram encontradas provas de casos de tortura nas dependências militares, segundo a comissão.
De acordo com Dallari, constará do relatório final da comissão recomendação para que as Forças Armadas reconheçam que no período do regime militar instalações do Exército, Marinha e Aeronáutica foram usadas em casos de violação de direitos humanos.

Ex-presidentes

Nesses dois anos e meio de trabalho, a Comissão da Verdade trabalhou também com análises relacionadas às mortes dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, o Jango.
Com autorização da família, os restos mortais de Jango foram periciados e, segundo divulgaram a Secretaria de Direitos Humanos e a Polícia Federal, o laudo pericial não encontrou sinais de envenenamento, conforme suspeita de familiares.

Os exames dos restos mortais começaram em 2013, a pedido da Comissão Nacional da Verdade. Jango, exilado da ditadura militar, morreu na Argentina, em 1976. A causa oficial da morte foi infarto. Para a família, ele teria sido assassinado em uma ação da Operação Condor, aliança entre as ditaduras militares da América do Sul nos anos 1970 para perseguir opositores dos regimes.

Apesar de suspeitas de que JK tivesse sido vítima de um atentado, a CNV concluiu que o governo militar (1964-1985) não teve participação na morte do ex-presidente. Ele morreu após o veículo Chevrolet Opala, placa NW-9326 RJ, que conduzia Juscelino e seu motorista Geraldo Ribeiro pela Via Dutra, rodovia que liga São Paulo a Rio de Janeiro, colidiu frontalmente com uma carreta Scania Vabis, placa ZR-0398-SC, após ter sido atingido por um ônibus.

Cooperação internacional
Durante a realização da Copa do Mundo, o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, esteve em Brasília e se encontrou com a presidente Dilma Rousseff. Após a reunião, ele convidou a imprensa para uma entrevista coletiva na Embaixada dos Estados Unidos e anunciou que o país disponibilizaria documentos obtidos por Washington referentes à ditadura brasileira. Ainda em julho, o colegiado divulgou no site os documentos entregues pelos EUA.

Fonte: G1

Eu sou Estádio, e não Arena

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Eu sou Estádio, e não Arena

Caio Botelho *

A frase acima foi retirada de um dos cantos entoados pela Torcida Organizada Bamor, do Esporte Clube Bahia. Sintetiza, de certo modo, o sentimento de que o modelo de Arenas adotado principalmente para atender as exigências da Copa do Mundo não logrou êxito quando o assunto foi a popularização do acesso a esses equipamentos.


O que é no mínimo contraditório, considerando que o futebol é justamente o esporte mais popular em nosso país. Entretanto, até a 37ª e penúltima rodada do Campeonato Brasileiro de 2014, a média de público é apenas de 16.451 torcedores por jogo, com uma ocupação de 40% da capacidade dos estádios por partida¹.

Mesmo o Cruzeiro, campeão do ano e que detém a maior bilheteria por jogo (28.780 torcedores), não ocupa mais do que 47% do Mineirão, cuja lotação é de 61.846 lugares. Já o Flamengo, por sua vez, preenche um pouco mais de um terço (35%) da capacidade de 78.838 lugares do Maracanã.

São dados preocupantes, na medida em que se constata que o problema não é de falta de torcida. Mesmo os clubes mais populares, conhecidos pela capacidade de mobilização, estão com dificuldades para repetir com frequência o outrora costumeiro espetáculo de suas torcidas nas arquibancadas.

Jogando pela Série C do Campeonato Brasileiro, o Bahia, por exemplo, colocou nada menos do que uma média de 50 mil torcedores por jogo (!) na antiga Fonte Nova, no ano de 2007. Hoje, com a nova Arena Fonte Nova e jogando na Série A, a média do tricolor baiano não chega a 13 mil torcedores por jogo – e ainda assim representa a 11ª maior bilheteria do campeonato. O problema, portanto, não é desse ou daquele Clube, isoladamente.

Além de afastar o público, os ingressos caros também produzem um fenômeno que enfeia as arquibancadas, já que na medida em que os torcedores brasileiros estão tendo que se acostumar a assistir os jogos atrás do gol, onde os ingressos são mais em conta (o que não significa que sejam baratos), uma emblemática imagem que traduz esse modelo de Arenas é produzida: as arquibancadas de linha de fundo completamente lotadas, ao tempo em que as arquibancadas laterais ficam vazias, quase às moscas.

Sem contar que uma série de exigências peculiares dessas Arenas vão retirando a espontaneidade típica do brasileiro. As divisões em diversos setores fracionam a torcida (principalmente por renda), e não apenas os ingressos, mas as bebidas e alimentos também estão cada vez mais caros.

A modernização dos Estádios é fundamental para que o próprio futebol evolua, mas é preciso encontrar modelos que cumpram com essa finalidade sem excluir a maioria do povo do direito de assistir in loco ao seu Clube de coração. Mantida a lógica atual, o cenário que se vislumbra é perverso.

Claro que esse é apenas um dentre vários elementos que precisam ser considerados em um amplo processo de discussão sobre os rumos do esporte mais popular do Brasil. Afinal, outros fatores também vêm contribuindo para o constante processo de elitização do nosso futebol: más gestões na imensa maioria dos Clubes; CBF e Federações estaduais transformadas em feudos; a mídia – com destaque para a TV Globo – interferindo descaradamente nas tabelas e privilegiando alguns times em detrimento de outros; além, é claro, de inconfessáveis máfias envolvendo todos esses agentes.

O fato é que tem muita coisa errada. E o governo federal, as torcidas organizadas independentes, grupos e movimentos que se organizam em torno de Clubes e de um debate sério sobre o futebol, a exemplo do “Bom Senso”, precisam articular-se e construir uma ampla mobilização em defesa dessas pautas.

Eleições no Bahia

Considerando que não teremos outra oportunidade para tratar do assunto, aproveito para manifestar nossa posição nas eleições presidenciais do Esporte Clube Bahia, que acontecerá no dia 13 de dezembro e irá eleger o próximo presidente e os membros do Conselho Deliberativo.

Há cerca de um ano e meio o Bahia passa por um processo ímpar: como resultado de uma mobilização em massa de sua torcida e de uma série de ações judiciais que culminaram com uma intervenção, os antigos gestores do tricolor foram afastados, uma campanha de associação em massa foi promovida e eleições diretas foram adotadas. No primeiro pleito, Fernando Schmidt, figura vinculada ao pensamento progressista, foi eleito presidente para um mandato tampão, que se encerra no final desse ano.

Em que pese o mau desempenho dentro de campo, nesse período o Bahia evoluiu consideravelmente fora dele: as eleições livres e democráticas também são proporcionais, garantindo que cada segmento que se organiza em torno do Clube esteja representado no Conselho Deliberativo; este, por sua vez, passou a se reunir com frequência e a cumprir papel protagonista, e não figurativo como em outros tempos. Um novo Estatuto exige prestação de contas mensal e pública, o que tem sido feito, e passou-se a exigir Ficha Limpa aos que ocupam cargos na diretoria.

Fruto de um acordo histórico, o Bahia passou a ser proprietário de um novo e moderno Centro de Treinamento, a “Cidade Tricolor”, além de ter recuperado seu CT antigo, o Fazendão. A diretoria também comprou briga com setores da grande mídia, cortando benefícios recebidos às custas do Clube e, é claro, foi implacavelmente atacada por eles. A “democracia tricolor”, como ficou conhecido esse novo momento, tem tudo para trazer benefícios de médio e longo prazos a um dos mais populares Clubes brasileiros.

