OP
Holloway: “superar capital explorando fissuras”
– 14 DE OUTUBRO DE 2013
Autor de “Mudar o mundo sem tomar o poder” lança novo livro e sustenta: “novas lógicas sociais multiplicam-se; desafio é articulá-las”
Por Adriana Delorenzo, na Revista Fórum
Romper com o mundo como ele é e criar um diferente. Esse é o objetivo de muitos militantes e ativistas. Mas como fazer para construir uma realidade em que não haja Gaza nem Guantánamo nem poucos bilionários e 1 bilhão de pessoas morrendo de fome? O cientista político irlandês, radicado no México, John Holloway traz esse desafio em seu novo livro Fissurar o capitalismo (Editora Publisher Brasil). São 33 teses que explicam como criar rupturas no sistema para não continuar a reproduzi-lo. Do idoso que cultiva hortas verticais em sua sacada como forma de revolta contra o concreto e a poluição que o cerca. Do funcionário público que usa seu tempo livre para ajudar doentes com aids. Da professora que dedica sua vida contra a globalização capitalista. São diversos exemplos trazidos pelo autor, de pessoas comuns que recusam a lógica do dinheiro para dar forma a suas vidas. No entanto, após a rejeição, é preciso tentar fazer algo diferente. É aí que surge o problema. “As fissuras são sempre perguntas, não respostas.”
Professor da Universidade Autonôma de Puebla, o trabalho de Holloway tem influência do zapatismo, movimento que há quase 20 anos vem tentando construir esse outro fazer. No México, essas fissuras têm sido criadas, sem que se espere por uma revolução futura. Como trazido em seu primeiro livro traduzido no Brasil, Mudar o mundo sem tomar o poder, Holloway acredita que pensar em revolução hoje é multiplicar essas fissuras. “Uma revolução centrada no Estado é um processo altamente autoantagonista, uma fissura que se expande e se engessa ao mesmo tempo”, diz o autor na obra recém-lançada. Nesta entrevista à Fórum, Holloway fala sobre os novos movimentos que vêm tomando as ruas em diversos países do mundo, inclusive no Brasil.
Em seu novo livro, traduzido no Brasil como Fissurar o capitalismo, o senhor propõe que, por meio da recusa do capitalismo, sejam criadas fissuras dentro do próprio sistema. Poderia dar exemplos de atividades que criam essas “rupturas” no capitalismo?
Os distúrbios das últimas semanas [junho e julho] no Rio de Janeiro, São Paulo, Istambul, Estocolmo, Sofia, Atenas, começaram por razões diferentes, mas acho que, em todas as ruas do mundo, todos estão dizendo o mesmo canto: “O capitalismo é um fracasso, um fracasso, um fracasso!” Ser anticapitalista é a coisa mais comum do mundo. Todos sabemos que o capitalismo é um desastre, que está destruindo a humanidade. O problema é que não sabemos como sair daqui, como criar um mundo digno. Os velhos modelos de revolução não servem, temos de pensar em novas maneiras de conseguir uma mudança revolucionária.
Não é uma questão de inventar um programa, mas de observar como as pessoas já estão rejeitando o capitalismo e tratando de construir outras formas de viver, formas mais sensatas de se relacionar. Há tentativas de uma beleza espetacular, como a dos zapatistas em Chiapas, que há 20 anos estão dizendo: “Nós não vamos aceitar a agressão capitalista, aqui vamos construir outra forma de viver, outra maneira de nos organizarmos.”
Podemos pensar também nas muitas lutas atuais contra mineradoras na América Latina, onde as pessoas estão dizendo claramente: “Nós não vamos aceitar a lógica do capital, vamos defender uma vida baseada em outros princípios, vamos defender a comunidade e a nossa relação com a terra”. Ou mesmo podemos pensar em um grupo de estudantes que concordam em não querer dedicar suas vidas a serem explorados por uma empresa e vão caminhar no sentido contrário, se dedicando a fazer outra coisa, criando um centro social, uma horta comunitária ou qualquer outra coisa.
Podemos pensar nesses diferentes exemplos como rachaduras ou fissuras, como rupturas na estrutura de dominação. Quando nos concentramos nisso, percebemos que o mundo está cheio de fissuras, cheio de revoltas. Todas são contraditórias, todas têm seus problemas, mas a única maneira que eu penso a revolução, hoje, é em termos de criação, expansão, multiplicação e confluência dessas fissuras, desses espaços ou momentos em que dizemos: “Nós não aceitamos a lógica do capital, vamos criar outra coisa”.
Em seu primeiro livro publicado no Brasil, Mudar o mundo sem tomar o poder, o senhor critica o estadocentrismo de parte da esquerda. Como é possível provocar mudanças sem tomar o poder do Estado?
