((eco))
http://www.oeco.com.br/marc-dourojeanni/26500-apropriacao-verde-nao-passa-de-ideologia?utm_source=newsletter_513&utm_medium=email&utm_campaign=as-novidades-de-hoje-em-oeco
Um artigo recente de três cientistas sociais britânicos promete mais dores de cabeça aos ambientalistas. Trata-se de “Green Grabbing: a new appropriation of nature?” (algo como “Acumulação verde: Uma nova modalidade de apropriação da terra?”), de James Fairhead, Melissa Leach e Ian Scoones, publicado em The Journal of Peasant Studies, Vol. 39, No. 2, páginas 237–261, 2012). Indo contra a corrente, os autores afirmam que a conservação de amostras de ecossistemas naturais através de áreas protegidas, tanto públicas como privadas, bem como a aplicação de iniciativas de compensação econômica pela retenção ou fixação de carbono, é uma perigosa réplica neoliberal do colonialismo e do neocolonialismo, que teria despojado de terra milhões de pessoas. Entre outras coisas, eles sentenciam que conservar a natureza dessa forma é uma imoralidade, embora por certo não mencionem quais são as alternativas.
Esses autores e alguns dos comentários favoráveis às suas especulações são cuidadosos em acumular num mesmo saco: (i) a compra de terras para fazer agricultura intensiva para commodities e para os supostamente desejáveis biocombustíveis, (ii) o estabelecimento de áreas protegidas, incluindo as que existem desde o século passado e, assim mesmo, (iii) os acordos entre os legítimos proprietários da terra, sejam indígenas ou camponeses, e os que negociam créditos de carbono, fora ou dentro dos acordos internacionais, como no caso da proposta conhecida como REDD ou REDD+ (redução de emissões de carbono por desmatamento e degradação evitados). Juntar essas diferentes situações ajuda a defender a tese de que existe uma confabulação do neoliberalismo imperial para roubar a terra dos que a necessitam.
De fato, é evidente uma extraordinária expansão da demanda no mercado de terras para agricultura em todos os trópicos do mundo e, por certo, também na Amazônia, em especial na brasileira e agora também na colombiana. O pretexto “verde” para essa expansão, como no caso dos biocombustíveis é, e ninguém dúvida disso, uma falácia. Bem sabido, no processo da produção, distribuição e uso de biocombustíveis acumulam-se mais impactos negativos que positivos para o meio ambiente. Ainda assim, embora ecologicamente arriscada quando destrói florestas remanescentes, não cabe afirmar enfaticamente que a expansão atual da atividade agropecuária é sempre feita atropelando os direitos dos povos, como foi na época colonial africana. Lembre-se que na época colonial sul-americana quase ninguém se interessou por acumular terras na Amazônia.
Entretanto, os três ingleses não insistem demais nesse ponto. Ao contrário, focam suas baterias contra o estabelecimento de toda forma de áreas protegidas e os negócios de carbono. Eles nem se dão ao trabalho de distinguir entre as áreas de preservação permanente e aquelas de uso sustentável – que constituem a maior parte das áreas protegidas e que abrigam uma população local que nelas mora e trabalha, explorando os recursos naturais. Os autores tampouco oferecem cifras para justificar suas denúncias. Atacam com ferocidade todas as modalidades de transações por carbono ou por água que, como bem se sabe, em geral não geram transferência da posse sobre a terra. Nesse sentido, argumentam que as restrições ao uso da terra contidas nos acordos são injustas para com os seus habitantes.
Analisando caso a caso é, com efeito, possível que existam dentre os poucos negócios já realizados, alguns que contenham condições abusivas, especialmente quanto à repartição dos benefícios ou lucros. Outra coisa bem distante é sentenciar que toda opção de negócios de carbono é prejudicial aos povos locais. Pior, é uma inversão dos fatos. Mencionam o receio dos indígenas amazônicos por esses acordos, porém não reconhecem que estes estão aproveitando a oportunidade da aplicação de REDD ou REDD+ para reclamar ou consolidar seus direitos reais ou pretensos sobre a terra. De qualquer modo, no Brasil, na Colômbia ou no Peru, os índios já são os maiores donos de terra na Amazônia e, obviamente, estão muito interessados nos negócios de carbono que podem beneficiá-los mais que qualquer outra iniciativa.
