PARTE 2/10
Análise compreensiva da realidade mato-grossense
Roberto Rossi
A radicalidade de meu ser, enquanto gente e enquanto mistério, não permite, porém, a inteligência de mim na estreiteza da singularidade de apenas um dos ângulos que só aparentemente me explica (Paulo Freire)
Sebastião Salgado (refugiados vietnamitas na China)
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II. Duas visões de mundo
Poder-se-ia dizer que, hoje, o processo de ocupação e uso da terra de Mato Grosso está pautado em duas visões de mundo opostas. É o que diz uma das lideranças da bancada ruralista no Congresso Nacional: “Na prática, (...) estamos diante de duas visões de mundo e de dois modos de ação política”[1]. Nesse caso específico, concordamos com essas palavras. De fato, em Mato Grosso, temos duas concepções de ocupação e uso da terra: o agronegócio versus a agricultura familiar na perspectiva da agroecologia. Na verdade, são dois projetos de economia e de sociedade distintos.
Os dados socioeconômicos mostram que o agronegócio mato-grossense produz grãos com altos custos sociais e ambientais, que aceleram o desmatamento e a degradação ambiental com a ocupação indiscriminada do solo, aumentam a concentração fundiária e, consequentemente, contribuem para a violência, se consideramos a violação dos direitos humanos através do trabalho escravo e degradante e das ameaças de morte aos defensores dos direitos humanos.
Por outro lado, não obstante os desafios e dificuldades enfrentadas, as experiências da agroecologia procuram estabelecer novas relações no uso da terra e da água[2]. Essa visão inscreve-se em outro modelo de sociedade, baseado em uma economia solidária e ecológica, na relação respeitosa com a natureza, na busca do bem viver, produzindo aquilo que é necessário, evitando o esgotamento das riquezas naturais[3].
Estamos também diante de “dois modos de ação política”. De um lado, as instituições democráticas são instrumentalizadas para a defesa dos interesses corporativos de setores privilegiados da sociedade brasileira. Constitui-se um grupo de parlamentares e políticos que, não raro, estão desvinculados das grandes necessidades e anseios da população brasileira em seu conjunto.
De outro, a sociedade civil organizada e os movimentos sociais buscam a construção de um novo modo de exercício da cidadania e do poder, baseado na ética, na democracia participativa e no respeito aos interesses da sociedade brasileira vista em seu conjunto.
Contudo, constatamos que o modelo de desenvolvimento que vem sendo implantado no Estado é baseado numa lógica produtivista-consumista: para obter lucros, precisa explorar e produzir sempre mais, sem considerar o alto custo social e ambiental. Este modelo encontra nos parlamentares em exercício o apoio necessário para se tornar hegemônico em Mato Grosso: o agronegócio.
Disso resultam impactos sociais e ambientais que geram conflitos no campo. É o que veremos abaixo.
[1] Katia Abreu, senadora e presidente da CNA. Disponível em: http://www.noticiasagricolas.com.br/artigos/artigos-geral/89813-politica-e-ambiente.html.
[2] Francisco Roberto Caporal, et. al. Agroecologia: Matriz disciplinar ou novo paradigma para o desenvolvimento rural sustentável. Disponível em: http://www.agroeco.org/socla/archivospdf/Agroecologia
[3] Ivo Lesbaupin. Uma análise do governo Lula (2003-2010): de como servir aos ricos sem deixar de atender aos pobres. São Leopoldo: CEBI, 2010.
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