Nessas eleições são candidatos à presidência Antônio Tillemont, Binha de São Caetano, Marcelo Sant’Ana, Marco Costa, Nelsival Menezes, Olavo Fonseca e Ronei Carvalho.

Nesse sentido, registramos nosso apoio à candidatura do jornalista Marcelo Sant'Ana, com o número 91, e da chapa “Revolução Tricolor” para o Conselho Deliberativo, com o número 191. Em nossa opinião, são os que têm capacidade de assegurar essas conquistas e corrigir os equívocos cometidos na gestão de futebol.


¹Informações disponíveis em http://globoesporte.globo.com/futebol/brasileirao-serie-a/publico-brasileirao.html

domingo, 7 de dezembro de 2014

‘Ministério de Dilma acelera o tempo histórico e reduz horizonte do petismo’

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 ‘Ministério de Dilma acelera o tempo histórico e reduz horizonte do petismo’

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ESCRITO POR VALÉRIA NADER E GABRIEL BRITO, DA REDAÇÃO   
SEXTA, 05 DE DEZEMBRO DE 2014


Na segunda entrevista pós-eleitoral com os porta-vozes da esquerda anticapitalista, o Correio da Cidadania conversou com o cientista social e dirigente do PSOL José Correia. Em sua avaliação, o partido vem dando importantes passos na consolidação como alternativa de outro projeto societário, o que, em sua visão, também pode se reforçar com um segundo mandato de Dilma ainda mais conservador, dilacerando aquelas que talvez sejam as últimas esperanças sobre o PT.

“Isso rebate num aspecto: o petismo não evidenciou qualquer projeto progressivo de transformação do sistema produtivo; ao revés, promoveu a reprimarização da pauta exportadora do Brasil e aprofundou a desindustrialização iniciada com Collor e Fernando Henrique. Depois de 12 anos desta política sob Lula e Dilma, o resultado é o fortalecimento do capital financeiro e rentista no país, como evidencia o ministério tucano de Dilma”.

Com isso, Correia também alerta que sem uma nova leitura sobre o que é o desenvolvimento no século 21, com todo o passivo ambiental que se agiganta, a esquerda não terá condição alguma de apresentar um projeto de sociedade alternativo e contra-hegemônico. Além de tratar das particularidades que permeiam o partido e suas divergências internas, o socialista também analisou as possibilidades de uma reforma política e explicou a impossibilidade de um partido renunciar às eleições.

“Em situações de ‘normalidade’, é muito difícil para um partido justificar, hoje, não participar das eleições. Na medida em que o Estado se ampliou (e retomo aqui a análise do nosso saudoso Carlos Nelson Coutinho), a disputa eleitoral se tornou mais importante, e não menos. Isso vale para a direita e para a esquerda. Quando a oposição ao Chávez boicotou as eleições, ela se enfraqueceu muito. As atuais instituições expressam uma hegemonia e uma correlação de forças que queremos superar, mas parte importante da disputa política na sociedade flui por elas; as eleições não são, neste sentido, uma farsa, mas disputas em condições desiguais”.

A entrevista completa com Jose Correia pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Qual a sua avaliação sobre o resultado obtido pelo PSOL nas urnas?

José Correa: O PSOL teve, em 5 de outubro, um milhão e seiscentos mil votos dados à candidatura da Luciana Genro (1,55% dos votos validos), contra 886 mil todos dados a Plínio Sampaio (0,87%) em 2010. Praticamente dobrou a votação, e dobrou a bancada de deputados (de três para cinco deputados federais e de cinco para 11 deputados estaduais). Para uma agremiação da esquerda socialista, que atua em uma conjuntura na qual muitos dos ativistas que emergem das novas lutas são céticos quanto à importância da atuação partidária, este não é um resultado menor. Representa a consolidação do PSOL como o espaço de recomposição da esquerda socialista no Brasil, depois da debacle e fragmentação que representou, há pouco mais de uma década, para os setores progressistas a integração do PT ao aparato de Estado

Se supomos que uma alternativa de esquerda não surge de nenhuma auto-proclamação de um grupo político como partido revolucionário (como parece ser o caso dos outros partidos de esquerda no Brasil), a expansão do PSOL é a ampliação deste espaço de recomposição – espaço de aproximações, experiências em comum, fusões e sínteses, mas também de diferenciações, de clarificação da estratégia e das práticas dos distintos núcleos de militantes que compõem o partido ou que com ele se movem. O PSOL tem setores ainda muito polarizados pelo neodesenvolvimentismo petista (o partido coligou com o PT e o PCdoB no Amapá!) e setores que levam uma prática política muito pouco distinta do PSTU. Todavia, a candidatura da Luciana Genro foi capaz de consolidar um centro de gravidade para a intervenção do partido que demarcasse estas perspectivas e pode projetar um projeto estratégico de caráter socialista no Brasil.

Dentro desta visão estratégica de construção do partido a partir da recomposição dos movimentos, das lutas sociais e de um novo projeto político e de sociedade, não há atalho para a expansão do PSOL – como representou, em um primeiro momento da construção do partido, a figura de Heloisa Helena, que tinha uma densidade eleitoral sem correspondência com o que era naquele momento a força e a estruturação orgânica do PSOL. A votação do PSOL deverá avançar com o surgimento de novas lutas e novos movimentos, que estabeleçam novas referências para setores populares e desloquem setores que hoje estão no campo do petismo.

Nesta eleição, o PSOL foi capaz de capitalizar parcialmente alguns elementos das mobilizações de junho de 2013 – e uma capitalização eleitoral é sempre parcial. Podemos observar isso nas boas votações do partido que, nos grandes centros urbanos, expressam posicionamentos de setores da juventude, dos movimentos contra as opressões (mulheres, LGBT, anti-proibicionismo, anti-racismo...) e de alguns movimentos sociais mais radicalizados. Estes foram os setores capazes de realizar um primeiro balanço desta experiência (o bloqueio do projeto que criminaliza a homofobia, a atuação reacionária de Feliciano e da bancada evangélica, a hipocrisia generalizada na política sobre drogas etc.) e consolidar em sua consciência a necessidade de uma ruptura com o petismo. Mas este não foi, em absoluto, resultado do sindicalismo, para dar um exemplo oposto. Junho foi uma mobilização muito heterogênea e com um claro corte geracional, expressão de um descontentamento e um distanciamento amplo da juventude com o sistema político e seu sequestro pelo dinheiro.

Correio da Cidadania: Mas considerando a já relativamente longa participação nas eleições, por que o PSOL não alcança um resultado eleitoral ainda mais substancial?

José Correa: Isso decorre, na minha opinião, da discordância de três tempos (para retomar a fórmula do Daniel Bensaid), cada qual com seu ritmo e velocidade próprios: o tempo da crise do capital no Brasil; o tempo para que o projeto lulista evidencie seus limites históricos; e o tempo para a construção de uma alternativa capaz de fundar um projeto de superação do capitalismo na atualidade. No que diz respeito ao primeiro aspecto, o petismo no poder foi capaz de expandir o mercado interno de forma significativa, promovendo uma redistribuição de renda muito pequena em favor da base da pirâmide (via política do salário mínimo e programas sociais), mas incorporando várias dezenas de milhões de pessoas ao mercado, o que sem dúvida amplia a força política deste projeto junto a contingentes sociais numerosos. Foi uma mudança societária importante para o Brasil, que provoca inclusive uma reação de setores intermediários, que veem a melhora de vida daqueles antes excluídos como seu declínio relativo. Mas, para a recomposição da esquerda, esse é um tempo lento.

