sábado, 31 de maio de 2014

Os órfãos de Joaquim Barbosa

carta maior
http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/Os-orfaos-de-Joaquim-Barbosa/31046


Os órfãos de Joaquim Barbosa

Órfão da toga justiceira, Aécio Neves tenta vestir uma fantasia de justiceiro social, esgarçada pela estreiteza dos interesses que representa.

por: Saul Leblon 

STF

Joaquim Barbosa deixa a cena política como um farrapo do personagem desfrutável que se ofereceu um dia ao conservadorismo brasileiro.

Na verdade, não era  mais funcional ter a legenda política associada a ele.

Sua permanência à frente do STF  tornara-se insustentável.

Vinte e quatro horas antes de comunicar a aposentadoria,  já era identificado pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, como um fator de insegurança jurídica para o país.

A OAB o rechaçava.

O mundo jurídico manifestava constrangimento diante da incontinência autoritária.

A colérica desenvoltura com que transgredia  a fronteira que separa o sentimento de  vingança e ódio da ideia de justiça, inquietava os grandes nomes do Direito.

Havia um déspota sob a toga que presidia a Suprema Corte do país.

E ele não hesitava em implodir o alicerce da equidistância republicana que  confere à Justiça o consentimento legal,  a distingui-la dos linchamentos falangistas.

O obscurantismo vira ali, originalmente, o cavalo receptivo a um enxerto capaz de atalhar o acesso a um poder que sistematicamente lhe fora negado pelas urnas. 
Barbosa retribuía a ração de holofotes e bajulações mercadejando ações cuidadosamente dirigidas ao desfrute da propaganda conservadora.

Na indisfarçada  perseguição a José Dirceu, atropelou decisão de seus pares pondo em risco  um sistema prisional em que 77 mil sentenciados desfrutam o mesmo semiaberto subtraído ao ex-ministro.

Desde o início do julgamento da AP 470  deixaria  nítido o propósito de atropelar o rito, as provas e os autos, em sintonia escabrosa com a sofreguidão midiática.

Seu desabusado comportamento exalava o enfado de quem já havia sentenciado os réus  à revelia dos autos, como se viu depois,  sendo-lhe  maçante e ostensivamente desagradável submeter-se aos procedimentos do Estado de Direito.

O artificioso recurso do domínio do fato, evocado como uma autorização para condenar sem provas, sintetizou a marca nodosa de sua relatoria.

A expedição de mandados de prisão no dia da República, e no afogadilho de servir à grade da TV Globo,  atestaria a natureza viciosa de todo o enredo.

A exceção inscrita no julgamento reafirmava-se na execução despótica de sentenças sob o comando atrabiliário de quem não hesitaria em colocar vidas em risco.

O  que contava era  servir-se da lei. E não servir à lei.

A mídia isenta esponjava-se entre o incentivo e a cumplicidade.

Em nome de um igualitarismo descendente que, finalmente, nivelaria pobres e ricos no sistema prisional,  inoculava na opinião pública o vírus da renúncia à civilização em nome da convergência pela barbárie.

A aposentadoria de Barbosa não apaga essa nódoa.

Ela continuará a manchar o Estado de Direito enquanto não for reparado o arbítrio a que tem sido submetidas lideranças da esquerda brasileira, punidas não pelo endosso, admitido, e reprovável, à prática do caixa 2 eleitoral.

Igual e precedente infração cometida pelo PSDB, e relegada pela toga biliosa, escancara o prioritário sentido da AP 470:   gerar troféus de caça a serem execrados em trunfo no palanque conservador.

A liquefação jurídica e moral de  Joaquim Barbosa nos últimos meses tornou essa estratégia anacrônica e perigosa.

A toga biliosa assumiu, crescentemente, contornos de um coronel Kurtz, o personagem de Marlon Brando, em Apocalypse Now, que se desgarrou do exército americano no Vietnã para criar  a sua própria guerra dentro da guerra.

Na guerra pelo poder, Barbosa lutava a batalha do dia anterior.

Cada vez mais, a disputa eleitoral em curso no país é ditada pelas escolhas que a  transição do desenvolvimento impõe à economia, à sociedade e à democracia.

A luta se dá em campo aberto.

Arrocho ou democracia social desenham  uma encruzilhada de nitidez crescente aos olhos da população.

A demonização do ‘petismo’ não é mais suficiente para sustentar os  interesses conservadores na travessia de ciclo que se anuncia.

Aécio Neves corre contra o tempo para recadastrar seu  apelo no vazio deixado pela esgotamento da judicialização da política.

Enfrenta dificuldades.

Não faz um mês, os centuriões do arrocho fiscal que o assessoram –e a mídia que os repercute--  saíram de faca na boca após o discurso da Presidenta Dilma, na véspera do 1º de Maio.

Criticavam acidamente o reajuste de 10%  aplicado ao benefício do Bolsa Família.

No dia seguinte, numa feira de gado em Uberaba, MG, o tucano ‘não quis assumir o compromisso de aumentar os repasses, caso seja eleito’, noticiou a Folha de SP (02-05). 

‘De mim, você jamais ouvirá uma irresponsabilidade de eu assumir qualquer compromisso antes de conhecer os números, antes de reconhecer a realidade do caixa do governo federal", afirmou Aécio à Folha, na tarde daquela sexta-feira.

Vinte e seis dias depois, o mesmo personagem, algo maleável, digamos assim, fez aprovar, nesta 3ª feira,  na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, uma medida que exclui limites de renda e tempo para a permanência de famílias pobres no programa (leia a reportagem de Najla Passos; nesta pág)

A proposta implica dispêndio adicional que o presidenciável recusava assumir há três semanas.

Que lógica, afinal, move as relações do candidato com o Bolsa Família?

A mesma de seu partido, cuja trajetória naufragou na dificuldade histórica do conservadorismo em lidar com a questão social no país.

Órfão da toga justiceira, Aécio Neves tenta vestir uma inverossímil fantasia de justiceiro social, desde logo esgarçada pela estreiteza dos interesses que representa.

 A farsa corre o risco de evidenciar seus limites  tão rapidamente quanto a anterior.

A ver. 

