sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Isolado do país por cheia, Acre decreta situação de emergência

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Isolado do país por cheia, Acre decreta situação de emergência

BR-364, que liga Rondônia ao Acre, afetada pelas águas da cheia histórica do Rio Madeira
O governador do Acre, Tião Viana (PT), decretou situação de emergência nas áreas do Estado afetadas direta e indiretamente por enchentes. Por causa da cheia do Rio Madeira, quatro trechos da BR-364, única ligação rodoviária do Acre o restante do país, estão com a pista submersa em lâmina d’água de 80 centímetros. A situação de emergência durante 90 dias já foi reconhecida pela Defesa Civil Nacional.
O tráfego de veículos pequenos na rodovia que liga Rondônia ao Acre está interrompido, sendo autorizado a passagem apenas de caminhões com alimentos. Em Porto Velho, o prefeito Mauro Nazif (PSB) declarou situação de calamidade pública também em razão da enchente do Rio Madeira, que vem se mantendo com o nível de 18,58 metros acima da cota de alerta.
O centro comercial de Porto Velho está completamente tomado pelas águas. O Mercado Municipal, Restaurante Popular, Mercado do Peixe e o Terminal Hidroviário também foram interditados pela prefeitura, para quem a cidade já sofreu prejuízos decorrentes da cheia que somam R$ 586 milhões.
Em Rio Branco, o nível do Rio Acre nesta quinta é 14,81 m, ou seja, 81 centímetros acima da cota de transbordamento. O rio subiu 44 centímetros em 24 horas. Existem 1,3 mil pessoas (331 famílias) sendo mantidas pela Defesa Civil em abrigos.
No decreto de situação de emergência, publicado na edição do Diário Oficial do Estado desta quinta-feira, o governo do Acre considera as “intensas e extraordinárias” chuvas no Estado e em Rondônia, bem como na Bolívia e no Peru. O governo admite o risco de desabastecimento de itens básicos para manutenção das atividades públicas e privadas no Estado, a exemplo de alimentos e combustíveis.
De acordo com o governo do Acre, os prognósticos técnicos a respeito de precipitação pluviométrica nos próximos dias, indicam a continuidade do aumento do nível dos rios da região. O decreto do governador considera que “a situação é um evento natural, de evolução gradual, e que as medidas emergenciais de amparo à população são urgentes e necessárias”.
Embora represem água em Porto Velho, os consórcios responsáveis pela construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio negam qualquer relação das obras com a cheia histórica.
Por determinação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a Hidrelétrica Santo Antonio desligou as turbinas no começo da semana por questão de segurança. Jirau está com apenas quatro turbinas em operação.
A paralisação da usina tenta minimizar o sofrimento de ribeirinhos e da população de Porto Velho. Além disso, segundo o ONS, como estão em final de obra, algumas áreas de Jirau e Santo Antonio têm estruturas frágeis e provisórias. O risco de um acidente poderia aumentar por causa do volume de água do Madeira.
Caminhões com destino ao Acre, na travessia do Rio Madeira

De onde o Coelhinho traz seus Ovos de Páscoa?

#NãoVaiTerProteção? Conheça denúncias sobre o turismo sexual na Copa

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http://www.ihu.unisinos.br/noticias/528779-naovaiterprotecao-conheca-denuncias-sobre-o-turismo-sexual-na-copa


#NãoVaiTerProteção? Conheça denúncias sobre o turismo sexual na Copa

O histório dos mega-eventos pelo mundo revela um dado preocupante: em Copas e Olimpíadas, a exploração sexual de crianças e adolescentes cresce, além do tráfico de pessoas. A Fifa já declarou que não tem nada a ver com isso, se eximindo de qualquer responsabilidade. Os governos locais não apresentam campanhas de prevenção a esses abusos e a situação tende a piorar.
A reportagem é do portal do Comitê Popular de São Paulo, 25-02-2014.
Turismo sexual na Copa Fifa, será este um legado da #CopadasCopas?
Confira algumas das denúncias de exploração sexual relacionada a Copa de 2014:
1. Camisetas oficiais do Mundial com clara conotações machistas e sexuais
Brasil: país do samba, do futebol e das belas mulheres (mulatas).. será esta a imagem que o país continua fortalecendo e tentando vender? Para a Adidas, patrocinadora oficial do evento e uma das grandes beneficiárias da Copa, sim. A empresa lançou uma série de camisetas do Mundial 2014, entre as quais duas fazem menção direta ao corpo das brasileiras. Será que a parceira da Fifa se esqueceu do problema do turismo sexual?
2. Florianópolis: recepção de delegações com propaganda de turismo sexual
Florianópolis, a capital de Santa Catarina, não é uma das doze cidades-sede dos jogos da Copa de 2014, mas está inclusa no calendário por receber alguns de seus eventos e, possivelmente, uma Fan Fest. No dia 18 de fevereiro, ocorreu na cidade o Congresso Técnico da Fifa, que reuniu comissões técnicas das 32 seleções que participarão do mega-evento. Os grupos foram recebidos com um caderno intitulado “Welcome to Florianopolis” encartado dentro do Diário Catarinense (RBS) com a foto de várias mulheres de biquini e embaixo, uma propaganda “do melhor clube de striptease da cidade”.

