sábado, 16 de abril de 2016

Sr. Governador de Mato Grosso: para acabar com a violência no campo é preciso mais que promessas!

   Sr. Governador de Mato Grosso:
para acabar com a violência no campo
é preciso mais que promessas!

Fazer as coisas pela metade é não fazer! Mas esta parece ser a estratégia do Governo de Mato Grosso. Sob pressão, promete. Mas não cumpre. Sinaliza com palavras e procedimentos que não se concretizam. Isso é uma constante ao longo dos anos, mas fica mais evidente e escandaloso nos últimos 6 meses, se considerarmos os acontecimentos e violências no campo, a exemplo do ocorrido em Novo Mundo: queima de casas, ameaças de morte, despejos por “jagunços”.
No começo de setembro de 2015, no âmbito da realização da 1ª. Romaria do Cerrado e Grito dos Excluídos/as de MT, os movimentos sociais do campo e as entidades que compõem o Fórum de Direitos Humanos e da Terra – FDHT após protesto em frente à sede do Governo, conseguiram ser recebidos pelas autoridades do Estado, em especial o Governador.
As dificuldades, reivindicações e a violência sofrida pelos camponeses e camponesas, que foram levadas nesse encontro tiveram como resultado a organização de uma agenda a ser concretizada imediatamente pelo Governo: 1- a criação de uma Comissão Intergovernamental de Resolução de Conflitos Agrários, com participação da sociedade civil cujo objetivo é agilizar a solução dos conflitos e evitar a escalada da violência no campo; 2- foi acertada também a mudança na configuração do Comitê de Conflitos Agrários a partir das regras da Ouvidoria Agrária Nacional que tem como indicativo a implementação do Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais; 3- a imediata implantação dos programas de proteção aos defensores de Direitos Humanos.
Um mês depois, em outubro de 2015, sem resposta efetiva do Governo do Estado, estoura o conflito no Acampamento Boa Esperança, Novo Mundo, aumentando de modo dramático a violência na região, com a queima de 80 casas dos pré-assentados.
A indiferença e o descumprimento dos acordos assumidos pelo Governo do Estado com os movimentos sociais do campo e o FDHT permitiu que a violência se ampliasse, autorizando o grileiro de terras públicas, Marcelo Bassan, no dia 21 de fevereiro de 2016, a agir com as próprias mãos, levando terror e tortura para a comunidade do acampamento de Boa Esperança, na Fazenda Araúna, município de Novo Mundo. Estes fatos já foram suficientemente denunciados ao governo do Estado de Mato Grosso, no Brasil e internacionalmente, e de novo, sob pressão, desencadeou uma série de promessas por parte do Governo do Estado, iniciando com a nomeação do secretário de Trabalho e Assistência Social - SETAS, Waldiney Arruda, para acompanhar e resolver o caso específico de Novo Mundo de tal modo que viesse a ser “uma ação modelo” no Estado.
 Mais preocupado em preservar sua imagem do que cumprir com sua palavra e resolver os conflitos, a primeira ação do governo foi enviar uma equipe para a região, que se reuniu simultaneamente com fazendeiros, lideranças, advogados, numa ação politicamente desastrosa, socialmente ineficaz e que levou ainda mais instabilidade para a região, culminando com o assassinato de uma das pessoas envolvidas no conflito no mesmo dia, além de levar outras lideranças a serem ameaçadas de morte.
O Secretário designado pelo governador, na presença de representantes do FDHT, do presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Ouvidoria de Polícias, apresentou os seguintes encaminhamentos, todos agendados para lançamento oficial no início da 2ª quinzena de março:

1-     Anunciou a criação, por Decreto, da Comissão Estadual de Direitos Humanos e da Terra como instrumento de prevenção de conflitos e com participação de secretarias do Estado, do FDHT, Ouvidoria de Polícias, Conselho estadual de Direitos Humanos, INTERMAT entre outros. Até hoje nada foi encaminhado em relação a isso e o Decreto... não existe!