Quanto mais presos, maior o lucro: parte II

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Quanto mais presos, maior o lucro: parte II

Agência Pública
Adital


Por Paula Sacchetta
Para garantir a lei, a ordem e a imagem

Sala de controle do presídio privado: aqui não entra quem for do PCC. Foto; Peu Robles


Na foto, o complexo de Neves é realmente diferente das penitenciárias públicas. É limpo, organizado e altamente automatizado, repleto de câmeras, portões que são abertos por torres de controle, etc, etc, etc. Mas que tipo de preso vai pra lá? Hamilton Mitre, diretor do GPA afirma que "não dá pra falar que o Estado coloca os presos ali de forma a privilegiar o projeto”.
No entanto, Murilo Andrade de Oliveira, subsecretário de Administração Penitenciária do Estado de Minas, diz exatamente o contrário: "nós estabelecemos inicialmente o critério de que [pode ir para a PPP] qualquer preso, podemos dizer assim, do regime fechado, salvo preso de facção criminosa – que a gente não encaminha pra cá – e preso que tem crimes contra os costumes, estupradores. No nosso entendimento esse preso iria atrapalhar o projeto”.
Na visão dos outros entrevistados, a manipulação do perfil do preso pode ser uma maneira de camuflar os resultados da privatização dos presídios. "É muito fácil fazer desses presídios uma janela de visibilidade: ‘olha só como o presídio privado funciona’, claro que funciona, há todo um corte e uma seleção anterior”, diz Bruno Shimizu.
Robson Sávio explica que presos considerados de "maior periculosidade”, "pior comportamento” ou que não querem trabalhar ou estudar são mais difíceis de ressocializar, ou seja, exigiriam investimentos maiores nesse sentido. Na lógica do lucro, portanto, eles iriam mesmo atrapalhar o projeto.
Se há rebeliões, fugas ou qualquer manifestação do tipo, o consórcio é multado e perde parte do repassa de verba. Por isso principalmente o interesse em presos de "bom comportamento”. O subsecretário Murilo afirma ainda que os que não quiserem trabalhar nem estudar podem ser "devolvidos” às penitenciárias públicas: "o ideal seria ter 100% de presos trabalhando, esse é nosso entendimento. Agora, tem presos que realmente não querem estudar, não querem trabalhar, e se for o caso, posteriormente, a gente possa tirá-los (sic), colocar outros que queiram trabalhar e estudar porque a intenção nossa é ter essas 3336 vagas aqui preenchidas com pessoas que trabalhem e estudem”.
Hoje, na PPP de Ribeirão das Neves ainda não são todos os presos que trabalham e estudam e os que têm essa condição se sentem privilegiados em relação aos outros. A reportagem só pôde entrevistar presos no trabalho ou durante as aulas, não foi permitido falar com outros presos, escolhidos aleatoriamente. Foram mostradas todas as instalações da unidade 2 do complexo, tais como enfermaria, oficinas de trabalho, biblioteca e salas de aula, mas não pudemos conversar com presos que não trabalham nem estudam e muito menos andar pelos pavilhões, chamados, no eufemismo do luxo de Neves, de "vivências”.

O trabalho do preso: 54% mais barato

O Estado e o consórcio buscam empresas que se interessem com o trabalho do preso. As empresas do próprio consórcio não podem contratar o trabalho deles a não ser para cuidar das próprias instalações da unidade, como elétrica e limpeza. Então o lucro do consórcio não vem diretamente do trabalho dos presos, mas sim do repasse mensal do estado.
Mas a que empresa não interessaria o trabalho de um preso? As condições de trabalho não são regidas pela CLT, mas sim pela Lei de Execução Penal (LEP), de 1984. Se a Constituição Federal de 1988 diz que nenhum trabalhador pode ganhar menos de um salário mínimo, a LEP afirma que os presos podem ganhar ¾ de um salário mínimo, sem benefícios. Um preso sai até 54% mais barato do que um trabalhador não preso assalariado e com registro em carteira.
O professor Laurindo Minhoto explica: "o lucro que as empresas auferem com esta onda de privatização não vem tanto do trabalho prisional, ou seja, da exploração da mão de obra cativa, mas vem do fato de que os presos se tornaram uma espécie de consumidores cativos dos produtos vendidos pela indústria da segurança e da infra-estrutura necessária à construção de complexos penitenciários”.
Helbert Pitorra, coordenador de atendimento do GPA, na prática, quem coordena o trabalho dos presos, orgulha-se que o complexo está virando um "pólo de EPIs” (equipamentos de proteção individual), ou seja, um pólo na fabricação de equipamentos de segurança. "Eles fabricam dentro da unidade prisional sirenes, alarmes, vários circuitos de segurança, (…) calçados de segurança como coturnos e botas de proteção (…), além de uniformes e artigos militares”.
O que é produzido ali dentro, em preços certamente mais competitivos no mercado alimenta a própria infra-estrutura da unidade. A capa dos coletes à prova de balas que os funcionários do GPA usam é fabricada ali dentro mesmo, a módicos preços, realizados por um preso que custa menos da metade de um trabalhador comum a seu empregador.
Em abril deste ano, o Governo de Minas Gerais foi condenado por terceirização ilícita no presídio de Neves. A Justiça do Trabalho confirmou a ação civil pública do Ministério Público do Trabalho e anulou várias das contratações feitas pelo GPA.
"Entre os postos de trabalho terceirizados estão atividades relacionadas com custódia, guarda, assistência material, jurídica e à saúde, uma afronta à Lei 11.078/04 que classifica como indelegável o poder de polícia e também a outros dispositivos legais. Além de ser uma medida extremamente onerosa para os cofres públicos, poderá dar azo a abusos sem precedentes”, disse o procurador que atuou no caso, Geraldo Emediato de Souza, ao portal mineiro Hojeem dia.

Panorama final

Como na maioria das penitenciárias, as visitas do Complexo passam por revista vexatória. A., mulher de um detento que preferiu não se identificar, entregou à reportagem uma carta dos presos e explicou como é feita a revista: "temos que tirar a roupa toda e fazer posição ginecológica, agachamos três vezes ou mais, de frente e de costas, temos que tapar a respiração e fazer força. Depois ainda sentamos num banco que detecta metais”. Na mesma carta entregue por A., os presos afirmam que os diretores do presídio já têm seus "beneficiados”, que sempre falam "bem da unidade” à imprensa, e são, invariavelmente, os que trabalham ou estudam.
Na carta, eles ainda afirmam que na unidade já há presos com penas vencidas que não foram soltos ainda. Fontes que também não quiseram se identificar insistem que o consórcio da PPP já "manda” na vara de execuções penais de Ribeirão das Neves.
José de Jesus filho, da Pastoral Carcerária, não vê explicação para a privatização de presídios que não a "corrupção”.Tem seus motivos. Em maio de 2013, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) foram alvo de ações por corrupção e má utilização de recursos públicos. Na ação da CPTM foi citado o ex-diretor, Telmo Giolito Porto, hoje à frente do consórcio da PPP de Ribeirão das Neves, assim como a empresa Tejofran de Saneamento e Serviços Gerais LTDA., que faz parte do mesmo consórcio.
Nesse sentido, Robson Sávio alerta: "será que o estado quando usa de tanta propaganda para falar de um modelo privado ele não se coloca na condição de sócio-interesseiro nos resultados e, portanto, se ele é sócio-interesseiro ele também pode maquiar dados e esconder resultados, já que tudo é dado e planilha? Esse sistema ainda tem muita coisa que precisa ser mais transparente e melhor explicada”.
Pelo Brasil