Se isto foi veiculado em um evento oficial da #CopadasCopas, imagina em hotéis e outros locais durante o evento?
3. “Garota Copa Pantanal 2014″: adolescentes com camisetas do Mundial em poses sensuais
Em março de 2012, foi denunciado o site “Garota Copa Pantanal 2014″ que publicava vídeos e fotos de garotas menores de 18 anos em posições sensuais e com camisetas promocionais alusivas ao torneio de futebol. O site era organizado por uma agência de modelos itinerante suspeita de levar jovens para a rede de exploração sexual.
No site do grupo, uma notícia postada no dia 6 de agosto de 2011 informa que a mesma garota irá para Zurique, na Suíça, em 2013, participar do sorteio das sedes da Copa das Confederações, que também ocorrerá no Brasil. Atualmente, essa participante está com 15 anos.
4. No entorno dos estádios, surge rede de exploração de crianças, adolescentes e mulheres
Há denúncias do aumento de exploração sexual, incluindo crianças e adolescentes, nos arredores dos estádios e das grandes obras urbanas da Copa de diversas cidades-sede. Em São Paulo, uma reportagem do jornal britânico “Mirror” revelou que garotas de 11 a 14 anos estão se prostituindo na região do Itaquerão, Zona Leste de São Paulo.
5. Para trabalhar durante o evento, mulheres se submetem a cirurgias plásticas e são exploradas para pagar suas dívidas
Mulheres que desejam emprego como trabalhadoras sexuais durante a Copa de 2014 devem se submeter a cirurgias plásticas. Por não terem o dinheiro necessário para a intervenção médica, são obrigadas a trabalhar de dez a doze horas por dia para quitar suas dívidas, e nas piores condições. Em condição análoga ao trabalho escravo, essas mulheres não conseguem sair das redes de exploração sexual e com certeza, tem alguém lucrando pelo seu trabalho.
6. Empresários do sexo já preparam seu lucro para a Copa de 2014
O mercado da prostituição deve crescer em 60% durante o Mundial, revelou uma reportagem da Folha de São Paulo. Em entrevistas, os empresários da exploração sexual se mostraram estar muito animados com a #CopadasCopas, que deve superar o lucro obtido na Fórmula 1 e outros eventos conhecidos como o “natal” do ramo.
Pensando nisso, os empresários procuram preparar seus empregados – em sua grande maioria, mulheres – para receber os turistas interessados. As trabalhadoras de uma das casas pesquisadas pela Folha estão aprendendo a falar “Você faz anal? Sim, mas cobro um extra” e outras expressões em inglês.
Apenas agora, às vésperas do Mundial de 2014, a presidente Dilma Roussef resolveu lançar uma campanha de prevenção contra a exploração sexual, uma política exigida por movimentos sociais, entidades e ONGs há muitos anos. Por que o governo demorou tanto se estudos já comprovavam o crescimento de redes de exploração sexual e tráfico humano durante mega-eventos? Será que agora, não é tarde para muitos jovens, crianças, mulheres e homens?
Um estudo da fundação francesa Scelles comprova que as grandes competições internacionais permitem que as redes criminosas “aumentem a oferta” de pessoas que são prostituídas. Na África do Sul, por exemplo, o número estimado aumentou de 100 para 140 mil, durante o megaevento de 2010.
O Brasil possui um dos maiores níveis de exploração sexual infanto-juvenil do mundo. De acordo com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, uma rede de organizações não-governamentais, estima-se que existam 500 mil crianças e adolescentes na indústria do sexo no Brasil (dados de 2012). Este índice tende a crescer ainda mais com a Copa de 2014[5].
No estado da Bahia, o terceiro em número de denúncias de violência sexual, apenas em dezembro de 2013 se divulgou uma campanha com o título “Fim da Prostituição e do Tráfico Infantil”. Além disso, as poucas campanhas realizadas até agora são relacionadas ao público infantil, campanhas estas que são mais aceitas pela sociedade e provocam adesão no combate.
Todavia, campanhas relacionadas a públicos estigmatizados, como mulheres e travestis, não recebem a devida ênfase, omitindo-se assim o fato de que se tratam de vítimas das condições sociais que as levaram à prostituição. Isso nos remete ao histórico de violação de direitos que perpassa até mesmo os planejamentos das políticas públicas.
Ativistas e organizações que combatem a exploração de pessoas indicam que o assunto não é prioridade para os governos, que continuam reprimindo as trabalhadoras e trabalhadores do ramo ao invés de desenvolver políticas públicas de prevenção à exploração sexual, dando-lhes outras condições e alternativas de sobrevivência. Políticas deveriam ter sido intensificadas logo que o país foi eleito sede da Copa do Mundo, o que não ocorreu.
É valido ressaltar que campanhas de combate à exploração sexual, até então, pouco tem se relacionado ao nome da Fifa. Será que esse é mais um requisito para trazer o torneio ao Brasil? Assim como é exigido a outras corporações, a Fifa também deveria cumprir leis de responsabilidade social, como, por exemplo, campanhas e ações na área do combate à exploração sexual, dados os inúmeros alertas e fatos que comprovam que o Mundial intensifica esse sombrio mercado.

