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http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/politica-paraguaia-um-retrocesso-democratico-entrevista-especial-com-jesus-machado/512028-politica-paraguaia-um-retrocesso-democratico-entrevista-especial-com-jesus-machado
30/07/2012 - Dilma não teria recebido relatórios da Abin sobre Lugo
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02/07/2012 - Conjuntura da Semana. Queda de Lugo. Um golpe no contexto do ‘sistema-mundo’ e do ‘Império’
16/07/2012 - Ainda sem solução, massacre que motivou golpe contra Lugo completa um mês
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/politica-paraguaia-um-retrocesso-democratico-entrevista-especial-com-jesus-machado/512028-politica-paraguaia-um-retrocesso-democratico-entrevista-especial-com-jesus-machado
“As crises também são uma oportunidade para repensar o caminho, e a atual crise paraguaia abre a possibilidade de uma ampla mobilização social pela restituição da democracia mais social e participativa”, diz o sociólogo.
Confira a entrevista.
O impeachment do presidente Lugo “pressupõe um claro retrocesso no processo de democratização política. O primeiro ponto ameaçado é a ordem democrática em si mesma e as garantias básicas”, declara Jesús Machado àIHU On-Line. Na avaliação dele, a experiência paraguaia e hondurenha demonstram que os setores “mais conservadores, sem compromisso com a democracia, estão dispostos a utilizar qualquer subterfúgio legal para deter propostas políticas que saiam do seu controle”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Machadoanalisa a situação política da América Latina e o ingresso daVenezuela no Mercosul. Para ele, os “membros que haviam aprovado plenamente o ingresso da Venezuela a essa instância de integração tinham clareza da importância de acolher a Venezuela, dada a sua posição geográfica estratégica, o peso da sua economia, as reservas de petróleo e as características de um potencial mercado que importa bilhões de dólares por ano em muitos produtos em que as economias maiores, como o caso argentino e brasileiro, são mais fortes”. O ingresso da Venezuela no bloco, salienta, se constitui “em um escudo de certa proteção” para o país “perante possíveis ataques de outros países, união que favorece a aliança com governos progressistas”.
Jesús Machado também comenta o estado de saúde do presidente venezuelano, que tem sido alvo de especulações na imprensa internacional. “Sobre a saúde do presidente, pouco pode ser dito com fundamento, se não quisermos reproduzir informações infundadas. Houve um hermetismo muito forte sobre o assunto por parte da própria esfera governamental”, aponta.
Jesús Machado é sociólogo e coordinador da área de investigação da Fundação Centro Gumilla, da Venezuela, onde atua no Observatório de Convivência Social. O Centro Gumilla é um Centro de Investigação e Ação Social (CIAS) da Companhia de Jesus na Venezuela, fundado em 1968, e dedicado a contribuir com a realização da justiça que brota da fé. Nesse sentido, o Centro Gumilla participa de uma corrente social que busca construir alternativas de desenvolvimento sustentável, democracia política, e justiça social, a partir da perspectiva das maiorias empobrecidas. Machado também é coordinador do Informe de Conjuntura de América Latina e Caribe.
Confira a entrevista.
O impeachment do presidente Lugo “pressupõe um claro retrocesso no processo de democratização política. O primeiro ponto ameaçado é a ordem democrática em si mesma e as garantias básicas”, declara Jesús Machado àIHU On-Line. Na avaliação dele, a experiência paraguaia e hondurenha demonstram que os setores “mais conservadores, sem compromisso com a democracia, estão dispostos a utilizar qualquer subterfúgio legal para deter propostas políticas que saiam do seu controle”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Machadoanalisa a situação política da América Latina e o ingresso daVenezuela no Mercosul. Para ele, os “membros que haviam aprovado plenamente o ingresso da Venezuela a essa instância de integração tinham clareza da importância de acolher a Venezuela, dada a sua posição geográfica estratégica, o peso da sua economia, as reservas de petróleo e as características de um potencial mercado que importa bilhões de dólares por ano em muitos produtos em que as economias maiores, como o caso argentino e brasileiro, são mais fortes”. O ingresso da Venezuela no bloco, salienta, se constitui “em um escudo de certa proteção” para o país “perante possíveis ataques de outros países, união que favorece a aliança com governos progressistas”.