O modelo mineiro de PPP já inspirou projetos semelhantes no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e no Distrito Federal. As licitações já aconteceram ou estão abertas e, em breve, as penitenciárias começarão a ser construídas. O governo do Estado de São Paulo e a Secretaria de Administração Penitenciária também pretendem lançar em breve um edital para a construção de um grande complexo no Estado, com capacidade para 10.500 presos. O governador Geraldo Alckmin já fez consultas públicas e empresas já se mostraram interessadas no projeto.
No Ceará, uma decisão judicial obrigou à iniciativa privada devolver a gestão de penitenciárias para o Governo do estado. No Paraná, o próprio Governo decidiu retomar a administração de uma série de penitenciárias, após avaliar duas questões: a jurídica e a financeira.
No Brasil, país do "bandido bom é bandido morto”, da "bancada da bala” e onde presos não têm direitos simplesmente por estarem presos, a privatização também assusta do ponto de vista da garantia dos direitos humanos dos presos. "Será que num sistema que a sociedade nem quer saber e não está preocupada, como é o prisional, haverá fiscalização e transparência suficiente? Ou será que agora estamos criando a indústria do preso brasileiro?”, pergunta Sávio.
Os entrevistados dão um outro alerta: nesse primeiro momento, vai se investir muito em marketing para que modelos como o de Neves sejam replicados Brasil afora. Hamilton Mitre diz que a unidade será usada como um "cartão de visitas” e fontes afirmam que o modelo de privatização de presídios será plataforma de campanha de Aécio Neves, candidato à presidência nas eleições do fim deste ano.
Para Minhoto, a partir do momento em que você enraíza um interesse econômico e lucrativo na gestão do sistema penitenciário, "o estado cai numa armadilha de muitas vezes ter que abrir mão da melhor opção de política em troca da necessidade de garantir um retorno ao investimento que a iniciativa privada fez na área”, diz. E Bruno Shimizu completa "e isso pode fazer com que a gente crie um monstro do qual a gente talvez não vá mais conseguir se livrar”.
"Para quem investe em determinado produto, no caso o produto humano, o preso, será interessante ter cada vez mais presos. Ou seja, segue-se a mesma lógica do encarceramento em massa. A mesma lógica que gerou o caos, que justificou a privatização dos presídios”, arremata Patrick.

Para entender: dados e números
Brasil
- Existem no Brasil aproximadamente 550 mil presos.
- São aproximadamente 340 mil vagas no sistema prisional.
- O Brasil está em 4o lugar no ranking dos países com maior população carcerária no mundo, atrás de EUA, China e Rússia.
- Entre 1992 e 2012 o Brasil aumentou sua população carcerária 380%.
- Empresas dividem a gestão de penitenciárias com o poder público em pelo menos 22 presídios de sete estados: Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo, Tocantins, Bahia, Alagoas e Amazonas.
Minas Gerais
- Em 2003 o Estado de Minas tinha aproximadamente 23 mil presos.
- Em 10 anos essa população mais do que duplicou: hoje são 50 mil presos.
- Em 2003 eram 30 unidades prisionais no Estado, hoje são mais de 100.
- Em 2011 o Estado de Minas já gastava aproximadamente um bilhão de reais por ano com o sistema penitenciário.
O complexo de Ribeirão das Neves
- O consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), que ganhou a licitação do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves é formado por cinco empresas, são elas:
CCI Construções S/A
Construtora Augusto Velloso S/A
Empresa Tejofran de Saneamento e Serviços LTDA
N. F. Motta Construções e Comércio
Instituto Nacional de Administração Penitenciária (INAP)
- Em 18 de janeiro de 2013 começaram a ser transferidos os primeiros presos para o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves.
- A inauguração aconteceu no dia 28 de janeiro de 2013, com uma ala já ocupada por 75 presos.
- Hoje (maio de 2014) estão funcionando duas das cinco unidades do complexo, cada uma com 672 presos.
- A capacidade do complexo é de 3336 vagas.
- O consórcio de empresas tem 27 anos da concessão do complexo, sendo dois para construção e 25 para operação.
- Já foram gastos 280 milhões de reais na construção do complexo até agora. O GPA estima que no total serão gastos 380 milhões.
- O Estado repassa R$2.700 por preso mensalmente; nas penitenciárias públicas o custo é de R$ 1.300,00 a R$ 1.700,00 por mê
- As celas têm capacidade máxima para quatro presos.
- Detalhes sobre a PPP de Ribeirão das Neves e documentos podem ser acessados neste site.

Quanto mais presos, maior o lucro: parte I

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Quanto mais presos, maior o lucro: parte I

Agência Pública
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Por Paula Sacchetta
Quanto mais presos, maior o lucro from Agência Pública on Vimeo.
Em janeiro do ano passado (2013), assistimos ao anúncio da inauguração da "primeira penitenciária privada do país”, em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. Porém, prisões "terceirizadas” já existem em pelo menos outras 22 localidades, a diferença é que esta de Ribeirão das Neves é uma PPP (parceria público-privada) desde sua licitação e projeto, e as outras eram unidades públicas que em algum momento passaram para as mãos de uma administração privada. Na prática, o modelo de Ribeirão das Neves cria penitenciárias privadas de fato, nos outros casos, a gestão ou determinados serviços são terceirizados, como a saúde dos presos e a alimentação.
Hoje existem no mundo aproximadamente 200 presídios privados, sendo metade deles nos Estados Unidos. O modelo começou a ser implantado naquele país ainda nos anos 1980, no governo Ronald Reagan, seguindo a lógica de aumentar o encarceramento e reduzir os custos, e hoje atende a 7% da população carcerária. O modelo também é bastante difundido na Inglaterra – lá implantado por Margareth Thatcher – e foi fonte de inspiração da PPP de Minas, segundo o governador do estado Antônio Anastasia. Em Ribeirão das Neves o contrato da PPP foi assinado em 2009, na gestão do então governador Aécio Neves.
O slogan do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves é "menor custo e maior eficiência”, mas especialistas questionam sobretudo o que é tido como "eficiência”. Para Robson Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) da PUC-Minas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essa eficiência pode caracterizar um aumento das prisões ou uma ressocialização de fato do preso. E ele acredita que a privatização tende para o primeiro caso. Entre as vantagens anunciadas está, também, a melhoria na qualidade de atendimento ao preso e na infra-estrutura dos presídios.
Bruno Shimizu e Patrick Lemos Cacicedo, coordenadores do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo questionam a legalidade do modelo. Para Bruno "do ponto de vista da Constituição Federal, a privatização das penitenciárias é um excrescência”, totalmente inconstitucional, afirma, já que o poder punitivo do Estado não é delegável. "Acontece que o que tem impulsionado isso é um argumento político e muito bem construído. Primeiro se sucateou o sistema penitenciário durante muito tempo, como foi feito durante todo um período de privatizações, (…) para que então se atingisse uma argumentação que justificasse que esses serviços fossem entregues à iniciativa privada”, completa.
Laurindo Minhoto, professor de sociologia na USP e autor de Privatização de presídios e criminalidade, afirma que o Estado está delegando sua função mais primitiva, seu poder punitivo e o monopólio da violência. O Estado, sucateado e sobretudo saturado, assume sua ineficiência e transfere sua função mais básica para empresas que podem realizar o serviço de forma mais "prática”. E essa forma se dá através da obtenção de lucro.
Patrick afirma que o maior perigo desse modelo é o encarceramento em massa. Em um país como o Brasil, com mais de 550 mil presos, quarto lugar no ranking dos países com maior população carcerária do mundo e que em 20 anos (1992-2012) aumentou essa população em 380%, segundo dados do DEPEN, só tende a encarcerar mais e mais. Nos Estados Unidos, explica, o que ocorreu com a privatização desse setor foi um lobby fortíssimo pelo endurecimento das penas e uma repressão policial ainda mais ostensiva. Ou seja, começou a se prender mais e o tempo de permanência na prisão só aumentou. Hoje, as penitenciárias privadas nos EUA são um negócio bilionário que apenas no ano de 2005 movimentou quase 37 bilhões de dólares.

