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http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=73417
05.02.13 - Brasil
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Stedile: ‘A reforma agrária está travada’
247
http://www.brasil247.com/
Adital
4 de fevereiro de 2013
247 - A presidenta Dilma Rousseff visita nesta segunda-feira 4 o assentamento do MST Dorcelina Folador, no município de Arapongas, a 30 km de Londrina, para o lançamento do Programa Nacional de Agroindústrias na Reforma Agrária. Será inaugurada, por volta das 14h00, a agroindústria da Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa (Copran). A expectativa é que aproximadamente 6 mil pessoas estejam presentes.
A presidente está acompanhada da ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e do governador do Paraná Beto Richa, além de prefeitos, deputados e vereadores do estado. O dirigente nacional do MST João Pedro Stedile participa do ato como representante de movimento.
A presidenta Dilma irá almoçar com os integrantes do assentamento, com cardápio de alimentos produzidos pelas famílias locais. Depois, faz a inauguração da agroindústria. Em seguida, ela visita a feira dos produtos da Reforma Agrária. Por fim, haverá um ato político com a equipe ministerial.
Ao 247, o líder do MST concedeu a seguinte entrevista exclusiva a respeito do atual estágio de relações entre o MST e o governo:
247 - Com o programa da agroindústria para os assentamentos, o diálogo entre o MST e o governo pode ser destravado?
JOÃO PEDRO STEDILE - Sempre tivemos diálogo com o governo. Com todos os governos, inclusive. A questão é que estamos diante de um governo de composição de forças políticas e sociais, em que as forças do capital e do agronegocio têm muito poder nos aparatos do Estado brasileiro. E isso dificulta que esse tipo de governo tenha uma proposta clara de Reforma Agrária, que é um programa de Estado para democratizar a propriedade da terra. É um programa para o desenvolvimento da indústria nacional e de distribuição de renda. Na atual correlação de forças, não está na agenda política nem um projeto de desenvolvimento nacional nem de reformas estruturas. Não só a reforma agrária que está travada, mas também a reforma tributária, a reforma política, a reforma educacional. Não avança nem a pauta da redução da jornada para 40 horas.
247 - Os números sobre desapropriações no atual governo são os mais tímidos dos últimos 20 anos. Ainda há condições para a atual a presidente Dilma fazer mais e melhor? Como?
STEDILE - Temos apresentado ao governo uma pauta com a necessidade social de emergência, que é resolver o problema dos acampados. Há mais de 80 mil famílias do MST que estão acampadas debaixo de lona preta, algumas desde o inicio do governo Lula. É preciso fazer desapropriações de latifúndios improdutivos, como manda a Constituição, para assentar as famílias nessas condições. Há mais de 120 milhões de hectares improdutivos no cadastro do Incra. Então, basta cumprir a Lei, e enfrentar os interesses políticos dos latifundiários presentes em todas as esferas.
O governo precisa priorizar o assentamento dessas famílias nos projetos de irrigação no nordeste. O governo diz que terá 200 mil hectares irrigados. Ora, só ali se poderia colocar 100 mil famílias.
Há também o tema do limite que o Brasil precisa colocar na compra de terras por estrangeiros. O governo precisa dar um sinal claro nesse sentido.
Por exemplo, o Sr. Dantas comprou em apenas três anos mais de 600 mil hectares de terras em diversas fazendas no sul do Pará, com recursos de fundos de investimentos dos americanos. Com isso, é claro que vai se agravar os conflitos pela terra no sul do Pará. O governo precisa interferir e sinalizar, que não vai tolerar a concentração da propriedade da terra por capitais especulativos estrangeiros.
247 - Quais são as metas mais importantes a serem cumpridas no setor de reforma agrária, pelo governo, este ano, segundo o ponto de vista do MST?
STEDILE - Resolvido o problema emergencial das famílias acampadas, que é um problema social - diante de um governo de composição que impossibilita uma reforma agrária estrutural combinada com um projeto de desenvolvimento nacional - precisamos então desenvolver políticas públicas, que consigam favorecer a produção de alimentos, sadios, e a agricultura familiar. Assim, desenvolver um novo modelo agrícola de produção, que gere emprego e renda para os trabalhadores.
O agronegocio como modelo de produção é concentrador da terra e da produção. Produz só na base do monocultivo, desequilibrando o meio ambiente, e só produz com muito veneno.
Nós queremos e apresentamos ao governo propostas de programas que incentivem a produção de alimentos saídos para o mercado interno e sem uso de agrotóxicos.
Programas que garantam a compra da produção dos agricultores familiares. Programas que levem a instalar pequenas agroindústrias em todos os municípios e povoados do interior, como forma de beneficiamento dos alimentos, geração de empregos para a juventude.