A atual política indigenista brasileira permanece nos moldes deixados pela ditadura militar

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http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/evangelizacao-e-o-que-ajuda-los-a-lutar-pelas-suas-terras-entrevista-especial-com-egydio-schwade/528748-evangelizacao-e-o-que-ajuda-los-a-lutar-pelas-suas-terras-entrevista-especial-com-egydio-schwade


“A atual política indigenista brasileira permanece nos moldes deixados pela ditadura militar”. Entrevista especial com Egydio Schwade

“Antigamente nós conseguimos evitar a obra de Belo Monte; hoje em dia, não se consegue mais", constata um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - CIMI.
Foto: Portal Guaíra 
Como um “organismo oficiosamente” ligado àConferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, e não “oficial”, para ter mais “agilidade” na sua atuação, oConselho Indigenista Missionário – Cimi foi criado em 1972 e impulsionado por Egydio Schwade e pelo padre jesuíta Antônio Iasi Jr., responsáveis pela criação do secretariado executivo, que elaborou o primeiro plano de ação da organização. Num contexto ditatorial, no qual a questão indígena era esquecida, o secretariado executivo doCimi surgiu com dois objetivos: “primeiro, organizar os indígenas para que eles tivessem uma organização entre si, pudessem se conhecer, se reunir, porque até então, desde 1500, não existiam organizações que defendessem os direitos indígenas (...); e o segundo objetivo, mudar a pastoral indígena”, relata Egydio Schwade, na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line, em visita aoInstituto Humanitas Unisinos – IHU.
Egydio Schwade, que hoje mora no estado do Amazonas e convive com os índios Waimiri Atroari, conta que o Cimisurgiu com a proposta de pôr em prática as orientações doConcílio Vaticano II em relação à evangelização dos povos e transformar a pastoral indígena da Igreja da época. “OConcílio Vaticano II dizia que a Igreja deveria acabar com a catequese, assim como os missionários teriam de procurar colher as sementes de Deus ocultas nos povos. Então, ao invés de catequizar os índios, passamos a evangelizá-los e a transmitir a Boa Nova, que se contrapõe à Má Nova. E qual era a Má Nova para os índios? A perda de suas terras, de sua cultura, da autodeterminação. Por isso, nós nos contrapúnhamos. Evangelização é o quê? Ajudá-los a lutar pelas suas terras, pelo seu território e pela sua cultura, porque quanto mais eles mantêm a sua cultura, mais se manifestam as sementes ocultas de Deus”, descreve.
A atuação do Cimi junto às comunidades indígenas acirrou os conflitos entre a Igreja e os militares. Nesse contexto,Egydio Schwade assinala o protagonismo de padre Antonio Iasi Jr., hoje com 94 anos, autor do primeiro documento a apresentar e analisar a situação dos indígenas que viviam no Brasil. “Iasi foi o primeiro a fazer ‘balançar a ditadura militar’, porque provocava os generais a partir da questão indígena. (...) Uma vez, ele foi expulso aos empurrões da Funai, em Brasília, para nunca mais voltar. Mas dois dias depois, me diz: ‘Egydio, está na hora de voltarmos à Funai. Precisamos visitar o general’. Então, nós fomos”, lembra.
Entre os documentos que repercutiram à época, Schwade destaca o Y Juca Pirama, elaborado por ele e Iasi, juntamente com Dom Pedro CasaldáligaDom Tomás BalduínoElizeu Lopes, então frei dominicano, Ivo Poletto e Frei Mateus, num encontro realizado às escondidas, no interior de Goiás. “Muitos estranharam por que eu não assinei esse documento, mas essa foi uma estratégia que adotamos a pedido de Dom Pedro, que dizia: ‘não vamos arriscar tudo’. Como eu era secretário do Cimi, foi melhor não assinar o documento, porque dessa forma os militares não teriam motivo para fechar o secretariado do Cimi, que à época era a instituição que dava impulso à questão indígena”, recorda.
