segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Pedro Casaldáliga - carta pastoral 5/8

Fonte:
http://www.prelaziasaofelixdoaraguaia.org.br/uma-igreja-na-amazonia/umaigrejaparte5.htm



Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social

(parte V/8)


ÍNDIOS

Se a problemática causada pelo latifúndio com relação ao posseiro é grave, não menos grave foi a situação criada com o índio e suas terras. Alguns fatos são bastante significativos.


XAVANTE / SUIÁ

A Suiá-Missu ao se estabelecer onde se encontra localizada defrontou-se com o problema da presença dos índios Xavante. Foram empregados diversos meios de aproximação com eles, procurando-se evitar um confronto direto. Quando o acampamento dos mateiros ficou pronto, os índios se aproximaram e se estabeleceram próximos ao mesmo (Jornal da Tarde, 21/7/71 - cf. Documentação, nº III, 1. A).

Mas esta presença ia-se tornando pesada. Cada dia era um boi que era matado para os índios (O Estado de S. Paulo 25/4/69 - cf. Documentação nº III, 1. B). Era necessário encontrar uma solução. Os índios poderiam permanecer em terras do latifúndio (!). E a solução encontrada foi fácil: a deportação.

Os proprietários da fazenda procuraram a missão de S. Marcos, de Xavante, e persudiaram aos superiores da mesma a aceitarem nela os Xavante da Suiá. Isto acontecia em 1966. Os Xavante foram transportados em avião da FAB, em número de 263, tendo morrido boa parte deles aos poucos dias depois de chegados a S. Marcos, vitimados por uma epidemia de sarampo.

Essa porém não é a versão publicada na imprensa, conforme se pode ver na Documentação (III, 1. B - Reportagem publicada por "O ESTADO DE S. PAULO" - Em 25/4/69). Essa deportação foi presenciada por "Última Hora" do Rio de Janeiro (cf. Documentação nº III, 1. C). E quando o SR. Ministro do Interior, Cel. Costa Calvacanti, em abril de 1969, visitou algumas das aldeias dos Xavante, estes lhe pediram providenciasse s devolução da terra que lhes pertencia (cf. Documentação nº III, 1. D).

Anualmente os Xavante voltam para sua a terra, roubada pela cobiça latifundiária, para apanhar o Pati, árvore por eles usada na confecção dos seus arcos e flechas.

Mas os proprietários da Suiá, família Ometto, gostam dos índios... (Jornal da Tarde - 21/7/71). Após a deportação doaram à missão um auxiliar na manutenção dos mesmos...!!!


TAPIRAPÉ / TAPIRAGUAIA

Os índios Tapirapé se acham localizados às margens do lago formado pelo Rio Tapirapé, quase na foz com o Araguaia. São agricultores. Estão acompanhados há mais de 15 anos pelas Irmãzinhas de Jesus, que com eles convidem o tipo de vida, o trabalho, os esforços, as tristezas e as alegrias da aldeia, num total respeito pela cultura dos índios. Uma das experiências de atendimento indígena mais significativas em todo o país, internacionalmente aplaudida por antropólogos e etnólogos.

Com em todo o Mato Grosso, essa área ocupada pelos Tapirapé também foi vendida: para a companhia Tapiraguaia S/A.

Os proprietários Dr. José Carlos Pires Carneiro, José Augusto Leite de Medeiros e José Lúcio Neves Medeiros espontaneamente doaram ao SPI (Serviço de Proteção ao Índio), na pessoa do Sr. Ismael Leitão, chefe da Inspetoria de Goiânia, uma gleba de pouco mais de 9.000 hectares. Acontece. porém que as referidas terras doadas, próximas à aldeia, ficam alagadas praticamente de dezembro a junho em quase sua totalidade, sendo o restante das terras composto de cerrado ou mata arenosa de pouca fertilidade. As terras boas, onde os índios já tinham suas roças ficaram propriedade da Tapiraguaia S/A. Os Tapirapé mantêm lá suas roças, não tendo sido até o momento molestados.

O Decreto de Criação do Parque Indígena do Araguaia, de 22/9/71, delimitou a área das terras dos Tapirapé. Ainda não tivemos oportunidade de verificar in loco estes limites.


PARQUE NACIONAL DO XINGU / BR-80

Exatamente metade do Parque Nacional do Xingu acha-se situado em território da Prelazia. Área até há pouco intocável. Muitas vezes controvertida. Mas uma experiência digna de nota, apesar de certas falhas e deficiências. A calma, a tranqüilidade e o isolamento do Parque foram quebrados por uma estrada: a BR-80, empreendimento da responsabilidade da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO). A Estrada veio cortar bem ao centro o Parque Nacional, apesar da oposição feita pelos irmãos Villas-Boas, responsáveis pelo Parque, e por certas áreas bem esclarecidas do cenário nacional (cf. O Estado de São Paulo - 13/5/71). A Estrada veio beneficiar diretamente só ao latifúndio.