Isso rebate no segundo aspecto: o petismo não evidenciou qualquer projeto progressivo de transformação do sistema produtivo; ao revés, promoveu a reprimarização da pauta exportadora do Brasil e aprofundou a desindustrialização iniciada com Collor e Fernando Henrique – hoje um quarto do que consumimos é importado, inclusive todo tipo de quinquilharia comprada da China e de outros países asiáticos, produtos que poderiam sem dificuldade ser fabricados no Brasil. Depois de 12 anos desta política sob Lula e Dilma, o resultado é o fortalecimento do capital financeiro e rentista no país, como evidencia o ministério tucano de Dilma. O Boulos tem razão na crítica mordaz que fez a ele: só falta Kassab nas cidades e Bolsonaro nos direitos humanos. Creio que aqui o tempo se acelera e o horizonte do petismo não é promissor. Mas esta percepção, por enquanto, só é relevante para os setores mais politizados da sociedade.

E creio que há uma debilidade importante, uma fragilidade política monumental do PSOL em visualizar uma ruptura com o desenvolvimentismo, que compromete muito sua capacidade de formular uma alternativa ao capitalismo contemporâneo. Sem superar isso, o PSOL não pode se credenciar como portador de um projeto distinto de sociedade e disputar os corações e as mentes de parte importante da juventude, que já percebe – mesmo que de maneira confusa – que esse é um problema chave a ser enfrentado. Como o partido pode fazer um discurso coerente sem ligar o desmatamento não só da Amazônia, mas do Cerrado e da Mata Atlântica, à crise hídrica no Sudeste, à matriz energética e de transportes, ao perfil das metrópoles e ao conto do vigário do pré-sal?

São Paulo é um labirinto exemplar de projetos tecnocráticos de modernização: os cursos dos rios Tietê e Pinheiros foram desviados para a represa Billings, para aumentar a geração de energia hidroelétrica na Usina Henri Borden em Cubatão, e essa represa, que tem mais água que todo o sistema Cantareira, não pode ser usada para o abastecimento! Gastam-se bilhões na Transposição do São Francisco e as nascentes do rio estão secando, não somente pela seca, mas pela agricultura predatória, sacramentada por Dilma quando sancionou o Código Florestal!

A análise da realidade de cariz economicista e produtivista, originária de uma leitura positivista e cientificista da obra de Marx, e amplamente hegemônica na cultura do sindicalismo, da socialdemocracia e do comunismo, podia se justificar há um século, mas é caricata no mundo de hoje. Como se mais usinas e mais portos, mais carros e mais aparelhos de ar-condicionado, mais PIB e mais acumulação de capital especulativo criassem melhores condições para superar as mazelas do capitalismo e transitar para outra sociedade!

Para se usar uma linguagem tradicional, parcelas cada vez maiores das forças produtivas se convertem em forças destrutivas. Isso está desestabilizando o sistema climático e destruindo enormes parcelas da biosfera do planeta, dos biomas e da sua biodiversidade e dos fluxos fisíco-químicos essenciais à vida para a sobrevivência da humanidade. Essa visão positivista e economicista do projeto socialista é, parafraseando Marx, uma tradição das gerações mortas, que oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. Superá-la é uma pré-condição para qualquer partido de esquerda disputar um projeto de sociedade com as visões hoje hegemônicas.

Correio da Cidadania: O monopólio da mídia e a mobilização de grandes recursos pelos partidos burgueses é parte essencial das eleições. A priorização da opção eleitoral nas corridas para os cargos majoritários e para o parlamento burguês não cria, nessascircunstâncias, handicaps negativos, reforçando chamada a ‘farsa eleitoral’? O que fazer para superá-los?

José Correa: Há três questões distintas envolvidas nesta pergunta. Vamos tomar, inicialmente, a mais geral e inverter a pergunta. É possível, para uma força política buscando o reconhecimento de parcelas amplas da sociedade, não participar das eleições? Sim, mas somente em situações bem específicas (ditaduras, golpes de Estado, proibição de um partido com muita adesão funcionar e coisas do tipo). Em situações de “normalidade”, é muito difícil para um partido justificar, hoje, não participar das eleições. Isso poderia fazer sentido em sociedades agrícolas, mas não faz nenhum sentido em sociedades urbanas e industriais, com Estados amplos e regimes liberais, com a quase totalidade da população tendo direitos políticos e sendo chamada periodicamente a votar e eleger seus governantes.

Grande parte das condições de vida da população decorre diretamente da gestão do aparelho de Estado, que não é mais apenas um aparelho repressivo, mas é também o responsável por toda uma miríade de políticas públicas que determinam o acesso a direitos e a qualidade de vida da população. Vamos dizer para ela que não vamos tratar destes assuntos “administrativos”? Não faz sentido. Na medida em que o Estado se ampliou (e retomo aqui a análise do nosso saudoso Carlos Nelson Coutinho), a disputa eleitoral se tornou mais importante, e não menos. Isso vale para a direita e para a esquerda. Quando a oposição ao Chávez boicotou as eleições, ela se enfraqueceu muito. As atuais instituições expressam uma hegemonia e uma correlação de forças que queremos superar, mas parte importante da disputa política na sociedade flui por elas; as eleições não são, neste sentido, uma farsa, mas disputas em condições desiguais.

A forma como tratamos com as restrições às manifestações da livre vontade da população é buscando desbordar estes limites, rompê-los, e aí estão as duas outras questões que vocês colocam. Em vários países da América do Sul, governos progressistas estão procurando redefinir as características entre a mídia e a política. Como, nestes países, alguns poucos grandes grupos de mídia funcionam como partidos políticos, disputando a adesão das massas a suas posições e buscando condicionar os resultados eleitorais, a esquerda tem procurado regulamentar este poder ou fatiá-lo (na tradição antimonopolista dos EUA). Mas esta é uma disputa política entre adotar uma legislação mais liberal ou mais democrática sobre a concentração da mídia.

E esta é ainda a disputa sobre o sistema político. A forma atual que ele adquire no Brasil nada tem de acidental. O chamado presidencialismo de coalizão foi montado, na Constituição de 1988, principalmente para potencializar o poder político das oligarquias regionais e ampliar seu acesso aos fundos públicos, não só dos governos estaduais, mas também do Estado central, controlados pelo Executivo. O presidencialismo de coalização significa que, para garantir a governabilidade, o mandatário no Executivo deve conceder o acesso à parte dos recursos que gere para grupos de poder no Legislativo, em troca de seu apoio. Deste ponto de vista, o atual federalismo facilita a continuidade do saque do Estado por interesses privados e representa uma regressão face ao centralismo vigente entre 1930 e 1988, dando uma fachada democrática à reprodução do poder de oligarquias seculares.

Este sistema foi o vetor resultante – na correlação de forças do final da década de 1980 – de um Estado desenvolvimentista centralizado em crise, oligarquias regionais vorazes que se moviam com desenvoltura na crise da Ditadura e movimentos sociais dinâmicos e muito reivindicativos, mas sem qualquer projeto de Estado e muitas vezes hegemonizados pelo pensamento político liberal. As leis então redigidas e que continuam regendo a política no Brasil foram feitas principalmente para que elites políticas locais – que funcionam em uma afinidade eletiva com o capital – tivessem seu poder amplificado (por exemplo, pela quebra do princípio de igualdade de peso para todo voto, sob o argumento de preservar o princípio federativo) e pudessem capturar parcelas maiores do que anteriormente dos fundos estatais. A reforma política é um tema importante para a esquerda, e central para a disputa na atual conjuntura porque ela pode discutir a questão do poder.