Na entrevista a seguir, Schwade conta a história do Cimi, sua repercussão durante a ditadura militar e avalia a atuação da organização 41 anos depois.
Foto: Dazibao Rojo
Egydio Schwade é graduado em Filosofia e Teologia pelaUniversidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Foi um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - Cimi e primeiro secretário executivo da entidade, em 1972. Hoje é colaborador do Cimi, residindo em Presidente Figueiredo-AM.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quem é padre Antônio Iasi Jr.? Como e quando o senhor o conheceu? Pode nos contar a trajetória dele?
Egydio Schwade – Conheço padre Antônio Iasi Jr. desde os anos 1960 e, inclusive, morei com ele em uma aldeia dosíndios Rikbaktsa, no rio Juruena, noroeste do Mato Grosso, em 1964. Ele sempre foi uma pessoa muito engajada, um padre jesuíta que desde sempre trabalhou com os índios, em aldeias.
Em 1972, nós criamos o Conselho Indigenista Missionário – Cimi e, a partir de 1973, foi criado o secretariado. Na ocasião, tornei-me o primeiro Secretário Executivo do Conselho. Logo de início percebi que um trabalho como esse, de âmbito nacional, não poderia ser realizado sozinho.

À época, o Cimi era um organismo oficiosamente ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. Não tinha uma ligação oficial por sugestão do então secretário-geral da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter, que acreditava que oCimi teria mais agilidade se fosse um órgão oficioso. Então eu fui o responsável por organizar a primeira equipe do secretariado executivo do Cimi. Como eu já havia criado, em 1969, a Operação Anchieta - OPAN— hoje operaçãoAmazônia Nativa —, apelei para eles, que logo me cederam duas pessoas, alguns padres redentoristas e um seminarista meio rebelde. Assim, formamos a primeira equipe do secretariado executivo do Cimi, que organizou o primeiro plano de ação do Conselho, com dois objetivos: primeiro, organizar os indígenas para que eles tivessem uma organização entre si, pudessem se conhecer, se reunir, porque até então, desde 1500, não existiam organizações que defendessem os direitos indígenas — pouco se sabe sobre esse tipo de organização, e quando há alguma notícia ao longo da história, é sempre de uma organização que esteve diretamente a serviço do colonizador ou dos invasores portugueses ou holandeses; e o segundo objetivo, mudar a pastoral indígena.

“Não foi o ABC que balançou a ditadura — esse já era o período final”

IHU On-Line – O Cimi surgiu com o objetivo de ter uma atuação nacional?
Egydio Schwade – Sim, nacional. Quando criamos o secretariado, decidimos que o Cimideveria olhar a questão indígena como uma questão nacional. À época, alguns missionários ficaram muito chateados com isso, disseram que a Igreja já não dava conta das missões da Amazônia e agora iria se interessar por outros indígenas, como os da região Sul. Porém, nós sustentamos a criação e atuação do Cimi e essa decisão foi de grande importância para o dinamismo interior da organização. Nesse sentido, colaboraram principalmente os leigos, através da Operação Anchieta, hoje conhecida comoAmazônia Nativa.
IHU On-Line – Em que consistia essa Operação?
Egydio Schwade – Era inicialmente uma operação de missionários leigos da Igreja Católica e Evangélica. Enquanto todas as dioceses ou ordens religiosas se limitavam a seus territórios de atuação, aOperação Anchieta era o primeiro organismo dentro da Igreja Católica e Luterana que abria horizontes sem limites de prelazias e dioceses. Eles colocavam as suas pessoas à disposição, localizavam aldeias e as mostravam aos bispos e padres, constituindo novas paróquias e abrindo a missão.

