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http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21798
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O que acontece no Chipre e por quê?
Mais uma vez a Troika atua com falta de inteligência e imprudência imperdoáveis. Irá carregar por muitos anos o sistema bancário cipriota, ao tentar reviver um morto que não poderá levantar a cabeça. Empobrece-se por décadas uma população, enquanto o modelo de paraíso fiscal permanece lá, intacto. Por Juan Torres López, do Rebelión
Juan Torres López - Rebelión
A grande maioria das pessoas se espantou quando ficou conhecido que a Troika (Comissão Europeia, Banco Cental Europeu e o FMI) acabara de ceder um empréstimo ao Chipre com a condição de privatizar serviços públicos e diminuir gastos e de estabelecer um imposto de 9,9% (como se fosse oferta de um supermercado) para depósitos acima de 100 mil euros e de 6,75% para os menores.
Quando os cipriotas saíram correndo para os caixas eletrônicos para tirar seu dinheiro, viram-se impedidos de sacar a quantidade correspondente a este imposto, assim se estabeleceu um cerco de pura apreensão. E, como sempre acontecem essas coisas, sem que haja qualquer deliberação por parte do parlamento, que é onde se supõe estar funcionando a soberania popular que julga as grandes decisões nas sociedades que se chamam democráticas.
O Chipre é uma das menores economias da União Europeia (seus depósitos bancários representam mais ou menos 0,2% do todo) e é um país pouco conhecido pelos europeus, exceto por sua tradicional oferta turística. Mas agora convém saber algo mais sobre este país, porque o que lhe ocorre hoje pode acontecer em pouco tempo com as maiores economias da Europa.
Uma brevíssima história
Chipre manteve desde os anos noventa uma economia modesta e relativamente saudável graças ao turismo. Contudo, entre 2001 e 2008 seu PIB cresceu uma média de 3,7%, bem maior que a da maioria dos países da Europa, enquanto sua dívida mantinha-se baixa, sem sequer alcançar, quando se estalou a crise, os 60% exigidos pela UE.
Mas a partir de 2010-2011 as coisas se complicaram para governo cipriota, as agências de risco rebaixaram a nota do Chipre e em 26 de junho de 2012 o governo solicitou formalmente ajuda à UE. O que tinha passado nestes anos de crescimento e as razões da queda são muito parecidas com o que ocorreu noutros lugares da Europa.
O Chipre entrou para o bloco do euro em 2007, mas tinha já vinculado sua moeda com o euro desde antes. Isso permitiu ao país ter juros baixos, ao mesmo tempo em que oferecia impostos vantajosos (na realidade, comportava-se como um autêntico paraíso fiscal). Registrou, assim, grandes entradas de capital que permitiram seu grande crescimento. Muitas destas entradas (algumas estimativas dizem entre 30 e 40% do total de depósitos) são provenientes dos oligarcas russos que lavavam seu dinheiro no país, do Reino Unido e inclusive (quando a crise eclodiu) da Grécia.
Os bancos canalizaram a entrada desta grande quantidade de liquidez e a puseram, em sua maior parte, no financiamento de uma bolha imobiliária muito parecida com a da Espanha. A partir de 2008-2009 compraram grandes volumes da dívida grega, muito rentável pela pressão que os mercados exerciam sobre o país heleno (os bancos cipriotas dedicaram ao país o equivalente a 25% do PIB do Chipre).
Os economistas neoliberais, e entre eles as autoridades europeias, consideraram nos anos de bonança que um setor bancário superdesenvolvido e impostos bastante reduzidos eram uma grande virtude da economia cipriota (o mesmo que diziam da Irlanda). A realidade se encarregou de pôr tal sabedoria em seu devido lugar: quando em 2011 realizou-se uma revisão da dívida grega (como será inevitável que aconteça noutros países), os bancos do Chipre quebraram. E os baixos impostos traduziram-se em um maior incremento da dívida e em quase nula a capacidade de manobra quando a dinâmica se viu travada e os gastos públicos tiveram de elevar-se (entre outras coisas, porque o desemprego disparou).
Em meio tudo isso, não se pode esquecer que também tiveram (assim como em outros países europeus e também na Espanha) um banco central dirigido por cúmplices dos banqueiros que nada disseram quando o desastre ainda estava em germe.
A intervenção
Agora, com já ocorreu noutros países, os bancos quebrados levam consigo todo o resto da economia. É normal. Já dissemos muitas vezes: o financiamento é como o sangue da economia e, sem ele, a atividade econômica morre sem remédio. É verdade que deixar os bancos caírem sem alternativa de financiamento é suicida, mas não é menos suicida viver como zumbis que engolem todos os recursos que os dão.
