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A hipocrisia dos donos do poder
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A hipocrisia dos donos do poder
QUI, 13 DE FEVEREIRO DE 2014 |
A morte, por meio de um disparo de rojão, do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade (que no dia 6 filmava manifestação pelo passe livre no Rio de Janeiro), após quatro dias em coma, um trabalhador que estava em mais um dia de desempenho de suas funções, deixou o país em estado de intensa e justificada comoção.
Não é possível esquecer de uma família que fica órfã, mulher e três filhos, tampouco negligenciar as inúmeras inseguranças pelas quais passa diariamente a categoria dos jornalistas, em país onde o exercício sério de tal ofício acarreta riscos maiores que os divulgados, como já mostraram algumas pesquisas e institutos. É, no entanto, cínico, hipócrita e inaceitável o aproveitamento da morte do cinegrafista no Rio de Janeiro pela grande mídia, pelo governo, pelo Estado e pela direita tradicional, com objetivos políticos mesquinhos e antipopulares.
Insensíveis diante de dezenas de milhares de mortes diuturnas de trabalhadores e populares, pelas quais são direta e indiretamente responsáveis, servem-se despudorada e demagogicamente da morte singular de um trabalhador no desempenho de suas funções, para acelerar ofensiva há muito em curso contra a população em geral e os trabalhadores em particular.
Há campanha estridente para que se retome e se acelere, a partir da morte do cinegrafista, não somente a criminalização dos movimentos e protestos sociais, mas um inaceitável e anacrônico clima de repressão e medo. O que dizer do açodamento com que alguns parlamentares tentam agora acelerar a aprovação de lei que tipifica o terrorismo, o PL 499/2013, redigido pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), que realiza salto de qualidade na criminalização da resistência social ao capital, ao equiparar a ato terrorista praticamente toda resistência popular organizada? E das insinuações levianas que rondam pelos mais diversos canais da mídia comercial, mencionando que teria ocorrido um homicídio culposo, sob amparo de figuras que são reconhecidamente defensoras de direito humanos?
Sem dúvida alguma que a lamentável morte de um trabalhador no exercício de suas atividades profissionais, que demanda que a justiça seja feita sem margens para quaisquer tergiversações jurídicas, deverá impor momentos de séria reflexão para os movimentos sociais - de forma a tentarem uma ação mais orgânica, a buscarem formas de enfrentar a violência e atos provocativos e discutirem estratégias de autodefesa organizada e responsável do movimento social, delimitando o direito inarredável da luta e as fronteiras geográficas e políticas do mesma. Afinal, está em jogo o potencial unificador dos protestos motivados pela copa, potencial que poderá se esvair face à percepção de que quaisquer movimentações acabarão em pancadaria.
Cumpre de todo modo enfatizar a plena e total responsabilidade do governo, do Estado e das classes dominantes na escalada de violência e revolta que têm submergido a sociedade brasileira, que se intensificaram após os protestos de junho do ano passado, e das quais os dois primeiros meses do ano dão mostras emblemáticas. Estão aí os rolezinhos; incêndios de ônibus nas grandes capitais; revoltas nas periferias até mesmo em função das enchentes; protestos anti-copa; a mais ampla greve de rodoviários até hoje existente em Porto Alegre; e outros mais.
A indigência do Estado frente às demandas por infraestruturas econômicas e sociais de qualidade, pelas quais a população sofrida vem clamando há tantos anos e que explodiram no mês de junho de 2013, lança à luta populares em reação ao insuportável escorcho. Indigência que aparece também frente ao grande drama da segurança pública, com uma polícia mal remunerada, despreparada e que, na grande maioria das vezes, atua brutalmente contra uma população que, eventualmente, reage a este tratamento. Nos poucos dias que se passaram do lamentável episódio, populares e trabalhadores foram assassinados pelas forças policiais, sob o silêncio obsequioso da grande mídia e cumplicidade do governo e do Estado.
Trata-se este de um Estado que agora se aproveita da naturalização de uma violência por ele mesmo gerada pra esvaziar manifestações e protestos sociais. E se possível, sob o amparo jurídico, a partir de lei de caráter fascista e ditatorial.
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