domingo, 20 de setembro de 2015

Seguiremos, descalços, rumo à Terra Sem Males que virá, eis a nossa certeza e a Esperança que nos anima!

De: imprensa@cimi.org.br
Enviada: Sexta-feira, 18 de Setembro de 2015 16:44
Para: xeretyma@uol.com.br
Assunto: Luto, lágrimas e luta na XXI Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
Seguiremos, descalços, rumo à Terra Sem Males que virá, eis a nossa certeza e a Esperança que nos anima!
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Não foram lágrimas de boas-vindas. Foram lágrimas de dor e compaixão dos participantes da XXI Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário causadas pelo terror que se alastra sobre os povos indígenas no Brasil. Contudo, todos partiram hoje, dia 18 de setembro, depois de quatro dias de Assembleia no Centro de Formação Vicente Cañas, Luziânia (GO), com a soma de pequenas esperanças que emergem das contradições do sistema que é a mola mestra do Estado Brasileiro. Esse sistema, sustentado pelos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo e os canhões do grande capital e do agronegócio, procura encaminhar os povos indígenas para a solução final de extermínio.

Animados pelas palavras da recente encíclica do Papa Francisco, que “o direito por vezes se mostra insuficiente devido à corrupção, requer-se uma decisão política sob pressão da população” (LS 179), os cerca de 200 participantes dessa Assembleia procuraram aprofundar essa pressão e se debruçaram sobre questões dos ‘Estados Plurinacionais e Autodeterminação dos Povos Indígenas: Em Defesa da Vida dos Povos e do Direito da Mãe Terra’. Essas reflexões nos levam a somar nossas forças às dos indígenas e outros setores da sociedade brasileira que lutam por direito e justiça, por pão e vida que serão o resultado de uma luta dos que, aparentemente, estorvam o progresso do país. E o Papa Francisco mais uma vez nos dá força para nossa luta, quando diz que precisamos redefinir o progresso e o desenvolvimento: “Um desenvolvimento tecnológico e econômico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar progresso” (LS 194). As instituições do Estado buscam derrotar projetos coletivos de futuro; cerrando portas e lançando a todos e todas na mais profunda escuridão. A propriedade privada converteu-se em direito absoluto, acima de qualquer outro. Os indígenas, por sua vez, forçam brechas de luz sobre este luto inconcluso.

Violências de todas as ordens se sucedem numa escala sem precedentes na história contemporânea do país. Nomeamos apenas um caso entre uma sequência quase diária de assassinatos, espancamentos e duvidosas reintegrações de posse: o assassinato de Simeão Vilhalva Guarani e Kaiowá da Terra Indígena Ñanderú Marangatú, no último dia 29 de agosto. O recurso ao marco temporal para revogar terras demarcadas é uma intervenção perversa porque retoma o tratamento de uma injustiça pré-constituinte. O poder Legislativo trabalha em dezenas de projetos de lei e emendas à Constituição para desfazer os direitos assegurados. Milícias e pistoleiros funcionam como a polícia deste Estado genocida. Ruralistas coordenam atentados declaram publicamente a utilização de armas contra os indígenas. Nada os incomoda. “A vida de uma criança vale menos que um boi”, lamenta Anastácio Peralta Guarani. O cacique Valdomiro Vergueiro Kaigang denuncia: “O governo não está respeitando por onde nosso povo passou, onde enterramos nossos mortos, onde deixamos nossas cinzas”.

Desde a primeira Assembleia do Cimi, em 1975, defendemos a Mãe Terra como condição necessária para a autodeterminação dos povos indígenas. Defendemos, igualmente, um Estado Plurinacional como alternativa ao modelo atual, subserviente aos interesses privados, ao capital internacional.  Os povos indígenas enfrentam a lógica opressora desse sistema político que promove a concentração de riquezas, terras, lucros gerando depredação ambiental e desigualdades sociais.