Logo depois das mudanças, ganhou as eleições e entrou no governo o protegido da Merkel. A sorte estava lançada. Ainda que desta vez a Troika tenha ido mais além do que se esperava porque tomou uma decisão que se vende de nova, o castigo exemplar aos esbanjadores (agora na forma de mafiosos russos), mas que pode fazer com que o sistema bancário europeu exploda.
Resgatar um sistema morto, como o cipriota, significa mais ou menos duplicar a dívida pública do Estado (quase 150% do PIB). O empréstimo que dão ao Chipre, e que irá diretamente aos bancos, será de 10 bilhões de euros. Pouco para a União Europeia (lembremos que só a França e Alemanha gastaram oitenta vezes mais para resgatar seus bancos), mas é muito para o Chipre: quase metade de seu PIB.
O que equivale a dizer que será materialmente impossível que se possa pagar e muito menos possível com o plano de austeridade que aqui também se impõe. Terão de haver novos acordos mais adiante e, enquanto isso, cresce a miséria em um país que até agora tenta seguir adiante (ainda que, desde antes, poderia ter saído muito melhor se a UE não fosse cúmplice dos paraísos fiscais e não se tivesse firmado este modelo de financeirização neoliberal insustentável).
Mas isto, no caso do Chipre, não é tudo. Com a apreensão, tomada, de uma parte dos depósitos bancários, a UE revoga suas próprias normas e abre a torneira para que as pessoas acabem por retirar o quanto antes seu dinheiro dos bancos. Não só no Chipre, onde isto já está acontecendo, mas também em outros países. Veremos se não é agora que o paradoxo se expressará: de que tenha sido a própria Troika quem vai afundar também os bancos ao provocar que os contistas saquem seu dinheiro, já não mais somente por indignação, mas pela desconfiança que ela, Troika, mesma, provocou.
Claro que isto não será um desastre para todos. Já há muitos sites especializados que aconselham que os investidores europeus levem seu dinheiro para bancos na Alemanha, Holanda, Finlândia ou Luxemburgo. Seus bancos terão problemas.
Mais uma vez a Troika atua com falta de inteligência e imprudência imperdoáveis. Vão carregar por muitos anos o sistema bancário cipriota, ao tentar reviver um morto que não poderá levantar a cabeça. Afunda-se uma economia ao deixá-la sem financiamento, muito mais endividada que antes e sem recursos para pôr em marcha a atividade econômica. Empobrece-se por décadas uma população. O tanto que se diz atuar contra o dinheiro sujo dos russos, mas não se faz nada para acabar com os paraísos fiscais. É aí, neste desastre, que estão em germe as bases para que grandes grupos empresariais possam se fazer com a riqueza dos cipriotas, seus recursos naturais e serviços públicos.
Até quando?
Tradução: Caio Sarack
Quando os cipriotas saíram correndo para os caixas eletrônicos para tirar seu dinheiro, viram-se impedidos de sacar a quantidade correspondente a este imposto, assim se estabeleceu um cerco de pura apreensão. E, como sempre acontecem essas coisas, sem que haja qualquer deliberação por parte do parlamento, que é onde se supõe estar funcionando a soberania popular que julga as grandes decisões nas sociedades que se chamam democráticas.
O Chipre é uma das menores economias da União Europeia (seus depósitos bancários representam mais ou menos 0,2% do todo) e é um país pouco conhecido pelos europeus, exceto por sua tradicional oferta turística. Mas agora convém saber algo mais sobre este país, porque o que lhe ocorre hoje pode acontecer em pouco tempo com as maiores economias da Europa.
Uma brevíssima história
Chipre manteve desde os anos noventa uma economia modesta e relativamente saudável graças ao turismo. Contudo, entre 2001 e 2008 seu PIB cresceu uma média de 3,7%, bem maior que a da maioria dos países da Europa, enquanto sua dívida mantinha-se baixa, sem sequer alcançar, quando se estalou a crise, os 60% exigidos pela UE.
Mas a partir de 2010-2011 as coisas se complicaram para governo cipriota, as agências de risco rebaixaram a nota do Chipre e em 26 de junho de 2012 o governo solicitou formalmente ajuda à UE. O que tinha passado nestes anos de crescimento e as razões da queda são muito parecidas com o que ocorreu noutros lugares da Europa.
O Chipre entrou para o bloco do euro em 2007, mas tinha já vinculado sua moeda com o euro desde antes. Isso permitiu ao país ter juros baixos, ao mesmo tempo em que oferecia impostos vantajosos (na realidade, comportava-se como um autêntico paraíso fiscal). Registrou, assim, grandes entradas de capital que permitiram seu grande crescimento. Muitas destas entradas (algumas estimativas dizem entre 30 e 40% do total de depósitos) são provenientes dos oligarcas russos que lavavam seu dinheiro no país, do Reino Unido e inclusive (quando a crise eclodiu) da Grécia.