2-     O mesmo secretário garantiu a adesão do Governo do Estado de MT ao Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos - PPDDH. Programa que o Estado de Mato Grosso já foi condenado e obrigado a implantar pela justiça de Mato Grosso. Até o dia de hoje não há encaminhamentos neste sentido;
3-     Afirmou que seria designado um Delegado de fora da região para dar andamento aos inquéritos policiais contra o grileiro e seus “jagunços”, com envio dos mesmos para a Gerência de Combate ao Crime Organizado - GCCO; os inquéritos foram encaminhados, mas não houve nomeação do Delegado responsável, com isso tudo continua parado;
4-     Prometeu a Criação de um Manual de Procedimentos para o Caso de Conflitos em MT, onde constaria, inclusive, políticas públicas para os grupos vulneráveis. Nada aconteceu!
5-     Garantiu transporte imediato de 100 cestas básicas fornecidas pelo INCRA – armazenadas na Conab de Rondonópolis – para o acampamento Boa Esperança em Novo Mundo. O governo do Estado viabilizou o transporte das cestas até Guarantã do Norte. Levou... mas não entregou! O secretário foi de avião oficial até Guarantã do Norte, realizou reunião com entes públicos do município, somente com o intuito de fazer publicidade e politicagem, mas não entregou os alimentos para a comunidade. A entrega das cestas – segundo informação de agente público de Guarantã - ficou condicionada a inserção das famílias no Cadastro Único para Programas Sociais, o que, segundo o mesmo agente público, o município não teria condições de fazer em menos de 20 dias, por falta de recursos e pessoas para realizar o cadastramento. A cesta básica é um direito das comunidades em situação de vulnerabilidade alimentar e deixar no meio do caminho, entregar com uma mão e tirar com a outra, só revela mais uma vez, a falta de compromisso e vontade política deste Governo em cumprir sua palavra, até mesmo nas coisas mais simples!  O município de Guarantã não fez com que as cestas básicas chegassem ao acampamento, obrigando a comunidade de Boa Esperança viabilizar o transporte dos alimentos.

As entidades abaixo-assinadas vêm a público:
·       denunciar a inoperância do Governo do Estado do MT em situações de conflito e violência, em especial no campo;
·       repudiar o não cumprimento de acordos e negociações feitas com a sociedade civil organizada;
·       denunciar o uso publicitário e eleitoreiro da entrega de cestas básicas que não chegaram até seu destino, utilizando-se de instrumentos midiáticos para falsificar sua indiferença para com as necessidades básicas das comunidades vulneráveis;
·       denunciar a falta de interesse real de resolução de conflitos no campo em MT, o que revela a tolerância com a violência do latifúndio, o comprometimento total com as demandas de expansão do agronegócio e a impunidade para os crimes contra o povo da terra em MT.



Assinam a nota
Fórum de Direitos Humanos e da Terra Mata Grosso
 Associação Brasileira de Homeopatia Popular- ABHP
 Associação Brasileira de Saúde Popular - ABRASP/BIO SAÚDE
Central Única dos Trabalhadores - CUT
Centro Burnier Fé e Justiça - CBFJ - CJCIAS
Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade - CDHHT
Centro Pastoral para Migrantes - CPM
Conferencia dos Religiosos do Brasil - CRB - Regional Cuiabá
Conselho Indigenista Missionário - CIMI MT
Comissão Pastoral da Terra - CPT- MT
Conselho Nacional do Laicato do Brasil - CNLB
Escritório de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - FASE
Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento - FORMAD
Grupo de Estudo Educação Merleau-Ponty – GEMPO UFMT/IE
Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação – GPMSE UFMT/IE
Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte - GPEA-UFMT
Instituto Caracol - iC
Instituto Humana Raça Fêmina - INHURAFE
Movimento dos Trabalhadores Acampados e Assentados - MTA
Movimento dos Trabalhadores Rurais 13 de Outubro
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MTS
Rede Mato-grossense de Educação Ambiental - REMTEA
RuAção- Núcleo Interinstitucional Merleau-freiriano - UFMT




Impeachment do processo civilizatório

ihu
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/553730-impeachment-do-processo-civilizatorio

Impeachment do processo civilizatório

O aprofundamento das políticas econômicas de “austeridade” pós-golpe requer a radical supressão de direitos sociais e trabalhistas. Nesse caso, um dos focos é acabar com a cidadania social conquistada pela Constituição de 1988, marco do processo civilizatório brasileiro.
