terça-feira, 4 de setembro de 2012

Ensino religioso: “Oração subordinada”

em defesa da educação pública
http://emdefesadaeducacao.wordpress.com/2011/02/05/ensino-religioso-oracao-subordinada/


Ensino religioso: “Oração subordinada”

Objeto de disputas, o ensino religioso tem sido praticado mais como eco das crenças de quem ensina do que como olhar sobre um objeto variado e multifacetado. Decisão do Superior Tribunal Federal sobre o ensino confessional poderá criar novo marco legal
Udo Simons – Revista Educação (Edição 166)
No muito comentado – e talvez pouco lido – capítulo que dedica à ideia do “homem cordial” em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda sublinha a enorme dificuldade cultural dos brasileiros em não transpor para o mundo público as formas de relação familiar, nas quais prevalecem os laços de afeto e de sangue. O mote que dá ao país a característica de lugar em que se trata a coisa pública como se fosse privada virou, de lá para cá, lugar-comum. Porém, mais do que tornar indistintas as fronteiras entre o que é de ordem pública e o que é de ordem privada, há temas em que a transposição dessa cordialidade familiar para o Estado se expressa como estratégia de evitar confrontos francos e definições claras. Um desses temas, presente ao longo de boa parte da história brasileira, é o da presença do ensino religioso na educação pública. E a expressão das tentativas de acomodação que buscam agradar a gregos e troianos – ou, no caso, a cristãos e republicanos – é a Constituição Federal de 1988: dá margem à interpretação de que afirma a laicidade do Estado, ao mesmo tempo que assegura que o ensino religioso constituirá disciplina facultativa nas escolas públicas de ensino fundamental.
Com o vácuo proporcionado pelo texto constitucional e pela LDB (que joga a questão para estados e municípios), o ensino religioso está, mais do que nunca, presente nas escolas. E como não há consenso público do que ele deva ser, se materializa como expressão dos valores e interesses de grupamentos, normalmente daqueles com maior poder de barganha política, ou mesmo de indivíduos que, à falta de direcionamento institucional, professam suas próprias crenças. Na maior parte dos casos, desconsiderando a fé alheia.
Neste mês de fevereiro, um grupo de pesquisadores de instituições públicas superiores encaminhará ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) o resultado da pesquisa Ensino religioso em escolas públicas em sistemas municipais de ensino no Brasil: ameaças ao Estado laico e aos direitos sexuais e reprodutivos, trabalho que visa ampliar o entendimento desse cenário. Por dois anos, desde 2008, foi avaliado o conteúdo do ensino religioso em escolas municipais das cinco regiões brasileiras. Em resumo, a conclusão do grupo retrata a falta de acompanhamento do Ministério da Educação (MEC) sobre o tema. Na prática, cada escola analisada ministra o ensino religioso da forma que lhe parece mais conveniente – ou ao sistema a que está subordinada. E, ao fazê-lo, não incorrem em nenhum desvio legal ou descumprimento das prerrogativas do ensino no país.
Do ponto de vista educacional, o que se coloca em discussão é: Qual é o conteúdo repassado aos alunos? Quais materiais didáticos são utilizados? E quem são esses professores? Teriam eles formação específica para ministrar as aulas? Sobretudo, as escolas respeitam o princípio da liberdade de consciência e de crença? Praticam ou não o proselitismo religioso?
Roseli Fischmann, organizadora de pesquisa e professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), pontua: “Dentro do proposto, há hoje uma grande confusão. É importante que haja respeito à diversidade de consciência, crença e culto, respeito às minorias. Que as crianças sejam respeitadas!”.
A ideia da pesquisa surgiu como resultado de trabalhos desenvolvidos anteriormente pela pesquisadora. “Queria ver como o ensino religioso era implementado nas escolas das cinco regiões brasileiras.” Mas um levantamento completo é de difícil execução, face à extensão do país. São 5.565 municípios no Brasil e aproximadamente 200 mil escolas de Educação Básica, das quais 83 mil rurais. “Seria inviável, como pesquisa. Teria de ser uma decisão do governo, de avaliação ampla.” Por isso, o resultado final do trabalho é uma amostragem. “Não tem pretensão de universalizar. O resultado é formado por estudos de casos comparativos”, explica.