No Sul, Egon Heck foi o primeiro coordenador do Cimi Sul e um dos responsáveis por dinamizar o trabalho na região. Minha esposa, Doroti, que era catarinense, foi a primeira coordenadora do Cimi na Amazônia Ocidental. E, nesse contexto, padre Iasi se juntou a nós, formando a primeira equipe do Cimi.
Nosso trabalho consistia em ajudar os índios a se conhecerem entre si, a conhecerem as lideranças de diversos povos. Também tínhamos o objetivo de transformar a pastoral indígena da Igreja da época, de acordo com a orientação doConcílio Vaticano II, o qual dizia que a Igreja deveria acabar com a catequese, assim como os missionários teriam de procurar colher as sementes de Deus ocultas nos povos. Então, ao invés de catequizar os índios, passamos a evangelizá-los e a transmitir a Boa Nova, que se contrapõe à Má Nova. E qual era a Má Nova para os índios? A perda de suas terras, de sua cultura, da autodeterminação. Por isso, nós nos contrapúnhamos.
Evangelização é o quê? Ajudá-los a lutar pelas suas terras, pelo seu território e pela sua cultura, porque quanto mais eles mantêm a sua cultura, mais se manifestam as sementes ocultas de Deus. Essa nova posição da Igreja criou grandes problemas com oficiais militares. E, nesse contexto, deu-se uma das grandes missões de padre Iasi. Ele foi o primeiro a fazer “balançar a ditadura militar”, porque provocava os generais a partir da questão indígena. Padre Iasi não tinha nenhum patrimônio, a única coisa que possuía era uma malinha. Se as coisas cabiam lá dentro, ele as levava. Se não cabiam, ficavam.

“A nossa sorte foi contar com a participação dos jornalistas, que tomaram a decisão de tornar pública a questão indígena a qualquer custo”

IHU On-Line - Onde padre Iasi viveu durante esse período?
Egydio Schwade – Nossa sede deveria ser em Brasília, mas durante todo esse período, eu mesmo, como Secretario Executivo, nunca fiquei um mês consecutivo lá. Nós estávamos sempre nos interiores, justamente para abrir os olhos dos padres, dos bispos,  das prelazias, etc. Também tínhamos a preocupação de que os índios tivessem a oportunidade de sentir que havia alguém do lado deles para se organizarem. Então, nós estávamos onde a situação estava mais “quente”.
Iasi foi um dos que enfrentou as barras mais pesadas, porque ele via as coisas. Nesse período de tensão com a ditadura, uma das nossas estratégias — talvez até de sobrevivência — era recorrer à imprensa, aos jornalistas, e tínhamos jornalistas de peso do nosso lado. Quando entrávamos nas cidades, éramos cercados de jornalistas — Iasi e eu principalmente —, porque sempre tínhamos o cuidado de não expor demais os leigos, que geralmente eram a parte mais frágil. Houve uma época em que a ditadura militar começou a censurar os jornais, e essas censuras atingiram a questão indígena. Mas, assim mesmo, quando não conseguiam publicar em um jornal, os jornalistas publicavam em outro.
IHU On-Line - Qual foi a importância e a repercussão, à época, do documento Y Juca Pirama - o índio, aquele que deve morrer, do qual Iasi foi autor?
Egydio Schwade – Quando assumi o secretariado do Cimi, fiz uma viagem pelo interior do país, e na volta organizamos uma reunião com alguns bispos para falar da situação indígena no Brasil. Padre Iasi foi quem escreveu o primeiro texto da situação indígena no país. Como era ditadura, nos reunimos às escondidas no interior de Goiás, no município deAbadiânia, entre Brasília e Goiânia. Estiveram presentes Dom Pedro CasaldáligaDom Tomás BalduínoElizeu Lopes, então frei dominicano, Ivo PolettoFrei Mateus, Iasi e eu. Nesse encontro, chegamos à conclusão de que oCimi deveria se posicionar ante essa situação dos índios brasileiros. Escrevemos, então, o documento Y Juca Pirama, que teve bastante repercussão. Muitos estranharam por que eu não assinei esse documento, mas essa foi uma estratégia que adotamos a pedido de Dom Pedro, que dizia: “não vamos arriscar tudo”.
Como eu era secretário do Cimi, foi melhor não assinar o documento, porque dessa forma os militares não teriam motivo para fechar o secretariado do Cimi, que à época era a instituição que dava impulso à questão indígena. Eu também fui responsável por procurar os bispos do Sul que quisessem assinar o documento. À época, somente um bispo quis assinar, o bispo de Palmas - PR — nem esperávamos que fosse assinar —, e mais dois padres de lá.
IHU On-Line – O Cimi não teve repercussão dentro da Igreja da época?
Egydio Schwade – O episcopado ficou bastante na “moita”, porque o governo estava sempre “em cima”. Tínhamos de fazer tudo escondido. Eu era responsável pela entrega do material de leitura que era enviado para leigos e padres, e lembro que certa vez telefonei de Brasília para Goiânia para pedir um estoque de textos sobre a questão indígena. Precisava fazer a solicitação a um leigo da prelazia de Dom Pedro, que era o responsável pela distribuição do material. Telefonei, mas ele estava viajando. Nesses casos, tínhamos de falar com as pessoas através de uma senha, que era“material escolar”. Ou seja, pedi para providenciarem mais “material escolar”. Quando cheguei a Goiânia para buscar o material, uma leiga da diocese de Dom Tomás, que foi fazer a entrega, estava trêmula, com um “pacotinho” na mão, e me disse que o Moura (um leigo) acabara de ser preso. Passei muito medo naquela noite, pois a única pessoa estranha que entrou no ônibus que peguei para voltar a Brasília se sentou justo atrás de mim.