Assim vamos fixar a população no meio rural, distribuindo renda e melhorando a vida da população do meio rural. Não apenas de meia dúzia, como faz o agronegocio, que dá lucro para apenas 1% da população do meio
rural.
247 - O sr, tem criticado os técnicos do governo. É possível superar a barreira de burocracia? O entendimento está melhor hoje ou pior do que antes?
STEDILE - Há uma burocracia instalada no Estado brasileiro, que é um aparelho organizado apenas para beneficiar os ricos, a burguesia. Então, pela lógica normal de funcionamento dele, todos os programas que se destinam aos pobres, aos trabalhadores, esbarram nessa burocracia, que é de classe.
Por isso, há programas bons que acordamos com o centro de governo e depois não chegam aos trabalhadores. Por exemplo: em abril de 2011, a Presidenta deu a ideia e determinou que para resolver o passivo das 180 mil casas que faltam nos assentamentos, a maneira mais barata e rápida seria enquadrá-los no programa "Minha casa, minha vida", da Caixa.
Nós achamos muito interessante. Era uma ótima alternativa. Até hoje, passados dois anos, não saiu ainda a portaria, que é uma página de ofício A4, que qualquer funcionário poderia digitar e o ministro das cidades assinar, para que a CAIXA possa implementar. Então, o resultado é que 180 mil famílias tem terra, mas continuam morando em barracos.
Na área do crédito rural, da mesma forma. Já provamos: o PRONAF só atende os pequenos agricultores remediados. Por isso, não consegue ultrapassar o patamar dos 25% do total de pequenos. Entre os assentados, 8% deles tiveram acesso. Com isso, precisamos planejar outro formato de crédito rural para os camponeses mais pobres. Poderia ser vinculado à compra antecipada da CONAB, que seria mais prático e vinculado à produção.
Outro exemplo é a comercialização dos alimentos. Durante o governo Lula tivemos duas conquistas importantíssimas. Uma foi garantir que 30% de toda merenda escolar em todo país fosse abastecida por produtos da agricultura familiar do próprio município. A outro foi o programa de compra de alimentos pela CONAB, que depois destina a entidades ou serviços públicos, o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).
Esses programas são ótimos e necessários. Mas esbarram na falta de recursos (só porque é para pequeno..) e na burocracia, falta de servidores e má vontade dos gestores na ponta.
Resultado: de um universo de 4 milhões de pequenos agricultores que poderiam se beneficiar, com a lei existente, menos de 300 mil tem acesso.
Então, a Presidenta vai ter que mexer nos métodos administrativos e na vontade política do segundo escalão.
247 - Qual a importância do Programa da Agroindústria?
STEDILE -O programa de agroindústria para os assentamentos é fundamental. É a principal forma que temos de instalar pequenas e médias unidades industriais no interior, dentro dos assentamentos. Viabiliza agregar valor aos produtos, aumentando a renda dos assentados, e gerar empregos fora da lavoura, que exigem conhecimento especializado e assim absorvem a juventude do campo.
Com isso, gera novas relações sociais, pois uma unidade de agroindústria precisa ser na forma de cooperação do trabalho, o que muda a cultura e a cabeça das pessoas.
Estamos negociando com o governo há mais de três anos. E somente foi possível uma brechinha, por que encontramos servidores no Incra e no BNDES que tiverem visão política e sensibilidade social. Nesse primeiro passo esperamos implementar pelo menos três projetos de agroindústrias por estado. Mas ainda é muito pouco. Espero que nos próximos anos se formate um programa mais leve, menos burocrático, mais rápido. Poderia envolver também a Caixa, que é um banco público e tem maior capilaridade por todo território nacional.
Então, vemos esse lançamento do programa como um primeiro passo, para depois avançar para universalizar o seu acesso a todas as áreas de reforma agrária e pequenos agricultores.
A agroindústria é uma necessidade para a geração de renda, fixação das pessoas no campo, com qualidade de vida. Ninguém sai da pobreza produzindo matéria-prima para as empresas do agronegocio e transnacionais ganharem dinheiro, como acontece agora.
247 - E a questão da mecanização agrícola?
STEDILE - É outra área fundamental para o progresso e o desenvolvimento sustentável. O atual padrão de mecanização da produção agrícola é todo dominado pelas empresas multinacionais e pelo padrão da economia americana, que produz grandes máquinas para grandes áreas buscarem escala econômica e lucro máximo.
