quinta-feira, 22 de maio de 2014

‘Apesar da repressão policial bem aprimorada, manifestos populares vão prosseguir’

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ESCRITO POR GABRIEL BRITO E PAULO SILVA JR., DA REDAÇÃO, COLABOROU VALÉRIA NADER   
SEXTA, 16 DE MAIO DE 2014



A Copa do Mundo no Brasil se aproxima e, junto com ela, vai aparecendo, a cada dia mais evidente,  um sentimento popular generalizado de irritação e contrariedade com o evento. Nem mesmo pode ser tomado como surpreendente este clima nada ufanista no país do futebol, pois a realidade que cerca a Copa do Brasil tem também se imposto com muita clareza aos olhos da grande maioria.

“Com certeza existe algum legado positivo, é inegável. Mas apenas para as empreiteiras, para as polícias que estão se fortalecendo e cheias de recursos, para as empresas parceiras da Copa, para as parceiras de prefeituras que farão as ‘fan fests’ e todos aqueles que lucraram com as intervenções urbanas. Mas com certeza não há legado para a população, trabalhadores ambulantes, pessoas que têm problemas de moradia ou estão em situação de rua”. É o que diz a jornalista e socióloga Marina Mattar, porta-voz do Comitê Popular da Copa, em entrevista ao Correio da Cidadania, por ocasião do Dia Internacional de Lutas Contra a Copa em São Paulo, nesta quinta-feira, 15 de maio.

A jornalista relata que, apesar de um notável aprimoramento dos métodos de repressão policial, o saldo desse dia foi bastante positivo. Houve atos descentralizados, não só em São Paulo, mas em cidades do Brasil inteiro, chamados pelos Comitês Populares da Copa. Mattar acredita ademais que os protestos devem continuar, ainda que com formato bem diferente daqueles de 2013, e apesar de todas as tentativas de governos de distintas esferas, municipais, estaduais e federal, “de assustar as pessoas e espantá-las das ruas”. Até porque “a mídia internacional está toda aqui”.

O protagonismo do MTST (o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) nessa jornada de lutas foi destacado pela jornalista  (afinal, já foram mais de 250.000 remoções por conta da Copa), que também fez crítica veemente à acusação que sofre o Comitê Popular da Copa de atuar como linha auxiliar da direita:  “penso que a reação dos governos federal, estaduais e municipais vai acabar prejudicando eles próprios. Principalmente o PT, pois a maioria de seus eleitores, muito provavelmente, é bastante contrária a ações de tanta repressão a manifestações de movimentos sociais”.

A seguir, a entrevista completa, mais uma em parceria com webrádio Central 3.

Correio da Cidadania: O que você pode dizer do protesto realizado em torno da convocatória do Dia Internacional de Lutas Contra a Copa em São Paulo, nesta quinta-feira, 15 de maio?

Marina Mattar: Vale destacar que houve atos descentralizados, não só em São Paulo, mas em cidades do Brasil inteiro, chamados pelos Comitês Populares da Copa, que existem em todas as cidades-sede do Mundial de 2014. Estamos na articulação para promover um dia cheio de manifestações desde dezembro do ano passado.

Acredito que, apesar da grande repressão da polícia aqui em São Paulo, tivemos um saldo positivo. Foi um dia repleto de manifestações, começando com o MTST (Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto) e outros movimentos de moradia, claro que com suas pautas e preocupações, mas aderindo ao dia internacional de lutas e outras ações no 15 de maio, como os metroviários e outros trabalhadores.

O ato terminou na avenida Paulista, e estava muito grande. Acho que havia umas 10 mil pessoas. Mas, infelizmente, a manifestação não pode durar mais do que 15 minutos.

Correio da Cidadania: Mas por que a manifestação foi tão encurtada?

Marina Mattar: A polícia militar tentou acabar com o ato logo no começo, várias vezes. A “tropa ninja” estava presente desde o início. Eles ficavam na lateral, tentaram uma incursão no meio da manifestação e um pouco depois na frente do ato. Foi bem parecido com aquele caldeirão que eles fizeram numa manifestação em fevereiro. Não tiveram sucesso nessa primeira tentativa, mas depois jogaram muita bomba de gás lacrimogêneo. Isso dispersou o ato e nos fechou na rua da Consolação.

Foi uma sensação muito parecida com o 13 de junho do ano passado, mas dá pra perceber que a polícia aprimorou bastante a repressão. Eles estão fazendo tudo de uma maneira mais rápida, eficiente e menos visível aos olhos da mídia. Tanto que a cobertura da imprensa está horrorosa.

Correio da Cidadania: Vocês pensam que teremos novos instrumentos de repressão colocados em prática? Isso pode ensejar protestos do mesmo tamanho daqueles vistos no ano passado?

Marina Mattar: Acho que as manifestações não vão se repetir da mesma forma que no ano passado, mas já reverberaram muito em 2014 e neste pré-Copa. As pessoas estão muito injuriadas com a Copa, é perceptível. Para um primeiro ato (convocado pelo Comitê Popular da Copa), teve bastante gente. A tendência é que continue assim. Apesar da repressão, vai continuar. Todos os governos, municipal, estadual e federal, vão tentar assustar as pessoas e espantá-las das ruas, mas ao mesmo tempo a mídia internacional está toda aqui.

Correio da Cidadania: Vocês têm acompanhado as remoções de comunidades? Como tem sido esse processo, que vemos agora também bastante protagonizado pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto)?