Tudo isso espelha a lógica da colonialidade na qual é preciso colonizar o ser, o saber e o viver convertendo estes povos em despossuídos. As cosmologias indígenas nos ensinam que os ataques aos indígenas recaem sobre toda a sociedade. O genocídio leva a perder a oportunidade ímpar de aprender com eles o Bem Viver com o planeta Terra, nossa Casa Comum como adverte o Papa Francisco: “Entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (LS 2)”.

Renovamos a aliança histórica do Cimi com os povos indígenas, mesmo em meio às lágrimas. Seguiremos, descalços, rumo à Terra Sem Males que virá, eis a nossa certeza e a Esperança que nos anima!

Luziânia, 18 de setembro de 2015
Conselho Indigenista Missionário - Cimi

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Retireiros: lidando com gado em terras alagáveis

Maíra Ribeiro

O Vale do Araguaia tem muitos retireiros, mas um grupo tem se destacado por sua luta pelo território. No município de Luciara, uma pequena cidade de 2.224 habitantes, os retireiros do Araguaia vivem da criação coletiva de gado na beira do Araguaia, numa região chamada de Mato Verdinho. Cada retireiro tem sua história. Os primeiros chegaram há mais de um século e outros foram vindo. A família de Jossiney Evangelista, por exemplo, chegou há 60 anos.
Jossiney, além de retireiro, é vereador. Ele explica que nos retiros o gado é criado solto.  São utilizadas pastagens naturais do cerrado, por isso eles conhecem diversos tipos de capins, como o palha-fina, o canarana e o cebola. Jossiney conta que “se você plantar braquiária ou outro tipo de capim, acaba mexendo com o ecossistema. Lá tem muita biodiversidade, e a vantagem é que a gente vai tentando sempre seguir a natureza”.
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Reserva de Desenvolvimento Sustentável – o que é e como funciona?
Áreas de Preservação Permanente e o interesse da União: a Portaria da SPU
Quem tem medo da regularização fundiária? O latifúndio, a mentira e a violência
Cercas de arame e limitações políticas

Tocando gado em terras alagáveis. Foto: Jossiney Evangelista.
Os retireiros preservam a natureza sem esforço, pois esse é o seu modo de vida há gerações. Mas tudo em volta está mudando, e esse modo de vida está cada vez mais ameaçado. A grilagem de terra é uma prática cada vez mais comum, as cercas estão aumentando e os impactos no ambiente já são sentidos. A saída encontrada pelos retireiros é a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mato Verdinho. A intenção é que, com a RDS, a terra continue sendo usada coletivamente, impedindo o avanço da grilagem de terra e preservando as margens do rio Araguaia.

Até um tempo atrás se pensava que para conservar um ambiente natural era preciso tirar todas as pessoas que viviam nele. Esquecia-se que todo o território brasileiro era antes habitado pelos indígenas e que a natureza não era “intocada”, muito pelo contrário, a natureza sempre foi manejada. Percebeu-se então que, não só os índios, mas também muitas populações tradicionais desempenham um papel fundamental na proteção da natureza, bem como na manutenção da diversidade biológica.
A partir dessa percepção, se criou no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) a categoria Reserva de Desenvolvimento Sustentável, que tem como principal característica a integração de pessoas com a conservação do ambiente. É o reconhecimento do Estado de que as pessoas que viveram em determinado território desenvolveram, ao longo de gerações, uma série de conhecimentos para utilizar os recursos naturais sem esgotá-los, ou seja, de modo sustentável.
Os territórios das RDS são de domínio público, entendendo, portanto, que aquela população desempenha um papel importante para toda a nação, e por isso, tem por direito viver daquela terra. A população deve ser a responsável pela gestão da área, participando das atividades de manejo dos recursos naturais e fazendo a vigilância da reserva.
Jossiney conta que os retireiros do Araguaia entraram com o pedido da criação da RDS em 2003. De lá para cá, segundo ele, “a coisa ficou solta”. “A gente luta pela RDS para evitar a entrada do agronegócio que acaba com tudo. O modelo de agricultura que a gente vê hoje limpa a terra e tira tudo, matando muitos animais e plantas nativas”, afirma. A RDS Mato Verdinho, se criada, estaria localizada em terras alagáveis, que são Áreas de Preservação Permanente (APP).