Pátio da penitenciária de Ribeirão de Neves, MG. Foto: Peu Robles


Como os presídios privados lucram

Nos documentos da PPP de Neves disponíveis no site do governo de Minas Gerais,fala-se inclusive no "retorno ao investidor”, afinal, são empresas que passaram a cuidar do preso e empresas buscam o lucro. Mas como se dá esse retorno? Como se dá esse lucro?
Um preso "custa” aproximadamente R$ 1.300,00 por mês, podendo variar até R$ 1.700,00, conforme o estado, numa penitenciária pública. Na PPP de Neves, o consórcio de empresas recebe do governo estadual R$ 2.700,00 reais por preso por mês e tem a concessão do presídio por 27 anos, prorrogáveis por 35. Hamilton Mitre, diretor de operações do Gestores Prisionais Associados (GPA), o consórcio de empresas que ganhou a licitação, explica que o pagamento do investimento inicial na construção do presídio se dá gradualmente, dissolvido ao longo dos anos no repasse do estado. E o lucro também. Mitre insiste que com o investimento de R$ 280 milhões – total gasto até agora – na construção do complexo esse "payback”, ou retorno financeiro, só vem depois de alguns anos de funcionamento ou "pleno vôo”, como gosta de dizer.
Especialistas, porém, afirmam que o lucro se dá sobretudo no corte de gastos nas unidades. José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária, explica: "entraram as empresas ligadas às privatizações das estradas, porque elas são capazes de reduzir custos onde o Estado não reduzia. Então ela [a empresa] ganha por aí e ganha muito mais, pois além de reduzir custos, percebeu, no sistema prisional, uma possibilidade de transformar o preso em fonte de lucro”.
Para Shimizu, em um país como o Brasil, "que tem uma das mais altas cargas tributárias do mundo”, não faz sentido cortar os gastos da população que é "justamente a mais vulnerável e a que menos goza de serviços públicos”. No complexo de Neves, os presos têm 3 minutos para tomar banho e os que trabalham, 3 minutos e meio. Detentos denunciaram que a água de dentro das celas chega a ser cortada durante algumas horas do dia.
O cúmulo da privatização

Outra crítica comum entre os entrevistados foi o fato de o próprio GPA oferecer assistência jurídica aos detentos. No marketing do complexo, essa é uma das bandeiras: "assistência médica, odontológica e jurídica”. Para Patrick, a função é constitucionalmente reservada à Defensoria, que presta assistência gratuita a pessoas que não podem pagar um advogado de confiança. "Diante de uma situação de tortura ou de violação de direitos, essa pessoa vai buscar um advogado contratado pela empresa A para demandar contra a empresa A. Evidentemente isso tudo está arquitetado de uma forma muito perversa”, alerta.
Segundo ele, interessa ao consórcio que, além de haver cada dia mais presos, os que já estão lá sejam mantidos por mais tempo. Um das cláusula do contrato da PPP de Neves estabelece como uma das "obrigações do poder público” a garantia "de demanda mínima de 90% da capacidade do complexo penal, durante o contrato”. Ou seja, durante os 27 anos do contrato pelo menos 90% das 3336 vagas devem estar sempre ocupadas. A lógica é a seguinte: se o país mudar muito em três décadas, parar de encarcerar e tiver cada dia menos presos, pessoas terão de ser presas para cumprir a cota estabelecida entre o Estado e seu parceiro privado. "Dentro de uma lógica da cidadania, você devia pensar sempre na possibilidade de se ter menos presos e o que acontece ali é exatamente o contrário”, afirma Robson Sávio.
Para ele, "na verdade não se está preocupado com o que vai acontecer depois, se está preocupado com a manutenção do sistema funcionando, e para ele funcionar tem que ter 90% de lotação, porque se não ele não dá lucro”.

Agência Pública

Pastores, linchadores, juízes: O que os une?

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Pastores, linchadores, juízes: O que os une?