Com isso, agridem o meio ambiente e desequilibram a biodiversidade, para ficar com no mínimo 20% de toda a renda agrícola. O estudo de custo de produção da CONAB de todos os produtos agrícolas no Brasil aponta que a indústria de maquinas fica com 20% da renda e outros 20% vão para os fabricantes de venenos. Então, mesmo os fazendeiros são ignorantes e não enxergam que 40% de toda a sua renda está sendo transferida para o capital estrangeiro.
A alternativa é o governo criar uma empresa pública de pesquisa, ciência e tecnologia para novas máquinas agrícolas voltadas para o pequeno agricultor. Seria uma Embrapa das máquinas. E aí os pesquisadores criam os protótipos, para lavração, capina, colheita, beneficiamento, na pequena unidade de produção e a indústria brasileira passaria a multiplicar. Com isso, reduzimos o sacrifício das pessoas e aumentamos a produtividade do trabalho na lavoura.
Espero que a Presidenta tenha visão estratégica sobre a importância de implementar um programa assim.
247 - Qual é o atual estágio do histórico processo de violência no campo? A Justiça está mais eficaz? Os conflitos estão aumentando, se reduzindo ou permanecem nos altos patamares de sempre?
STEDILE - Na medida em que a sociedade brasileira vai se democratizando e as forças sociais melhoram sua capacidade organização, a truculência dos latifundiários diminui. Por isso, o padrão de violência, de trabalho de escravo, perseguições e assassinatos, tem diminuído. Embora sempre aqui e acolá se repetem vergonhosamente.
Nos últimos dois meses, perdemos dois líderes locais, que se dedicavam inclusive à agroecologia, o companheiro Mamede em Belém e o companheiro Cícero em Campos, no Rio. Assassinados, no caso, pelo conluio entre o poder econômico, ávido pela especulação imobiliária.
Há ainda uma impunidade impressionante no Poder Judiciário, que continua como fiel escudeiro dos interesses da burguesia; defendem em primeiro lugar a propriedade de bens materiais e, depois, a vida das pessoas. Dos mais de 1600 casos de assassinatos no campo, depois da redemocratização, apenas 80 deles chegaram a júri popular.
Nesse sentido, nossa avaliação é que agora a repressão aos movimentos sociais não é mais pela truculência física. Agora a maior repressão é feita ideologicamente e de forma preventiva. Os autores são o Poder Judiciário, que nos discrimina em todas as questões, e pela imprensa burguesa. A grande mídia faz uma campanha permanente contra os sem-terra, povos indígenas, sem-teto, quilombolas e contra todos os que fazem luta social. Constroem uma visão distorcida e discriminadora para a população que só vê TV, contra os que lutam.
247 - Hoje, qual é o ser balanço de resultados da ação do MST? Quantos já são os assentados, quantos ainda precisam de terra? Quanto se está produzindo nos assentamentos, quantos assentamentos ainda não conseguem produzir?
STEDILE - Apesar da paralisação das desapropriações nos últimos dois anos do governo Dilma -que se não se recuperar, vai colocá-la entre os piores governos nesse quesito, comparado apenas aos governos militares- o balanço histórico é positivo.
Nesses quase trinta anos de redemocratização, mais de 800 mil famílias conquistaram terra, trabalho, escola, moradia digna, alimentação sadia e dignidade. Caso contrário, estariam nas periferias das cidades, enfrentando um inferno.
Por mais que muitas dessas famílias ainda continuem pobres, tem dignidade, tem trabalho e podem educar seus filhos com cidadania.
Nossa linha para o desenvolvimento dos assentamentos prioriza a produção de alimentos e requer uma mudança no modelo tecnológico, com a adoção da agroecologia.
Temos a compreensão de que é processo lento, que depende da consciência das famílias, do trabalho do MST, das políticas públicas e do apoio das entidades da sociedade.
Uma verdadeira reforma agrária, casada com um projeto de desenvolvimento nacional, viabilizará assentar mais de 4 milhões de famílias, que hoje trabalham no campo e recebem os piores salários da sociedade, porque não tem terra. Muitos vivem como assalariados, posseiros, arrendatários e outros estão nas periferias das pequenas e médias cidades, com trabalhos temporários na agricultura.
Há dezenas de teses e pesquisas que comprovam que todas as famílias depois de assentadas, por mais dificuldades que ainda enfrentem, vivem bem melhor do que antes. E, sobretudo, conquistam a dignidade, que não aparece em estatística nenhuma.
247 - O MST se sente, até aqui, um movimento vitorioso?