O artigo é de Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador doCesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), publicado no Le Monde Diplomatique e reproduzido por Plataforma Politica Social, 14-04-2016.
Eis o artigo.
O objetivo de construir uma sociedade civilizada, democrática e socialmente justa deveria ser um dos núcleos de um projeto nacional. A Constituição de 1988 representa um marco do processo civilizatório do país. Pela primeira vez em mais de cinco séculos, ela assegurou formalmente a cidadania plena (direitos civis, políticos e sociais) para todos os brasileiros. O novo ciclo democrático inaugurado por ela, associado aos avanços sociais obtidos na década passada, contribuiu para a melhoria do padrão de vida da população, especialmente dos mais pobres.
Não obstante, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo. Essa marca tem raízes históricas ditadas pela industrialização tardia, pela curta e descontinuada experiência democrática e, especialmente, pelo longo passado escravocrata, cujo legado foi uma massa de analfabetos sem cidadania. Em pleno século XXI, o país ainda não foi capaz sequer de enfrentar desigualdades históricas herdadas de mais de três séculos de escravidão. Observe-se que, segundo estudo da ONU, a pobreza no Brasil tem cor: mais de 70% das pessoas vivendo em extrema pobreza no país são negras; 64% delas não completam a educação básica; 80% dos analfabetos brasileiros são negros; os salários médios dos negros são 2,4 vezes mais baixos que o dos brancos. No Rio de Janeiro, 80% das vítimas de homicídios resultantes de intervenções policiais são negras. A taxa de assassinatos de mulheres também tem clara dimensão racial. Entre 2003 e 2013, o assassinato de mulheres brancas caiu 10%; no mesmo período, o de negras subiu 54%. [1]
Segundo o Mapa da Violência, o Brasil ocupa o terceiro lugar, entre 85 países, no ranking de mortes de adolescentes. São 54,9 homicídios para cada 100 mil jovens de 15 a 19 anos, atrás apenas de México e El Salvador. A taxa brasileira é 275 vezes maior do que a de países como Áustria e Japão. Em média, dez adolescentes são assassinados por dia. O assassinato de jovens também tem cor. Morrem proporcionalmente sete negros para cada branco. No Maranhão morrem treze negros para cada branco. [2]
Nessas condições, o primeiro objetivo estratégico de um projeto civilizatório deveria ser enfrentar essas profundas desigualdades históricas. Em segundo lugar, preservar a inclusão social recente e aprofundar a cidadania social assegurada pela Constituição de 1988. Em terceiro, enfrentar as brutais desigualdades da renda, o que exige medidas voltadas para a revisão da estrutura tributária, a melhor distribuição da propriedade urbana e rural e a correção das desigualdades no mercado de trabalho. Quarto objetivo: universalizar a cidadania social, pelo enfrentamento do déficit na oferta de serviços sociais públicos, que combina desigualdades no acesso entre classes sociais e entre regiões do país.
A criação de uma sociedade mais igualitária requer que a gestão macroeconômica crie um ambiente favorável para o objetivo de longo prazo de reduzir continuamente a desigualdade. O progresso material é vital para a melhoria generalizada das condições de vida da população. O crescimento continuado da produção e da renda é condição necessária para a estruturação do mundo do trabalho e a ampliação do bem-estar social.
Não obstante, o arcabouço institucional adotado pelos organismos internacionais desde os anos 1990, consubstanciado no chamado “tripé” macroeconômico, não converge para esses propósitos, pois visa unicamente preservar a riqueza financeira. A revisão desse arcabouço vem sendo introduzida por diversos países antes mesmo da crise internacional de 2008; e a própria ortodoxia internacional já o trata como o “velho consenso”. Mas, aqui no Brasil, o “tripé” macroeconômico, introduzido em 1999, tornou-se ideia fixa. Qualquer crítica é considerada herética pelos ditadores do debate econômico nacional.
