quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Maria do Rosário: "o mercado só vê o ser humano em sua fase produtiva"

carta maior
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Maria do Rosário: "o mercado só vê o ser humano em sua fase produtiva"

Segundo a Ministra dos Direitos Humanos, construção da cidadania com inclusão de direitos dos idosos desafia e resiste à onda neoliberal.


Léa Maria Aarão Reis
Marcello Casal JR/ABr
Ao fim de um período em que se comemoraram dez anos de existência, no Brasil, da Política Nacional do Idoso seguida da implantação do Estatuto do Idoso, em 2003, pelo presidente Lula, a Ministra Maria do Rosário Nunes faz um balanço das atividades da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, apresenta o avanço nas políticas públicas de proteção aos 23,5 milhões de cidadãos brasileiros com mais de 65 anos – segmento da população que mais cresce no Brasil e em todo o ocidente -  e comenta novas ações em curso assim como outras, em vias de execução, nas áreas da segurança do idoso, da preservação da sua saúde e da assistência farmacêutica e médica – revitalizada através do programa Mais Médicos.
 
Nesta entrevista exclusiva à Carta Maior, a Ministra Maria do Rosário lembra dois pontos importantes. O primeiro: “O mercado só vê o ser humano quando ele está na sua fase produtiva e proporciona mais valia”. E o segundo: “Há dez anos o Brasil começou a desenvolver políticas públicas capazes de dar conta da mudança no perfil demográfico. Enquanto isso, para efeito de comparação, a Europa conduziu esta transição em um período de cem anos. Nós vamos passar pelo mesmo em 30.”
 
A seguir, a entrevista:
 
Há dez dias o IBGE divulgou a ampliação, cada vez mais acelerada, da longevidade dos brasileiros e os anos a mais de vida que eles vêm ganhando. A qualidade de vida desta população também é maior, hoje?

A expectativa de vida dos brasileiros e brasileiras se amplia na medida em que cresce a qualidade de vida desde a infância, desde o nascimento. Ou seja, para termos mais longevidade é preciso cuidar das pessoas desde o início, ao longo de toda a sua existência, assegurando os seus direitos. Estamos enfrentando um período de transição.
 
Há dez anos, o Brasil começou a desenvolver políticas públicas capazes de dar conta dessa mudança no perfil demográfico. Para efeito de comparação, a Europa conduziu essa passagem em um período de cem anos. Já nós vamos passar por tudo isso em aproximadamente 30 anos.  
 
Os governos e a sociedade civil devem se preparar para esse inevitável envelhecimento da população, que conta com 23,5 milhões de pessoas com mais de 65 anos no nosso país. Em 2050, a perspectiva é de que teremos mais idosos do que jovens com menos de 15 anos de idade. Para que tenhamos condições de bem atender a esse novo Brasil, estamos atuando com disposição, contando com o apoio da presidenta Dilma na especialização dos serviços públicos. Temos pressa de agir na promoção, proteção e defesa dos direitos humanos das pessoas idosas, que consideramos fundamentais para a democracia,  construção da cidadania e o desenvolvimento sustentável dos povos.
 
Neste sentido, os avanços recentes, como a instituição da Política Nacional do Idoso e o estabelecimento do Estatuto do Idoso reafirmam a necessidade da construção de políticas intersetoriais capazes de contemplar as necessidades da pessoa idosa e prover seu bem estar em plenitude.
 
Houve aumento da expectativa de vida do brasileiro?
 
Os programas Minha Casa Minha Vida e Brasil sem Miséria incidem diretamente na qualidade de vida da população idosa, já que a grande maioria atendida é de baixa renda. Como resultado concreto dos avanços conquistados pelo Brasil na promoção e proteção dos direitos dos idosos nesses últimos anos, o Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil 2013 atribui à dimensão Longevidade a responsabilidade pela importante evolução do índice de desenvolvimento humano apresentado pelos municípios brasileiros entre 1991 a 2010. Essa melhora se vê refletida no aumento de 9,2 anos (ou 14,2%) na expectativa de vida ao nascer do brasileiro.
 
Quais as ações do SUS direcionadas aos mais idosos?