Os bancos canalizaram a entrada desta grande quantidade de liquidez e a puseram, em sua maior parte, no financiamento de uma bolha imobiliária muito parecida com a da Espanha. A partir de 2008-2009 compraram grandes volumes da dívida grega, muito rentável pela pressão que os mercados exerciam sobre o país heleno (os bancos cipriotas dedicaram ao país o equivalente a 25% do PIB do Chipre).
Os economistas neoliberais, e entre eles as autoridades europeias, consideraram nos anos de bonança que um setor bancário superdesenvolvido e impostos bastante reduzidos eram uma grande virtude da economia cipriota (o mesmo que diziam da Irlanda). A realidade se encarregou de pôr tal sabedoria em seu devido lugar: quando em 2011 realizou-se uma revisão da dívida grega (como será inevitável que aconteça noutros países), os bancos do Chipre quebraram. E os baixos impostos traduziram-se em um maior incremento da dívida e em quase nula a capacidade de manobra quando a dinâmica se viu travada e os gastos públicos tiveram de elevar-se (entre outras coisas, porque o desemprego disparou).
Em meio tudo isso, não se pode esquecer que também tiveram (assim como em outros países europeus e também na Espanha) um banco central dirigido por cúmplices dos banqueiros que nada disseram quando o desastre ainda estava em germe.
A intervenção
Agora, com já ocorreu noutros países, os bancos quebrados levam consigo todo o resto da economia. É normal. Já dissemos muitas vezes: o financiamento é como o sangue da economia e, sem ele, a atividade econômica morre sem remédio. É verdade que deixar os bancos caírem sem alternativa de financiamento é suicida, mas não é menos suicida viver como zumbis que engolem todos os recursos que os dão.
Logo depois das mudanças, ganhou as eleições e entrou no governo o protegido da Merkel. A sorte estava lançada. Ainda que desta vez a Troika tenha ido mais além do que se esperava porque tomou uma decisão que se vende de nova, o castigo exemplar aos esbanjadores (agora na forma de mafiosos russos), mas que pode fazer com que o sistema bancário europeu exploda.
Resgatar um sistema morto, como o cipriota, significa mais ou menos duplicar a dívida pública do Estado (quase 150% do PIB). O empréstimo que dão ao Chipre, e que irá diretamente aos bancos, será de 10 bilhões de euros. Pouco para a União Europeia (lembremos que só a França e Alemanha gastaram oitenta vezes mais para resgatar seus bancos), mas é muito para o Chipre: quase metade de seu PIB.
O que equivale a dizer que será materialmente impossível que se possa pagar e muito menos possível com o plano de austeridade que aqui também se impõe. Terão de haver novos acordos mais adiante e, enquanto isso, cresce a miséria em um país que até agora tenta seguir adiante (ainda que, desde antes, poderia ter saído muito melhor se a UE não fosse cúmplice dos paraísos fiscais e não se tivesse firmado este modelo de financeirização neoliberal insustentável).
Mas isto, no caso do Chipre, não é tudo. Com a apreensão, tomada, de uma parte dos depósitos bancários, a UE revoga suas próprias normas e abre a torneira para que as pessoas acabem por retirar o quanto antes seu dinheiro dos bancos. Não só no Chipre, onde isto já está acontecendo, mas também em outros países. Veremos se não é agora que o paradoxo se expressará: de que tenha sido a própria Troika quem vai afundar também os bancos ao provocar que os contistas saquem seu dinheiro, já não mais somente por indignação, mas pela desconfiança que ela, Troika, mesma, provocou.
Claro que isto não será um desastre para todos. Já há muitos sites especializados que aconselham que os investidores europeus levem seu dinheiro para bancos na Alemanha, Holanda, Finlândia ou Luxemburgo. Seus bancos terão problemas.
Mais uma vez a Troika atua com falta de inteligência e imprudência imperdoáveis. Vão carregar por muitos anos o sistema bancário cipriota, ao tentar reviver um morto que não poderá levantar a cabeça. Afunda-se uma economia ao deixá-la sem financiamento, muito mais endividada que antes e sem recursos para pôr em marcha a atividade econômica. Empobrece-se por décadas uma população. O tanto que se diz atuar contra o dinheiro sujo dos russos, mas não se faz nada para acabar com os paraísos fiscais. É aí, neste desastre, que estão em germe as bases para que grandes grupos empresariais possam se fazer com a riqueza dos cipriotas, seus recursos naturais e serviços públicos.
Até quando?
Tradução: Caio Sarack
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