As áreas alagáveis de um rio são consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP), que de acordo com o Código Florestal (Lei nº12.651/12) são áreas naturais intocáveis, com rígidos limites de exploração. As APPs se destinam a conservar solos e, principalmente, as matas ciliares, protegendo os rios e reservatórios de assoreamentos, garantindo a preservação da vida aquática.
Somente órgãos ambientais podem abrir exceção à restrição e autorizar o uso de uma APP (art. 8º da Lei 12.651/12). A presença dos retireiros do Araguaia nestas áreas alagáveis seria, portanto, uma exceção, só permitida porque o Estado reconhece que seu modo de vida é sustentável. Em 26 de novembro de 2014 foi publicada a Portaria nº 294 da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), declarando as áreas de várzea do rio Araguaia como terras de interesse público da União.
O Procurador Wilson Rocha de Assis, da Procuradoria da República no Município de Barra do Garças, defende que esta é uma definição legítima. Ele afirma que “não se trata de desapropriação de terras particulares, de tomada de terra de ninguém, mas tão somente da formalização e da delimitação de uma área que por lei pertence à União e que vinha sendo ocupada de uma forma irregular, através da grilagem de terras, e invariavelmente expulsando populações que já estavam nessa região há décadas ou séculos”.
Com 1.627.686 hectares, a área indicada pela Portaria nº294 abrange os municípios mato-grossenses de Luciara, Canabrava do Norte, Novo Santo Antônio, Porto Alegre do Norte, Santa Terezinha e São Félix do Araguaia, e os municípios tocantinenses Formoso do Araguaia, Lagoa da Confusão e Pium. Apesar de ser apenas uma formalização já prevista na legislação, a iniciativa gerou polêmica e os latifundiários rapidamente se organizaram. Foram propagados rumores de que toda a área seria “Reserva Indígena” (sic), que os moradores seriam expulsos dali e que o preço das terras na região havia despencado.
No dia 30 de janeiro de 2015, a Portaria nº 294/2014 foi revogada, sendo substituída pela Portaria nº10/2015, que instituiu um Grupo de Trabalho para realizar um estudo técnico das áreas então desapropriadas a que fazia referência, a fim de analisar sua situação fundiária.
Com a regularização fundiária na região, os grileiros, aqueles que se apropriaram ilegalmente de grandes áreas de terras devolutas através de documentos falsos, teriam suas fazendas passíveis de desapropriação. A grilagem de terras geralmente é feita para a aquisição de financiamentos bancários dando a terra como garantia. Os produtores de soja estariam também interessados em adquirir quotas de Reserva Legal, já que o novo Código Florestal permite que sejam compradas reservas fora da propriedade na qual ocorre o desmatamento, desde que seja no mesmo bioma.
Com a expansão do agronegócio na região, as terras estão cada vez mais valorizadas. A regularização fundiária, prevista na Portaria nº294/2015, impediria a compra e venda das áreas de várzea do Araguaia, e este é o maior temor dos poderosos da região. Já os posseiros, pessoas que se apropriam de terra para morar e trabalhar, não seriam prejudicados. Do mesmo modo, estariam resguardados os direitos das comunidades tradicionais que ali vivem, como pescadores, os indígenas Kanela do Araguaia e os retireiros do Araguaia.
Para Jossiney, a população urbana de Luciara também se beneficiaria com a preservação da área, pois, segundo ele, a maioria dos moradores são ribeirinhos, vivem da pesca. “A criação da RDS é uma forma de conservar esse modo de vida. A fiscalização poderia diminuir ou até extinguir a prática da pesca predatória, porque a gente só respeita um local se tem alguém”. E completa, “Se tem uma casa de ‘fulano de tal’, eu não vou entrar. Mas se continuar do jeito que está, não tem sentido a gente ficar lá dentro. O retireiro sem a natureza preservada nem vale a pena”.