Correio da Cidadania: Vocês têm alguma reflexão quanto à possibilidade de uma reforma política conservadora colocar fora do páreo partidos menores, como poderia ser o caso do próprio PSOL?

José Correa: Como tratar a reforma política? Não acredito que o melhor caminho para isso seja conduzi-la para dentro das instituições que estão aí, como fazem quase todas as propostas hoje em circulação, em especial as que partem de setores vinculados ao PT. Efetivamente, se realizássemos hoje a eleição para uma Assembleia Constituinte segundo as regras eleitorais vigentes, ela teria uma ampla hegemonia conservadora e poderia produzir uma perda de direitos ou retrocessos na democracia (como a adoção de cláusulas de barreira ou do voto distrital misto).

Para enfrentar este problema, eu creio que a iniciativa mais sábia é a animada pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, chamada pela CNBB, que está propondo um conjunto simples de questões para mudar alguns fundamentos do sistema eleitoral (inclusive bloquear as iniciativas de restabelecimento do financiamento empresarial de campanha, que está sendo derrubado pelo Supremo). Essa é a batalha possível hoje.

Se formos bem sucedidos, poderemos modificar a correlação de forças e estabelecer um sistema eleitoral mais democrático, podendo então disputar uma reforma política pela esquerda. Normalmente, só é possível modificar as instituições centrais do Estado em situações de crise política muito ampla e aguda – algo que boa parte dos petistas parece ter esquecido. Mas este é o objetivo central da esquerda, estabelecer outro poder político alicerçado em instituições efetivamente democráticas.

Correio da Cidadania: A defesa do PSOL do voto nulo ou em Dilma no segundo turno deu força a que uma ala do partido seguisse a ideia do voto útil, e obviamente votasse em Dilma, como o ‘mal menor’. O que você pensa disto? Essa postura não debilita a organização de um partido, que é parte da esquerda revolucionária?

José Correa: Considero correta a resolução adotada pela Executiva Nacional do PSOL por ocasião do segundo turno, que trabalhava no sentido de que nenhum voto fosse dado ao Aécio. A imensa maioria dos eleitores, ou mesmo dos militantes, é pouco influenciada por este tipo de declaração – votam de acordo com suas convicções.

É claro que, para muitos setores muito golpeados pelos governos do PT (como, por exemplo, os movimentos que combatem a construção de represas na Amazônia ou o funcionalismo público do Rio Grande do Sul conflitado com o governo estadual de Tarso Genro), o voto nulo faz todo sentido. Mas setores populares favorecidos pela elevação do salário mínimo ou pelas políticas de transferência de renda, ou ainda setores com uma definição ideológica de esquerda nas universidades, teriam muita dificuldade de lidar com uma campanha de voto nulo do PSOL e poderiam, se isso acontecesse, romper eventuais laços que começam a construir com o PSOL – ainda mais se isso contribuísse para eleger Aécio presidente.

O posicionamento de segundo turno de um partido de esquerda com uma implantação social real deve permitir que este partido continue a dialogar com diferentes setores e inserções sociais. É por isso que, quando estes partidos na Europa ficam fora do segundo turno, eles costumam chamar o voto crítico nos partidos progressistas para derrotar os partidos de direita.

Correio da Cidadania: Face aos bons resultados obtidos pelo PSOL no Rio de Janeiro, qual a estratégia do partido para este estado?

José Correa: A ambição do PSOL é ser o espaço de recomposição de um projeto de esquerda na sociedade brasileira. Esta recomposição se processa em ritmos diferentes nas diferentes realidades regionais de um país continental como o nosso. O estado do Rio foi aquele onde o PSOL conseguiu, em seu processo de formação, atrair setores da antiga esquerda petista com maior influência de massa (como, por exemplo, o Chico Alencar e o Marcelo Freixo) e ganhar uma expressão eleitoral. É também onde temos um partido que mais se aproxima das definições políticas que a esquerda vem sustentando.

Que a candidatura do Tarcisio Motta para governado tenha tido quase 10% dos votos válidos (712 mil votos) é uma expressão disso, que já tinha se manifestado antes na campanha do Marcelo para prefeito em 2012. Em alguns estados importantes, a presença eleitoral do PSOL é bem menor, mas já permite a eleição de parlamentares; ela é, por outro lado, muito pequena ou quase inexistente em outros. E no Amapá, a maioria do PSOL funciona como uma sublegenda do PT (tanto que o senador Randolfe Rodrigues está de saída do PSOL). A intervenção nacional do partido é o resultado da interação dialética de tudo isso, o que resulta em uma vida interna muito conflitiva, resultado da presença no partido de visões de esquerda muito distintas.

A seção do PSOL no Rio funciona, neste sentido, como uma vitrine do que o partido propõe e pode fazer. Ela está sendo levada a disputar cada vez mais espaço institucional – por exemplo, nas próximas eleições municipais de 2016, Marcelo Freixo deve ser novamente candidato a prefeito na cidade do Rio de Janeiro e não é descartado que possa ganhar. Isso é perigoso, mas desafiador. Perigoso porque ganhar uma prefeitura como a da cidade do Rio traria para dentro do PSOL, que ainda está em seus estágios iniciais de construção, uma série de tensões estruturais da sociedade brasileira, que poderiam complicar muito a vida do PSOL. Mas se o partido enfrentar com sucesso este tipo de desafios, ele se credencia muito mais como alternativa.

Creio que esta é uma percepção muito antiga na política. Se a oportunidade se apresenta (a fortuna, diria Maquiavel), é necessário que o partido mostre a capacidade de aproveitá-la em seu benefício, exerça suas qualidades, sua virtude.

Correio da Cidadania: Finalmente, como você enxerga a atuação do PSOL em 2015, sob o novo governo Dilma?

José Correa: A revelação dos esquemas de corrupção na Petrobrás mostra o grau de promiscuidade entre os governos dos partidos da ordem (PT incluído) e os interesses empresariais. E a indicação por Dilma de ministros muito conservadores para a área econômica (e Katia Abreu para a agricultura) mostra o loteamento de seu governo pelo capital financeiro e pelo agronegócio. O Guilherme Boulos publicou uma crônica muito mordaz na Folha de S.Paulo, onde perguntava por que, nessa lógica, não indicar Kassab para o ministério das Cidades, Bolsonaro para a secretaria de Direitos Humanos e o Lobão para a cultura? Essa é uma indagação legítima. Se o PT se reivindica um partido de esquerda, o que será a política de esquerda sob Dilma em 2015?

Podemos supor que 2015 se desenrolará sob os auspícios das políticas de austeridade da nova equipe econômica e sob os escândalos de corrupção envolvendo uma parte importante da bancada governista no Congresso, graças às ramificações do Petrolão. Não podemos descartar nem mesmo a retomada de uma crise política aguda se os escândalos levarem a novas mobilizações massivas nas ruas (e as prefeituras do PT já estão estudando aumentos das passagens de ônibus, o que deflagrou os protestos de 2013...).

Tanto por sua presença em boa parte dos movimentos que conduzem lutas no país, como por ter sido o único partido com parlamentares que não receberam dinheiro das empreiteiras, o PSOL pode buscar construir um polo de oposição de esquerda ao governo Dilma. Mas sua evolução está condicionada pelo desenrolar da luta popular no país, com tudo que isso tem de espontaneidade e imprevisibilidade.