“Antigamente nós conseguimos evitar a obra de Belo Monte; hoje em dia, não se consegue mais”

IHU On-Line - Como foi estar à frente do Cimi no período militar? Quais dificuldades vocês enfrentaram nesse período?
Egydio Schwade – A nossa sorte foi contar com a ajuda da imprensa. Ela foi responsável por todo o avanço da questão indígena. Não foi o ABC que balançou a ditadura — esse já era o período final. A nossa sorte foi contar com a participação dos jornalistas, que tomaram a decisão de tornar pública a questão indígena a qualquer custo. Com isso eles nos evidenciavam quase toda semana nos jornais, o que dificultava uma posição contra nós por parte dos militares.
IHU On-Line - Existem casos de tortura entre os membros do Cimi?
Egydio Schwade – Os membros do Cimi foram retirados de suas áreas, como, por exemplo, no Acre, onde havia uma equipe de três pessoas: uma assistente social, um professor e uma enfermeira. Eles foram retirados de suas áreas sob tortura. Uma vez, o Iasi também foi expulso aos empurrões da Funai, em Brasília, para nunca mais voltar. Mas dois dias depois ele me diz: “Egydio, está na hora de voltarmos à Funai. Precisamos visitar o general”. Então, nós fomos.
IHU On-Line - O Cimi tinha um diálogo estreito com a Funai?
Egydio Schwade – Não. Nós íamos reclamar as posições. Nossa posição era — e a posição do Cimi ainda é esta — cobrar ações em favor do índio e o cumprimento da legislação indigenista. Nós questionávamos a política do governo, que era contra a legislação indigenista.

IHU On-Line - O senhor tem contato com padre Iasi?
Egydio Schwade – Ele está com a saúde muito debilitada, mas mantém o mesmo humor. Enquanto ele teve forças, esteve sempre nos ajudando na questão indígena.
IHU On-Line – Que rumos o Cimi tomou depois da ditadura?
Egydio Schwade – Em primeiro lugar, acredito que o Cimi continua na posição correta de questionar a política indigenista brasileira, a qual permanece nos mesmos moldes em que foi deixada na ditadura militar. Houve uma pequena tentativa de mudança, que começou com a criação de uma equipe formada pelos índios Waimiri Atroari, pelo Cimi, pelaFunai, por alguns advogados e professores de universidades, que reencaminharam toda política indigenista. Mas, menos de dois anos depois, minha esposa e eu assumimos o trabalho com a comunidade Waimiri, fizemos a primeira alfabetização na língua desse povo, e eles começaram, espontaneamente, a revelar que mais de dois mil índios foram mortos durante a ditadura militar. Como a Funai estava envolvida com as mortes, a nova política indigenista passou para uma empresa que também estava interessada em ocultar os fatos, e a mudança na política indigenista parou por aí.
Em nível nacional, a Funai se reencaminhou com a posição do senador Romero Jucá, que até hoje é inimigo dos índios. Eles, então, retomaram o roteiro da ditadura militar e passaram a investir nos grandes projetos de mineração, de hidrelétricas, os quais estão muito mais agressivos do que durante a própria ditadura. Antigamente nós conseguimos evitar a obra de Belo Monte; hoje em dia, não se consegue mais.