Jesús Machado também comenta o estado de saúde do presidente venezuelano, que tem sido alvo de especulações na imprensa internacional. “Sobre a saúde do presidente, pouco pode ser dito com fundamento, se não quisermos reproduzir informações infundadas. Houve um hermetismo muito forte sobre o assunto por parte da própria esfera governamental”, aponta.
Jesús Machado é sociólogo e coordinador da área de investigação da Fundação Centro Gumilla, da Venezuela, onde atua no Observatório de Convivência Social. O Centro Gumilla é um Centro de Investigação e Ação Social (CIAS) da Companhia de Jesus na Venezuela, fundado em 1968, e dedicado a contribuir com a realização da justiça que brota da fé. Nesse sentido, o Centro Gumilla participa de uma corrente social que busca construir alternativas de desenvolvimento sustentável, democracia política, e justiça social, a partir da perspectiva das maiorias empobrecidas. Machado também é coordinador do Informe de Conjuntura de América Latina e Caribe.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A que atribui o impeachment do presidente Lugo? Quais as implicações deste procedimento para a democracia da América Latina?
Jesús Machado – O golpe de Estado parlamentar contra o presidente Lugo está vinculado a interesses políticos, econômicos e nacionais, além de interesses da política externa norte-americana.
Desde o início do seu mandato, o presidente Lugo resistiu a 24 tentativas prévias de destituição por parte de forças políticas conservadoras, entre elas a figura do próprio vice-presidente, Federico Franco.
Também está vinculado aos interesses de setores econômicos vinculados ao agronegócio. Encontram-se aqui grandes empresas transnacionais como a Monsanto, aCargill e cerca de 10 mais que operam nessa área. Desde o ano 2011, a multinacional Monsanto pressionava para que se liberasse uma variedade de algodão e milho transgênicos, e o governo Lugo se opunha a isso.
Outro grande grupo é a elite oligárquica, majoritariamente proprietária de terras e de gado. Entre elas, há militares, empresários e altos membros dos partidos, especialmente do Colorado, que possuem fortes vínculos com as empresas transnacionais do agronegócio. A isso deve-se acrescentar os grupos empresariais e industriais vinculados à terra. Cerca de 80% das terras aptas para cultivo se encontra nas mãos de 2,5% dos proprietários.
Os exportadores de soja não pagam impostos. Dias antes do golpe parlamentar, o presidente Lugo estava tentando pôr um imposto sobre os exportadores de soja, que são os mesmos que possuem as maiores extensões de terras com vinculações com o setor empresarial e financeiro.
Interesses internacionais
A multinacional Río Tinto havia manifestado a sua intenção de instalar uma planta de processamento de alumínio, o que envolvia uma grande demanda de energia elétrica. E não só isso: ela também pedia que o Estado paraguaio subsidiasse o custo da energia, ao que Lugo se opunha. Enquanto que o ministro da Indústria e Comércio, Francisco Rivas – confirmado como ministro pelo novo presidente, Federico Franco –, e o então vice-presidente, Federico Franco, hoje presidente, haviam se manifestado favoráveis para cumprir as condições da RTA para a sua instalação no Paraguai.
A dois dias do golpe parlamentar foram tomadas três decisões que jogam muita luz sobre toda a trama golpista vivida: a aceitação do ministro Rivas às condições da RTA; a legalização das sementes transgênicas de algodão e de milho daMonsanto por parte do ministro Enzo Cardozo; e o compromisso de não pôr impostos sobre a soja.
Parte das reuniões de conspiração realizadas por Federico Franco foi com membros da Embaixada dos Estados Unidos em sua própria sede. Com a ditadura de Franco, os EUA obtiveram um importante bastião no meio do continente, com uma posição geográfica privilegiada. Além disso, o Paraguai possui importantes reservas de água, terra e potencial energético em abundância. Mas também consegue romper uma das frentes do bloco sul-americano.
Por outro lado, Lugo não foi capaz de fortalecer uma aliança política, social e popular, para além do conjunto de forças díspares que o acompanharam na campanha eleitoral.
Democracia na América Latina
Até o golpe de Estado parlamentar, a América Latina podia contar com uma situação em que todos os países da região tinham governos eleitos por procedimentos democráticos. A ação do Parlamento paraguaio faz com que toda a região retrocedesse nessa importante conquista dos países sul-americanos.
Por outro lado, a experiência paraguaia, assim como a hondurenha, mostra as formas pelas quais os setores mais conservadores, sem compromisso com a democracia, estão dispostos a utilizar qualquer subterfúgio legal para deter propostas políticas que saiam do seu controle.