Leia também:
‘Infelizmente, segundo governo Dilma será bem mais conservador que o primeiro’ – entrevista com Mauro Iasi, candidato a presidente pelo PCB.


Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

sábado, 6 de dezembro de 2014

A mais linda animação sobre dar de comer a quem tem fome

contioutra

http://www.contioutra.com/mais-linda-animacao-sobre-dar-de-comer-quem-tem-fome/


A mais linda animação sobre dar de comer a quem tem fome

2402
“Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que seja preciso o pretexto da guerra: essa arma chama-se fome.”
Mia Couto - Conferência de Estoril 
Baseada em uma história ancestral sobre a fome e partilha, este vídeo de animação faz parte da campanha da Caritas “One Human Family, Food for All” e teve a direção de arte de EALLIN.
A “alegoria das colheres longas” nos ensina que quando lutamos para alimentar apenas a nós mesmos, todo mundo passa fome. Mas quando nos concentramos na fome do nosso vizinho, descobrimos que há maneiras de alimentar a todos.

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Trensalão: Ministério Público já tem detalhes que podem apontar tucanos envolvidos

carta maior
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Trensalao-Ministerio-Publico-ja-tem-detalhes-que-podem-apontar-tucanos-envolvidos/4/32368


Trensalão: Ministério Público já tem detalhes que podem apontar tucanos envolvidos

Em viagem à Suiça, promotores obtiveram informações que detalham o caminho percorrido pelo dinheiro desviado no governo estadual tucano.


Cida de Oliveira, da Rede Brasil Atual
Alexandre Carvalho / A2 Fotografia
São Paulo – O Ministério Público de São Paulo vai anunciar no começo da próxima semana detalhes do esquema de corrupção envolvendo empresários e políticos tucanos em contratos do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
 
O promotor Marcelo Milani, da Promotoria do Patrimônio Público, que viajou recentemente à Suiça com outros promotores e procuradores da República, obteve documentos e informações de empresas e consultorias que detalham o caminho percorrido pelo dinheiro desviado no governo paulista, o que vai levar à indicação de outros envolvidos, entre eles de políticos e agentes públicos do governo estadual tucano.
 
O deputado Luiz Claudio Marcolino (PT) esteve na tarde de ontem (4) reunido com Milani. De acordo com o petista, o promotor adiantou que serão abertos outros inquéritos a partir das novas informações obtidas na Suíça. "Além dos inquéritos antigos, vão começar a investigar os contratos mais recentes", disse Marcolino, que juntamente com o parlamentar petista Antonio Mentor tem encaminhado representações ao MP sobre o caso.
 
"A partir das novas informações obtidas pelo MP, esperamos mais agilidade e empenho nas investigações para que possamos chegar rapidamente ao nome dos agentes públicos e políticos envolvidos", disse Marcolino.
 
A Polícia Federal concluiu um inquérito sobre o esquema de corrupção no Metrô e na CPTM em contratos no período de 1998 e 2008. O processo foi encaminhado esta semana à Justiça Federal, que indiciou 33 pessoas investigadas por corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de cartel e crime licitatório.
 
Entre os 33 estão servidores públicos, doleiros, empresários e executivos de multinacionais do setor. De acordo com o portal G1, foram indiciados  Adilson Primo (ex-presidente da Siemens), Ramon Fondevilla (na época do cartel, diretor-geral de transporte da Alstom), Agenor Marinho Contente (então presidente da CAF), Masao Suzuki (então vice-presidente da Mitsui), Massimo Gianvina Bianchi (presidente da TTrans), Serge Van Temsche (ex-presidente da Bombardier).
 
E os dirigentes e ex-dirigentes da CPTM João Roberto Zaniboni – que mantinha na Suíça uma conta com US$ 826 mil, dinheiro que promotores brasileiros e suíços suspeitam que tenha sido de propina –, Ademir Venâncio de Araújo – que tinha US$ 1,2 milhão num banco suíço e que teve sua conta bloqueada pelo governo local por origem suspeita. Ambos foram diretores da CPTM durante os governos de Mario Covas e Geraldo Alckmin.
 
A lista inclui José Luiz Lavorente, há 15 anos na empresa, tendo trabalhado durante os governos Covas, Serra e Alckmin; o atual presidente da CPTM, Mário Manuel Bandeira, e Arthur Gomes Teixeira, da empresa Procint, que, segundo a PF, intermediava o pagamento da propina.
 
O ex-governador e senador eleito José Serra (PSDB) não foi indiciado porque a PF não identificou ligação do tucano com as empresas lideradas pela Siemens.
 
O caso envolvendo as empresas estatais e seus fornecedores de trens veio à tona com a divulgação, em 2013, as denúncias feitas por um ex-executivo da Siemens em troca da redução de pena por envolvimento no esquema que vigora nos governos do PSDB desde Mário Covas, passando por José Serra e agora Geraldo Alckmin.

