quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Existe, então, um “novo” feminismo?

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Existe, então, um “novo” feminismo?

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Páginas de um fanzine de Ivy Vance sobre a terceira onda do feminismo
Mídia fala sobre “renovação” do movimento. Mas nos últimos vinte anos, mudança essencial foi internet, que tornou luta das mulheres mais visível
Por Marília Moschkovick na coluna “Mulher Alternativa”
Escrevi no ano passado uma retrospectiva celebrando o lado bom de o feminismo estar tão “em voga”, aparecendo na mídia e em discussões de diversos círculos (leia aqui). Na semana que passou, a revista Época online publicou uma reportagem com personagens do que chamaram de “novo feminismo”, muitas delas conhecidas na internet como Cynthia Semíramis e Lola Aronovich (leia aqui). Frequentemente recebo perguntas, via redes sociais, de pessoas querendo saber se essa seria uma “nova onda” do feminismo. Será que estamos diante de um feminismo diferente do que vinha existindo até agora?
Em seu perfil nas redes sociais, a jornalista e mestra em estudos de gênero Marjorie Rodrigues conta que, durante sua pesquisa de conclusão de curso, analisou 70 matérias sobre o feminismo publicadas em grandes veículos de comunicação no início dos anos 2000. Segundo ela, todas promovem essa mesma visão, de que estaríamos diante de um novo feminismo.
O problema desse tipo de discurso é que ele apaga a luta feminista que, a bem da verdade, nunca parou, nem deixou de existir. O feminismo se mantém ativo desde o século XX, e conquistou uma série de importantes mudanças em diversos países, como o direito ao divórcio, o direito das mulheres à herança e propriedade de terras, direito e acesso ao mesmo sistema educacional oferecido aos homens, planejamento familiar e educação sexual, entre outras. Nesse tempo todo, é de se imaginar que o pensamento feministatambém tenha se transformado, junto com a sociedade. É por esse motivo que falamos em “primeira onda”, “segunda onda” e “terceira onda” do feminismo.
As “ondas”, ao contrário do que algumas pessoas podem imaginar, não são determinadas por um critério cronológico, mas pelo pensamento feminista, pelas reivindicações e pela elaboração da teoria feminista que aconteceram em cada época. O início de uma “nova onda” não implica no fim imediato da anterior. Sendo assim, hoje temos gente que defende pensamentos e bandeiras que consideramos como sendo da terceira onda, mas também há quem defenda esquemas de pensamento ligados à segunda onda e até mesmo à primeira (que começa no século XIX, pasmem!).
Não entrarei em detalhes sobre os pensamentos de cada uma das “ondas feministas”, mas o fato é que o pensamento de terceira onda — ligado à teoria de gênero e ao conceito de intersecionalidade — ainda não foi superado por algo novo e original a ponto de ser possível estarmos diante de uma “quarta onda” feminista. Convivemos, portanto, com um grande balé de conceitos, teorias e práticas militantes que foram desenvolvidos em diferentes ondas, da primeira a terceira, do século XIX ao fim do século XX (quando marcamos o início da terceira onda — fim dos anos 1980 e início dos 1990).
A única novidade que realmente aconteceu desde o início da terceira onda foi a internet — em especial a que é chamada de “web 2.0″, ou seja, a internet que extrapola páginas estáticas, e na qual os usuários produzem conteúdo interativo (esta, justamente, que se tornou repleta de redes sociais). O cyberativismo feminista ganhou muita força e popularizou ainda mais o feminismo nos últimos 15 anos. Mesmo assim, tais estratégias não foram específicas do movimento e continuaram reproduzindo em nova roupagem algumas ações tradicionais da militância política. Criar meios de comunicação específicos ou próprios (jornais antes, blogs e portais hoje), promover círculos de debates (ao vivo antes e hoje, e com grupos de facebook e listas de e-mail hoje), divulgar informações ligadas à causa: nada disso é novidade. A novidade é o alcance e o acesso a essas ferramentas, proporcionados pela internet.
A internet também proporcionou uma visibilidade maior a grupos não-hegemônicos dentro do feminismo, como as feministas negras e as transfeministas — que, curiosamente, são ignoradas na reportagem da revista Época. É curioso, inclusive, que ao se propor a falar de “feminismo novo” a referida matéria reproduza modelos e pensamentos da segunda onda feminista, em que ainda não existia o conceito de “intersecionalidade”. Pois não há nada novo em invisibilizar minorias sociais dentro do feminismo, como expliquei aqui.
Diante do discurso que reivindica estarmos diante de um “feminismo novo” é fundamental adotar um olhar crítico e, mais do que isso, aproveitar a grande vantagem realmente nova do feminismo: a facilidade em encontrar informações sólidas sobre ele em sites, blogs e jornais feministas na rede (e até nas páginas da Wikipedia, que não são ruins). Assim, se torna possível compreender que o movimento nunca deixou de existir e, infelizmente, nunca deixou de ser necessário.

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