Fortalecer a indústria também é condição necessária para avançar no processo civilizatório. A experiência internacional ensina que nenhum país se tornou desenvolvido sem uma indústria forte e competitiva. Também seria necessário fortalecer a capacidade de financiamento do Estado. Há espaço para avançar na reforma tributária, na revisão dos incentivos fiscais e no combate à sonegação. Taxas de juros estratosféricas ampliam continuamente as despesas financeiras, transferem renda para os mais ricos e enfraquecem a capacidade financeira dos governos para atuar em favor da redução das desigualdades.
Não existem perspectivas favoráveis para a construção de uma sociedade mais igualitária se esse projeto não for pensado na perspectiva da democracia. O contínuo aperfeiçoamento da democracia exige a reforma do sistema representativo, monopolizado pelos partidos e capturado pelo poder econômico. A mercantilização do voto e a ausência de partidos programáticos impõem limites ao presidencialismo de coalizão, tornando qualquer governo refém de interesses corporativos e fisiológicos. Essa é a raiz da corrupção generalizada do sistema político-partidário, que expõe as fraturas do modelo herdado do pacto conservador na transição para a democracia.
A criação de uma sociedade mais igualitária também requer o reforço do papel do Estado. Não há na história econômica do capitalismo nenhum caso de país que tenha se desenvolvido sem o concurso expressivo de seu Estado nacional. A democracia depende da pluralidade de ideias e, nesse sentido, é fundamental garantir que os meios de comunicação sejam o esteio de um debate plural sobre os problemas do Brasil e suas soluções, aprendendo com as lições de diversos países capitalistas desenvolvidos (Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Espanha e Portugal, entre outros).
Repetindo 1954, 1961 e 1964
A crença nessa utopia foi possível desde a redemocratização dos anos 1980 até poucos anos atrás. Hoje somos devastados por uma sensação opressiva. A iminência de um golpe institucional – pois não há evidência de crime de responsabilidade cometido pela mandatária do país – e a ascensão ilegítima ao poder de representantes dos detentores da riqueza poderão convulsionar o país e aprofundar a captura e o restrito controle do Estado por parte desses setores. O golpe na democracia vem acompanhado pelo impeachmentda cidadania social. Trata-se de nova oportunidade para promover radical mudança na correlação de forças em benefício exclusivo do poder das finanças.
Nos últimos sessenta anos, a sociedade brasileira mudou para melhor. Mas as elites ainda adotam práticas dos anos 1950 e 1960. Continuam sendo “predatórias” e “incapazes de viver com o antagônico”. Como em 1964, “elas querem a derrubada do regime democrático. Elas não sabem e não conseguem conviver com o Estado democrático. Portanto, partem para sua destruição e dissolução, que ocorre através do golpe, ilegal e ilegítimo”. [3]
Às vésperas do segundo turno das eleições de 2014, um prócer da elite antidemocrática deu a senha do que viria a seguir. Repetiu em sua conta no Twitter [4] a célebre frase de Carlos Lacerda, referindo-se a Getúlio Vargas: “Não pode ser candidato. Se for, não pode ser eleito. Se eleito, não pode tomar posse. Se tomar posse, não pode governar”.
Na verdade, a trama começou a ser tecida após as manifestações populares de 2013. Os oposicionistas foram sábios em “federalizar” a insatisfação popular contra a falência generalizada do sistema de representação política herdado do pacto conservador da transição para a democracia e as crônicas deficiências na oferta de serviços sociais, cuja responsabilidade é constitucionalmente compartilhada com governadores e prefeitos.