O surpreendente Curdistão libertário

op
http://outraspalavras.net/destaques/o-surpreendente-curdistao-libertario/


O surpreendente Curdistão libertário

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Combatentes das YPG, as Brigadas de Proteção do Povo curdas
Combatentes das YPG, as Brigadas de Proteção do Povo, que lutam por Curdistão autônomo e federativo
Arejado, partido marxista flerta com ideias pacifistas, feministas e neoanárquicas, defende-se do fundamentalismo islâmico e abre avenida de esperança no Oriente Médio 
Por Rafael Taylor | Tradução Leonardo Griz Carvalheira
Os curdos não têm amigos, exceto as montanhas
– provérbio curdo
Excluídos das negociações e traídos pelo Tratado de Lausanne de 1923, depois de terem um estado próprio prometido pelos aliados da Primeira Guerra Mundial durante a dissolução do Império Otomano, os curdos são a maior etnia sem estado do mundo. Mas hoje, apesar de um Irã inflexível, sobram cada vez mais obstáculos para uma independência de jure curda no norte do Iraque. Turquia e Israel já sinalizaram apoio enquanto Síria e Iraque têm as mãos atadas pelo rápido avanço do Estado Islâmico (antigo ISIS).
Com a bandeira curda tremulando do alto de todos os prédios oficiais e a Peshmerga mantendo os islâmicos afastados com a extremamente atrasada assistência militar dos EUA, o Curdistão do Sul (Iraque) se junta aos camaradas do Curdistão Ocidental (Síria) como a segunda região autônoma de facto do novo Curdistão. Já começaram a exportar seu próprio petróleo e retomaram a petrolífera Kirkuk, têm um próprio parlamento secularizado e eleito e uma sociedade pluralista, pediram reconhecimento da ONU, e não há nada que o governo do Iraque possa fazer – ou os EUA fizessem sem o apoio de Israel – para detê-los.
A luta curda, no entanto, é qualquer coisa exceto estritamente nacionalista. Nas montanhas acima de Erbil, no antigo coração do Curdistão, passando pelas fronteiras da Turquia, Irã, Iraque e Síria, nasce uma revolução social.
Mapa atual da Síria e Iraque. Regiões amarelas no norte da Síria são controladas por curdos sírios, regiões esverdeadas no nordeste do Iraque são controladas por curdos iraquianos (fonte: Wikimedia Commons)
Mapa atual da Síria e Iraque. Regiões amarelas no norte da Síria são controladas por curdos sírios, regiões esverdeadas no nordeste do Iraque são controladas por curdos iraquianos (fonte: Wikimedia Commons)
A Teoria do Confederalismo Democrático
TEXTO-MEIO
Na virada do século, enquanto o sempre radical estadunidense Murray Bookchin desistia de tentar revitalizar o movimento anarquista contemporâneo sob a sua filosofia da ecologia social, o fundador e líder do PKK Abdullah Öcalan foi preso no Quênia por autoridades turcas e condenado à morte por traição. Nos anos seguintes, o velho anarquista ganhou no militante endurecido um improvável devoto, cuja organização paramilitar – o PKK – é amplamente listada como uma organização terrorista por causa da guerra violenta de libertação travada contra a Turquia.
Nos seus anos de confinamento solitário, dirigindo o PKK por detrás das grades enquanto sua pena era alterada para prisão perpétua, Öcalan adotou uma forma de socialismo libertário tão desconhecida que pouquíssimos anarquistas tinham sequer ouvido falar: omunicipalismo libertário de Bookchin. Depois Öcalan modificou, especificou e rebatizou a visão de Bookchin como“confederalismo democrático”, e como consequência a União das Comunidades do Curdistão (Koma Civakên Kurdistan ou KCK), o experimento territorial do PKK de uma sociedade democrática livre e direta, foi mantida em segredo para a grande maioria dos anarquistas, e ainda mais para o público geral.
Apesar de a conversão de Öcalan ter sido um ponto crucial, um renascimento mais amplo doesquerdismo libertário e da literatura independente estava descendo as montanhas e passando de mão em mão entre os praças após o colapso da União Soviética nos anos 1990. “[Eles] analisaram livros e artigos de filósofos, feministas, (neo)anarquistas, comunistas libertários, comunalistas e ecologistas sociais. Foi assim que escritores como Murray Bookchin [e outros] chegaram aos seus focos”, nos conta o ativista curdo Ercan Ayboga.
Öcalan embarcou, nos seus escritos da prisão, num minucioso re-exame e autocrítica da terrível violência, dogmatismo, culto à personalidade e autoritarismo que ele havia promovido: “Ficou claro que nossa teoria, programa e práxis da década de 1970 produziu nada além de um separatismo fútil e violência e, ainda pior, que o nacionalismo, a que deveríamos nos opor, infestou a todos nós. Mesmo nos opondo em princípio e retórica, aceitamos, no entanto, [o nacionalismo] como inevitável.” Antes líder inquestionável, Öcalan agoraargumenta que “o dogmatismo é nutrido por verdades abstratas que se tornam formas habituais de pensar. Quando você põe essas verdades generalistas em palavras, você se sente como um alto sacerdote a serviço do seu deus. Esse foi o erro que cometi.”
Öcalan, um ateu, estava finalmente escrevendo como um livre pensador. Ele mencionou estar buscando uma “alternativa ao capitalismo” e uma “reposição ao modelo do (…) ‘socialismo realmente existente’”, quando cruzou com Bookchin. Sua teoria do confederalismo democrático se desenvolveu a partir de uma combinação da inspiração de intelectuais comunalistas, “movimentos como os Zapatistas”, e outros fatores históricos da luta no Curdistão do Norte (Turquia). Öcalan proclamou-se como discípulo de Bookchin, e depois de uma falha tentativa de correspondência por e-mail com o velho teórico, que para o seu azar estava muito doente para tal troca em seu leito de morte em 2004, o PKK o celebrou como “um dos maiores cientistas sociais do século XX” na época de sua morte dois anos mais tarde.
A prática do Confederalismo Democrático
O próprio PKK aparentemente seguiu seu líder, não só adotando a visão específica de eco-anarquismo de Bookchin, mas internalizando ativamente a nova filosofia na sua estratégia e tática. O movimento abandonou a guerra sangrenta pela revolução stalinista/maoísta e as táticas de terror que carregava, e começou a usar amplamente uma estratégia não-violenta visando uma maior autonomia regional.
Depois de décadas de traições fratricidas, cessar-fogos fracassados, prisões arbitrárias e recorrentes hostilidades, em 25 de abril deste ano o PKK anunciou uma retirada imediata de suas forças na Turquia e seu reposicionamento no norte do Iraque, acabando efetivamente com o conflito de três décadas com o estado turco. Simultaneamente o governo turco realizou um processo de reforma constitucional e legal para consagrar direitos humanos e culturais à minoria curda dentro de suas fronteiras. Isso veio como o componente final da longa negociação entre Öcalan e o primeiro ministro turco Erdoğan como parte do processo de paz iniciado em 2012. Não houve violência do PKK por um ano e estão sendo feitospedidos para retirá-los das listas de terroristas do mundo.
Resta ao PKK, no entanto, uma história sombria – práticas autoritárias que pegam mal para esta nova retórica libertária. Levantar verbas através do comércio de heroína, extorsão, recrutamento coercitivo e saques generalizados era constantemente reivindicado ou atribuído a suas sucursais. Se for verdade, nenhuma desculpa para este oportunismo pode ser feita, apesar da óbvia ironia do próprio estado genocida turco fundamentar-se em boa parte do lucrativo monopólio da exportação legal de opiáceos “medicinais” estatais para o ocidente e tornou possível pela conscrição e taxação desta atividade um orçamento contra o terrorismo e um exagerado exército (A Turquia tem o segundo maior exército da OTAN depois dos EUA).
Como é a hipocrisia costumeira da guerra contra o terror, quando movimentos de libertação nacional imitam a brutalidade do estado, invariavelmente os não representados são taxados de terroristas. O próprio Öcalan descreve esse vergonhoso período como de “gangues internas da nossa organização e banditismo aberto, [que] arranjaram operações aleatórias e desnecessárias, mandando jovens, em massa, para a morte.”
Abdullah Öcalan, o dirigente comunista que ajuddou a que ajudou a reposicionar a luta curda pela autonomia após viver, na prisão, um notável giro ideológico