Em 22 de abril de 1969, realizou-se, na sede da Fazenda Suiá-Missu, uma reunião da Associação dos Empresários Agropecuários da Amazônia (AEAA) com o Sr. Ministro do Interior, Costa Calvacanti, estando presente também o então Presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Sr. José Queiroz de Campos. Nesta oportunidade, os empresários reclamaram do Sr. Ministro contra o que eles chamavam de "ameaça" que era "uma grande reserva indígena - de aproximadamente 9 milhões de hectares de área", pois, alegavam, há "grande desproporção entre o número de índios e o tamanho da reserva" que, além disso, fica sobre algumas fazendas, impossibilitando que seus proprietários as explorem. Um dos empresários classificava a zona como o "filet-mignon" da Amazônia. (cf. O Estado de São Paulo - 25/4/69 - Documentação nº III, 2. B).

Conclusão: a estrada cortou o Parque, e toda a parte norte à mesma deixa de pertencer aos índios, devolvendo-se o "filet-mignon" ao latifúndio. A área do Parque foi estendida ao sul em terras bem inferiores...

ACULTURAÇÃO AGRESSIVA

Mas a problemática indígena ultrapassa uma simples questão de terras.

O Xavante da aldeia dos Areões encontra-se em notável abandono. Sem assistência concreta e regular, sem terras bem definidas para si, tendo várias vezes, chegado até lá parado caminhões e ônibus pedindo até mesmo comida.

Após os desmandos administrativos e humanos do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), a FUNAI nem sempre conseguiu melhorar positivamente o atendimento real ao índio. Ás vezes, por causa do pouco preparo dos elementos do órgão e, sobretudo pela própria ideologia do FUNAI, não se levam em conta os avanços da verdadeira Etnologia e Antropologia e sacrifica-se impunemente a cultura do índio. Um exemplo flagrante disto é a criação da Guarda Indígena, preparada e formada por Oficial da Polícia de Belo Horizonte, em 1969, o que vem a transformar dentro das tribos todos os conceitos de autoridade.

A aldeia de Santa Isabel, a mais próxima de S. Félix, de índios Carajá, é um exemplo da aculturação violenta a que foram submetidos. Facilmente encontra-se índios bêbados. Freqüentam as casa de prostituição. Há entre eles 29 tuberculosos.

A aculturação rápida, sem se levar em conta os reais interesses dos índios, é proposta pelo próprio Presidente da FUNAI, Gal. Bandeira de Mello, que em suas declarações chegou mesmo a sugerir a extinção do Parque Nacional do Xingu (cf. O Estado de São Paulo - 6/5/71 - Documentação, nº III, 2. D). A preocupação principal do Presidente da FUNAI, que é o órgão específico dedicado ao índio, é o desenvolvimento "nacional", ficando em segundo plano o índio e sua cultura. São palavras suas: "O Parque Nacional do Xingu não pode impedir o progresso do país" (cf. Visão - 25/4/71. pág. 22)." No estágio tecnológico em que se encontra a sociedade nacional, há necessidade de desenvolvimento premente das comunidade indígenas como conjugamento ao esforço integral da política governamental" (id. ib.). "A assistência ao índio deve ser a mais completa possível, mas não pode obstruir o desenvolvimento nacional e os trabalhos para a integração da Amazônia" (O Estado de São Paulo - 22/5/71). E o Ministro do Interior, Sr. Costa Calvacanti: "Tomaremos todos os cuidados com os índios, mas não permitiremos que entravem o avanço do progresso" (cf. Visão - 25/4/71). "O índio tem que ficar no mínimo necessário" (O Estado de São Paulo - 25/4/69). (Documentação, nº III, 2).

E projeta-se introduzir na FUNAI a mentalidade empresarial, conforme palavras do mesmo Presidente: "As minorias étnicas, como os indígenas brasileiros, se orientadas para um planejamento bem definido, tornar-se-ão fatores do progresso e da integração nacional, como produtores de bens" (cf. Visão - 25/4/71). E por isto muitos "fazendeiros da região acreditam que poderão conviver pacificamente com os índios. Pensam mesmo em empregá-los como seus trabalhadores "por um salário justo" (O Estado de São Paulo - 6/5/71 - grifo nosso. cf. Documentação, nº III, 2. D).

Segundo esta política, os índios seriam integrados sem, mas integrados na desintegração da personalidade, na mais marginalizada das classes sociais do país: os peões.


~ Gregory Colbert

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