Carlos Alberto Lungarzo
Adital
À medida o governo brasileiro avança, lentamente, no meio a numerosas dificuldades de toda índole, setores políticos e judiciais, que estão além de toda qualificação ética, manipulam o mais agressivo lumpen para consolidar o sonhado golpe branco. No Brasil tem acontecido, desde o final de 2012, fatos que só se apresentam nas teocracias mais atrasadas do Oriente.
A herança dos vigaristas
No dia 6 de março de 2013, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados deveu indicar novo presidente. O PT tinha sempre prioridade na escolha da presidência de comissões, por sua alta representatividade na Câmara. Aliás, coerente com a tradição de luta pelos direitos humanos da esquerda (a qual alguns de seus membros ainda pertencem), sempre escolhia a CDHM. No entanto, desta vez, tentado por comissões mais vinculadas à infraestrutura e aos aspectos econômicos do estado, cometeu o grave "erro” de não escolhê-la.
A ocasião foi aproveitada pelo partido Social Cristiano, uma comunidade formada por fanáticos bible bashers, que elegeram uma figura bizarra, que produziu reações negativas em ativistas de direitos humanos, em grupos políticos, em celebridades do meio artístico e até no exterior. Oartigo cujo link está embaixo, cheio de alarme, foi publicado nos EUA http://globalvoicesonline.org/2013/03/19/brazil-human-rights-preacher-feliciano-anti-gay/
Ao mesmo tempo, sites americanos acumularam milhares de assinaturas contra o presidente da CDHM. Todavia, não deve ignorar-se este fato:
Apesar de toda a oposição dos setores democráticos, a comunidade evangélica pentecostal (salvo alguns pequenos grupos), e os representantes de grupos fascistas, policiais ou militares no Parlamento, lhe deram forte apoio. Além disso, as autoridades do Parlamento, o Poder Executivo e o Judiciário ignoraram o problema, apesar da clara violação das leis contra racismo.
Dois anos antes, o que fora depois Presidente da CDHM havia posta no Twitter uma declaração racista:
"Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. [...] A maldição que Noé lança sobre seu neto, respinga sobre continente africano, daí a fome, pestes, doenças, guerras étnicas!"
O bizarro personagem insistiu nesse ponto durante o ano de 2013, que durou seu mandato, e repetiu maldições contra mulheres, gays, figuras pops e quaisquer outras pessoas ou grupos que pareciam contradizer as fábulas bíblicas.
Apesar de seu protagonismo de escândalos e provocações, é evidente que, pela limitada capacidade mental que surgia de seus discursos, sua conduta global era manipulada pelas Igrejas Evangélicas e, sem sombra de dúvida, pela direita (parlamentar ou não) que busca o golpe branco desde há tempo.
O ódio pelas religiões africanas, e o estímulo à agressão contra as comunidades afrodescendentes em todo o país, pode ser entendido como produto do fanatismo supersticioso, próprio de grupos de ativistas "surtados”. Entretanto, isso está combinado com estratégias de etnocídio e de democídio de comunidades pobres, que já foram executadas em Carandiru, Pinheirinho, Carajás e outros lugares onde a ultradireita parlamentar têm força.
Ou seja, é uma ingenuidade atribuir a luta antiafro apenas à demência e ignorância dos estelionatários da fé e seus seguidores. Há uma política de faxina social de tipo nazista, cujo melhor exemplo está em SP (por exemplo, no massacre de maio de 2006).
Esta soturna galera de apocalípticos abandonou da Comissão de DHM no começo de 2014. O PT, consciente de que havia cometido um gravo erro, reassumiu seu controle. Apesar disso, a batalha foi dura. Um representante do pior do fascismo tupiniquim, célebre por ter explicado como assassinar o ex presidente FHC, se apresentou como candidato avulso, um caso proibido pela lei nesse caso. O presidente da Câmara não foi capaz de impedi-lhe a inscrição. Ele perdeu por apenas 20! Dos votos.
Desgraçadamente, o período anterior foi gravíssimo para os direitos humanos, ao qual deve adicionar-se o crescimento da campanha dos bible bashers, e o aumento de suas postagens na Internet, especialmente no You Tube, de suas mensagens de ódio contra as religiões afro-brasileiras e os negros em geral, e de suas ações de ataque contra terreiros dessas religiões.
Linchamento religioso e racial
Embora talvez não tenha existido uma conexão direita (tipo coordenação ou organização) entre os fanáticos fascistas e os linchadores de Guarujá, é fácil perceber como os preconceitos estendidos pela ralé racista incidiram de maneira direta na brutal carniçaria.
Fabiana Maria de Jesus era uma mãe de família de 33 anos, habitante de uma favela de Guarujá (litoral sul de SP) e, de acordo com o funeral religioso que foi realizado, ela devia pertencer à comunidade católica. Faz nada menos que dois anos, a polícia de Recife denunciou a desaparição de uma criança e publicou um retrato falado da suposta sequestradora. A mãe da criança disse, na época, que a mulher que havia raptado se filho não se parecia em nada a esta imagem.
Agora, dois anos depois, sem qualquer indício sobre a criança raptada, e sem qualquer evidência de que houvesse outros sequestros de crianças no litoral de SP, um site sensacionalista da Internet, Guarujá Alerta publicou o identikit antigo, que nada se aparecia à antiga sequestradora, caso ela existisse.
http://ne10.uol.com.br/canal/cotidiano/nacional/noticia/2014/05/06/falso-retrato-do-guaruja-foi-usado-em-caso-de-sequestro-no-recife-no-mes-passado-486235.php
Mas, o Identikit muito menos se parecia a Fabiana Maria de Jesús, uma jovem morena que foi atacada nos primeiros dias de maio de 2014, por uma chusma enfurecida de lumpen linchadores.https://www.facebook.com/GuarujaAlerta?hc_location=timeline
A jovem mulher morreu após dois dias de agonia, depois de ter sido linchada por um grupo calculado em 100 pessoas durante meia hora. Algumas testemunhas declararam que a vítima portava uma bíblia que foi confundida com um livro de "Magia Negra”.
A polícia diz que o linchamento durou "meia hora”, mas não sabemos como os policiais não tiveram tempo, em meia hora, de dispersar e prender os linchadores. É uma prática internacional, nunca criticada por ongs de direitos humanos, que, em presença de um linchamento, mesmo que os linchadores não portem armas de fogo, a polícia tem direito a disparar e, se não houver outro remédio, até de maneira letal.
Mas aqui não aconteceu isso. Hoje (25/05), vinte dias após a morte pavorosa da jovem, a polícia não tem identificado mais de cinco ou seis sujeitos (até a quantidade exata é confusa). Tampouco houve pronunciamentos do MP. Nem sequer sabemos se eles serão indiciados. Um deles foi autorizado a falar antes as câmaras, algo que a polícia sempre impede aos detentos, e disse que ele era pai de família e se assustou ao saber que uma sequestradora andava solta. (SIC) Tudo isto parece uma armação cuja finalidade foi dar uma advertência com uma vítima qualquer. Afinal, grupos fascistas sempre matam o primeiro que encontram para criar terror nos outros.