IHU On-Line – Como analisa a democracia paraguaia em um contexto de corrupção e depois de tantos anos de ditadura?
Jesús Machado – O golpe parlamentar pressupõe um claro retrocesso no processo de democratização política. O primeiro ponto ameaçado é a ordem democrática em si mesma e as garantias básicas. Já não há notícias de processos de perseguição a todos os fatores políticos que não se alinhem com os golpistas.
As crises também são uma oportunidade para repensar o caminho, e a atual crise paraguaia abre a possibilidade de uma ampla mobilização social pela restituição da democracia mais social e participativa.
IHU On-Line – Quais são os traços de autoritarismo que persistem na política paraguaia pós-Stroessner?
Jesús Machado – Os traços mais claros de autoritarismo que ainda persistem são delineados pelos manejos do Estado feitos pelos operadores políticos dos partidos tradicionais (Colorado e Liberal) em conivência com a elite econômica latifundiária, industrial e financeira, com vinculações aos interesses das corporações transnacionais da agroindústria.
IHU On-Line – Como avalia as retaliações econômicas da Venezuela ao Paraguai, depois do impeachment do presidente Lugo?
Jesús Machado – Em primeiro lugar, seria preciso deixar claro que, por parte do governo da Venezuela, não se impuseram retaliações ao Paraguai. Antes de ocorrer o golpe de Estado no Paraguai, este tinha um convênio com a Venezuela, em que esta última lhe fornecia combustível, fundamentalmente diesel, em cômodas condições de pagamento.
Com a ocorrência do golpe, o governo venezuelano suspendeu as relações diplomáticas com esse país e suspendeu o envio de combustível. Isso implicará que o Paraguai terá que adquirir o combustível a preços mais elevados no mercado por esse combustível.
IHU On-Line – Como pode ser compreendida a prática do contrabando e a rota internacional de drogas, práticas pelas quais o Paraguai é internacionalmente conhecido? Qual é a relação desses fatos com a política econômica que tem sido adotada no Paraguai?
Jesús Machado – Abundam evidências de que o Paraguai é um lugar de passagem para o contrabando de cocaína, em primeiro lugar, e de maconha. A primeira para mercados internacionais, e a segunda, para mercados locais fundamentalmente.
Regiões com pouca vigilância aérea como a do Chaco favorecem a construção de pistas de aterrissagem clandestinas utilizadas para transportar drogas. Isso é favorecido pelo baixo orçamento das instituições encarregadas de combater o tráfico bem como a penetração dos cartéis entre policiais, militares membros do poder judiciário e, obviamente, a vinculação de membros das elites econômicas do Paraguai.
IHU On-Line – Os EUA sinalizaram que são contra qualquer condenação ao Paraguai e que considera legítimo o impeachment e defendem que a Organização dos Estados Americanos – OEA assuma essa oposição. Do ponto de vista político e econômico, o que tem mais peso: a posição da OEA ou da União de Nações Sul-Americanas –Unasul?
Jesús Machado – Como disse, um dos principais beneficiários do golpe de Estado no Paraguai são os EUA. A OEAdemonstrou ser um órgão lento e pouco eficaz para intervir e mediar de modo propício as crises políticas dos países que a compõem, além de ser mais funcional aos interesses de alguns de seus membros em particular, como os EUA. As ações do secretário-geral desse órgão deixaram um forte mal-estar nos governos da região pela ambiguidade e lentidão com que atuou.
Ao contrário, órgãos de integração regional como o Mercosul ou a Unasul mostraram uma maior agilidade e contundência na hora de agir nas crises políticas no continente. No caso paraguaio em particular, Mercosul e Unasulestabeleceram com rapidez, clareza e contundência a rejeição à ruptura do processo democrático no Paraguai.
IHU On-Line – Como analisa a postura dos membros do Mercosul, que aceitaram o ingresso da Venezuela no bloco?
Jesús Machado – Os membros que haviam aprovado plenamente o ingresso da Venezuela a essa instância de integração tinham clareza da importância de acolher a Venezuela, dada a sua posição geográfica estratégica, o peso da sua economia, as reservas de petróleo e as características de um potencial mercado que importa bilhões de dólares por ano em muitos produtos em que as economias maiores, como o caso argentino e brasileiro, são mais fortes.
As objeções de tipo político realizadas pelos operadores políticos paraguaios impunham barreiras para se realizar importantes transações comerciais ao restante dos sócios.