Não é novidade: a grilagem corre solta no Araguaia. O interesse pelas terras é tanto que a violência se torna uma prática comum na busca de mais lucro. Luciara viveu dias violentos em 2013, com diversos atentados cometidos contra os retireiros do Araguaia. Foram queimadas duas casas, tentaram atear fogo em um veículo, pneus foram queimados em frente a residências e foram proferidas ameaças de morte contra diversos membros da comunidade.
A casa de uma liderança religiosa que apoia a causa dos retireiros foi alvejada por tiros e um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) foi ameaçado e impedido de entrar na cidade. A MT-100, único acesso terrestre à Luciara foi obstruída, máquinas foram colocadas na pista de pouso do aeroporto e até mesmo o acesso ao lago e beira de rio onde ficam os retireiros foi fechado.
Jossiney era o proprietário de uma das casas queimadas. Dois anos após o crime, ele ainda não superou os momentos de horror. “Até hoje eu lembro do pessoal querendo me linchar, foi muito violento. Eu sou representante do povo, sou vereador, mas muitas vezes eu deixo de ir em algum lugar para resguardar minha vida. Agora que eu estou voltando ao meu retiro normalmente, agora que eu estou conseguindo refazer a casa”, desabafa.
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Casa de Jossiney após incêndio criminoso. Foto: Jossiney Evangelista.
Para ele, a situação permanece tensa, ainda que as ameaças sejam veladas. “Não tem ameaças diretas, mas a posição de quem é contra continua sendo a mesma. O silencio é pior, porque você não sabe quem é a pessoa que vai fazer alguma coisa ruim”, afirma. Ele defende que a criação da RDS é a única saída para os retireiros. “Todo mundo tem o direito de ser contra ou a favor, mas qual é a proposta que eles tem? É só ser contra e pronto? Se houvesse outra alternativa para a gente manter nosso modo de vida, eu iria abraçar a causa”, afirma o vereador.
Em maio de 2014, oito integrantes da Associação dos Produtores Rurais (Aprorurais) de Luciara foram denunciados pelo Ministério Público Federal de Barra do Garças pelos crimes de associação criminosa, sequestro, cárcere privado e ameaça contra a comunidade tradicional retireiros do Araguaia, professores e estudantes da UFMT. A investigação, conduzida pela polícia e pelo Ministério Público Federal, comprovou que as manifestações contra a comunidade tradicional da região do rio Araguaia foram orquestrados, coordenados, financiados e estimulados pela associação criminosa da qual fazem parte os denunciados.
De acordo com o Procurador Wilson Rocha de Assis, o grupo usava a desinformação e controle político para tentar colocar a população da cidade contra os retireiros. “Esses setores têm afirmado que é um ato de desapropriação, que o poder público vai tomar as áreas e vai expulsar as pessoas que residem na região, o que não é verdade, especialmente considerando que é uma região que tem uma ocupação antiga. A boa fé dessas pessoas tem que ser contemplada na medida que a lei autorize”, afirmou.
Mesmo sendo mentira, a maioria do povo acreditou. Segundo Jossiney, esta campanha de desinformação enfraqueceu a luta pelo território. “Pregaram um terrorismo na cabeça das pessoas com informação falsa. Eu sou o único vereador que apoia a criação da RDS, os outros são declarados contra e até o prefeito se declara contra”, lamentou.