STEDILE - A sobrevivência do MST nesses trinta anos já é uma vitória. Em outros períodos da história política brasileira, os latifundiários e a classe dominante sempre conseguiram destruir todas as formas de organização dos pobres do campo. Ainda estamos longe dos nossos sonhos. Estamos numa etapa de resistência e acúmulo de experiência. E o futuro nos pertence!
O latifúndio, a grande propriedade, a produção em monocultura, os agrotóxicos, a expulsão dos camponeses e a agressão ao meio ambiente, que a burguesia faz no campo buscando apenas o lucro, é o atraso. É o passado.
O futuro, é uma sociedade mais justa, igualitária, produzindo alimentos para todos, sadios, sem venenos, em equilíbrio com o meio ambiente, gerando vida digna para todas as pessoas.Esse é o nosso projeto, que será vitorioso!
*********
PROGRAMA DA AGROINDÚSTRIA
O programa é uma demanda antiga dos movimentos do campo, que pretendem avançar na organização dos assentamentos em cooperativas e industrializar a produção, para agregar valor e gerar renda aos trabalhadores rurais. Depois de mais de um ano de pressão, o governo lança o programa.
A estrutura da agroindústria atenderá diretamente 4 mil famílias assentadas e pequenos produtores de Arapongas, Apucarana, Londrina e Maringá, abrangendo um raio de 150 quilômetros.
Serão beneficiados diariamente 90 mil litros de leite. Essa produção será transformada em derivados de leite, como queijo mussarela, ricota, requeijão, leite pasteurizado, bebida láctea, iogurte, manteiga e doce de leite.
Os produtos serão vendidos com a marca Campo Vivo, na rede de comercialização das cooperativas da Reforma Agrária, juntamente com outros produtos, como lácteos, chás, erva mate, arroz, compotas, café, entre outros, que já são beneficiados por cooperativas do MST.
Atualmente o MST no Paraná possui 18 cooperativas que formam a Rede de Cooperativas da Reforma Agrária do estado, que s formam a Cooperativa Central de Reforma Agrária do Paraná (CCA), tendo como objetivo melhorar as condições do trabalho no campo, com geração de renda as famílias assentadas, garantindo e oferecendo alimentos de qualidade a sociedade.
História
A Copran é uma cooperativa de assentados da Reforma Agrária, fundada em 1997 no município de Tamarana, no Norte do Paraná. Atualmente, a sede fica em Arapongas, o Assentamento Dorcelina Folador, abrange 10 municípios. A cooperativa tem como expressão maior o fortalecimento da Agricultura Camponesa, por meio do esforço coletivo em um processo de cooperação de seus associados.
A cooperativa dispõe aos seus cooperados a difusão de tecnologia de produção por meio de um Centro de Formação e Produção, desenvolvendo atividades como bovinocultura de leite, produção de hortaliças (horta mandala), unidade de produção e maturação de bananas. As técnicas a serem difundidas aplica-se a realidade das famílias.
Os cooperados estão organizados em linhas de produção e, seus produtos, são beneficiados, industrializados e entregue para programas institucionais (PAA e PNAE), e mercado convencional que é o caso das frutas, verduras, leite, iogurte, bebida láctea e queijos.
A cooperativa tem um laticínio moderno, onde produz uma variedade de derivados do leite, com a capacidade diária de 90 mil litros de leite. Além da estruturação da cadeia produtiva do leite em um raio de 150 km a partir de sua sede.
Assentamento
Localizado na região norte do Paraná, no município de Arapongas, o assentamento Dorcelina Folador com área total de 756 hectares, possui 93 famílias assentadas, perfazendo um total médio de 600 pessoas entre jovens, crianças e adultos, sendo esta a maior comunidade rural do município.
O município de Arapongas possui uma população média de 100 mil habitantes, sendo destes apenas 5% estão nas áreas rurais, e tem como carro forte a indústria moveleira que atende a todo o Brasil.
No inicio a organização da área era feita através dos núcleos de 10 familias que se reuniam a cada 15 dias nas casas, a família recebia todo o núcleo onde preparava café, chimarrão, bolo e mandioca frita, enquanto confraternizavam traçavam planos para o futuro do assentamento.
Após 11 anos, o assentamento mantém a organização dos núcleos de famílias e trabalha na perspectiva dos setores, enfatizando a questão de gênero no setor produtivo. As casas estão construídas em linha de vila rural sendo que cada lote possui 2,5 alqueires ou seja 06 hectares por família. Com uma produção diversificada de alimentos, como: café, leite, vassoura, mandioca, milho, entre vários alimentos produzidos pelas famílias.