Portanto, cabe perguntar-se se este linchamento foi tão "espontâneo” como parece.
Em cidades onde a presença de evangélicos é expressiva, se lança sempre a notícia de que as crianças desaparecidas são capturadas por afro-brasileiros para rituais de magia negra. Esse é o nome que os evangélicos dão aos rituais afro. Tendo em conta a forte aliança de eleitores evangélicos com candidatos de ultradireita e juntando isso com a política de faxina social orientada pelos governos de SP, Rio e, parcialmente Minas, parece que, voluntariamente ou não, o linchamento de pessoas de cor "coincide” muito bem com os planos de extermínio racial e social.
Com esta conversa sobre "magia negra” aqueles fanáticos estimulam o sentimento de que a comunidade negra brasileira que pratica esses ritos é aliada do demônio (sic). Esse histerismo homicida, que visa estimular o linchamento é cultivado nos rituais hebefrénicos das igrejas, mas também em vídeos que os pastores e seus aliados colocam na internet. Vejamos:
Essas acusações da conivência dos negros com o diabo, que estiveram em seu apogeu, fazem "apenas” 800 anos, se encontram em diversos vídeos do You Tube.
Veja uma gangue de terroristas religiosos atacando um terreiro em Olinda:
https://www.youtube.com/watch?v=sDufOp-JGEU
Traficantes evangélicos expulsam afrodescendentes das favelas de Rio:
https://www.youtube.com/watch?v=4afLG1Hyfa0
Mas, há outros vídeos, cujo endereço prefiro não divulgar, para não fazer propaganda a estes doentes mentais, onde antigos membros de religiões afro dizem ter-se convertido por "graça de Deus”, e contam aos pastores evangélicos que as religiões africanas estão aliadas com os diabos. Nestes You Tubes, aparecem até sugestões para matar líderes afro-brasileiros.
Os crentes dessas religiões afro estão naturalmente muito preocupados pela possibilidade de assassinato e linchamento massivos. O bárbaro crime de Guarujá colocou todo mundo em alerta.
"Existem vídeos em que determinados pastores até pregam a morte dos sacerdotes africanos. Esses vídeos incentivam as pessoas a violarem nossas casas, a perseguirem nossos filhos, a nos perseguirem. Nós sofremos todo tipo de violência, e a Justiça tem se omitido”, denunciou líder de terrreiro Alexandre de Oxalá.
O juiz teólogo e o kkk jurídico
Diante da situação descrita, líderes dos movimentos afros pediram ao Ministério Público a retirada de 17 vídeos da Internet, onde se difunde ódio contra as religiões africanas e até incentivo ao assassinato.
Isto nada tem a ver com liberdade de expressão, mas é uma forma de crime de ódio bem conhecida e punida com prisão na maioria dos países Ocidentais. Quem quiser mais informação poder procurar na Internet sobre o "massacre de Ruanda” de 1994, onde morreram 950.000 pessoas.
O ministério público elevou, no final de 2013, um pedido ao juiz federal da 17ª. vara do RJ, para que retire os vídeos criminosos. O juiz Eugênio Rosa de Araújo deu uma resposta surpreendente.
Não apenas se recusou a tirar os vídeos da Internet, como injuriou as comunidades afro-brasileiras. Ele fez uma "douta” definição de religião, na qual deixava claro que as afro-brasileiras estavam excluídas. Pelo dito por ele, apenas as cristãs e as islâmicas (que são herdeiras das cristãs) são verdadeiras religiões.
Ele, então, cometeu dois crimes:
1)Ao negar proteção as pessoas atacadas nos vídeos de ódio, o senhor juiz, mesmo que seja por omissão, se torna corresponsável da campanha contra os afrodescendentes.
2)Ao desqualificar as religiões afrodescendentes, o juiz não apenas comete delito de discriminação religiosa, condenado pela lei brasileira, a Constituição e os tratados internacionais, mas, INCLUSO DISCRIMINAÇÃO RACIAL. Com efeito, fala-se globalmente das religiões afro-brasileiras, fazendo pensar que essa cultura não produz verdadeira religião, mas apenas superstições e ritos irracionais, reforçando as antigas crenças nazistas de que certas raças são menos dotadas que outras.
Artigo 20º da LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989.
O MP recorreu desta decisão com palavras muito dignas, onde mostrava que o juiz fazia um desprezo coletivo a milhões de brasileiros, mas, que eu saiba, ainda o juiz não foi atuado por crime de racismo.
Pouco depois, as associações de magistrados de RJ e do ES, mandaram uma declaração de APOIO ao togado do KKK (falo KKK de antes, porque hoje eles não diriam tamanha barbaridade), e, na linguagem rançosa e pernóstica do "juridiquês em fúria” defendem a convicção individual do juiz. Embora esta convicção seja totalmente arbitrária e sem sentido, se eles defendem esse direito do juiz, deveriam também respeitar o do MP. Mas, aí não: eles também colocam na fogueira o promotor que fez a denúncia.
Se você tem estômago, leia parte das declarações de ambas as associações.
http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-05-20/associacao-de-magistrados-apoia-juiz-que-nao-considera-candomble-religiao.html
Conclusões e alertas
Se um blog de ódio foi suficiente para mobilizar cem linchadores contra uma pessoa que não pertence a estes cultos, e que vive a mais de 1500 Km. do local onde se produziram os alegados sequestros dois anos antes, qual será o dano que poderá ser feito agora, em que um juiz e duas associações de juízes ratificam e REFORÇAM a mensagem de ódio dos que estimulam o linchamento?
O reforço se mantém com a continuada presença dos vídeos na Internet, e com a prédica de ódio em milhares de igrejas onde milhões de ingênuos e deserdados são roubados dos tostões que poupam com enormes sacrifícios.
É verdade que o juiz Araújo se retratou, considerando o "clamor da sociedade”. Onde está a dignidade de sua certeza individual e sua expressão de consciência?
Mas, por outro lado, parece esquisito que o juiz não soubesse que haveria uma reação negativa, até da própria OAB!
Não quero contribuir à especulação, mas:
Não será que o juiz estava testando à opinião pública? O que teria acontecido se ninguém dizia nada, ou se ele obtinha substantivo apoio?
Não será isto um balão de ensaio para um futuro pogrom em grande escala contra a comunidade afro-brasileira?
As ONGs de DH devem estar alertas, como foi desta vez, mas também o governo federal não pode deixar de observar este surgimento de nazismo 70 anos depois do fim da Guerra. O nazismo será ruim para a maioria de nós, talvez até para os próprios ingênuos que hoje o apoiam.

