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Argentina: a verdade de outra história de horror
María de las Mercedes Moreno, 59 anos, passou os últimos 34 procurando a filha. No início de outubro, ela viajou a Buenos Aires. Sua filha finalmente fora identificada e encontrada. É um dos raros casos em que um jovem encontrado pode conhecer a mãe biológica. Na imensa maioria, elas foram mortas, como parte de um plano sistemático de sequestrar bebês nascidos em presídios e assassinar suas mães. O artigo é de Eric Nepomuceno.
Eric Nepomuceno, de Buenos Aires
Ela tem um nome bastante comum na América espanhola: María de las Mercedes Moreno. Mora em Córdoba, a segunda maior cidade argentina. Tem 59 anos de idade, aparenta mais. É uma mulher de vida simples. Passou os últimos 34 procurando a filha. Na primeira semana de outubro de 2012 ela viajou até Buenos Aires. Sua filha finalmente fora identificada e encontrada, graças à Avós da Praça de Maio.
Foi a criança recuperada de número 107. Por enquanto, e a pedido da filha encontrada – que tem agora os mesmos 34 anos da procura de María de las Mercedes –, seu nome não foi revelado. Mas sua história foi. E a Argentina uma vez mais recuperou parte de sua memória e de sua verdade dos tempos de horror.
Maria de las Mercedes tinha 24 anos e seu marido estava preso num centro de detenção em Córdoba. Era preso comum, mas naquele 1977 havia casos em que eles dividiam os mesmos espaços com presos políticos, que ninguém sabia onde estavam.
Os presos comuns, sim: podiam até receber visitas. Os políticos, não. Eram prisioneiros ilegais, clandestinos. E Maria de las Mercedes sentia pena deles. Começou a levar bilhetes, cartas, mensagens apressadas, às suas famílias. Quase todos foram mortos. E, no dia 26 de setembro de 1978, ela, grávida de sete meses, foi sequestrada e levada para outro centro clandestino, no Departamento de Informações da polícia de Córdoba. Apesar da gravidez, passou por tormentos e vexações.
Quinze dias mais tarde foi levada às pressas para a maternidade de Córdoba, onde no dia 11 de outubro ela deu à luz, algemada, a uma criança prematura. Não deixaram que visse o bebê, que foi levado da própria sala de partos para a Casa Cuna, um orfanato mantido por freiras católicas.
No dia 27 de novembro de 1978 – passados exatos dois meses de sua prisão ilegal – Maria de las Mercedes foi tirada do centro clandestino e levada para um presídio formal. Assim salvou sua vida: os presos legais não eram assassinados. Era como se tivesse sido presa apenas para ter o bebê.
Uma enfermeira que trabalhava no orfanato, e era amiga da família, contou onde a menina estava. E na mesma tarde em que Maria de las Mercedes saiu do presídio, no começo de abril de 1979, foi até o orfanato, procurar a filha. As freiras a expulsaram: ali, subversivas não entravam.
Maria de las Mercedes jamais conseguiu pista alguma do bebê roubado. Só agora soube: quem adotou sua menina foi Laura Caligaris, chefe de assistência social do orfanato. A mesma que dizia não ter notícia, não saber nada.
Laura e seu marido, Osvaldo Roger Agüero, registraram a menina com um falso registro de parto, conseguiram uma certidão de nascimento falsa, conseguiram a guarda da menina com um juiz de menores indicado por militares amigos do casal.
Na época em que iniciou sua busca, Maria de las Mercedes foi até o juizado de menores. Mandaram que voltasse para casa. Seu marido havia morrido e ela tinha mais quatro filhos para cuidar. Que esquecesse a que havia nascido na prisão. Essa, não existia.
Bem: existia, e existia a sua verdade. Que agora surgiu dos breus e veio à superfície. Ao longo de décadas María de las Mercedes peregrinou de tribunal em tribunal. Sempre em vão. Tentou abrir processos, tentou investigações judiciais. Só conseguiu avançar quando procurou a seção cordobesa das Avós da Praça de Maio.
Uma investigação cuidadosa e veloz – a mesma que havia sido negada a ela – levou à sua filha, que sempre soube que era adotada. O que não sabia é que tinha sido roubada. Aceitou fazer os testes de DNA, que deram positivo.
De momento, tudo que se sabe é que trata-se de uma jovem casada, mãe de dois filhos, e que continua morando na mesma Córdoba onde María de las Mercedes a procurava sem trégua e sem sossego.
Ao anunciar o encontro do bebê roubado número 107 – faltam outros 383 – Estela de Carlotto, presidente das Avós da Praça de Maio, lembrou que se trata de um dos raros, raríssimos casos em que um jovem encontrado pode conhecer a mãe biológica. Na imensa maioria, elas foram mortas, como parte de um plano sistemático de sequestrar bebês nascidos em presídios e assassinar suas mães.
Estela de Carlotto diz que o processo na justiça será levado adiante. Já estão indiciados o casal que fez a falsa adoção e o juiz de menores que foi seu cúmplice. Mas as Avós da Praça de Maio querem ir mais longe. Querem saber quem prendeu, quem sequestrou, quem fez o parto. Querem chegar às freiras que encobriram essa história. Querem chegar ao comandante do horror em Córdoba, o general Luciano Menéndez.