Os Sem Terra ocuparam em 1999 a antiga fazenda São Carlos. Na época, os proprietários sofriam um processo que previa o confisco em leilão pelo Banco do Brasil, em troca de uma dívida de quase treze milhões de reais. Assim, o MST organizou as famílias acampadas na região e decidiu participar do leilão, oferecendo e ocupando a áreas inicialmente com 20 famílias que foram prontamente despejadas pela polícia. O banco confiscou a fazenda, que passou a pertencer à União e ficou passível de reforma agrária.
247 - A presidenta Dilma Rousseff visita nesta segunda-feira 4 o assentamento do MST Dorcelina Folador, no município de Arapongas, a 30 km de Londrina, para o lançamento do Programa Nacional de Agroindústrias na Reforma Agrária. Será inaugurada, por volta das 14h00, a agroindústria da Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa (Copran). A expectativa é que aproximadamente 6 mil pessoas estejam presentes.
A presidente está acompanhada da ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e do governador do Paraná Beto Richa, além de prefeitos, deputados e vereadores do estado. O dirigente nacional do MST João Pedro Stedile participa do ato como representante de movimento.
A presidenta Dilma irá almoçar com os integrantes do assentamento, com cardápio de alimentos produzidos pelas famílias locais. Depois, faz a inauguração da agroindústria. Em seguida, ela visita a feira dos produtos da Reforma Agrária. Por fim, haverá um ato político com a equipe ministerial.
Ao 247, o líder do MST concedeu a seguinte entrevista exclusiva a respeito do atual estágio de relações entre o MST e o governo:
247 - Com o programa da agroindústria para os assentamentos, o diálogo entre o MST e o governo pode ser destravado?
JOÃO PEDRO STEDILE - Sempre tivemos diálogo com o governo. Com todos os governos, inclusive. A questão é que estamos diante de um governo de composição de forças políticas e sociais, em que as forças do capital e do agronegocio têm muito poder nos aparatos do Estado brasileiro. E isso dificulta que esse tipo de governo tenha uma proposta clara de Reforma Agrária, que é um programa de Estado para democratizar a propriedade da terra. É um programa para o desenvolvimento da indústria nacional e de distribuição de renda. Na atual correlação de forças, não está na agenda política nem um projeto de desenvolvimento nacional nem de reformas estruturas. Não só a reforma agrária que está travada, mas também a reforma tributária, a reforma política, a reforma educacional. Não avança nem a pauta da redução da jornada para 40 horas.
247 - Os números sobre desapropriações no atual governo são os mais tímidos dos últimos 20 anos. Ainda há condições para a atual a presidente Dilma fazer mais e melhor? Como?
STEDILE - Temos apresentado ao governo uma pauta com a necessidade social de emergência, que é resolver o problema dos acampados. Há mais de 80 mil famílias do MST que estão acampadas debaixo de lona preta, algumas desde o inicio do governo Lula. É preciso fazer desapropriações de latifúndios improdutivos, como manda a Constituição, para assentar as famílias nessas condições. Há mais de 120 milhões de hectares improdutivos no cadastro do Incra. Então, basta cumprir a Lei, e enfrentar os interesses políticos dos latifundiários presentes em todas as esferas.
O governo precisa priorizar o assentamento dessas famílias nos projetos de irrigação no nordeste. O governo diz que terá 200 mil hectares irrigados. Ora, só ali se poderia colocar 100 mil famílias.
Há também o tema do limite que o Brasil precisa colocar na compra de terras por estrangeiros. O governo precisa dar um sinal claro nesse sentido.
Por exemplo, o Sr. Dantas comprou em apenas três anos mais de 600 mil hectares de terras em diversas fazendas no sul do Pará, com recursos de fundos de investimentos dos americanos. Com isso, é claro que vai se agravar os conflitos pela terra no sul do Pará. O governo precisa interferir e sinalizar, que não vai tolerar a concentração da propriedade da terra por capitais especulativos estrangeiros.
247 - Quais são as metas mais importantes a serem cumpridas no setor de reforma agrária, pelo governo, este ano, segundo o ponto de vista do MST?
STEDILE - Resolvido o problema emergencial das famílias acampadas, que é um problema social - diante de um governo de composição que impossibilita uma reforma agrária estrutural combinada com um projeto de desenvolvimento nacional - precisamos então desenvolver políticas públicas, que consigam favorecer a produção de alimentos, sadios, e a agricultura familiar. Assim, desenvolver um novo modelo agrícola de produção, que gere emprego e renda para os trabalhadores.
O agronegocio como modelo de produção é concentrador da terra e da produção. Produz só na base do monocultivo, desequilibrando o meio ambiente, e só produz com muito veneno.
Nós queremos e apresentamos ao governo propostas de programas que incentivem a produção de alimentos saídos para o mercado interno e sem uso de agrotóxicos.