Desmilitarizar a polícia de combate

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 Desmilitarizar a polícia de combate

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ESCRITO POR PLÍNIO GENTIL   
QUI, 27 DE FEVEREIRO DE 2014

Durante uma manifestação em S. Paulo, no aniversário da cidade, um manifestante foi baleado pela PM, sofrendo graves consequências. Ele foi perseguido, já fora do contexto da manifestação, por três policiais e levou um tiro. Alguém ouviu um grito "mata mesmo”.

É só mais do mesmo. E o que o episódio reflete é a tendência combatente da nossa polícia militar, além de mostrar o resultado da forma equivocada como o Brasil organizou a atividade policial, militarizando-a. Diante de uma manifestação popular, qualquer que seja, a primeira reação policial costuma ser o combate e a tentativa de dispersão.

A polícia militar acha, com ingênua sinceridade, que solucionará a questão eliminando o confronto. Mas o confronto é sempre inevitável – porque a sociedade é contraditória – e a grande virtude da democracia é justamente absorver essas contradições.

Quem coletivamente faz reivindicações é povo, assim como os policiais o são. Só que estes parecem não se considerar parte do povo, do qual estão cada vez mais isolados. Têm um viés de formação que, tudo indica, vem do caráter militar da nossa PM, muito mais adestrada paracombater o inimigo do que para proteger o cidadão e seus direitos.

O policial na rua exerce uma função que é civil, não militar. Ele tem que ser um mediador de conflitos. Mediador, não exterminador. O inimigo externo deve ser eliminado pelo soldado, que tem no povo um aliado. O adversário interno deve ser enfrentado e reprimido pelo policial, quando não tiver sido possível evitar o crime ou pacificar a situação conflituosa. O povo aí não é só aliado, é o próprio objeto da ação da polícia. O policial militar, formado para obedecer sem questionar, tem dificuldade de perceber essa diferença. O perfil militar faz da PM uma instituiçãode combate, que por isso não interage adequadamente com a população.

E aos efeitos maléficos da militarização acrescenta-se o defeito de uma atuação classista, que na sua atuação reproduz a cruel divisão que há na sociedade entre proprietários e proletários, vendo preferencialmente nas camadas mais despossuídas o perfil do inimigo a combater. E tome chacinas. A de 2006, 2012, as execuções e sumiços de adolescentes da periferia todos os anos, a violência generalizada contra os movimentos sociais, estudantes inclusive, o pau nos rolezinhos e por aí vai.

Há projeto de emenda constitucional (PEC 51/2013) redefinindo o papel da polícia, desmilitarizando-a e extinguindo sua função de auxiliar das forças armadas, sob o comando de um oficial do Exército, coisas que o regime militar impôs às antigas Forças Públicas. Se aprovado, o projeto terá estabelecido que polícia é uma coisa, forças armadas outra.

O professor Dalmo Dallari, da USP, conta de uma carta do então presidente Campos Salles aconselhando o governador Bernardino de Campos a ter bem organizada a força policial do estado. “Esta gente” – diz o presidente – “sob um regime rigorosamente militar será o casco poderoso para qualquer eventualidade...”.

Está escrito “casco” mesmo. Então, se a polícia militar, já desde a primeira república, é formada para ser um casco, nunca poderá ser “permeável às demandas dos cidadãos”, como enuncia a justificativa da PEC 51/2013. Nem o servidor policial se sentir como um deles. A militarização faz mal aos policiais, à República e à população. É preciso, o quanto antes, desmilitarizar essa polícia de combate, cascuda.


Plínio Gentil é professor de Direitos Humanos (PUC-SP) e Procurador de Justiça criminal. Filiado ao Movimento do Ministério Público Democrático e ao Grupo de Pesquisa Educação e Direito, da UFSCar.