No dia 17 de agosto de 2015, uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, em Cuiabá, debateu sobre as Portarias nº 10/2015 e nº 294/2014 da SPU. De acordo com o Procurador Wilson, este foi um momento de democratização do debate. Segundo ele, “o Ministério Público e a SPU foram muito acusados de não estarem ouvindo outros setores, especialmente o setor produtivo. Agora esse argumento não pode mais ser usado. O debate foi praticamente dominado pelo setor ruralista, que está muito bem representado na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso”.
Não podia ser diferente. A Audiência Pública foi realizada pela Comissão de Agropecuária, Desenvolvimento Florestal e Agrário e Regulamentação Fundiária, e contou com a presença de Sindicatos Rurais dos municípios afetados, prefeitos, vereadores e apenas um representante indígena e um retireiro. “O que a gente ouviu foi a oposição desses setores em garantir os direitos das comunidades tradicionais e dos povos indígenas”, disse o Procurador. “Apesar dessa oposição, a gente conseguiu explicar a legislação, que favorece os povos indígenas e as comunidades tradicionais. O Ministério Público e a SPU deram todos os esclarecimentos que foram solicitados”, afirmou Wilson.
A recomendação do Ministério Público é que se faça primeiro a regularização dos territórios dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. A prioridade dada aos povos indígenas e comunidades tradicionais não parte de um interesse ideológico. De acordo com o Procurador Wilson, “a lei que estabelece como se faz regularização fundiária na Amazônia Legal, a Constituição e os tratados internacionais deixam clara a necessidade de respeitar as comunidades tradicionais”. Ele ainda afirma: “eu não posso ser avesso à propriedade privada ou ao agronegócio, mas o que a gente defende é que seja observada essa ordem, primeiro a garantia dos territórios tradicionais e depois as propriedades privadas”.
Enquanto agem nas esferas de decisões políticas, os fazendeiros também intervêm na área reivindicada pelos retireiros. O procurador afirma que o Ministério Público tem recebido diversos relatos sobre novas cercas e atos de invasão de terras públicas. “Estamos tomando todas as providências para que esses atos sejam processados e punidos na forma da lei.”, garante.
Após anos de luta, Jossiney começa a perder as esperanças. “Já tem mais de dez anos que a gente vem esperando acontecer a RDS e nada. O poder de articulação dos fazendeiros é grande. Sempre o mais fraco é o que termina perdendo”, lamenta.
O medo também afeta a esperança. Após as ameaças e cenas de terror vividas, Jossiney teme pelo futuro. “Não é só aqui na região, em vários lugares quem lutou por uma causa acabou morrendo e só viu as coisas acontecendo depois da morte. Eu queria ver em vida”, desabafa. “A gente só tem uma vida. Quem vivencia uma cena de terror, mesmo depois de algum tempo, as imagens não se apagam da mente. A gente pode se acostumar, mas não quer mais vivenciar aquilo”, conclui.
A regularização fundiária é o caminho para construir a segurança jurídica na região e, consequentemente, a segurança das pessoas que lutam pelo direito legítimo ao território.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Nota de Repúdio à Ação do Estado de Mato Grosso Contra os Trabalhadores do Campo