Programas que garantam a compra da produção dos agricultores familiares. Programas que levem a instalar pequenas agroindústrias em todos os municípios e povoados do interior, como forma de beneficiamento dos alimentos, geração de empregos para a juventude.
Assim vamos fixar a população no meio rural, distribuindo renda e melhorando a vida da população do meio rural. Não apenas de meia dúzia, como faz o agronegocio, que dá lucro para apenas 1% da população do meio
rural.
247 - O sr, tem criticado os técnicos do governo. É possível superar a barreira de burocracia? O entendimento está melhor hoje ou pior do que antes?
STEDILE - Há uma burocracia instalada no Estado brasileiro, que é um aparelho organizado apenas para beneficiar os ricos, a burguesia. Então, pela lógica normal de funcionamento dele, todos os programas que se destinam aos pobres, aos trabalhadores, esbarram nessa burocracia, que é de classe.
Por isso, há programas bons que acordamos com o centro de governo e depois não chegam aos trabalhadores. Por exemplo: em abril de 2011, a Presidenta deu a ideia e determinou que para resolver o passivo das 180 mil casas que faltam nos assentamentos, a maneira mais barata e rápida seria enquadrá-los no programa "Minha casa, minha vida", da Caixa.
Nós achamos muito interessante. Era uma ótima alternativa. Até hoje, passados dois anos, não saiu ainda a portaria, que é uma página de ofício A4, que qualquer funcionário poderia digitar e o ministro das cidades assinar, para que a CAIXA possa implementar. Então, o resultado é que 180 mil famílias tem terra, mas continuam morando em barracos.
Na área do crédito rural, da mesma forma. Já provamos: o PRONAF só atende os pequenos agricultores remediados. Por isso, não consegue ultrapassar o patamar dos 25% do total de pequenos. Entre os assentados, 8% deles tiveram acesso. Com isso, precisamos planejar outro formato de crédito rural para os camponeses mais pobres. Poderia ser vinculado à compra antecipada da CONAB, que seria mais prático e vinculado à produção.
Outro exemplo é a comercialização dos alimentos. Durante o governo Lula tivemos duas conquistas importantíssimas. Uma foi garantir que 30% de toda merenda escolar em todo país fosse abastecida por produtos da agricultura familiar do próprio município. A outro foi o programa de compra de alimentos pela CONAB, que depois destina a entidades ou serviços públicos, o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).
Esses programas são ótimos e necessários. Mas esbarram na falta de recursos (só porque é para pequeno..) e na burocracia, falta de servidores e má vontade dos gestores na ponta.
Resultado: de um universo de 4 milhões de pequenos agricultores que poderiam se beneficiar, com a lei existente, menos de 300 mil tem acesso.
Então, a Presidenta vai ter que mexer nos métodos administrativos e na vontade política do segundo escalão.
247 - Qual a importância do Programa da Agroindústria?
STEDILE -O programa de agroindústria para os assentamentos é fundamental. É a principal forma que temos de instalar pequenas e médias unidades industriais no interior, dentro dos assentamentos. Viabiliza agregar valor aos produtos, aumentando a renda dos assentados, e gerar empregos fora da lavoura, que exigem conhecimento especializado e assim absorvem a juventude do campo.
Com isso, gera novas relações sociais, pois uma unidade de agroindústria precisa ser na forma de cooperação do trabalho, o que muda a cultura e a cabeça das pessoas.
Estamos negociando com o governo há mais de três anos. E somente foi possível uma brechinha, por que encontramos servidores no Incra e no BNDES que tiverem visão política e sensibilidade social. Nesse primeiro passo esperamos implementar pelo menos três projetos de agroindústrias por estado. Mas ainda é muito pouco. Espero que nos próximos anos se formate um programa mais leve, menos burocrático, mais rápido. Poderia envolver também a Caixa, que é um banco público e tem maior capilaridade por todo território nacional.
Então, vemos esse lançamento do programa como um primeiro passo, para depois avançar para universalizar o seu acesso a todas as áreas de reforma agrária e pequenos agricultores.
A agroindústria é uma necessidade para a geração de renda, fixação das pessoas no campo, com qualidade de vida. Ninguém sai da pobreza produzindo matéria-prima para as empresas do agronegocio e transnacionais ganharem dinheiro, como acontece agora.
247 - E a questão da mecanização agrícola?
STEDILE - É outra área fundamental para o progresso e o desenvolvimento sustentável. O atual padrão de mecanização da produção agrícola é todo dominado pelas empresas multinacionais e pelo padrão da economia americana, que produz grandes máquinas para grandes áreas buscarem escala econômica e lucro máximo.
