quarta-feira, 28 de maio de 2014

Não vai ter Copa: parte II

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Não vai ter Copa: parte II

Agência Pública
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Por Rafael Luis Azevedo

Copa do Mundo até em Cafundó e Escondido
Quem não esquece a primeira Copa do Mundo que viu? Para a maioria, é uma lembrança da infância. Graças ao programa Luz para Todos, em alguns rincões o torneio do Brasil será justamente o primeiro. Dois deles têm nomes bem curiosos: Cafundó e Escondido. Comunidades quilombolas de Choró, a 175 quilômetros de Fortaleza, elas receberam o serviço de energia elétrica há três anos, depois do último Mundial.

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As antenas parabólicas destoam das casas simples em Cafundó


O dia 20 de dezembro de 2011 não sai da memória dos moradores. As 35 famílias das duas comunidades do sertão do Ceará, todas com algum grau de parentesco, sempre mantiveram a esperança de que suas noites fossem iluminadas. Os postes vieram do alto, por meio de helicóptero. Só assim foi possível para a Companhia Energética do Ceará (Coelce) executar o projeto de eletrificação do local.
Cafundó e Escondido, como outras comunidades formadas por escravos fugidos, são duas das mais isoladas do país. Para chegar lá, é preciso percorrer 30 quilômetros desde a sede de Choró, sendo 10 quilômetros em estrada carroçável. Depois, é necessário subir uma serra de 680 metros de altitude, a pé, num terreno bastante acidentado. Dependendo do fôlego, essa caminhada morro acima dura de uma a duas horas.
Sem acesso por meio de carro, caminhão ou moto, as comunidades viveram praticamente esquecidas até o século 21. O Bolsa Família e a chegada da energia elétrica ajudaram a frear o êxodo local. Os moradores passaram a contar com uma renda mensal, que complementa o plantio da agricultura de subsistência, e a desfrutar dos prazeres da tecnologia.

Distância de Fortaleza a Cafundó e Escondido, em Choró: 215 km. Fonte: Google Maps


"A vida aqui melhorou muito. No meu tempo, eu trabalhava um dia inteiro para conseguir uma xícara de açúcar para a garapa deles [água com açúcar, bebida comum entre os pobres do interior do Nordeste]. Hoje, um dia de trabalho rende um saco de açúcar para o leite dos filhos deles”, compara o agricultor Dionísio de Oliveira, de 48 anos, um dos moradores que receberam da Coelce um aparelho de TV.
Não que o acesso a bens de consumo tenha resolvido todos os problemas. A distância de tudo ainda é um empecilho. A escola municipal de Cafundó atende dez crianças no ensino fundamental 1. Os mais crescidos, do fundamental 2, acordam às 3h30 para uma caminhada de duas horas morro abaixo até o distrito mais próximo, Conceição. Já os alunos de ensino médio viajam mais 30 quilômetros de ônibus até a sede de Choró.
"Não é à toa o nome. As pessoas vivem escondidas mesmo”, ri José Arimateia da Silva, de 37 anos. Nascido em Cafundó, o ex-agricultor desistiu da vida ao lado dos familiares em 2010. Vendeu a casa a um parente, por R$ 200, e alugou outra na sede de Choró, na época por R$ 70. "Cansei de subir e descer aquilo ali. É muito desgastante. Imagine então o sofrimento de crianças e idosos”, diz o vendedor de picolé.
Apesar do físico mirrado comum aos demais moradores, Teté, como é conhecido, era sempre requisitado para fazer força. Quando alguém fica doente, os familiares ou amigos precisam descê-lo carregado em redes de dormir. "Uma vez, após uma briga, um homem furou outro (esfaqueou). No desespero, desci a serra em 10 minutos para chamar uma ambulância, enquanto levavam ele carregado”, relembra.
Na base da serra, há uma placa já desgastada que informa o projeto de eletrificação. A obra custou R$ 797 mil ao programa Luz para Todos. Para que pudessem ser carregados por helicóptero, os postes foram fabricados em fibra de vidro. Não há iluminação pública, e, por isso, os clientes, todos de baixa renda, pagam em média R$ 5 por mês. A medição é feita por um dos moradores, que também cuida da escola.

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A placa que demarca os R$ 797 mil investidos na obra em Cafundó está com os valores quase apagados após três anos


A chegada da energia elétrica garantiu outra benesse dos novos tempos. O uso de telefones celulares, que em certas regiões das comunidades captam sinal da TIM e da Claro – serra abaixo, também é possível telefonar com chip da Oi. O município ainda não dispõe de tecnologia 3G, mas sim a antiga 2G. Quando se está navegando na internet, uma chamada para o telefone derruba a conexão.
Apesar do horizonte aberto pela tecnologia, ainda existe gente sem contato com o exterior da comunidade. O agricultor Antônio Preto, de 74 anos, por exemplo, não faz ideia do que seja seleção brasileira. "Minha vida sempre foi de casa pra roça, da roça pra casa”, justifica. Hoje, porém, ele virou exceção. Quase todos os moradores possuem TV, e quem não tem pretende ver os jogos na casa de algum vizinho.
"A primeira Copa do Mundo que vi foi em 2010. Desci até a comunidade de Fonte Nova. Foram duas horas de ida e mais duas de volta”, relata o agricultor Geane de Oliveira, de 26 anos. "Foi tanto sacrifício que aquele jogo da seleção brasileira foi o único que assisti.” Ninguém merece mesmo. Nem as famílias de Cafundó e Escondido, nem as 242 mil ainda sem energia elétrica no Brasil.
Leia também:

Não vai ter Copa: parte I

Reportagem de Rafael Luis Azevedo, do Verminosos por Futebol, para o Microbolsas da Copa.

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