Os autores afirmam que suas conclusões são baseadas em evidências na África, Ásia e América. Contudo, nas 26 páginas do texto são escassas as provas de tais evidências. Na América do Sul, apenas uma é mencionada. Ela é discutível, pois se trata de uma denúncia unilateral referente a um conflito entre o turismo e habitantes do Parque Nacional Tayrona, da Colômbia. Conflitos como este ou de um caso também mencionado na Guatemala certamente ocorrem, mas são exceções e não a regra. Os poucos exemplos, controversos e cuidadosamente escolhidos para defender a tese, não dão legitimidade a uma generalização grosseira.
Preservar a natureza, para quê?
Como acontece com frequência, no intuito de ganhar notoriedade, os autores propalam uma mensagem perigosa. A conclusão óbvia da leitura deste texto é que não se deve preservar a natureza -- ela vai bem sem intervenção -- seja na forma de áreas protegidas de qualquer categoria ou através do pagamento por serviços ambientais aos donos da terra que preservam suas florestas. Isso vai contra tudo o que se sabe e o que pode ser feito para assegurar um futuro melhor à humanidade.
Na verdade, o que move os autores é pura ideologia. Eles denunciam o neoliberalismo e a economia de mercado. Para eles, não é ético “vender natureza para salvá-la”. Novamente, o curioso é que o estabelecimento de áreas protegidas ou os negócios de carbono, tão atacados no artigo, em geral não envolvem nenhuma venda ou compra de terra. Ou seja, elas não implicam arrebatamento de nada, o “grabbing” do título do artigo. A maior parte das áreas protegidas se estabeleceu sobre terra pública. Os autores criticam o conceito dos certificados de conservação de áreas. Mencionam a modalidade “adote um hectare de parque” e, com óbvia má fé, ligam-na a uma alienação da propriedade, que no caso não acontece.
De outra lado, é difícil entender porque seria errado comprar terra para preservá-la. Isso foi feito e incentivado pela The Nature Conservancy por muitas décadas e, na atualidade, grande parte da terra assim adquirida tem sido entregue aos governos, nacionais ou locais, para uso público. A tese desses autores é um golpe baixo contra as reservas particulares de patrimônio natural do Brasil e de outros países, caso em que realmente existe compra e venda de terras. As reservas particulares são uma ferramenta essencial para a criação de corredores ecológicos. Qual é o problema de comprar terra para cuidar dela em vez de desmatar tudo para criar gado, plantar soja ou construir prédios?
Na década de 50, protegia-se a natureza com base em argumentos éticos e estéticos. Dizia-se “o homem não tem o direito de destruir a obra de Deus”. Era a época da “proteção” da natureza. Essa filosofia pouco ajudou a conservar a natureza e seus recursos. Nos anos 80, inventou-se a “conservação” da natureza, acomodando critérios sociais e econômicos junto aos ecológicos e éticos. Mais tarde, devido ao crescimento desproporcionado da variável social, surgiu a deformação conhecida como “socioambientalismo”. Muita terra foi aparentemente protegida, porém isso pouco adiantou, pois os habitantes dessas áreas não conseguiram compatibilizar a busca por prosperidade com conservação.
Já a partir deste século, com a chegada dos economistas ao debate, incorporaram-se outras opções mais pragmáticas, baseadas em mecanismos de mercado (“economia verde”). Elas podem funcionar melhor já que abrem um leque mais amplo de oportunidades, especialmente através do prêmio efetivo aos que cuidam do bem comum.
Contudo, esses teóricos sociais ingleses agora declaram que a Rio+20, ao preconizar a economia verde, está “pondo em risco as sociedades locais e que tem aumentado a percepção de que as soluções baseadas no mercado são a panaceia, cerceando o valor intrínseco da natureza”.
Parece que preconizam um retorno ao protecionismo contemplativo, sem proteger nada de concreto, apenas confiando na sabedoria humana.
A eventual aplicação da tese dos autores e dos seus defensores como Terry Sunderland, do Centro para a Investigação Forestal Internacional (CIFOR) -- uma instituição que no lugar de fazer pesquisa científica para o manejo sustentável das florestas, o que é seu mandato, dedica grande parte de seus esforços a promover um anacrônico socialismo florestal -- não deixaria instrumentos disponíveis para evitar o colapso do ambiente.