María de las Mercedes Moreno quer conhecer a filha. Quer que a filha conheça suas irmãs. Paola, uma dessas irmãs, disse que sempre soube da história do sequestro e acompanhou a busca incessante da mãe.
Terão de esperar mais um pouco. A filha resgatada pediu um tempo para refazer sua vida. Para tornar a sentir chão firme debaixo dos pés. Para tentar entender o que aconteceu. Qual a imensidão da mentira que foi sua vida.
Afinal, ela também é vítima desse horror. Sempre foi, mas só agora soube.
Foi a criança recuperada de número 107. Por enquanto, e a pedido da filha encontrada – que tem agora os mesmos 34 anos da procura de María de las Mercedes –, seu nome não foi revelado. Mas sua história foi. E a Argentina uma vez mais recuperou parte de sua memória e de sua verdade dos tempos de horror.
Maria de las Mercedes tinha 24 anos e seu marido estava preso num centro de detenção em Córdoba. Era preso comum, mas naquele 1977 havia casos em que eles dividiam os mesmos espaços com presos políticos, que ninguém sabia onde estavam.
Os presos comuns, sim: podiam até receber visitas. Os políticos, não. Eram prisioneiros ilegais, clandestinos. E Maria de las Mercedes sentia pena deles. Começou a levar bilhetes, cartas, mensagens apressadas, às suas famílias. Quase todos foram mortos. E, no dia 26 de setembro de 1978, ela, grávida de sete meses, foi sequestrada e levada para outro centro clandestino, no Departamento de Informações da polícia de Córdoba. Apesar da gravidez, passou por tormentos e vexações.
Quinze dias mais tarde foi levada às pressas para a maternidade de Córdoba, onde no dia 11 de outubro ela deu à luz, algemada, a uma criança prematura. Não deixaram que visse o bebê, que foi levado da própria sala de partos para a Casa Cuna, um orfanato mantido por freiras católicas.
No dia 27 de novembro de 1978 – passados exatos dois meses de sua prisão ilegal – Maria de las Mercedes foi tirada do centro clandestino e levada para um presídio formal. Assim salvou sua vida: os presos legais não eram assassinados. Era como se tivesse sido presa apenas para ter o bebê.
Uma enfermeira que trabalhava no orfanato, e era amiga da família, contou onde a menina estava. E na mesma tarde em que Maria de las Mercedes saiu do presídio, no começo de abril de 1979, foi até o orfanato, procurar a filha. As freiras a expulsaram: ali, subversivas não entravam.
Maria de las Mercedes jamais conseguiu pista alguma do bebê roubado. Só agora soube: quem adotou sua menina foi Laura Caligaris, chefe de assistência social do orfanato. A mesma que dizia não ter notícia, não saber nada.
Laura e seu marido, Osvaldo Roger Agüero, registraram a menina com um falso registro de parto, conseguiram uma certidão de nascimento falsa, conseguiram a guarda da menina com um juiz de menores indicado por militares amigos do casal.
Na época em que iniciou sua busca, Maria de las Mercedes foi até o juizado de menores. Mandaram que voltasse para casa. Seu marido havia morrido e ela tinha mais quatro filhos para cuidar. Que esquecesse a que havia nascido na prisão. Essa, não existia.
Bem: existia, e existia a sua verdade. Que agora surgiu dos breus e veio à superfície. Ao longo de décadas María de las Mercedes peregrinou de tribunal em tribunal. Sempre em vão. Tentou abrir processos, tentou investigações judiciais. Só conseguiu avançar quando procurou a seção cordobesa das Avós da Praça de Maio.
Uma investigação cuidadosa e veloz – a mesma que havia sido negada a ela – levou à sua filha, que sempre soube que era adotada. O que não sabia é que tinha sido roubada. Aceitou fazer os testes de DNA, que deram positivo.
De momento, tudo que se sabe é que trata-se de uma jovem casada, mãe de dois filhos, e que continua morando na mesma Córdoba onde María de las Mercedes a procurava sem trégua e sem sossego.
Ao anunciar o encontro do bebê roubado número 107 – faltam outros 383 – Estela de Carlotto, presidente das Avós da Praça de Maio, lembrou que se trata de um dos raros, raríssimos casos em que um jovem encontrado pode conhecer a mãe biológica. Na imensa maioria, elas foram mortas, como parte de um plano sistemático de sequestrar bebês nascidos em presídios e assassinar suas mães.
Estela de Carlotto diz que o processo na justiça será levado adiante. Já estão indiciados o casal que fez a falsa adoção e o juiz de menores que foi seu cúmplice. Mas as Avós da Praça de Maio querem ir mais longe. Querem saber quem prendeu, quem sequestrou, quem fez o parto. Querem chegar às freiras que encobriram essa história. Querem chegar ao comandante do horror em Córdoba, o general Luciano Menéndez.
María de las Mercedes Moreno quer conhecer a filha. Quer que a filha conheça suas irmãs. Paola, uma dessas irmãs, disse que sempre soube da história do sequestro e acompanhou a busca incessante da mãe.
Terão de esperar mais um pouco. A filha resgatada pediu um tempo para refazer sua vida. Para tornar a sentir chão firme debaixo dos pés. Para tentar entender o que aconteceu. Qual a imensidão da mentira que foi sua vida.
Afinal, ela também é vítima desse horror. Sempre foi, mas só agora soube.
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