segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Análise da manifestação no Terminal André Maggi: o quadro que se repete em todo o Brasil

MNDH


Análise da manifestação no Terminal André Maggi: o quadro que se repete em todo o Brasil

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Dia 29 de Novembro houve uma manifestação na cidade vizinha à minha, Várzea Grande. Razão do protesto: sem qualquer aviso prévio ou justificativa plausível, a empresa responsável pelo transporte urbano da cidade instalou grades e catracas dentro do terminal de integração.
Assim como no resto do Brasil, o descontentamento por aqui andava grande há muito tempo. Ônibus lotados sem qualquer organização de horários, poucas linhas e todos os veículos em condições precárias. Não fosse isso o bastante, a circulação entre Várzea Grande e Cuiabá (minha cidade) é de um fluxo bem intenso. Muitos que moram lá estudam ou trabalham aqui e vice-e-versa, pois são super próximas uma da outra (às vezes, VG vem até incluída na nomenclatura de “Grande Cuiabá”). Três detalhes a ressaltar nesse quadro, entretanto:
  1. Em um terminal de integração não deveria ser cobrado outra passagem, mas sim feita integração das linhas (senão pra quê o terminal, oras?!)
  2. Mesmo precisando tomar outro ônibus para chegar até Cuiabá, moradores de Várzea Grande ainda assim integravam com outro ônibus da mesma transportadora, o que torna irracional a cobrança de nova passagem (e sempre foi esse o sistema aplicado)
  3. Estudantes de Cuiabá têm passe-livre para estudar, mas os estudantes de Várzea Grande não: eles pagam metade da passagem. Ou seja, eles agora gastariam o dobro do que gastavam antes para ir ao colégio/faculdade e depois voltarem para casa.
Acúmulo de descasos ao longo dos anos, contando os preços já abusivos e serviços de péssima qualidade (sem saída pra qualquer canto, pois a empresa exerce verdadeiro monopólio na cidade) e a nova instalação inesperada das catracas cobrando nova passagem dos utentes… não era de se esperar uma reação popular? Resultado: manifestantes se organizaram e foram até o terminal no dia 29 de novembro e arrancaram catracas e grades com ajuda da população que por ali estava.
Lembro que quando comentei o ocorrido com meu cunhado – que vive me dizendo pra “largar esse negócio de política que não dá futuro” e “parar de ficar agitando por aí porque gritar não resolve nada e uma hora eu vou achar o meu!” –, ele mesmo comentou: “tem mais é que arrancar mesmo, eu também tiraria tudo!, eles não podem fazer isso!”. Julgando esse apoio com a mentalidade que ele costuma demonstrar a respeito desses atos, percebi que realmente a empresa tinha passado dos limites.
Não era vandalismo, era reação de quem tem sido oprimido e explorado por tempo demais.
Pequena observação sobre o funcionamento das catracas e cartões por aqui:
Recentemente, foram implantados os “cartões de integração”. São cartões que a pessoa adquire junto à associação de transportes urbanos e leva até os pontos de recarga para inserir determinadas quantias de passagens que pode utilizar depois. O sistema ainda está bagunçado, tanto em Cuiabá quanto em Várzea Grande: alguns ônibus só aceitam cartão, outros ainda aceitam a passagem em dinheiro. Ninguém tem como adivinhar qual é qual, nada os diferencia. No ano passado, muitos cobradores também foram demitidos (alguns reassumidos este ano) e, assim, o motorista exercia dupla função: dirigia e cobrava a passagem. A empresa e a associação de transportes destilavam mil argumentos sobre os benefícios de terem o cartão, mas a teoria é bem distante da prática: poucos são os pontos de recarga (que também têm horários bem limitados de funcionamento) e, muitas vezes, os utentes – sem ter onde recarregar a passagem para integrar – têm de adquirir um cartão recolhível de passagem avulsa, que não integra em nenhum ônibus, leitor ou catraca. Praticamente em cada um dos pontos de paragem dos ônibus tem um fiscal que vende cartões avulsos (mas não recarregam cartões de integração). Logo, a pessoa que não acha um ponto de recarga fica obrigada a comprar cartões avulsos: se precisar de dois ônibus para chegar ao seu destino, o que é bem comum, terá de comprar duas passagens. Não me sinto nenhum pouco “conspiracionista”, e sei que não sou a única, quando penso que isso foi tudo muito bem planejado e proposital.
Consequências do ato e atuação da polícia militar
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No dia, a inteligência da polícia já estava sabendo do protesto e, mais além, da intenção dos manifestantes de retirarem as catracas dali. Como agiram frente a isto?
O ato foi filmado desde o começo (e não pelos manifestantes). Havia policiais à paisana e alguns, inclusive, chegaram a ajudar a bater com pedaços de pau nas catracas para depois prenderem os manifestantes que ali estavam. Deixaram que os participantes do protesto fizessem tudo que tinham pensado e usaram os vídeos para identificar aqueles que não conseguiram prender na mesma hora. Citando a nota pública do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MT):
(…) Cerca de 25 manifestantes foram detidos (homens, mulheres e crianças), encaminhadas à primeira Delegacia de Polícia (Jardim Aeroporto) e impedidas de contato com advogados e familiares.
Um delegado de polícia, conhecido no meio como “João Loko”, ameaçava constantemente manifestantes e advogados e, durante a madrugada (por volta das 05 horas), aproveitando a ausência dos defensores, obrigou os homens detidos a ficarem nus diante das mulheres.
O abuso de autoridade e a tortura foram ao limite.
Cerca de 8 adolescentes ficaram presos entre detentos maiores, das 19:00 às 03:30 da madrugada, e uma criança de 12 anos de idade (epilética) só foi liberada por volta da meia noite, graças à intervenção do Defensor Público Dr. Roberto Tadeu Curvo, da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Depois de 15 horas de prisão arbitrária, finalmente os manifestantes foram ouvidos, e a fiança arbitrada ficou em mais de cinco mil reais, o que é desproporcional, já que o prefeito de Várzea Grande foi preso com munição de arma de fogo, no mês de agosto/2013, e a fiança a ele arbitrada a ele foi de um salário mínimo.
Somente com a intervenção do TJ/MT, que reduziu a fiança a um salário mínimo, após 50 horas de prisão, e depois de serem recolhidos entre tuberculosos nos presídios Carumbé e Ana Maria Couto, é que os alunos e professores (manifestantes) foram postos em liberdade.
(…)
No alvará coletivo de soltura, expedido no início da noite de domingo, foram incluídos presos comuns (furto e roubo) para induzir a opinião pública de que havia bandidos entre os manifestantes.