Abdullah Öcalan, o dirigente comunista que ajuddou a que ajudou a reposicionar a luta curda pela autonomia após viver, na prisão, um notável giro ideológico
Correntes anarquistas na luta
Como mais um sinal de que está abandonando os caminhos marxistas-leninistas, porém, o PKK recentemente começou a fazer propostas explícitas ao anarquismo internacionalista, inclusive oferecendo uma oficina no Congresso Internacional de Anarquismo (International Anarchism Gathering) em St. Imier, Suiça, em 2012, que levou a confusão, desânimo e debate on-line, mas que passou despercebido para a imprensa anarquista mais ampla.
Janet Biehl, viúva de Bookchin, é uma das poucas a estudar a União das Comunidades do Curdistão (KCK) em campo, e escreveu extensivamente sobre suas experiências no site New Compass, inclusive compartilhando entrevistas com radicais curdos, envolvidos nas operações diárias das assembleias democráticas e das estruturas federais, assim como traduzindo e publicando o primeiro estudo anarquista que virou livro sobre o assunto: Democratic Autonomy in North Kurdistan: The Council Movement, Gender Liberation, and Ecology (2013) [Autonomia Democrática no Curdistão do Norte: o Movimento dos Conselhos, Libertação de Gênero e Ecologia, tradução livre].
A outra única voz anarquista que fala inglês é o Fórum Anarquista do Curdistão (Kurdistan Anarchist Forum – KAF), um grupo pacifista de curdos iraquianos morando na Europa que diz não “ter nenhuma relação com outros grupos de esquerdistas”. Enquanto apóia um Curdistão federado, o KAF declara que “só vai apoiar o PKK quando eles desistirem completamente da luta armada e se engajarem em organizar movimentos de massa de base popular com o objetivo de suprir demandas sociais do povo, denunciarem e desmantelarem modos centralizados e hierarquizados de luta e substituí-los por grupos locais autônomos federados, encerrarem todas as relações, acordos e negociações com os estados do Oriente Médio e do Ocidente, denunciarem políticas de poder carismático e converterem-se ao anti-estatismo e anti-autoritarismo – só então seremos felizes em cooperar totalmente com eles.”
Seguindo Bookchin ao pé da letra
Este dia (exceto o pacifismo) pode não estar tão longe. O PKK/KCK parecem estar seguindo Bookchin ao pé da letra, quase totalmente, inclusive com a contraditória participação no aparato estatal via eleições, assim como previsto nos seus livros.
Como escrevem Joost Jongerden e Ahmed Akkaya, “o trabalho de Bookchin diferencia duas ideias de política, a helênica e a romana”, que são [respectivamente] a democracia direta e a representativa. Bookchin enxerga sua forma de neo-anarquismo como um renascimento da antiga revolução ateniense. O “modelo de Atenas existe como uma corrente que encontra expressões na Comuna de Paris de 1871, nos conselhos (sovietes) da primavera da Revolução Russa de 1917 e na Revolução Espanhola em 1936.”
O comunalismo de Bookchin contém uma abordagem em cinco passos:
  1. Entender pela lei as municipalidades existentes com o objetivo de tornar local o poder de decisão.
  2. Democratizar essas municipalidades através de assembleias de base.
  3. Unir as municipalidades “em redes regionais e confederações mais amplas (…) trabalhando para substituir gradualmente Estados-nações por confederações municipais”, enquanto assegura que “níveis ‘maiores’ da confederação têm essencialmente funções de coordenação e administração.”
  4. “Unir movimentos sociais progressistas” para fortalecer a sociedade civil e estabelecer “um ponto focal comum para todas as iniciativas cidadãs e movimentos”: as assembleias. Esta cooperação “não é [examinada minuciosamente] porque esperamos ver sempre um consenso harmonioso, mas – ao contrário – por que acreditamos em desacordo e deliberação. A sociedade se desenvolve pelo debate e pelo conflito”. Além disso, as assembleias são seculares, “[lutando] contra influencias religiosas na política e no governo”, e uma “arena para a luta de classes”.
  5. Para alcançar sua visão de uma “sociedade sem classes, baseadas no controle político coletivo sobre os meios de produção socialmente importantes”, se fazem necessárias a “municipalização da economia” e a “alocação confederada de recursos para garantir um equilíbrio entre as regiões”. Em termos leigos, isso equivale a uma combinação de autogestão dos trabalhadores e planejamento participativo para atender às necessidades sociais: a economia anarquista clássica.
Como coloca Eirik Eiglad, antigo editor de Bookchin e analista da KCK:
“É particularmente importante a necessidade de combinar os conhecimentos dos movimentos progressistas feministas e ecológicos com os novos movimentos urbanos e as iniciativas cidadãs, assim como sindicatos e cooperativas e coletivos locais (…) Acreditamos que as ideias comunalistas de uma democracia baseada em assembleias irão contribuir para tornar esta mudança progressiva de ideias possível em bases mais permanentes e com mais consequências políticas diretas. Ainda que o comunalismo não é só um meio tático para unir estes movimentos radicais. Nosso chamado por uma democracia municipal é uma tentativa de dar razão e ética para a frente da discussão pública.”
Para Öcalan, confederalismo democrático significa uma “sociedade democrática, ecológica e com liberdade de gêneros”, ou simplesmente “democracia sem estado”. Ele contrasta explicitamente “modernidade capitalista” com “modernidade democrática”, em que os antigos “três elementos básicos: capitalismo, Estado-nação e industrialismo” são substituídos por uma “nação democrática, economia comunal e indústria ecológica”. Isto implica “três projetos: um pela república democrática, um para o confederalismo democrático e um para a autonomia democrática.”
O conceito da “república democrática” refere-se essencialmente a reconhecer a cidadania e os direitos civis há muito tempo negados aos curdos, incluindo a possibilidade de falar e ensinar livremente sua própria língua. Autonomia e confederalismo democráticos referem-se às “capacidades autônomas das pessoas, uma forma de estrutura política mais direta, menos representativa.”
Enquanto isso, Jongerden e Akkaya notam que o “modelo do municipalismo livre visa realizar um corpo administrativo participativo, de baixo para cima, de nível local para o provincial.” O “conceito de cidadãos livres (ozgur yarttas) [é] o ponto de partida”, que “inclui liberdades civis básicas, assim como liberdade de expressão e organização.” A unidade central do modelo é a assembleia de bairro ou os “conselhos”, como eles são referenciados indistintamente.
Existe participação popular nos conselhos, inclusive de pessoas não-curdas, e enquanto as assembleias de bairro são fortes em várias províncias, “em Diyarbakir, a maior cidade do Curdistão turco, há assembleias em quase todo lugar.” Nos outros lugares, “nas províncias de Hakkari e Sirnak (…) há duas autoridades paralelas [a KCK e o estado], dos quais a estrutura democrática confederada é mais poderosa na prática.” A KCK na Turquia “é organizada nos níveis de vila (köy), bairro urbano (mahalle), distrito (ilçe), cidade (kent) e a região (bölge) que é chamada de ‘Curdistão do Norte’.”
O nível “mais alto” da federação no Curdistão do Norte, o DTK (Congresso da Sociedade Democrática) é uma mistura de cargos delegados dos seus pares com mandatos revogáveis, que preenchem 60%, e representantes de “mais de quinhentas organizações da sociedade civil, sindicatos e partidos políticos”, que completam os 40%, dos quais aproximadamente 6% é “reservado para representantes de minorias religiosas, acadêmicos, ou outros casos particulares”.
A proporção de 40% dos que são delegados por grupos diretamente democráticos, não-estatistas da sociedade civil comparado àqueles que são burocratas partidários eleitos ou não-eleitos não está clara. A situação fica ainda mais complicada com a sobreposição de indivíduos de movimentos curdos independentes e de partidos políticos curdos e com a internalização por parte dos partidos de muitos aspectos do processo diretamente democrático. De qualquer forma, o consenso informal entre as testemunhas é de que a maior parte das decisões são tomadas por democracia direta em ambas as ocasiões; que a maioria das decisões são tomadas na base; e que as decisões são executadas de baixo para cima de acordo com a estrutura federal.