Marina Mattar: Temos a estimativa de que, por conta da Copa, 250 mil pessoas foram removidas ou estão sob ameaça de remoção. Imaginamos que a maior parte já foi removida. Significa que já foram tiradas de casa, sem nenhuma indenização, no máximo com bolsa-aluguel, uma ajuda temporária e muito pequena. Em São Paulo, são 300 reais mensais. Não paga aluguel nenhum.

Assim, a moradia foi um dos primeiros pontos a serem mais afetados pela Copa. Fora a especulação imobiliária. Em Itaquera, os aluguéis sobem muito. Tanto que a ocupação do MTST, chamada Copa do Povo, ficou lotada rapidamente por pessoas que moravam lá na região e deixaram de dar conta do aluguel nos últimos tempos.

Os movimentos de moradia sempre tiveram papel relevante nas mobilizações da Copa. Em São Paulo, foram eles que tiveram a ideia de formar o Comitê Popular da Copa. E continuam com um papel bem ativo e importante.

Vejo que o MTST está com um calendário de lutas muito interessante. A ação da semana passada, de ocupar empreiteiras, foi uma ótima ideia, tem tudo a ver com o questionamento em torno da Copa, na linha do “Copa para quem?”, “oportunidades para quem?”, “lucro para quem?”. E os sem teto estão indo às ruas pra valer, como foi o caso deste 15 de maio.

Correio da Cidadania: Como imagina que um eventual cenário mais efervescente por ocasião da Copa poderá influir nas eleições, considerando as maiores candidaturas, Dilma, Aécio e Campos? Acha que os atuais protestos podem influenciar o pleito e até abrir espaço para alguma surpresa?

Marina Mattar: Estão totalmente relacionados os assuntos, invariavelmente. Assim como junho de 2013 acaba se relacionando com isso tudo. Por dois sentidos. Primeiro: desde o começo do ano vemos uma reação de setores ligados ao governo federal e ao PT, no sentido de espalhar um discurso contra as pessoas que criticam a Copa, alegando que assim ajudamos a direita a ganhar as eleições presidenciais. É um discurso até hoje muito presente, temos que enfrentá-lo a toda hora. A direita também assume o discurso contra a Copa, pra tentar pegar o PT. O que faz a diferença é a forma como tratamos e criticamos a Copa, e a maneira com que colocamos tais questões na rua. Penso que até agora tivemos bastante sucesso, de modo que não é possível alguém falar que mobilizamos uma massa de manobra favorável a setores da direita.

Porém, penso que a reação dos governos federal, estaduais e municipais vai acabar prejudicando eles próprios. Principalmente o PT, pois pensamos que a maioria de seus eleitores, muito provavelmente, é bastante contrária a ações de tanta repressão a manifestações de movimentos sociais. Que declarações são essas da Dilma, contra as manifestações, dizendo que “não mudaram nada, não representam nada”?

Portanto, apesar de sermos acusados de auxiliar a direita a voltar ao poder, vejo que existem setores do PT que ajudam nisso, pois não escutam os movimentos. Por outro lado, os movimentos sociais, de forma geral, colaboram com os questionamentos que fazem. Hoje, contra a Copa, mas há também outros questionamentos. E esclarecem muito bem quem está no poder no Brasil. Não falo dos governantes, mas das empreiteiras, grandes empresas e atores que participam desse jogo, que não são revelados e só têm aparecido agora.

Correio da Cidadania: Agora que estamos às portas da Copa, com diversas obras que não serão entregues, qual o legado, termo tão utilizado na publicidade do evento, vocês diriam que teremos?

Marina Mattar: Com certeza existe algum legado positivo, é inegável. Mas apenas para as empreiteiras, para as polícias que estão se fortalecendo e cheias de recursos, para as empresas parceiras da Copa, para as parceiras de prefeituras que farão as ‘fan fests’ e todos aqueles que lucraram com as intervenções urbanas.

Mas com certeza não há legado para a população, trabalhadores ambulantes, pessoas que têm problemas de moradia ou estão em situação de rua. É bem claro para quem a Copa é benéfica, para quem os estádios foram construídos. Quem vai entrar neles, quem vai ver futebol?

Dessa forma, o termo ‘para quem?’ utilizado pelo Comitê é muito bom nessas horas. Já existem pesquisas e estudos mostrando que muitas das afirmações dos governos, de que a Copa traria legado de mobilidade urbana, entre outras promessas, não se concretizaram. As obras não foram feitas e não veremos nenhuma alteração na mobilidade urbana nas cidades-sedes.

Correio da Cidadania: Teremos um outro tipo de legado, isto é, um salto qualitativo na consciência do povo brasileiro, no sentido de elevar sua capacidade de contestação a processos políticos e econômicos?

Marina Mattar: Eu acho que sim. Creio que a gente já consegue ver isso. As pessoas não parecem estar tão empolgadas com a Copa, como normalmente ficam, com aquela coisa de país, do Brasil, o país da paixão do futebol... Não tem sido este o clima. E acho que se trata de um sentimento generalizado.

Mesmo entre as pessoas que não estão nas ruas agora existe um sentimento de injustiça geral sobre a Copa, e isso está se refletindo nas pesquisas de opinião sobre o evento, que está com um índice de rejeição bem alto. E também reflete na popularidade de alguns políticos que estavam por aí propagandeando a Copa.

Portanto, é inegável que a crítica aos megaeventos, principalmente pela forma como são conduzidos, já repercute bastante na sociedade.

Gabriel Brito e Paulo Silva Jr.  são jornalistas.

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