A partir da perspectiva política, o ingresso fortalece a posição internacional da Venezuela ao se incorporar a um bloco regional com grande poder econômico e político liderado pelo Brasil. O que torna mais difíceis possíveis manobras de isolamento internacional. Ele se constitui, por sua vez, em um escudo de certa proteção perante possíveis ataques de outros países, união que favorece a aliança com governos progressistas, com os quais há anos mantém relações muito fluidas, como o caso de Argentina e Brasil e, em menor medida, Uruguai.
Em uma perspectiva econômica, a Venezuela, de alguma forma, pode assegurar um mercado para a exportação de matérias-primas como petróleo, ferro, alumínio e outros minerais preciosos. Também se beneficiará com as vantagens que possa obter derivadas de acordos comerciais com outros blocos econômicos e políticos, como, por exemplo a União Europeia.
IHU On-Line – Como os demais países da América Latina devem se relacionar com o Paraguai e a Venezuela daqui para frente?
Jesús Machado – Com relação ao Paraguai, a relação na atual conjuntura deve ser marcada por uma forte pressão constante para que, o mais rápido possível, retorne-se à democracia. O fato de que, no Mercosul, não tenham sido implementadas medidas econômicas de tipo restritivas, que afetariam fundamentalmente os setores empobrecidos, mas sim que girassem a esfera do político, é uma amostra de onde se deve pôr a ênfase na pressão internacional.
Para o caso venezuelano, acredito que a sua incorporação ao Mercosul não deveria implicar modificações no relacionamento particular.
IHU On-Line – O que diferencia a Venezuela e o governo Chávez dos demais países da América Latina?
Jesús Machado – O principal elemento diferenciado do governo Chávez é que ele articulou a sua prática discursiva na visibilização dos setores empobrecidos do país, e em tentar articular a execução pública a partir dessa posição.
Outro elemento importante tem sido, nos últimos seis anos, o fato de pôr em debate a discussão sobre o modelo de economia política. Ele reavivou o debate continental entre capitalismo e socialismo.
IHU On-Line – Muito se fala sobre o câncer de Chávez e há poucos dias se anunciou que ele está completamente curado. Como esse tema é abordado internamente na Venezuela? O que se diz?
Jesús Machado – Sobre a saúde do presidente pouco pode ser dito com fundamento, se não quisermos reproduzir informações infundadas. Houve um hermetismo muito forte sobre o assunto por parte da própria esfera governamental.
É possível que a propaganda oficial tenha levado grande parte da população a acreditar que o presidente está totalmente curado, o que não me é possível afirmar nem negar.
IHU On-Line – A que atribui o impeachment do presidente Lugo? Quais as implicações deste procedimento para a democracia da América Latina?
Jesús Machado – O golpe de Estado parlamentar contra o presidente Lugo está vinculado a interesses políticos, econômicos e nacionais, além de interesses da política externa norte-americana.
Desde o início do seu mandato, o presidente Lugo resistiu a 24 tentativas prévias de destituição por parte de forças políticas conservadoras, entre elas a figura do próprio vice-presidente, Federico Franco.
Também está vinculado aos interesses de setores econômicos vinculados ao agronegócio. Encontram-se aqui grandes empresas transnacionais como a Monsanto, aCargill e cerca de 10 mais que operam nessa área. Desde o ano 2011, a multinacional Monsanto pressionava para que se liberasse uma variedade de algodão e milho transgênicos, e o governo Lugo se opunha a isso.
Outro grande grupo é a elite oligárquica, majoritariamente proprietária de terras e de gado. Entre elas, há militares, empresários e altos membros dos partidos, especialmente do Colorado, que possuem fortes vínculos com as empresas transnacionais do agronegócio. A isso deve-se acrescentar os grupos empresariais e industriais vinculados à terra. Cerca de 80% das terras aptas para cultivo se encontra nas mãos de 2,5% dos proprietários.
Os exportadores de soja não pagam impostos. Dias antes do golpe parlamentar, o presidente Lugo estava tentando pôr um imposto sobre os exportadores de soja, que são os mesmos que possuem as maiores extensões de terras com vinculações com o setor empresarial e financeiro.
