sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Por que lutar pela neutralidade da rede?

ibase
http://www.canalibase.org.br/por-que-lutar-pela-neutralidade-da-redes/


Por que lutar pela neutralidade da rede?

Natália Mazotte
do Canal Ibase
Você pode nunca ter ouvido falar nela, mas a neutralidade da rede afeta cada bit de informação que trocamos online. O assunto é técnico e por isso mesmo costuma ser o patinho feio dos debates sobre liberdade digital. Entendê-lo é o primeiro passo para engrossar o coro de seus defensores.
Pelo princípio da neutralidade da rede, todo tráfego de dados na internet deve ser tratado da mesma forma, sem qualquer segregação com base em conteúdo, autor, origem ou destino. Entretanto, como todo bom princípio, ele não é absoluto. A natureza multimídia da internet faz com que seus gestores precisem discriminar alguns dados.
Como explica Gustavo Gindre, membro do Coletivo Intervozes que já integrou por dois mandatos o Comitê Gestor da Internet (CGI.br), “os pacotes de dados precisam carregar um cabeçalho com informações sobre quem são, de onde vêm e para onde vão. Isso porque, do ponto de vista da engenharia da rede, eu preciso dar tratamento diferenciado a determinados conteúdos”. É como o trânsito das cidades, uma ambulância, por sua especificidade e função, está sujeita a normas diferentes das aplicadas a um veículo de passeio e deve ter prioridade nas vias. Na internet, um pacote de vídeo deve trafegar com mais rapidez do que um e-mail, por exemplo. Isso porque o e-mail pode atrasar 20 segundos ou um minuto sem prejudicar a comunicação. Mas se um pacote de dados de vídeo atrasar, vai travar e perder sua finalidade. O e-mail é uma forma assíncrona de comunicação, o vídeo, não.
O critério técnico de segregação é legítimo e necessário, segundo Gindre, mas acaba abrindo espaço para outros tipos de gestão não legítimos. “A partir do momento que o conteúdo tem identidade e pode ser ‘farejado’ [sniff é o termo usado em inglês], duas formas de uso que derivam da mesma leitura técnica dos pacotes de dados são perigosas: a política e a comercial”, afirma o especialista.
Episódios protagonizados por dois gigantes da economia global expõem os problemas da quebra indevida da neutralidade da rede. Na China, a identificação dos pacotes de dados é usada politicamente para censurar o que vai ou não ser transmitido de um internauta aos demais. Estados Unidos, fervoroso no combate ao vazamento de informações do Wikileaks, foi acusado pela União Europeia de espionagem industrial por interceptar dados sigilosos de uma operação comercial e beneficiar uma empresa americana com os detalhes da negociação.
Mas censura estatal e espionagem industrial são só a ponta do iceberg quando se trata da má gestão da rede. A segregação comercial dos dados, segunda forma ilegítima de ferir a neutralidade, atinge diretamente todos os usuários da web.
As operadoras dos serviços de telecomunicações são responsáveis por investir na infraestrutura da “malha viária” da internet. Com os investimentos aquém do necessário, a qualidade do serviço fica prejudicada. Quando firmamos um contrato de banda larga de 10 megas com uma operadora, esperamos receber os 10 megas. Só que o que é oferecido, de fato, tem como base um cálculo de uso médio. A empresa, na verdade, não tem aquilo que ela vendeu. Como observa Gindre, se todo mundo quiser usar os 10 megas, a rede da operadora não vai suportar, portanto “ela precisa evitar que as pessoas usem a rede o tempo inteiro e, para isso, degrada sua qualidade”. A prática infringe os direitos do consumidor, pois o serviço anunciado não corresponde ao entregue.
Criar um gargalo artificial na conexão também é uma estratégia utilizada para “extorquir” empresas de conteúdo. Após degradar o serviço, as teles cobram por “vias expressas”. Ou seja, se o Youtube não quiser cansar sua audiência com vídeos que levam muito tempo para carregar, deve pagar mais caro.
Por estas razões, a Declaração Conjunta de 2011 sobre a Liberdade de Expressão e a Internet, feita pelos relatores para a liberdade de expressão das Nações Unidas, expressa a importância da neutralidade da rede e a obrigação de transparência dos provedores de internet na gestão de informações e de todo o tráfego online.
“As pessoas precisam entender que o fim da neutralidade significa o fim da internet. Graças a ela, não temos de pedir licença a ninguém para criar coisas novas na rede e nem ver a internet comandada pelo poder econômico”, salientou João Carlos Caribé, ativista digital responsável pela Campanha Mega Não, que combate as ameaças à liberdade na web.
Marco Civil da Internet
Se quebrar a neutralidade da rede pode ser aceitável ou não, garantir uma legislação que faça exatamente essa distinção e que defina um fiscal para evitar usos indevidos é o “x” da questão. O Brasil pode se tornar o segundo país da América Latina a ter essa legislação, o Marco Civil da internet.
Projeto de Lei 2.126/11, conhecido como Marco Civil, estabelece direitos e responsabilidades de usuários, provedores e poder público no uso da internet. Seu texto já passou por uma consulta pública online, sofreu modificações, foi para a Casa Civil e, em julho deste ano, chegou à Câmara na versão final formatada pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ).
Embora consiga separar o joio do trigo, ou seja, a segregação de dados técnica da política e comercial, a versão final do Marco Civil não define um fiscal para acompanhar essa regulação. A proposta inicial colocava o Comitê Gestor da Internet nesse papel, mas as empresas de telecom querem que a Anatel seja a fiscal. A decisão ainda está em aberto.
Marco Civil aguarda votação em uma comissão especial da Câmara, o que deve acontecer só em 19 de setembro, para a ansiedade de muitos ativistas da liberdade digital. No último dia 16, foi lançado o aplicativo “Marco Civil”, que permite ter informações básicas sobre o projeto de lei e sua tramitação. Também é possível acompanhar todas as ações pró-votação e aprovação da iniciativa. Se a sociedade civil se mostrou ativa na expansão da internet no Brasil, com o trabalho iniciado pelo Ibase na época da Eco-92, agora seu engajamento é fundamental na luta em prol de uma internet livre para todos.

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