No dia 31/08/15 uma força policial ostensiva foi enviada ao acampamento Padre José Ten Cate, em Jaciara-MT, para cumprir a ordem de despejo dos Trabalhadores Sem Terra da fazenda Nossa Senhora Aparecida (do Grupo Amaggi), emitida pela juíza Adriana Sant'anna Coningham. O discurso oficial do governo do estado é de que seria uma desocupação pacífica e os integrantes do MST, acampados e organizados, estavam caminhando nessa direção. Todavia, o clima, sentido na pele dos que estavam presentes, era de tensão e muita violência. Ao todo, estima-se 800 famílias acampadas. Destas, cerca de 100 foram impedidas pela polícia de entrar no acampamento e tiveram que ficar na beira da estrada sem água, comida ou roupas limpas; uma verdadeira demonstração do descaso e da indiferença do poder policial e do estado para com o trabalhador. A segurança da propriedade do grupo AMAGGI, e apenas dela, era a palavra de ordem a guiar a exagerada força policial movida. Helicóptero, viaturas, tropa de choque, ROTAM, GOE, cavalaria, bombeiros e SAMU, ou seja, um verdadeiro cenário de guerra foi montado para intimidar as pessoas que o estado devia cuidar, na sua maioria, desempregados sem nenhuma perspectiva de futuro, abandonados pelo estado e que o MST reuniu e organizou para iniciar uma luta por terra e melhores condições de vida para si e para o conjunto da sociedade. O discurso de paz, vindo do gabinete da Casa Civil, não chegou aos ouvidos do comandante da operação, Coronel Tadeu. Sua arbitrariedade foi ímpar e o fato de a polícia não abrir fogo contra os acampados não pode ser critério para decidir se a operação foi pacífica ou não. A humilhação dos acampados foi nítida. Mesmo com ordens de liberação das entradas ainda na tarde do dia 31, o Coronel Tadeu negou cabalmente o livre trânsito e disse que só permitiria a entrada dos acampados na manhã do dia seguinte. O horário informado pelo coronel era 07 da manhã. Todavia, contrariando a própria palavra, os acampados só puderam entrar às 10:30 da manhã do dia 01. Sem comida, sem água e roupas limpas para o momento; muitos, oriundos de cidades como Campo Verde não tinham onde pernoitar, mas diante da arrogância e desumanidade da polícia, foram obrigados a se resignarem aos caprichos de um “coronel”, num ato desmedido de completa violência, pois o próprio estava ciente das condições dos acampados e do acordo com a Casa Civil. Até onde manter sua arbitrariedade não passou de um capricho soberbo, inconsequente e irresponsável ou é estratégia da polícia do estado para lidar com o povo? Ou será que o estado não cumpre seus acordos? Perguntas para o governador Pedro Taques responder, se tiver um mínimo de consideração pelo povo que ali estava e por todos aqueles que apoiam a luta desse povo por dignidade humana. Outro fato revoltante foi o impedimento do ônibus escolar entrar no acampamento para devolver as crianças, que saíram cedo para a escola, aos seus pais. As crianças foram encaminhadas para o abrigo municipal de onde só sairiam com o comparecimento dos pais, que por sua vez, estavam impedidos de ir ao abrigo por conta do cerco montado pela polícia ao acampamento. Violência, desrespeito, desumanidade, crueldade e perversidade não dão conta do que foi essa ação, pois que risco seria a entrada das crianças ao acampamento? E não aceitamos nenhuma justificativa que ouse argumentar que se agiu pensando no bem-estar das crianças, pois o bem-estar delas seria garantido facilmente com uma atuação humanizada da polícia, mas não parecia ser essa a intenção do dia. Por estas e outras, questionamos, até que ponto houve uma operação pacífica; ou não passou de uma demonstração do poder do estado disposto a manter o latifúndio e o agronegócio que financia as candidaturas por essas terras de Mato Grosso. Repudiamos tais ações e reivindicamos o direito a um processo justo e participativo de reforma agrária, pois mais uma vez se demonstrou que por aqui o agronegócio manda e desmanda e possui à disposição o estado e seu aparato intimidador como o que testemunhamos na segunda-feira do dia 31 de agosto de 2015.

Movimento Nacional de Direitos Humanos
ADUFMAT Cuiabá
Núcleo Tereza de Benguela - PSOL
Consulta Popular - MT

Assinam a nota:
FDHT - Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso
AAMOBEP - Associação dos/as amigos/as do Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário Prestes
ABHP - Associação Brasileira de Homeopatia Popular
ABRASP/BIO SAÚDE - Associação Brasileira de Saúde Popular
ADUFMAT Rondonópolis
AMB - Articulação das Mulheres Brasileiras
ANECS - Articulação Nacional dos Estudantes de Ciências Sociais
APS - Ação Popular Socialista
Associação Mato-grossense Divina Providência
CDHHT - Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade
Centro de Direitos Humanos Dom Máximo Biennès
CFEMEA
Coletivo Pajeu  Resistência em Movimento
Comissão Pastoral da Terra, Regional MT
Comitê Popular do Rio Paraguai
Conselho Regional de Psicologia - Região 18
Escritório de Direitos humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia
Fórum Popular em Defesa da Democracia - Roo
GPEA/UFMT - Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte
GPMSE/UFMT - Grupo de Pesquisa Movimento Sociais e Educação
Grupo de Estudo Merleau-Ponty e Educação
Grupo Raízes
iCaracol  - Instituto Caracol
INHRAFE - Instituto Humana Raça Fêmina
Levante Popular da Juventude
MNR - Movimento Negro de Rondonópolis
PCdoB Rondonópolis
RECID-MT - Rede de Educação Cidadã
REMTEA - Rede Mato-grossense de Educação Ambiental
SINTUF MT- seção Rondonópolis
Sociedade Fé e Vida
UJS Rondonópolis

União de Mulheres de São Paulo

Fotos do despejo no acampamento Padre José Ten Cate