Com efeito, a consequência mais irritante dessa argumentação é que ela não propõe alternativas à evidência inegável da destruição do meio natural, dos recursos renováveis e do ambiente planetário. Trata-se de uma versão de esquerda do velho “laissez-faire, laissez-passer”. Nesse caso, deveria ser chamada “não se preocupe.... Deus proverá”.
http://www.oeco.com.br/marc-dourojeanni/26500-apropriacao-verde-nao-passa-de-ideologia?utm_source=newsletter_513&utm_medium=email&utm_campaign=as-novidades-de-hoje-em-oeco
28 de Setembro de 2012
Um artigo recente de três cientistas sociais britânicos promete mais dores de cabeça aos ambientalistas. Trata-se de “Green Grabbing: a new appropriation of nature?” (algo como “Acumulação verde: Uma nova modalidade de apropriação da terra?”), de James Fairhead, Melissa Leach e Ian Scoones, publicado em The Journal of Peasant Studies, Vol. 39, No. 2, páginas 237–261, 2012). Indo contra a corrente, os autores afirmam que a conservação de amostras de ecossistemas naturais através de áreas protegidas, tanto públicas como privadas, bem como a aplicação de iniciativas de compensação econômica pela retenção ou fixação de carbono, é uma perigosa réplica neoliberal do colonialismo e do neocolonialismo, que teria despojado de terra milhões de pessoas. Entre outras coisas, eles sentenciam que conservar a natureza dessa forma é uma imoralidade, embora por certo não mencionem quais são as alternativas.
Esses autores e alguns dos comentários favoráveis às suas especulações são cuidadosos em acumular num mesmo saco: (i) a compra de terras para fazer agricultura intensiva para commodities e para os supostamente desejáveis biocombustíveis, (ii) o estabelecimento de áreas protegidas, incluindo as que existem desde o século passado e, assim mesmo, (iii) os acordos entre os legítimos proprietários da terra, sejam indígenas ou camponeses, e os que negociam créditos de carbono, fora ou dentro dos acordos internacionais, como no caso da proposta conhecida como REDD ou REDD+ (redução de emissões de carbono por desmatamento e degradação evitados). Juntar essas diferentes situações ajuda a defender a tese de que existe uma confabulação do neoliberalismo imperial para roubar a terra dos que a necessitam.
De fato, é evidente uma extraordinária expansão da demanda no mercado de terras para agricultura em todos os trópicos do mundo e, por certo, também na Amazônia, em especial na brasileira e agora também na colombiana. O pretexto “verde” para essa expansão, como no caso dos biocombustíveis é, e ninguém dúvida disso, uma falácia. Bem sabido, no processo da produção, distribuição e uso de biocombustíveis acumulam-se mais impactos negativos que positivos para o meio ambiente. Ainda assim, embora ecologicamente arriscada quando destrói florestas remanescentes, não cabe afirmar enfaticamente que a expansão atual da atividade agropecuária é sempre feita atropelando os direitos dos povos, como foi na época colonial africana. Lembre-se que na época colonial sul-americana quase ninguém se interessou por acumular terras na Amazônia.
Entretanto, os três ingleses não insistem demais nesse ponto. Ao contrário, focam suas baterias contra o estabelecimento de toda forma de áreas protegidas e os negócios de carbono. Eles nem se dão ao trabalho de distinguir entre as áreas de preservação permanente e aquelas de uso sustentável – que constituem a maior parte das áreas protegidas e que abrigam uma população local que nelas mora e trabalha, explorando os recursos naturais. Os autores tampouco oferecem cifras para justificar suas denúncias. Atacam com ferocidade todas as modalidades de transações por carbono ou por água que, como bem se sabe, em geral não geram transferência da posse sobre a terra. Nesse sentido, argumentam que as restrições ao uso da terra contidas nos acordos são injustas para com os seus habitantes.
Analisando caso a caso é, com efeito, possível que existam dentre os poucos negócios já realizados, alguns que contenham condições abusivas, especialmente quanto à repartição dos benefícios ou lucros. Outra coisa bem distante é sentenciar que toda opção de negócios de carbono é prejudicial aos povos locais. Pior, é uma inversão dos fatos. Mencionam o receio dos indígenas amazônicos por esses acordos, porém não reconhecem que estes estão aproveitando a oportunidade da aplicação de REDD ou REDD+ para reclamar ou consolidar seus direitos reais ou pretensos sobre a terra. De qualquer modo, no Brasil, na Colômbia ou no Peru, os índios já são os maiores donos de terra na Amazônia e, obviamente, estão muito interessados nos negócios de carbono que podem beneficiá-los mais que qualquer outra iniciativa.