Por causa das assembleias e do DTK serem coordenados pelo ilegal KCK, do qual o PKK é membro, eles são designados como “terroristas” pela Turquia e pela chamada comunidade internacional (leia-se União Europeia, EUA e outros), por associação. O DTK também seleciona os candidatos do partido pró-curdos BDP (Partido Democracia e Paz) para o Parlamento turco, que por sua vez propõe “autonomia democrática” à Turquia, num tipo de combinação de democracia representativa e direta. Alinhado com o modelo federalista, propõe o estabelecimento de aproximadamente 20 regiões autônomas que autogovernariam diretamente (no modelo anarquista e não no Suíço) “educação, saúde, cultura, agricultura, indústria, serviços sociais e segurança, questões das mulheres, dos jovens e os esportes”, com o estado continuando a conduzir “relações internacionais, finanças e defesa”.
A Revolução Social decola
No chão, enquanto isso, a revolução já começou.
No Curdistão turco existe um movimento educacional independente de “acadêmicos” que puxam fóruns e seminários de discussão nos bairros. Há a Rua da Cultura, onde Abdullah Demirbas, o prefeito do município de Sur em Amed, celebra “a diversidade dos sistemas de religiões e crenças”, declarando que “começamos a restaurar uma mesquita, uma igreja católica caldeia-aramaica, uma igreja ortodoxa armena e uma sinagoga judaica”. Por outro lado, relatam Jongerden e Akkaya, “as municipalidades do DTK deram início a um ‘serviços municipais multilíngues’, produzindo um debate acalorado. Sinalizações foram erguidas em curdo e em turco, e comerciantes locais seguiram o exemplo”.
A libertação das mulheres é puxada pelas próprias mulheres através de iniciativas do Conselho de Mulheres do DTK, impondo novas regras como a “cota mínima de gênero de 40%” nas assembleias. Se um servente civil bate em sua mulher, seu salário é diretamentetransferido à sobrevivente para fornecê-la segurança financeira e usá-lo como bem entender. “Em Gewer, se um homem tem uma segunda esposa, metade de seus bens vão para a primeira.”
Há as “Vilas de Paz”, comunidades novas ou transformadas de cooperativas, implementando seu próprio programa totalmente fora dos constrangimentos logísticos da guerra curdo-turca. A primeira comunidade assim foi construída na província de Hakkari, na fronteira com o Irã e o Iraque, onde “certas vilas” aderiram ao experimento. Na província de Van, uma “vila ecológica de mulheres” está sendo construída para acolher vítimas de violência doméstica, suprindo-se “com toda ou quase toda energia necessária”.
A KCK realiza reuniões bienais nas montanhas com centenas de delegados dos quatro países, atentos à constante ameaça do Estado Islâmico à autonomia do Curdistão do Sul e Ocidental. Os partidos ligados ao KCK no Irã e na Síria, PJAK (Partido por uma Vida Livre no Curdistão) e PYD (Partido da União Democrática), também promovem o confederalismo democrático. O partido da KCK no Iraque, PCDK (Partido pela Solução Democrática para o Curdistão) é relativamente insignificante, dirigido pelo centrista Partido Democrático do Curdistão e seu líder Massoud Barzani, presidente do Curdistão iraquiano, que só recentemente o descriminalizou e passou a tolerá-la.
Nas áreas montanhosas do extremo norte do Curdistão iraquiano, onde vivem a maioria das guerrilhas do PKK e do PJAK, contudo, a literatura radical e as assembleias prosperam, com a integração entre as montanhas, muitos curdos puderam continuar após décadas de expulsões e despejos. Nas últimas semanas, esses militantes desceram as montanhas do extremo norte para lutar ao lado da Peshmerga iraquiana contra o ISIS, resgatando 20 mil Yazidi e cristãos das montanhas do Sinjar e recebendo a visita de Barzani numa demonstração pública de gratidão e solidariedade, para o constrangimento da Turquia e dos EUA.
O PYD sírio seguiu, desde o início da guerra civil, os passos do Curdistão turco na transformação revolucionária da região autônoma sob seu controle. Após “ondas de prisões” sob a repressão dos baathistas, com “10 mil pessoas [levadas] em custódia, entre prefeitos, líderes de partidos locais, deputados, dirigentes e ativistas (…) o PYD curdo expulsou o regime de Baath do norte da Síria, ou do Curdistão Ocidental, [e] conselhos locais apareceram por toda parte”. Comitês de autodefesa foram improvisados para providenciar “segurança à beira do colapso do regime de Baath”, e “a primeira escola a ensinar língua curda” foi estabelecida, enquanto os conselhos interviam na distribuição equitativa de pão e gasolina.
No Curdistão turco, sírio e uma parte menos do iraquiano, as mulheres agora são livres para desvendar e para se encorajarem fortemente em participar da vida social. Antigos laços feudais estão sendo quebrados, as pessoas estão livres para seguirem qualquer ou nenhuma religião, e minorias étnicas e religiosas podem viver juntas pacificamente. Se são capazes de deter o novo califado, a autonomia do PYD no Curdistão sírio e a influência da KCK no Curdistão iraquiano pode fermentar uma explosão ainda mais profunda de cultura e valores revolucionários.
Em 30 de junho de 2012, o Comitê de Coordenação Nacional para a Mudança Democrática (NCB), a mais ampla coalizão revolucionária de esquerda na Síria, do qual o PYD é o principal grupo, também abraçou agora “o projeto de autonomia democrática e confederalismo democrático como um modelo possível para a Síria”.
Defendendo a Revolução Curda do Estado Islâmico
A Turquia ameaçou invadir territórios curdos se “bases terroristas estiverem estabelecidas na Síria”, enquanto centenas de guerrilheiros da KCK (incluindo do PKK) de todo o Curdistão cruzam a fronteira para defender Rojava (o Ocidente) dos avanços do Estado Islâmico. O PYD alega que o governo islâmico moderado da Turquia já está agindo contra eles ao facilitar a viagem de jihadistas internacionais a cruzarem as fronteiras para lutarem ao lado dos islâmicos.
No Curdistão iraquiano, Barzani, cujas guerrilhas lutaram a favor da Turquia contra o PKK na década de 1990 em troca de acesso aos mercados ocidentais, clamou por uma “frente curda unida” na Síria através da aliança com o PYD. Barzani intermediou o “Acordo de Erbil” em 2012, que deu origem ao Conselho Nacional Curdo, com o líder do PYD, Salih Muslim,confirmando que “todos os partidos são sérios e determinados a continuar trabalhando juntos”.
Mesmo sabendo que os estudos e as práticas das ideias do socialismo libertário entre as lideranças e a base são indubitavelmente um desenvolvimento positivo, resta-nos observar o quão dispostos estão em renunciar o sangrento passado autoritário. A luta curda pela autodeterminação e soberania cultural forma uma borda de prata nas escuras nuvens que pairam sobre o Estado Islâmico e as sangrentas guerras inter-fascistas entre islâmicos e baathistas e o sectarismo religioso que lhes deu origem.
Uma revolução pan-curda socialmente progressiva e secular com elementos socialistas libertários, unindo curdos iraquianos e sírios e fortalecendo as lutas turcas e iranianas, ainda pode ser um prospecto. Ao mesmo tempo, aqueles de nós que valorizam a ideia de civilização devem nossa gratidão aos curdos, que estão lutando noite e dia contra os jihadistas do fascismo islâmico nas linhas-de-frente da Síria e do Iraque, defendendo com suas vidas valores democráticos radicais.
NOTAS
[1] http://rudaw.net/english/kurdistan/…
[2] http://www.ibtimes.co.uk/iraq-kurds…
[3] http://rudaw.net/english/kurdistan/…
[4] https://www.academia.edu/3983109/De…
[5] http://new-compass.net/articles/boo…
[6] http://www.huffingtonpost.com/david…
[7] http://mepc.org/journal/middle-east…
[8] http://libcom.org/forums/middle-eas…
[9] http://new-compass.net/article/kurd…
[10] http://new-compass.net/publications…
[11] http://www.indymedia.org.nz/article…
[12] https://libcom.org/news/interview-a…
[13] http://www.anarkismo.net/article/22396
[14] https://www.academia.edu/3983109/De…
[15] http://new-compass.net/articles/com…
[16] http://www.amazon.com/Democratic-Au…
[17] http://rudaw.net/english/opinion/06…
[18] https://www.youtube.com/watch?v=CJS…
[19] http://www.ft.com/intl/cms/s/dd2c9d…
[20] http://www.reuters.com/article/2014…
[21] http://www.ekurd.net/mismas/article…
[22] http://nationalinterest.org/comment…
[23] http://www.ostomaan.org/articles/ne…
[24] http://nationalinterest.org/comment…