Interesses internacionais
A multinacional Río Tinto havia manifestado a sua intenção de instalar uma planta de processamento de alumínio, o que envolvia uma grande demanda de energia elétrica. E não só isso: ela também pedia que o Estado paraguaio subsidiasse o custo da energia, ao que Lugo se opunha. Enquanto que o ministro da Indústria e Comércio, Francisco Rivas – confirmado como ministro pelo novo presidente, Federico Franco –, e o então vice-presidente, Federico Franco, hoje presidente, haviam se manifestado favoráveis para cumprir as condições da RTA para a sua instalação no Paraguai.
A dois dias do golpe parlamentar foram tomadas três decisões que jogam muita luz sobre toda a trama golpista vivida: a aceitação do ministro Rivas às condições da RTA; a legalização das sementes transgênicas de algodão e de milho daMonsanto por parte do ministro Enzo Cardozo; e o compromisso de não pôr impostos sobre a soja.
Parte das reuniões de conspiração realizadas por Federico Franco foi com membros da Embaixada dos Estados Unidos em sua própria sede. Com a ditadura de Franco, os EUA obtiveram um importante bastião no meio do continente, com uma posição geográfica privilegiada. Além disso, o Paraguai possui importantes reservas de água, terra e potencial energético em abundância. Mas também consegue romper uma das frentes do bloco sul-americano.
Por outro lado, Lugo não foi capaz de fortalecer uma aliança política, social e popular, para além do conjunto de forças díspares que o acompanharam na campanha eleitoral.
Democracia na América Latina
Até o golpe de Estado parlamentar, a América Latina podia contar com uma situação em que todos os países da região tinham governos eleitos por procedimentos democráticos. A ação do Parlamento paraguaio faz com que toda a região retrocedesse nessa importante conquista dos países sul-americanos.
Por outro lado, a experiência paraguaia, assim como a hondurenha, mostra as formas pelas quais os setores mais conservadores, sem compromisso com a democracia, estão dispostos a utilizar qualquer subterfúgio legal para deter propostas políticas que saiam do seu controle.
IHU On-Line – Como analisa a democracia paraguaia em um contexto de corrupção e depois de tantos anos de ditadura?
Jesús Machado – O golpe parlamentar pressupõe um claro retrocesso no processo de democratização política. O primeiro ponto ameaçado é a ordem democrática em si mesma e as garantias básicas. Já não há notícias de processos de perseguição a todos os fatores políticos que não se alinhem com os golpistas.
As crises também são uma oportunidade para repensar o caminho, e a atual crise paraguaia abre a possibilidade de uma ampla mobilização social pela restituição da democracia mais social e participativa.
IHU On-Line – Quais são os traços de autoritarismo que persistem na política paraguaia pós-Stroessner?
Jesús Machado – Os traços mais claros de autoritarismo que ainda persistem são delineados pelos manejos do Estado feitos pelos operadores políticos dos partidos tradicionais (Colorado e Liberal) em conivência com a elite econômica latifundiária, industrial e financeira, com vinculações aos interesses das corporações transnacionais da agroindústria.
IHU On-Line – Como avalia as retaliações econômicas da Venezuela ao Paraguai, depois do impeachment do presidente Lugo?
Jesús Machado – Em primeiro lugar, seria preciso deixar claro que, por parte do governo da Venezuela, não se impuseram retaliações ao Paraguai. Antes de ocorrer o golpe de Estado no Paraguai, este tinha um convênio com a Venezuela, em que esta última lhe fornecia combustível, fundamentalmente diesel, em cômodas condições de pagamento.
Com a ocorrência do golpe, o governo venezuelano suspendeu as relações diplomáticas com esse país e suspendeu o envio de combustível. Isso implicará que o Paraguai terá que adquirir o combustível a preços mais elevados no mercado por esse combustível.
IHU On-Line – Como pode ser compreendida a prática do contrabando e a rota internacional de drogas, práticas pelas quais o Paraguai é internacionalmente conhecido? Qual é a relação desses fatos com a política econômica que tem sido adotada no Paraguai?
Jesús Machado – Abundam evidências de que o Paraguai é um lugar de passagem para o contrabando de cocaína, em primeiro lugar, e de maconha. A primeira para mercados internacionais, e a segunda, para mercados locais fundamentalmente.
Regiões com pouca vigilância aérea como a do Chaco favorecem a construção de pistas de aterrissagem clandestinas utilizadas para transportar drogas. Isso é favorecido pelo baixo orçamento das instituições encarregadas de combater o tráfico bem como a penetração dos cartéis entre policiais, militares membros do poder judiciário e, obviamente, a vinculação de membros das elites econômicas do Paraguai.