Os autores afirmam que suas conclusões são baseadas em evidências na África, Ásia e América. Contudo, nas 26 páginas do texto são escassas as provas de tais evidências. Na América do Sul, apenas uma é mencionada. Ela é discutível, pois se trata de uma denúncia unilateral referente a um conflito entre o turismo e habitantes do Parque Nacional Tayrona, da Colômbia. Conflitos como este ou de um caso também mencionado na Guatemala certamente ocorrem, mas são exceções e não a regra. Os poucos exemplos, controversos e cuidadosamente escolhidos para defender a tese, não dão legitimidade a uma generalização grosseira.
Preservar a natureza, para quê?
Como acontece com frequência, no intuito de ganhar notoriedade, os autores propalam uma mensagem perigosa. A conclusão óbvia da leitura deste texto é que não se deve preservar a natureza -- ela vai bem sem intervenção -- seja na forma de áreas protegidas de qualquer categoria ou através do pagamento por serviços ambientais aos donos da terra que preservam suas florestas. Isso vai contra tudo o que se sabe e o que pode ser feito para assegurar um futuro melhor à humanidade.
Na verdade, o que move os autores é pura ideologia. Eles denunciam o neoliberalismo e a economia de mercado. Para eles, não é ético “vender natureza para salvá-la”. Novamente, o curioso é que o estabelecimento de áreas protegidas ou os negócios de carbono, tão atacados no artigo, em geral não envolvem nenhuma venda ou compra de terra. Ou seja, elas não implicam arrebatamento de nada, o “grabbing” do título do artigo. A maior parte das áreas protegidas se estabeleceu sobre terra pública. Os autores criticam o conceito dos certificados de conservação de áreas. Mencionam a modalidade “adote um hectare de parque” e, com óbvia má fé, ligam-na a uma alienação da propriedade, que no caso não acontece.
De outra lado, é difícil entender porque seria errado comprar terra para preservá-la. Isso foi feito e incentivado pela The Nature Conservancy por muitas décadas e, na atualidade, grande parte da terra assim adquirida tem sido entregue aos governos, nacionais ou locais, para uso público. A tese desses autores é um golpe baixo contra as reservas particulares de patrimônio natural do Brasil e de outros países, caso em que realmente existe compra e venda de terras. As reservas particulares são uma ferramenta essencial para a criação de corredores ecológicos. Qual é o problema de comprar terra para cuidar dela em vez de desmatar tudo para criar gado, plantar soja ou construir prédios?
Na década de 50, protegia-se a natureza com base em argumentos éticos e estéticos. Dizia-se “o homem não tem o direito de destruir a obra de Deus”. Era a época da “proteção” da natureza. Essa filosofia pouco ajudou a conservar a natureza e seus recursos. Nos anos 80, inventou-se a “conservação” da natureza, acomodando critérios sociais e econômicos junto aos ecológicos e éticos. Mais tarde, devido ao crescimento desproporcionado da variável social, surgiu a deformação conhecida como “socioambientalismo”. Muita terra foi aparentemente protegida, porém isso pouco adiantou, pois os habitantes dessas áreas não conseguiram compatibilizar a busca por prosperidade com conservação.
Já a partir deste século, com a chegada dos economistas ao debate, incorporaram-se outras opções mais pragmáticas, baseadas em mecanismos de mercado (“economia verde”). Elas podem funcionar melhor já que abrem um leque mais amplo de oportunidades, especialmente através do prêmio efetivo aos que cuidam do bem comum.
Contudo, esses teóricos sociais ingleses agora declaram que a Rio+20, ao preconizar a economia verde, está “pondo em risco as sociedades locais e que tem aumentado a percepção de que as soluções baseadas no mercado são a panaceia, cerceando o valor intrínseco da natureza”.
Parece que preconizam um retorno ao protecionismo contemplativo, sem proteger nada de concreto, apenas confiando na sabedoria humana.
A eventual aplicação da tese dos autores e dos seus defensores como Terry Sunderland, do Centro para a Investigação Forestal Internacional (CIFOR) -- uma instituição que no lugar de fazer pesquisa científica para o manejo sustentável das florestas, o que é seu mandato, dedica grande parte de seus esforços a promover um anacrônico socialismo florestal -- não deixaria instrumentos disponíveis para evitar o colapso do ambiente.
Com efeito, a consequência mais irritante dessa argumentação é que ela não propõe alternativas à evidência inegável da destruição do meio natural, dos recursos renováveis e do ambiente planetário. Trata-se de uma versão de esquerda do velho “laissez-faire, laissez-passer”. Nesse caso, deveria ser chamada “não se preocupe.... Deus proverá”.
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