Ao observar alguns dos resultados identificados em um dos municípios pesquisados, Petrópolis (RJ), a situação “confusa” da prática desse ensino fica evidenciada. Das 135 escolas municipais da cidade, 29 mantêm convênio com a Mitra Diocesana. O material adotado para o ensino religioso nessas escolas é indicado por esse braço da Arquidiocese da Igreja Católica. Símbolos católicos, como imagens de santos, de Jesus Cristo, oração do pai-nosso são facilmente encontrados em salas da diretoria dos colégios e em áreas comuns aos alunos. Há, portanto, a adoção dos valores de uma única religião em espaço público – a escola – com confinamento da expressão de outras crenças.
Para Roseli Fischmann, num Estado republicano, a escola pública tem um papel claro, o de formar a consciência crítica. “É o símbolo do que a sociedade é naquele momento da história.” Em se tratando do ensino religioso, no âmbito escolar público, Roseli destaca a limitação possível que pode marcar um sistema doutrinário, mesmo sendo chamado multirreligioso. E por quê? Por uma questão de como isso se dá na prática. Mas, de forma geral, a professora é otimista. “Temos capacidade e possibilidade histórica de avançar nesse assunto, desde que fique muito claro o beneficio que é possibilitar que a escola pública tenha liberdade.”
Como o disposto no artigo 19 da Constituição Federal, que veda à União, aos estados e municípios que estabeleçam ou subvencionem cultos e igrejas, ou mantenham com eles alianças ou relações de dependência, dá margem à interpretação de que o Estado brasileiro é laico (apesar de esta afirmação não aparecer de forma categórica em todo o texto), a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal.
À espera de uma decisão da posição da Justiça
Tramitam em última instância no Poder Judiciário duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs). A primeira (ADI 3.268) foi apresentada em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), e pede liminar para suspender os efeitos de dispositivos de Lei do Estado do Rio de Janeiro, que institui o ensino religioso nas escolas integrantes da rede pública.
A entidade alega na ação, entre outros motivos, o desrespeito à Constituição gerado pelos artigos 1o, 2o e 3o da Lei Estadual 3.450/00, que preveem “(…) que o ensino religioso, de matrícula facultativa, só poderá ser ministrado nas escolas oficiais por professores credenciados pela autoridade religiosa competente. Estabelecem, ainda, que o conteúdo do ensino religioso é atribuição específica das autoridades religiosas, cabendo ao Estado o dever de apoiá-lo integralmente (…)”.
A segunda ADI (4.439), impetrada em agosto de 2010, foi solicitada pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat. Ela requer a interpretação conforme a Constituição do artigo 33, parágrafos 1o e 2o da Lei de Diretrizes e Bases, para assentar que o ensino religioso em escolas públicas deve ser de natureza não confessional. As duas ADIs não têm data para serem julgadas. Ambas estão em fase de análise pelo Supremo. Estão, respectivamente, sob a relatoria dos ministros Celso de Mello e Ayres Britto.
“Sempre me incomodou a maneira como o princípio do Estado laico é tratado no Brasil, no campo da educação. Há uma violação”, avalia Daniel Sarmento, procurador da República da 2ª Região do Rio de Janeiro. Foi uma representação dele, à vice-procuradora-geral da República, o motivo da ADI levada a cabo ano passado.
Sarmento esclarece, contudo, não ter tido motivação pessoal para a representação. “Há uma violação séria a um princípio constitucional. Por isso, dei o encaminhamento mais apropriado.” Ou seja, ele pede a avaliação jurídica da laicidade praticada nas escolas públicas.
A importância do julgamento dessas ADIs pelo STF é o fato de que todas as instâncias responsáveis pelo sistema educacional no país terão de seguir a decisão tomada pelo Tribunal. Esse julgamento também é inédito, por ser a primeira vez que a questão da laicidade do Estado chega à última instância do Judiciário brasileiro para ser avaliada nos atuais modelos de gestão pública, em termos de práticas da educação. Ou seja, é a hora em que o nebuloso pode ser tornar claro.