No que diz respeito à garantia do direito à saúde das pessoas idosas nós avançamos muito com a instalação dos Centros de Referência em Assistência à Saúde do Idoso, com o programa Farmácia Popular, que beneficia 50 milhões de brasileiros, e o programa Remédio em Casa. São ações de assistência farmacêutica voltadas às necessidades da população idosa em que são disponibilizados e/ou subsidiados medicamentos para o tratamento de doenças que afetam especialmente esse grupo (como doença de Alzheimer, diabetes e osteoporose). Outra importante parceria que temos com o Ministério da Saúde é a notificação compulsória de casos de violência praticada contra idosos. Quando uma unidade de saúde atende um idoso e reconhece que ele foi vítima de violação de direitos deve imediatamente notificar as autoridades locais. Pode não parecer, mas iniciativas integradas como essa podem salvar muitas vidas. 
E as ações relacionadas a violações dos direitos de idosos?
 
Para acolher a demanda das vítimas de violência a Secretaria de Direitos Humanos criou, em 2011, o Módulo Idoso do Disque Direitos Humanos (Disque 100). Trata-se de um importante mecanismo para recebimento de denúncias relacionadas a violações de direitos contra idosos. Por sua vez, a inserção do referido Módulo também permite realizar um diagnóstico situacional sobre a violência contra a pessoa idosa no país a partir do mapeamento e classificação dos casos registrados com a finalidade de proceder a diversos ajustes nas políticas e ações voltadas à defesa dos direitos dessa população e visando atender a realidade deste grupo.
 
Estas violações estão aumentando?

Somente no primeiro semestre deste ano recebemos quase 23 mil denúncias de violação de direitos de pessoas idosas, número que é praticamente idêntico ao do ano passado inteiro, sendo que a maioria se refere à negligência, violência psicológica e abuso financeiro. Para isso, estamos atuando no fortalecimento da rede de apoio ao setor. Nosso objetivo é que todas as áreas de Direitos Humanos tenham uma rede estruturada a exemplo do que já existe para as crianças e adolescentes.
 
Há apenas 1789 médicos titulados pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, no país. Com o programa  Mais Médicos nós teremos profissionais capacitados para atender a população idosa? Os médicos cubanos estão especificamente preparados por conta da formação clínica abrangente?

Sim. No programa Mais Médicos teremos profissionais capacitados para atender a população idosa, visto que a formação deles é voltada à medicina comunitária e familiar. O Ministério da Saúde vem investindo na capacitação dos profissionais de saúde com grande ênfase nos profissionais que atuam na atenção básica. A saúde da pessoa idosa está entre os temas que norteiam o planejamento das ações dos médicos atuando no sistema público, orientados para o olhar integral sobre a condição de saúde das pessoas de mais idade.
 
Aliás, este trabalho do Mais Médicos é importantíssimo, já que está proporcionando uma mudança cultural na nossa sociedade. Digo isso porque a medicina deixa de ser vista de modo mercantilista para ser observada como um serviço essencial para os seres humanos. Além da chegada de profissionais de fora, o governo da presidenta Dilma está atuando na ampliação da oferta de cursos de Medicina e no fortalecimento da formação com foco no trabalho comunitário e na especialização para áreas como a geriatria.
 
Como o governo está trabalhando na revisão da chamada carteira de saúde do idoso?

O governo também trabalha na revisão da caderneta de saúde da pessoa idosa que terá grande importância na qualificação do processo de trabalho das equipes médicas porque foca na identificação da situação de saúde das pessoas idosas a partir da avaliação funcional, o que permitirá identificar as reais necessidades  deste grupo populacional, orientando as ações de cuidado necessárias.
 
Como fazer cumprir o Estatuto do Idoso? Assim como o Estatuto das Cidades ele é desrespeitado a todo instante embora seja motivo de admiração em outros países. Há um problema de fiscalização no seu cumprimento. Os Conselhos Estaduais e Municipais não deveriam supervisionar os estados e municípios que não cumprem este dispositivo legal há dez anos baixado pelo Presidente Lula? Ou então: qual o órgão que deveria proceder a esta fiscalização?

Quanto à garantia de direitos e a sua fiscalização, como afirmei anteriormente, o maior desafio tem sido a construção de uma rede de proteção possibilitando a aproximação e o trabalho coordenado entre os órgãos em defesa da pessoa idosa. Este desafio é de toda a sociedade brasileira e um dever decorrente da solidariedade que deve existir entre as gerações.
 