 Essa foi a participação da polícia militar que defendeu, como sempre, os interesses de uma minoria em detrimento da população.
Presos políticos? Isso não é vitimização!
Libertação da galera que estava presaFoto de quando os manifestantes presos foram finalmente libertados
Quando vi o pessoal, muitos dos quais são amigos meus, dizendo que os manifestantes encarcerados eram “presos políticos” não consegui entender uma exatidão nesse pensamento. Isso porque mesmo sabendo que muitos deles já eram “figurinhas marcadas” pelos PMs por estar sempre presentes nos protestos, na minha cabeça, ainda que estivessem manifestando (o que é um direito de todo e qualquer cidadão que defenderei e exercerei enquanto conseguir), eles realmente haviam quebrado coisas que podiam ser enquadradas na lei de destruição do patrimônio público. Ou seja (tentei pensar pelas vias do legalismo já que teríamos que lidar com ela enquanto estivéssemos falando de cidadãos presos, independente daquilo que suas ideologias considerassem correto), ainda que estivessem de fato sendo perseguidos, havia ali uma ação que podia ser enquadrada como crime. Não dava pra correr. Por que, então, presos políticos?
Somado ao fato de já estarem marcados pelos PMs, juntei também à receita a postura do delegado ao tratar os manifestantes detidos e a fiança imposta. Como pode o prefeito da cidade ser preso no aeroporto portando 10 cartuchos de calibre 32 escondidos nas meias da mala de mão e sua fiança ser de apenas um salário mínimo (clique aqui pra ver a notícia) e um manifestante preso, sem antecedentes, ter fiança de 8 salários mínimos? Ao todo, gastaríamos em torno de R$ 65 mil reais para liberar os 12 encarcerados.
Como se essa fiança arbitrária não justificada fosse pouco, avisaram que não aceitariam cheque. Lembrando que já era então sábado, não havia agência bancária aberta e nenhuma caixa eletrônico autoriza a retirada de mais de R$ 5000 reais num dia só. Tudo muito bem orquestrado.
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Isso não é o bastante. Outros depoimentos me convenceram de que sim, são presos políticos. Um dos alunos que participou do ato voltou, depois, para avisar no facebook – rede em que tudo foi organizado – que a Polícia Civil passara em sua escola tentando identificar quem havia participado. Deixava o aviso “deve passar na de vocês também, fiquem espertos”. Outra participante do ato publicou no face (clique na imagem para ampliar):
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O que a mídia divulgou
Claro que a manifestação foi uma bomba e a mídia não perdeu tempo. Aliás, já estavam falando do ato antes mesmo de acontecer – obviamente que cada qual à sua maneira, puxando a sardinha pro lado que interessa ou paga mais. O fato é que vimos de tudo depois, mas verdade que é bom nada! Image
Como disse, a intenção do ato foi cumprida: tiraram as catracas e as grades. Na internet e na tevê, entretanto, o que aconteceu foi quase um apocalipse zumbi. Um site enquadrou o cenário do terminal como um “campo de guerra”, dizendo que idosos, gestantes e crianças foram jogados ao chão pelos manifestantes e disse também que os prejuízos foram estimados em R$ 500 mil reais e só não foram maiores dado à “intervenção rápida e eficiente da polícia” (como já falei anteriormente, a polícia sabia do ato, estava presente e assistiu a tudo calada, alguns até participaram, para prender os manifestantes depois… link aqui); outro diz ainda que 10 mil cartões foram roubados na manifestação (link aqui); outro jornal online não pensou duas vezes e atribuiu a organização da manifestação ao grupo Black Bloc, como se fosse de autoria deles – o que é, no mínimo, ridículo: quem procura se inteirar dos assuntos sabe que o Black Bloc não é uma “organização”, “grupo” ou “entidade”, mas sim uma tática de execução; o mesmo site diz que 150 pessoas manifestavam de forma pacífica, quando os “10 black blocs” chegaram e quase atearam fogo num ônibus da transportadora (o que será que é quase atear fogo? link aqui); outro não ficou no quase e disse logo que um carro foi incendiado (link aqui).
Em contrapartida e muito curiosamente, o site Todos Contra a Pedofilia aponta que 81% aprova a manifestação no Terminal André Maggi. Vou ter que rir daqueles que tentaram (e tentam sempre) manipular as notícias fazendo o povo engolir que é sempre “uma minoria vândala” que se opõe às medidas implantadas e que todo o restante da população está satisfeita.
Um quadro infeliz e nacional
Infelizmente, tenho que admitir (e já o fiz há muito tempo) que isso não é novidade aqui nem em lugar algum. É geral. Esse ano foi o ano das manifestações no Brasil, vimos protestos pra todo lado. E o protesto, a insurgência popular motivada pelo descontentamento com as políticas atuais, não vem sozinho: vem acompanhado de muita opressão militar – como temos visto flagrantes forjados, pessoas desaparecidas “misteriosamente”, prisões arbitrárias, abuso de autoridade – e muita manipulação midiática.
Não é isso que me surpreende, uma vez que a polícia militar foi criada desde sempre para proteger uma minoria (aos que não sabem, quando a PM surgiu, em forma de Brigada, seu trabalho era proteger não a população, mas sim a família imperial) e seus interesses. Não o povo, não os outros… não a maioria. E a mídia? Bom, essa defende quem paga mais. Não é difícil enxergar.

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