“O princípio do Estado laico impõe neutralidade em matéria religiosa. Que mantenha equidistância em relação a todas as concepções religiosas. Enfim, que não se faça a catequese de uma determinada religião”, resume. Pela linha de raciocínio de Sarmento, tal afirmação ganha mais força ao pensar no campo educacional como espaço para formação da capacidade crítica das pessoas. “Isso me parece incompatível com o doutrinamento religioso.”
Para o procurador, a Constituição deve ser cumprida. “Estado laico é um mecanismo muito importante de garantia de igualdade das pessoas. Evita tratamento diferenciado, pelo Estado, aos seguidores de quaisquer que sejam as confissões religiosas.” Quando o Estado endossa uma determinada religião, discrimina todas as pessoas, seguidores ou não, de denominações religiosas distintas da oficial.
Vezo longínquo
Práticas de discriminação religiosa foram frequentes ao longo da história republicana brasileira. O coordenador do programa de pós-graduação em educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em relações étnico-raciais, Paulo Vinícius Baptista, lembra a década de 70. Em 1976, o governo da Bahia lançou uma lei proibindo a polícia de entrar nos terreiros das religiões afro-brasileiras. Até então, era comum, na Bahia, a polícia invadir cultos religiosos de candomblé e umbanda para prender quem lá estivesse. “O tratamento era cadeia. A prática da religião era considerada anômala ou equivocada pela norma social hegemônica.”
Especificamente no campo da educação, Baptista enumera uma série de denúncias de intolerância contra as religiões de matrizes africanas, feitas no Paraná, quando essas denominações religiosas são mostradas em termos de valores e não de dogmas. “Há reclamações de pais orientados por uma perspectiva etnocêntrica e de intolerân­cia religiosa.”
Um dos casos relatados aconteceu com uma de suas orientandas, professora de séries iniciais na rede municipal, em Curitiba, no final de 2009. “Os pais foram questionar as aulas da professora com a pedagoga da escola, que chamou a docente para uma conversa e a proibiu de trabalhar com aqueles conteúdos.” A professora não acatou a deliberação e continuou a mencionar exemplos de diversas religiões em suas aulas. O material didático utilizado também era diversificado. “Ela sequer era religiosa”, acrescenta. Para resolver o impasse, Baptista serviu como moderador. “Reuni-me com a pedagoga para mostrar que o que ela estava trabalhando não era a religião. Assim ela pôde continuar sem interferência.”
A discriminação contra estudantes das religiões de matriz africana nas escolas públicas é tão relevante que integrantes da Relatoria do Direito Humano à Educação (instância ligada à Unesco) constituíram uma missão para investigar a situação. Batizada de “Educação e Racismo no Brasil”, a missão percorreu diversos estados brasileiros em maio do ano passado para averiguar questões relacionadas a intolerância religiosa e racismo.
Algumas das denúncias recebidas pela Relatoria registraram agressões físicas (socos e apedrejamento); demissão ou afastamento de profissionais de educação adeptos de religiões de matriz africana ou que abordaram seus conteúdos em classe; proibição de uso de livros e do ensino da ca­poeira em espaço escolar; desigualdade no acesso a dependências escolares por parte de lideranças religiosas, em prejuízo das vinculadas à matriz africana; omissão diante da discriminação ou abuso de atribuições por parte de professores e diretores.
Para modificar esse cenário, entidades do movimento negro planejam para este ano organizar a Conferência Nacional pela Liberdade Religiosa, como meio de sensibilizar a sociedade brasileira para um tratamento mais adequado às religiões afro-brasileiras.
Um dos pontos de vista defendidos por acadêmicos para uma conscientização mais ampla do ensino religioso reside na formação dos professores. “A sociologia da religião e a história da religião deveriam estar mais presentes [nas licenciaturas]“, defende Baptista. Para ele, isso ajudaria, inclusive, a diminuir a prática de “tanta formação continuada aos professores nesse tema”.