Carlos Alberto Lungarzo

Carlos Alberto Lungarzo é matemático, nascido na Argentina, e mora no Brasil desde sua graduação. É professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo, e milita em Anistia Internacional desde há muito tempo, nas seções mexicana, argentina, brasileira e (depois do fim desta) americana. Tem escritos vários livros e artigos sobre lógica, estatística e computação quântica, mas seu interesse tem sido sempre os direitos humanos.

Indígenas do Pará revelam atrocidades do Exército

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http://amazonia.org.br/2014/05/indigenas-do-para-revelam-atrocidades-do-exercito/


Indígenas do Pará revelam atrocidades do Exército

Juliana Tavares/ASCOMCNV
A Comissão Nacional da Verdade recebeu a visita de indígenas da etnia Aikewara, que apresentaram um relatório expondo todas as violações cometidas pelo Exército brasileiro na época de caça aos guerrilheiros.
A história da Guerrilha do Araguaia já baseou filmes e livros, além de suscitar inúmeros debates entre pesquisadores, intelectuais e militantes. Entretanto, um dos episódios mais marcantes do período ditatorial brasileiro na década de 1970 não para de revelar novas faces.
O requinte de crueldade utilizado pelo Exército Brasileiro contra os jovens que se organizaram para treinamentos com armas, na região compreendida como do Bico do Papagaio – Pará, Maranhão e Tocantins – se estendeu a camponeses, indígenas e missionários religiosos que habitavam na localidade.
Na última semana, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), recebeu em Brasília (DF) a visita de indígenas da etnia Aikewara, também conhecidos como Suruí do Pará. Na ocasião, eles apresentaram um relatório expondo todas as violações cometidas pelo Exército brasileiro na época de caça aos guerrilheiros.
A rotina dos povos Aikewara foi inteiramente interrompida. Passaram a ser prisioneiros de guerra, ter cerceamento de ir e vir, além da convivência com a violência desmedida contra as comunidades por onde os homens da Forças Armadas andaram no sul e sudeste paraense.
Todo esse compêndio de informações inéditas que chegam agora às mãos da CNV, e passa a ser conhecida publicamente, quase 40 anos depois do ocorrido, é fruto de um trabalho de aproximadamente 20 anos realizado pela antropóloga Iara Ferraz.
“Trata-se de uma investigação documental, bibliográfica da minha convivência por muitos anos, especificamente, com essa etnia. Por isso o relatório contém longos e detalhados depoimentos”, explica a autora do estudo.
Fome
Na reunião das lideranças indígenas com Maria Rita Kehl, integrante da Comissão Nacional da Verdade e responsável pela apuração de denúncias de desrespeito aos direitos humanos destinados a indígenas e camponeses foi lida uma síntese das acusações.
Segundo relatado, de 1972 a 1974, os Aikewara tiveram seu território totalmente ocupado pela repressão militar, proibindo as famílias de prover as principais atividades de subsistência. Os índios ficaram impossibilitados de pescar, caçar, coletar e irem à roça. “Nunca tínhamos passado fome, mas quando o Exército invadiu nossas terras e acabaram com nossas atividades foi difícil se alimentar, passamos muita fome”, rememora a índia Teriwera Suruí.
À época, os indígenas tiveram a benfeitoria de arroz e milho, assim como pertences e aldeias incendiados. Tendo suas bases materiais e culturais destruídas pelos militares.
Prisioneiros de Guerra
Os índios ainda mencionaram que foram tratados como prisioneiros de guerra, feitos de guias nas matas para busca dos guerrilheiros e colocados como escudos humanos, quando na iminência de confrontos.
Enquanto os homens saiam, as mulheres da etnia eram vigiadas constantemente por membros do Exército na aldeia, junto a crianças e idosos. Conforme o relato dos índios, o recrutamento era feito a força e com total aval da Fundação Nacional dos Índios (Funai). “Nessa época, eu estava grávida de gêmeos e perdi por causa dos sustos e por estar sempre na mira de armas, além de escutar muitos tiros na mata”, conta Teriwera.
Para Maria Rita Kehl, que esteve duas vezes na área da etnia em 2012, essas revelações dos indígenas confere uma vertente de crime dos militares, ainda mais obscura, na história da ditadura civil- militar no Brasil. “Vai ser de muito valor para o capítulo do relatório que tratará das graves violações de direitos humanos contra índios e camponeses, pois será junto com o dos Xavante Marãiwatsédé, um dos únicos relatos feito pelos próprios indígenas”.
A antropóloga Iara Ferraz observa que situação agressiva semelhante também “ocorreu com os Waimiri – Atroari, no Amazonas”.
Sequelas
A etnia sente até hoje o malefícios da repressão vivida no passado. Winorru Suruí, um dos depoentes do documento aponta a ocupação militar como principal motivadora dos problemas vividos na contemporaneidade. “Após a guerrilha, muita gente entrou na nossa terra. No nosso atual território, não temos mais acesso ao barro e perdemos a cultura da cerâmica”, reclama.
Os indígenas cobram uma indenização do governo brasileiro. “Temos que ser ressarcido pela violência sofrida dentro e fora de casa sem saber o porquê da presença dos homens da aldeia na caçada de pessoas”, diz Winorru.
Pela culminância da intervenção militar, as 350 famílias dos povos Aikewara foram distribuídas em duas aldeias, Sororó e Itahy. Ambas situadas nos municípios paraenses de Brejo Grande do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Marabá.
Um processo de revisão territorial engavetado há mais de 20 anos pela Funai passa, após as denúncias, a aguardar uma portaria declaratória do Ministro da Justiça.
Testemunha ocular
Os personagens da Guerrilha do Araguaia, que ficaram conhecidos no Brasil graças aos trabalhos de remontes históricos de entidades, movimentos sociais e iniciativas governamentais foram muito próximos dos Aikewara. Muitas vezes os indígenas testemunharam mortes e tortura contra os militantes guerrilheiros. Uma das passagens contadas pelos que viveram tais momentos, condiz ao camponês conhecido como Domingos.
O rapaz teria chegado à aldeia com uma corda amarrada no pescoço, prestes a morrer, depois de uma tentativa de enforcamento provocada pelos militares. Os indígenas trataram durante muitos dias os ferimentos de Domingos, que também foi torturado. O motivo de tanta violência empregada a Domingos resultou de um pedido de socorro para que Dinalva Oliveira Teixeira (Dina Teixeira) fizesse o parto de sua mulher.
Solidariedade
Embora os membros da guerrilha fossem caçados como animais e disseminados como terroristas de alta periculosidade, muitos indígenas e camponeses da região só tiveram acessos a orientações de saúde e atendimento médico depois que os guerrilheiros chegaram e iniciaram determinados procedimentos.
É o caso de João Carlos Haas Sobrinho, conhecido como Doutor Juca. Médico formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul chegou ao Araguaia vindo do Maranhão. Juca atendia a população, sendo extremamente respeitado pelos caboclos locais ao prestar auxílio na área da saúde de Marabá e Xambioá.
O comandante médico-militar foi morto em combate em 30 de setembro de 1972. Seu corpo nunca foi encontrado e também é dado como desaparecido político.
Exemplo
As histórias de terror vividas pelos indígenas são inúmeras e servia como forma de exemplo para aqueles que ajudavam os militantes. Consta na memória dos povos Aikewara o ocorrido horrendo com o mais carismático e temido guerrilheiro do Araguaia.
Negro, forte, quase dois metros de altura, ex-campeão carioca de boxe, Osvaldo Orlando da Costa (Osvaldão) foi morto por uma patrulha militar em janeiro de 1974. Seu cadáver foi pendurado num helicóptero e exibido num sobrevôo pelos povoados do Bico do Papagaio. Decapitado, seu corpo até hoje não foi encontrado, sendo considerado desaparecido político.
Genocídio de camponeses
Assim como os indígenas do Bico do Papagaio sofreram diversos tipos de agressão dos agentes do Estado, os camponeses também foram acometidos nas mesmas proporções. Estima-se que 350 camponeses foram mortos pelo Exército na Guerrilha do Araguaia.
Ademais, a Comissão da Anistia do Ministério da Justiça acusou a perda de terras de diversas famílias no Pará ocasionada pelas práticas repressivas do regime ditatorial. Entre os anos de 1960 e o início da década de 1970, cerca de 600 famílias camponesas foram vítimas de diversos crimes cometidos pelo Estado brasileiro no sul do Pará.
Indenização
Até o momento quatro famílias camponesas do município de Marabá foram indenizadas pela perda de terras. Outros cinco pedidos de indenização, nos estados do Pará, Maranhão e Tocantins, estão sendo analisados pelo governo federal.
Pedro Matos do Nascimento foi um dos compensados pela Comissão da Anistia. O camponês ficou preso durante 45 dias nos findos dos anos de 1960. Ele conta que muitas famílias foram penalizadas pela perda de suas terras por estabelecerem relações com os guerrilheiros. “O exército achou que eu colaborava com a guerrilha, mas eu dava comida, oferecia de dormir”, diz.
Para vice-presidente da Comissão de Anistia, Sueli Bellato, a amizade entre guerrilheiros que iniciaram a luta armada na região do rio Araguaia e os camponeses foi intensa. “Existiu um intercâmbio de conhecimento entre os camponeses e os militantes do PcdoB, que organizou a Guerrilha”.
Por: Márcio Zonta
Fonte: Agência Brasil de Fato