Em 2014, o “terrorismo” econômico encarregou-se de descontruir a gestão macroeconômica, com o objetivo de enfraquecer a candidatura oficial. A vitória da situação poderia representar mais doze anos de governo do Partido dos Trabalhadores. O fantasma de Lula em 2018 voltava a assustar, sendo imperativo vencer o pleito eleitoral. Economistas liberais, setores do mercado e a grande imprensa passaram a atribuir a perda do dinamismo econômico exclusivamente aos “excessos da intervenção” estatal, olvidando por completo a grave crise do capitalismo global em decorrência da debaclefinanceira de 2008 e seus desdobramentos. Na realidade, apesar de apresentar certa deterioração de alguns indicadores, o Brasil não apresentava, em nenhum aspecto considerado, um cenário de “crise terminal”, como foi difundido. [5]
Apesar das manobras, Dilma Rousseff venceu e tomou posse. Urgia, então, impedir a continuidade do governo ou sangrá-lo até as próximas eleições, para destruir o legado social dos governos petistas e ampliar a insatisfação popular dos mais pobres e das camadas médias, requisitos para fomentar as ações desestabilizadoras no front político-institucional. Esse ato foi encenado logo após outubro de 2014 e ao longo de 2015, paradoxalmente, contando com a ajuda do próprio governo, que adotou o programa econômico dos derrotados. O ato final poderá ser consumado nos próximos dias.
O Plano Temer
Em meados de 2015, em meio às tramas golpistas e antidemocráticas, o vice-presidente da República, Michel Temer, lançou seu programa de governo (“Uma Ponte para o Futuro”) [6] e passou a montar o novo gabinete. O documento, que radicaliza e aprofunda o projeto liberal para o Brasil, propõe a “formação de uma maioria política, mesmo que transitória ou circunstancial”, em torno das propostas apresentadas. Contando com a colaboração de diversos economistas liberais, a iniciativa recebeu amplo apoio de parlamentares de diversos partidos da oposição, empresários e setores da mídia.
Num contexto em que a democracia poderá já ter sido violentada, a gestão macroeconômica será ainda mais ortodoxa. Armínio Fraga, um dos mentores da política econômica do “Programa Temer”, foi o coordenador do programa econômico de Aécio Neves em 2014. Naquela época, receitava “a defesa da volta do tripé como fio condutor da política econômica”, bem como a necessidade de reduzir a meta de inflação dos atuais 4,5%, um forte ajuste fiscal, a redução do intervencionismo do governo, a recuperação do câmbio flutuante para recompor o tripé e a autonomia jurídica do Banco Central. [7] Recentemente, afirmou que “o Brasil precisa é de um ajuste enorme”, muito superior ao realizado na primeira administração Lula e pelo ministro Joaquim Levy. “Deveríamos ter uma meta de redução de 25 pontos percentuais do PIB da dívida bruta em alguns anos. E também deveríamos dobrar o grau de abertura em certo horizonte de tempo. São objetivos factíveis”, afirmou. Além disso, serão necessárias “reformas amplas e profundas”, com destaque para a reforma da Previdência e a desvinculação dos ajustes em relação ao salário mínimo e das fontes de financiamento das políticas sociais. “Nosso orçamento deveria ser 100% desvinculado, desindexado, forçando uma reflexão do Estado que queremos e podemos ter. Uma espécie de orçamento de base zero”. [8]
O aprofundamento das políticas econômicas de “austeridade” requer a radical supressão de direitos sociais e trabalhistas. Nesse caso, um dos focos é acabar com a cidadania social conquistada pela Constituição de 1988, marco do processo civilizatório brasileiro. Abre-se uma nova oportunidade para que esses setores concluam o serviço que vêm tentando fazer desde aAssembleia Nacional Constituinte.