Temos nos empenhado para que os conselhos de direitos, os gestores das políticas de direitos e Ministério Público atuem de forma integrada. Além do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI), já temos conselhos em 27 estados e 51,5% dos municípios brasileiros. Eles contribuem significativamente com o debate de políticas públicas para essa população. A Comissão Permanente de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Procuradores Gerais  traçou como meta nacional o acompanhamento da criação e do funcionamento das Instituições de Longa Permanência e das demais unidades de atendimento a esse seguimento social. Temos grandes parceiros que já atuam, porém precisamos ampliar essa rede.
 
Nunca é demais lembrar: todos podem e devem discar 100 para denunciar situações de violência contra pessoas idosas e/ou desrespeito ao Estatuto. A nossa meta é universalizar uma política essencial norteada pelo Estatuto do Idoso. Para isso, contamos com o apoio do Judiciário, do Ministério Público, do Legislativo e, especialmente, da sociedade para garantirmos a todo brasileiro e toda brasileira um envelhecimento com qualidade de vida e respeito aos seus direitos.
 
Quais as ações efetivas, concretas, para fazer cumprir o decreto da presidenta Dilma relativo ao envelhecimento ativo?

O decreto do Compromisso foi assinado há pouco mais de sessenta dias. Os 17 ministérios já foram chamados pela Secretaria de Direitos Humanos e se comprometeram a atuar de forma efetiva elaborando um plano de ações. Precisamos avançar na garantia da emancipação e protagonismo da população idosa de forma articulada intra e intersetorialmente para assegurar atenção integral às pessoas idosas e suas famílias. Paralelamente, conseguimos colocar em prática o Fundo Nacional do Idoso, que neste ano tem o primeiro aporte mais amplo de recursos.
 
É meta do governo da presidenta Dilma, por meio de um pacto entre os agentes públicos, garantir um envelhecimento ativo para todos, assegurando autonomia, respeito e cuidado. Neste sentido, se coloca a expansão dos cursos de cuidadores de idosos por meio do Pronatec, em 21 campi da rede federal.
 
As delegacias policiais estão preparadas para atender desmandos e infrações por parte das próprias famílias e dos demais relativos aos direitos dos idosos? Tortura, maus tratos físicos e emocionais, exploração financeira, roubos, exploração no trabalho, por exemplo? Quais as penalidades?

Em maio deste ano convocamos todos os delegados/as promotores/as e defensores que atuam nas 80 delegacias especializadas na atenção à pessoa idosa para um encontro nacional de capacitação e qualificação do fluxo do Disque Direitos Humanos – Disque 100. Esse serviço é de fundamental importância no socorro e acolhimento às vitimas de violência. Novamente: adquire importância relevante a ampliação da rede de atendimento e a participação da sociedade como um todo em prol da promoção e garantia de direitos.
 
Não é o caso pensar em uma campanha nacional,  maciça, no sentido de promover a educação da população mais jovem no respeito aos idosos, no país?

O Brasil propôs aos países do Mercosul a elaboração de uma campanha conjunta para a promoção da solidariedade e cooperação intergeracional e de maior visibilidade do envelhecer. Estamos construindo, juntos, esse processo. Também propusemos ao Senado Federal a inclusão da temática do envelhecimento que se inicia com a educação infantil no Plano Nacional de Educação. Por meio das nossas diversas ações, buscamos construir uma cultura de direitos humanos, reforçando as responsabilidades do Estado e desenvolvendo a valorização de todas as fases da vida, conscientizando a população sobre a importância de valorizar todas estas fases.
 
O mercado somente vê o ser humano quando ele está na sua fase produtiva, enquanto proporciona mais valia. Por isso, as crianças e os idosos acabam ficando à margem, sendo percebidos como um “peso” para a sociedade. O nosso governo trabalha para que aconteça o contrário - que todas as pessoas, em todas as fases da sua vida, sejam percebidas como fundamentais na construção de um país e de um mundo melhor, tendo assegurados os direitos inerentes à condição humana. Por isso, é importantíssima a opção que o Brasil fez, desde o governo Lula, de enfrentar e resistir à onda neoliberal e manter a sua previdência e a seguridade social públicas como ações irrenunciáveis do Estado.
Créditos da foto: Marcello Casal JR/ABr

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