IHU On-Line – Os EUA sinalizaram que são contra qualquer condenação ao Paraguai e que considera legítimo o impeachment e defendem que a Organização dos Estados Americanos – OEA assuma essa oposição. Do ponto de vista político e econômico, o que tem mais peso: a posição da OEA ou da União de Nações Sul-Americanas –Unasul?
Jesús Machado – Como disse, um dos principais beneficiários do golpe de Estado no Paraguai são os EUA. A OEAdemonstrou ser um órgão lento e pouco eficaz para intervir e mediar de modo propício as crises políticas dos países que a compõem, além de ser mais funcional aos interesses de alguns de seus membros em particular, como os EUA. As ações do secretário-geral desse órgão deixaram um forte mal-estar nos governos da região pela ambiguidade e lentidão com que atuou.
Ao contrário, órgãos de integração regional como o Mercosul ou a Unasul mostraram uma maior agilidade e contundência na hora de agir nas crises políticas no continente. No caso paraguaio em particular, Mercosul e Unasulestabeleceram com rapidez, clareza e contundência a rejeição à ruptura do processo democrático no Paraguai.
IHU On-Line – Como analisa a postura dos membros do Mercosul, que aceitaram o ingresso da Venezuela no bloco?
Jesús Machado – Os membros que haviam aprovado plenamente o ingresso da Venezuela a essa instância de integração tinham clareza da importância de acolher a Venezuela, dada a sua posição geográfica estratégica, o peso da sua economia, as reservas de petróleo e as características de um potencial mercado que importa bilhões de dólares por ano em muitos produtos em que as economias maiores, como o caso argentino e brasileiro, são mais fortes.
As objeções de tipo político realizadas pelos operadores políticos paraguaios impunham barreiras para se realizar importantes transações comerciais ao restante dos sócios.
A partir da perspectiva política, o ingresso fortalece a posição internacional da Venezuela ao se incorporar a um bloco regional com grande poder econômico e político liderado pelo Brasil. O que torna mais difíceis possíveis manobras de isolamento internacional. Ele se constitui, por sua vez, em um escudo de certa proteção perante possíveis ataques de outros países, união que favorece a aliança com governos progressistas, com os quais há anos mantém relações muito fluidas, como o caso de Argentina e Brasil e, em menor medida, Uruguai.
Em uma perspectiva econômica, a Venezuela, de alguma forma, pode assegurar um mercado para a exportação de matérias-primas como petróleo, ferro, alumínio e outros minerais preciosos. Também se beneficiará com as vantagens que possa obter derivadas de acordos comerciais com outros blocos econômicos e políticos, como, por exemplo a União Europeia.
IHU On-Line – Como os demais países da América Latina devem se relacionar com o Paraguai e a Venezuela daqui para frente?
Jesús Machado – Com relação ao Paraguai, a relação na atual conjuntura deve ser marcada por uma forte pressão constante para que, o mais rápido possível, retorne-se à democracia. O fato de que, no Mercosul, não tenham sido implementadas medidas econômicas de tipo restritivas, que afetariam fundamentalmente os setores empobrecidos, mas sim que girassem a esfera do político, é uma amostra de onde se deve pôr a ênfase na pressão internacional.
Para o caso venezuelano, acredito que a sua incorporação ao Mercosul não deveria implicar modificações no relacionamento particular.
IHU On-Line – O que diferencia a Venezuela e o governo Chávez dos demais países da América Latina?
Jesús Machado – O principal elemento diferenciado do governo Chávez é que ele articulou a sua prática discursiva na visibilização dos setores empobrecidos do país, e em tentar articular a execução pública a partir dessa posição.
Outro elemento importante tem sido, nos últimos seis anos, o fato de pôr em debate a discussão sobre o modelo de economia política. Ele reavivou o debate continental entre capitalismo e socialismo.
IHU On-Line – Muito se fala sobre o câncer de Chávez e há poucos dias se anunciou que ele está completamente curado. Como esse tema é abordado internamente na Venezuela? O que se diz?
Jesús Machado – Sobre a saúde do presidente pouco pode ser dito com fundamento, se não quisermos reproduzir informações infundadas. Houve um hermetismo muito forte sobre o assunto por parte da própria esfera governamental.
É possível que a propaganda oficial tenha levado grande parte da população a acreditar que o presidente está totalmente curado, o que não me é possível afirmar nem negar.
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