A surrada tese ideológica do “país ingovernável” – sacada pelo então presidente José Sarney(1985-1990), num último gesto desesperado para evitar que a cidadania social fosse incluída naCarta Magna – voltou a ditar o rumo do debate imposto pelos representantes do mercado que conseguiram criar o “consenso” de que estabilizar a dinâmica da dívida pública requer a mudança no “contrato social da redemocratização”. Argumentam que os gastos “obrigatórios” (Previdência Social, assistência social, saúde, educação, seguro-desemprego, entre outros) têm crescido num ritmo que compromete as metas fiscais. Para eles, a crise atual decorre fundamentalmente da trajetória “insustentável” de aumento dos gastos públicos desde 1993, por conta dos direitos sociais consagrados pela Carta de 1988. [9] Argumentam ainda que os juros elevados praticados no Brasil decorrem da “baixa poupança” do governo. Esta, por sua vez, é fruto da existência de “sociedades que provêm Estado de bem-estar social generoso com diversos mecanismos públicos de mitigação de riscos”. [10] A visão de que “o Estado brasileiro não cabe no PIB” também tem sido sentenciada por diversos representantes desse matiz. [11]
Em consonância com o “Plano Temer”, levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) aponta que tramitam no Congresso Nacional 55 projetos de lei e propostas de emenda constitucional que suprimem direitos sociais e trabalhistas, reduzem o papel do Estado e aprofundam mecanismos de controle fiscal. [12]
Depois do golpe
Faz parte da narrativa dos oposicionistas que, após o impeachment, haverá uma trégua política, condição necessária para a reorganização da economia. Difícil acreditar nessa possibilidade. Em primeiro lugar, porque falta legitimidade aos que serão “eleitos” pela manobra. Falta, sobretudo, legitimidade ética, pois praticamente todos os futuros mandatários da República – a começar pelo presidente da Câmara dos Deputados e o do Senado Federal, o aspirante a presidente da República, a maioria de seus apoiadores, grande parte dos parlamentares que integram a comissão de impeachment e aqueles que decidirão pela cassação no plenário – parecem estar envolvidos com algum “malfeito” no uso do dinheiro público. Em segundo lugar, as elites financeiras, políticas e midiáticas erram ao pressupor que a sociedade brasileira no século XXI é a mesma de meados do século passado. Ledo engano. Não somos mais um país agrário com uma sociedade politicamente desorganizada. Portanto, como aponta Safatle, a crença na trégua pós-impeachment é falsa,“e os operadores do próximo Estado Oligárquico de Direito sabem disto muito bem”. [13]
O mais provável é o acirramento dos ânimos, da intolerância, da fratura ainda maior da sociedade e da luta de classes que está nas ruas. A governabilidade do país poderá depender de um Estado policial ainda mais severo que o utilizado em 1964. Agora, não basta intervir nos sindicatos.
impeachment do processo civilizatório em pleno século XXI aí está, como que para comprovar que a democracia e a cidadania social são pontos fora da curva do capitalismo brasileiro. São corpos estranhos que os “capitalistas” nacionais ainda não aprenderam a usar, nem sequer em benefício de si mesmos.
Notas do autor:
1 Ver: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,politicas-de-igualdade-racial-fracassaram-no-brasil--afirma-onu,10000021133
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil_Preliminar.pdf
3 Maria Aparecida de Aquino, “Elite golpista e antidemocrática”, Brasil de Fato, 1º abr. 2015. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/31711
4 Ver em: https://twitter.com/jose_anibal/status/524697787116830721?lang=pt
5 Ver: " target="_blank">http://plataformapoliticasocial.com.br/wp-content/uploads/2015/09/porumbrasiljustoedemocratico-vol-01.pdf>, p.18-39
6 Disponível em: http://pmdb.org.br/wp-content/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15-Online.pdf
7 Ver em: http://www.valor.com.br/eleicoes2014/3662186/conselheiros-de-aecio-e-marina-convergem-em-politica-economica
8 Ver em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,arminio-fraga-diz-que-ajuste-fiscal-atual-e-insuficiente,1795807
9 Ver: www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/226576-ajuste-inevitavel.shtml
10 Ver: http://www.valor.com.br/arquivo/893219/duas-rotas-que-levam-reducao-da-taxa-de-juros
11 Ver: http://www.evernote.com/shard/s161/sh/fde65c1a-acd6-4b37-ab0f-603e9520f872/af64f4a075b1e39f0a682017402bb7d8
12 Ver: http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2016/03/levantamento-do-diapmostra-55-ameacas-a-direitos-em-tramitacao-no-congresso-8382.html
13 Ver: http://www.viomundo.com.br/politica/vladimir-safatle-congresso-gangsterizado-nao-tem-legitimidade-para-julgar-sequer-sindico-de-predio.html