Fiscalização flagra escravidão na extração de piaçava no Amazonas

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http://amazonia.org.br/2014/05/fiscaliza%C3%A7%C3%A3o-flagra-escravid%C3%A3o-na-extra%C3%A7%C3%A3o-de-pia%C3%A7ava-no-amazonas/


Fiscalização flagra escravidão na extração de piaçava no Amazonas

Treze trabalhadores eram submetidos a servidão por dívida, jornadas excessivas e condições degradantes de alojamento em Barcelos (AM), no meio da floresta Amazônica
A vassoura que você usa em casa pode ter tido trabalho escravo em seu processo de fabricação.  Uma operação realizada entre 27 de abril e 11 de maio resgatou 13 pessoas em condições análogas à de escravos trabalhando na extração de piaçava em em duas comunidades rurais entre os municípios de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, no norte do estado do Amazonas, a cerca de 400 quilômetros da capital Manaus.  A fibra, originária de uma das espécies de palmeira, é amplamente utilizada na produção de vassouras.
Piaçabeiros ficavam alojados em construções improvisadas no interior da floresta Amazônica. Fotos: MPT/AM
Os trabalhadores resgatados eram submetidos a jornadas excessivas e servidão por dívida e ficavam alojados em construções improvisadas no interior da floresta Amazônica, sem condições de segurança e higiene. Segundo os relatos colhidos pelos integrantes da fiscalização, eles extraiam a piaçava de segunda a sexta-feira. Nos fins de semana, faziam o beneficiamento da fibra, conhecido como “penteamento”. Participaram da operação representantes do Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM), Ministério Público do Trabalho no Amazonas (MPT 11ª Região), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Exército e Polícia Federal.
De acordo com informações do MPT, os trabalhadores contraíam dívidas já antes de iniciarem as atividades. Intermediários chamados de “patrõezinhos ou “aviadores” davam adiantamentos em dinheiro ou forneciam mercadorias e insumos necessários para a realização dos trabalhos, como combustível e alimentos, com valores superfaturados em até 140%.
Segundo o procurador Renan Bernardi Kalil, os “piaçabeiros” precisavam passar um longo período de tempo extraindo piaçava para enfim quitarem a dívida e obterem algum rendimento, que em média ficava em R$ 200 mensais. Nenhum dos 13 resgatados havia conseguido ganhar um valor correspondente ao salário mínimo brasileiro, de R$ 724, e em alguns casos novas dívidas eram contraídas. Além disso, descontos de 20% eram aplicados sobre o peso da piaçava extraída, tanto na entrega dos piaçabeiros aos intermediários, quanto no repasse destes ao empregador.
A escravidão contemporânea no Brasil é definida pelo artigo 149 do Código Penal. Segundo este, tanto jornadas excessivas, quanto condições degradantes de trabalho e servidão por dívida servem para caracterizar o crime. De acordo com o que os integrantes da operação apuraram, o empregador dos 13 trabalhadores resgatados era o empresário Luiz Cláudio Morais Rocha, o “Carioca”, proprietário da empresa Irajá Fibras Naturais da Amazônia. Depoimentos das vítimas e do próprio Luiz Cláudio confirmam que este visitava periodicamente os locais de extração e, portanto, sabia das condições precárias a que estavam submetidos seus funcionários.
O lugar onde os piaçabeiros trabalhavam e se alojavam era de acesso muito difícil. A equipe de fiscalização teve de viajar por horas para chegar à base montada pelos próprios trabalhadores. Um piaçabeiro de 61 anos, há 45 anos no ramo e desde novembro no atual trabalho, relatou que já continuou a extrair piaçava mesmo depois de ter sido picado por um escorpião. “Quando sou picado trabalho do mesmo jeito. A gente trabalha doído, mas faz esforço para terminar o trabalho, para pagar o que a gente deve. Se eu for embora no dia que eu fui picado, é um dia de trabalho perdido, por isso que a gente faz esse esforço”, relatou à fiscalização.
Investigação
Para pagarem suas dívidas com o empregador, trabalhadores chegam a continuar trabalhando mesmo depois de terem sido picados por escorpião
Com base em denúncias, o MPF e o MPT já apuravam as irregularidades trabalhistas na cadeia produtiva da piaçava em Barcelos.  Em dezembro do ano passado, integrantes do MPF aproveitaram a realização de um projeto do órgão na região para colher depoimentos e fazer um diagnóstico da situação.  A estimativa é que pelo menos mais 80 trabalhadores vinculados a Luiz Cláudio estejam nas mesmas condições que os 13 resgatados, além de outros ligados a outros empregadores.  Por essa razão, as investigações e fiscalizações vão continuar.  O MPF estuda adotar medidas judiciais na esfera criminal.
No fim de maio, a Justiça do Trabalho do Amazonas, a pedido do MPT, determinou a quebra do sigilo bancário de Luiz Cláudio e sua empresa, e o bloqueio de R$ 255.472,94, além de imóveis e veículos, para que se garanta o pagamento das verbas rescisórias e indenização dos trabalhadores resgatados. Segundo comunicado do órgão, o procurador Renan Kalil pediu a liminar “diante das condições extremamente degradantes a que estavam submetidos os empregados, endividados, isolados geograficamente e sem qualquer expectativa de receber seus direitos trabalhistas”. Segundo ele, a medida foi necessária porque o empregador “descumpriu o poder de notificação do Ministério do Trabalho e Emprego para a realização dos procedimentos administrativos cabíveis e também procedeu de má fé nas negociações entabuladas na semana seguinte ao resgate dos trabalhadores, quando houve o acordo de pagamento das verbas rescisórias e indenizações devidas”.
No último dia 21, o MPF e o MPT entregou uma lista de recomendações a órgãos e autarquias estaduais e federais das áreas do meio ambiente, produção rural, trabalho e emprego e política fundiária no Amazonas, com indicações compromissos no sentido de regularizar a cadeia produtiva da piaçava e acabe com o regime de aviamento – sistema de adiantamento de mercadorias a crédito – na atividade extrativista do estado. À Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, por exemplo, recomendou-se que “deixe de promover qualquer tratativa com os patrões que explorem a piaçava sob o regime de aviamento, no qual os trabalhadores são submetidos a condições análogas à de escravo, que legitime essa prática” e “desenvolva ações permanentes de formação e capacitação dos piaçabeiros, inclusive mediante ações de conscientização quanto às relações de trabalho nos piaçabais”.
Por Igor Ojeda
Fonte: Repórter Brasil