Especialista em ensino religioso e educação da Faculdade EST e da Universidade Unisinos, ambas confessionais, no Rio Grande do Sul, Remí Klein aponta a “distância” entre a proposta do ensino religioso abordada em sala de aula para os formandos em licenciatura e a prática após o curso. Os eixos organizadores do ensino religioso, diz ele, estão todos no plural, culturas e tradições religiosas, textos sagrados, teologias. “O problema é que quando a turma vai para a sala de aula, vai falar de Bíblia. Ou falar de histórias bíblicas.” Em outras palavras, falta o reconhecimento de outras literaturas também consideradas sagradas por diversas religiões. “A Bíblia continua como texto sagrado, mas não é mais “o” texto sagrado. É um texto sagrado, mesmo que ela seja o meu texto sagrado.”
Klein defende a integração da legislação, material didático, propostas curriculares e formação de professores, como tentativa de resolução da questão. “Às vezes, se tem um bom material didático e embasamento legal, mas o professor não tem formação. Esse tripé: amparo legal, proposta curricular e formação docente tem de ser integrado.”
Defensor do ensino religioso nas escolas, mesmo as públicas, Klein ressalta que ele deve ser pensado a partir da escola, não da teologia. Tem de ser ministrado como ciência das religiões. “Não tenho nada contra a catequese, mas a escola é um espaço de aprendizagem, das diversidades culturais e religiosas. É o exercício do respeito da convivência.” Por isso,  os alunos desinteressados em participar das aulas devem ser respeitados, defende.
Maioria cristã
Pelos últimos dados oficiais do IBGE sobre a distribuição percentual dos brasileiros por religião, o maior grupo é formado por cristãos: católicos apostólicos romanos (73,57%) e evangélicos (15,41%). Espíritas representam 1,33%. A umbanda e o candomblé têm como seguidores declarados 0,23% e 0,08%, respectivamente. Os autodeclarados “sem religião” somam 7,35% do total da população. Já as religiões de tradições indígenas possuem 0,01% de adeptos oficiais. Essas estatísticas são de 2000. A divulgação com dados mais recentes, do Censo 2010, está prevista para 2012.
Na questão de números e representatividade, Daniel Sottomaior, ateu e presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), diz não haver precisão de dados oficiais sobre a população de agnósticos e ateus no país. “O IBGE se nega a dar o número.” Pelo levantamento do Instituto, de fato, não há discriminação entre essas vertentes. O número é absoluto e se refere aos sem religião. Por sua vez, o IBGE informa que não se recusa a repassar nenhum dos dados de seus levantamentos a qualquer entidade solicitante.
No tangente ao ensino religioso nas escolas públicas, Sottomaior é taxativo. “A Constituição é inconstitucional. Não há como enquadrar o artigo sobre o ensino religioso, ainda que facultativo, com a laicidade do Estado. É uma coisa ou outra.”
Ele não percebe a curto ou médio prazo perspectiva de mudanças nas práticas disseminadas pelas escolas no país. “Não é impossível, mas é bem pouco provável. O Congresso acabou de aprovar uma Concordata com um artigo sobre ensino religioso muito claro e mais aviltante. Passou como faca quente na manteiga.”
Ele se refere ao parágrafo 1º (e único), do artigo 11 da Concordata: “O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação“.
“A escola não é o lugar para a reflexão de religião. Sequer temos professores preparados para lidar com essa questão.” Como exemplo, recorda a história de um adolescente ateu, no interior de Minas Gerais, discriminado na escola pública. Por se negar a tirar o boné, durante uma oração, foi mandado para casa. “O menino estava isolado. Quando o procurarmos para apoiá-lo, pediu para que não tomássemos nenhuma atitude. Tinha receio da pressão na cidade.”
A Igreja Presbiteriana do Brasil, de certa maneira, reforça os pontos de vista defendidos por Sottomaior em manifesto contra a assinatura do acordo entre o Brasil e a Santa Sé, divulgado em outubro de 2009. Para eles, o acordo firmado discrimina outras religiões ao citar explicitamente a religião católica. Além de desconsiderar, “(…) a cidadania dos ateus e agnósticos também presentes no Brasil (…)”.
Mas nem todos os envolvidos nesse debate veem a assinatura da Concordata como instrumento para agravar as incoerências de como o ensino religioso acontece na prática.