Com isso, agridem o meio ambiente e desequilibram a biodiversidade, para ficar com no mínimo 20% de toda a renda agrícola. O estudo de custo de produção da CONAB de todos os produtos agrícolas no Brasil aponta que a indústria de maquinas fica com 20% da renda e outros 20% vão para os fabricantes de venenos. Então, mesmo os fazendeiros são ignorantes e não enxergam que 40% de toda a sua renda está sendo transferida para o capital estrangeiro.
A alternativa é o governo criar uma empresa pública de pesquisa, ciência e tecnologia para novas máquinas agrícolas voltadas para o pequeno agricultor. Seria uma Embrapa das máquinas. E aí os pesquisadores criam os protótipos, para lavração, capina, colheita, beneficiamento, na pequena unidade de produção e a indústria brasileira passaria a multiplicar. Com isso, reduzimos o sacrifício das pessoas e aumentamos a produtividade do trabalho na lavoura.
Espero que a Presidenta tenha visão estratégica sobre a importância de implementar um programa assim.
247 - Qual é o atual estágio do histórico processo de violência no campo? A Justiça está mais eficaz? Os conflitos estão aumentando, se reduzindo ou permanecem nos altos patamares de sempre?
STEDILE - Na medida em que a sociedade brasileira vai se democratizando e as forças sociais melhoram sua capacidade organização, a truculência dos latifundiários diminui. Por isso, o padrão de violência, de trabalho de escravo, perseguições e assassinatos, tem diminuído. Embora sempre aqui e acolá se repetem vergonhosamente.
Nos últimos dois meses, perdemos dois líderes locais, que se dedicavam inclusive à agroecologia, o companheiro Mamede em Belém e o companheiro Cícero em Campos, no Rio. Assassinados, no caso, pelo conluio entre o poder econômico, ávido pela especulação imobiliária.
Há ainda uma impunidade impressionante no Poder Judiciário, que continua como fiel escudeiro dos interesses da burguesia; defendem em primeiro lugar a propriedade de bens materiais e, depois, a vida das pessoas. Dos mais de 1600 casos de assassinatos no campo, depois da redemocratização, apenas 80 deles chegaram a júri popular.
Nesse sentido, nossa avaliação é que agora a repressão aos movimentos sociais não é mais pela truculência física. Agora a maior repressão é feita ideologicamente e de forma preventiva. Os autores são o Poder Judiciário, que nos discrimina em todas as questões, e pela imprensa burguesa. A grande mídia faz uma campanha permanente contra os sem-terra, povos indígenas, sem-teto, quilombolas e contra todos os que fazem luta social. Constroem uma visão distorcida e discriminadora para a população que só vê TV, contra os que lutam.
247 - Hoje, qual é o ser balanço de resultados da ação do MST? Quantos já são os assentados, quantos ainda precisam de terra? Quanto se está produzindo nos assentamentos, quantos assentamentos ainda não conseguem produzir?
STEDILE - Apesar da paralisação das desapropriações nos últimos dois anos do governo Dilma -que se não se recuperar, vai colocá-la entre os piores governos nesse quesito, comparado apenas aos governos militares- o balanço histórico é positivo.
Nesses quase trinta anos de redemocratização, mais de 800 mil famílias conquistaram terra, trabalho, escola, moradia digna, alimentação sadia e dignidade. Caso contrário, estariam nas periferias das cidades, enfrentando um inferno.
Por mais que muitas dessas famílias ainda continuem pobres, tem dignidade, tem trabalho e podem educar seus filhos com cidadania.
Nossa linha para o desenvolvimento dos assentamentos prioriza a produção de alimentos e requer uma mudança no modelo tecnológico, com a adoção da agroecologia.
Temos a compreensão de que é processo lento, que depende da consciência das famílias, do trabalho do MST, das políticas públicas e do apoio das entidades da sociedade.
Uma verdadeira reforma agrária, casada com um projeto de desenvolvimento nacional, viabilizará assentar mais de 4 milhões de famílias, que hoje trabalham no campo e recebem os piores salários da sociedade, porque não tem terra. Muitos vivem como assalariados, posseiros, arrendatários e outros estão nas periferias das pequenas e médias cidades, com trabalhos temporários na agricultura.
Há dezenas de teses e pesquisas que comprovam que todas as famílias depois de assentadas, por mais dificuldades que ainda enfrentem, vivem bem melhor do que antes. E, sobretudo, conquistam a dignidade, que não aparece em estatística nenhuma.
247 - O MST se sente, até aqui, um movimento vitorioso?