A maneira mais óbvia para alcançar a mudança é por meio do Estado, e, sim, houve mudanças nos atuais governos de esquerda na América Latina. O problema é que o Estado é uma forma específica de organização que surgiu com o capitalismo e que tem tido a função, nos últimos séculos, de promover a acumulação do capital. O Estado, por seus hábitos e detalhes de seu funcionamento, exclui as pessoas, limitando a sua participação, no caso das democracias, no ato simbólico de votar a cada quatro ou seis anos.
Então, se queremos realizar mudanças dentro do capitalismo, o Estado é uma forma adequada, nada mais. Sabemos muito bem que o capitalismo é uma dinâmica suicida para a humanidade. Se quisermos ir além do capitalismo, não tem sentido escolher uma forma de organização especificamente capitalista, que exclui sistematicamente as pessoas. É por isso que os movimentos de revolta se organizam de forma diferente, de forma includente, pelas assembleias, conselhos, comunas, formas de organização baseadas na tentativa de articular as opiniões e desejos de todos. A única maneira de romper com o capitalismo é por meio dessas formas anticapitalistas.
Do livro Mudar o mundo sem tomar o poder para Fissurar o Capitalismo, o que mudou? Houve algum processo ou movimento que o influenciou?
Não houve nenhum movimento específico. Creio que depois de 2001/2002, na Argentina surge uma questão. E agora? Para onde vamos? Como manter o ritmo?
E se tornou mais evidente que não é suficiente gritar nas ruas e derrubar governos. Se depois das manifestações do fim de semana temos que voltar a vender nossa força de trabalho na segunda-feira – ou tentar vendê-la –, não haverá mudado muito.
A nossa força depende da capacidade de dizermos “não”, não só para os políticos, mas também para os capitalistas, que eles vão para o inferno. Para isso, precisamos desenvolver uma vida que não dependa deles. Parece irreal, talvez, mas é o que as pessoas estão fazendo por todos os lados, por opção ou necessidade. Nas fissuras.
Recentemente, vêm ocorrendo muitos protestos no Brasil que questionaram as tarifas dos transportes públicos e os gastos públicos na construção dos estádios para a Copa do Mundo, enquanto as cidades têm vários problemas. O senhor fala em seu livro das fissuras espaciais nas cidades. Por que as cidades seriam um campo fértil para essas fissuras?
É a obscenidade do mundo de hoje. Começa com as tarifas de transportes públicos ou gastos públicos, ou corrupção ou destruição de um parque – como em Istambul –, mas o que explode é realmente uma raiva contra um mundo obsceno, um mundo de injustiças grotescas de violência que ultrapassa a compreensão, de destruição sistemática da natureza, um mundo que nos ataca em nossos interesses, mas que também nos insulta como seres humanos. Essas explosões que temos visto nos últimos meses ocorrem mais facilmente em cidades onde a obscenidade do sistema se impõe de forma muito agressiva. Mas o grande desafio é como ir construindo espaços para um mundo não obsceno, que vão contra e para além do capitalismo. Esta luta por um mundo digno é o que chamamos normalmente vida, ou amor, ou revolução.
Também vimos vários movimentos que questionam a democracia representativa (os 99% contra os 1%), como Occupy e o 15-M na Espanha.
Os movimentos dos indignados e os Occupy são parte da mesma explosão de cansaço e raiva. Temos aceitado este sistema que está nos matando por tanto tempo, mas já basta! É o grito da revolta zapatista de 1994 que está ecoando em um lugar após o outro. Basta! O sistema representativo é parte deste sistema obsceno, não faz nada para mudá-lo, só dá mais força. A desilusão segue na eleição de qualquer governo “progressista” (Lula, Dilma, os Kirchner, Obama), abre nos melhores casos outras perspectivas, as pessoas percebem que a mudança não pode ser feita por meio do Estado e começam a pensar na política de outra maneira.
No livro, o senhor aborda a questão do tempo abstrato ou o tempo da futura revolução. Como as novas tecnologias mudam a relação entre o presente e o futuro, aqui e agora, e também do trabalho? Por exemplo, qual é o efeito da transmissão dos protestos em tempo real através da internet?
O “Basta!” rompe com o conceito tradicional que coloca a revolução no futuro. Antes se falava da paciência revolucionária como uma virtude: tinha que ir construindo o movimento, preparando-se para o grande dia, no futuro, o grande dia que nunca chegou, ou se chegou não foi o que pensávamos que seria. Agora, está claro que não podemos esperar, temos de quebrar o sistema atual, aqui e agora, onde podemos. Temos de quebrar os relógios, rejeitar a homogeneidade, a continuidade e disciplina que eles incorporam. Creio que o uso das novas tecnologias para transmitir os protestos é importante, mas não produz o “Basta”, pode dar uma força contagiante que impressione.
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