Emerson Giumbelli, professor de antropologia social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e colaborador do Instituto de Estudos da Religião (Iser), o modelo confessional sugerido pela Concordata não converge com a tendência de implantação do ensino religioso feito pelos estados. “A Concordata serve para aumentar o conhecimento público sobre esse assunto, que precisa ser mais bem discutido. Mas isso não a torna menos lamentável.”
Para Giumbelli, a inclusão do ensino religioso na Constituição corresponde ao resultado de lutas históricas pela presença da religião, “sobretudo a católica”, na sociedade brasileira. Porém, ressalva, isso não significa que sua pertinência não deva ser discutida. Nos últimos 20 anos houve um esforço para separar o ensino religioso da catequese.
“Estou entre aqueles que pensam que se pode discutir religião nas escolas. Mas sob qual enquadramento?”
O antropólogo coordenou no Iser, entre 2007 e 2008, o projeto Mapeamento do ensino religioso no Brasil – Definições normativas e conteúdos curriculares. Entres os resultados verificados nos estados avaliados pela pesquisa, identificou-se uma mobilização de recursos para a formação de professores, a atuação de entidades reunindo representantes de diferentes religiões como interlocutoras para essa modalidade de ensino e a forte atuação dos Conselhos e Secretarias Estaduais de Educação.
Formação duvidosa
Ele lembra que essas três instâncias merecem acompanhamento por parte de pesquisadores e da sociedade em geral. “Muitos cursos – de gra­duação, especialização e pós-graduação – vêm sendo constituídos no Brasil. Até que ponto estão dissociados dos interesses de instituições ou visões estritamente religiosas? Estão abertos a uma visão pluralista acerca da religião?”
Outro aspecto desse debate é o aumento da presença de imigrantes com orientações religiosas menos disseminadas no passado brasileiro. Fernando Seffner, da UFRGS, cita a chegada agora mais frequente de chineses e islâmicos como mais um motivo para o aumento da discussão da laicidade no ensino público. Muitas vezes, essas pessoas colocam seus filhos no ensino público, onde eles se deparam com outros valores religiosos, o que provoca um estranhamento. Para o pesquisador, a inclusão da diversidade na escola tornará difícil a manutenção do proselitismo religioso. “No futuro, vamos ter mais gente na luta pela laicidade. Hoje em dia muita gente não se interessa.”
Seffner dedica seus estudos às questões da educação e relações de gênero. Atualmente, um de seus interesses centrais em pesquisa é a consequência do ensino religioso em relação aos temas da diversidade sexual, da saúde sexual e reprodutiva. A partir de sua experiência, crê que a escola é muito moralizante, com ênfase no ensino de comportamento. A mudança acontece no ensino médio, quando a escola torna-se mais científica. Daí a questão de o ensino religioso encontrar maior resistência entre adolescentes. “A gente se depara com coisas abusivas ao pesquisar esse assunto.”
Seffner enfatiza a relevância para a democracia de se debater o ensino religioso e sua prática nas redes públicas de ensino. “Os afros quase não se manifestam. Espíritas quase não têm expressão. As várias práticas do catolicismo e seus símbolos passam como valores universais, quando não são.”
Essa naturalização da adoção dos valores de um grupo como se fossem legitimamente constituídos por toda a sociedade talvez decorra justamente da ausência de separação entre o homem familiar e o homem público, o cidadão. Afinal, como ressalta Sérgio Buarque de Holanda no final do capítulo sobre o homem cordial, a falta de coesão e disciplina que marca a vida íntima do brasileiro, sempre afeito às relações sentimentais, torna-o livre “para se abandonar a todo repertório de ideias, gestos e formas que encontre em seu caminho, assimilando-os frequentemente sem maiores dificuldades”. Ironia do destino, o historiador citava veredictos diversos que apontavam essas características como inibidoras das possibilidades de instituição de reli­giões professadas por meio de “formas mais rigoristas de culto”. Os rigores foram e continuam sendo amenizados nos enlaces mais diversos com o Estado brasileiro. Resta perguntar em prol do quê e de quem.

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