STEDILE - A sobrevivência do MST nesses trinta anos já é uma vitória. Em outros períodos da história política brasileira, os latifundiários e a classe dominante sempre conseguiram destruir todas as formas de organização dos pobres do campo. Ainda estamos longe dos nossos sonhos. Estamos numa etapa de resistência e acúmulo de experiência. E o futuro nos pertence!
O latifúndio, a grande propriedade, a produção em monocultura, os agrotóxicos, a expulsão dos camponeses e a agressão ao meio ambiente, que a burguesia faz no campo buscando apenas o lucro, é o atraso. É o passado.
O futuro, é uma sociedade mais justa, igualitária, produzindo alimentos para todos, sadios, sem venenos, em equilíbrio com o meio ambiente, gerando vida digna para todas as pessoas.Esse é o nosso projeto, que será vitorioso!
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PROGRAMA DA AGROINDÚSTRIA
O programa é uma demanda antiga dos movimentos do campo, que pretendem avançar na organização dos assentamentos em cooperativas e industrializar a produção, para agregar valor e gerar renda aos trabalhadores rurais. Depois de mais de um ano de pressão, o governo lança o programa.
A estrutura da agroindústria atenderá diretamente 4 mil famílias assentadas e pequenos produtores de Arapongas, Apucarana, Londrina e Maringá, abrangendo um raio de 150 quilômetros.
Serão beneficiados diariamente 90 mil litros de leite. Essa produção será transformada em derivados de leite, como queijo mussarela, ricota, requeijão, leite pasteurizado, bebida láctea, iogurte, manteiga e doce de leite.
Os produtos serão vendidos com a marca Campo Vivo, na rede de comercialização das cooperativas da Reforma Agrária, juntamente com outros produtos, como lácteos, chás, erva mate, arroz, compotas, café, entre outros, que já são beneficiados por cooperativas do MST.
Atualmente o MST no Paraná possui 18 cooperativas que formam a Rede de Cooperativas da Reforma Agrária do estado, que s formam a Cooperativa Central de Reforma Agrária do Paraná (CCA), tendo como objetivo melhorar as condições do trabalho no campo, com geração de renda as famílias assentadas, garantindo e oferecendo alimentos de qualidade a sociedade.
História
A Copran é uma cooperativa de assentados da Reforma Agrária, fundada em 1997 no município de Tamarana, no Norte do Paraná. Atualmente, a sede fica em Arapongas, o Assentamento Dorcelina Folador, abrange 10 municípios. A cooperativa tem como expressão maior o fortalecimento da Agricultura Camponesa, por meio do esforço coletivo em um processo de cooperação de seus associados.
A cooperativa dispõe aos seus cooperados a difusão de tecnologia de produção por meio de um Centro de Formação e Produção, desenvolvendo atividades como bovinocultura de leite, produção de hortaliças (horta mandala), unidade de produção e maturação de bananas. As técnicas a serem difundidas aplica-se a realidade das famílias.
Os cooperados estão organizados em linhas de produção e, seus produtos, são beneficiados, industrializados e entregue para programas institucionais (PAA e PNAE), e mercado convencional que é o caso das frutas, verduras, leite, iogurte, bebida láctea e queijos.
A cooperativa tem um laticínio moderno, onde produz uma variedade de derivados do leite, com a capacidade diária de 90 mil litros de leite. Além da estruturação da cadeia produtiva do leite em um raio de 150 km a partir de sua sede.
Assentamento
Localizado na região norte do Paraná, no município de Arapongas, o assentamento Dorcelina Folador com área total de 756 hectares, possui 93 famílias assentadas, perfazendo um total médio de 600 pessoas entre jovens, crianças e adultos, sendo esta a maior comunidade rural do município.
O município de Arapongas possui uma população média de 100 mil habitantes, sendo destes apenas 5% estão nas áreas rurais, e tem como carro forte a indústria moveleira que atende a todo o Brasil.
No inicio a organização da área era feita através dos núcleos de 10 familias que se reuniam a cada 15 dias nas casas, a família recebia todo o núcleo onde preparava café, chimarrão, bolo e mandioca frita, enquanto confraternizavam traçavam planos para o futuro do assentamento.
Após 11 anos, o assentamento mantém a organização dos núcleos de famílias e trabalha na perspectiva dos setores, enfatizando a questão de gênero no setor produtivo. As casas estão construídas em linha de vila rural sendo que cada lote possui 2,5 alqueires ou seja 06 hectares por família. Com uma produção diversificada de alimentos, como: café, leite, vassoura, mandioca, milho, entre vários alimentos produzidos pelas famílias.
Os Sem Terra ocuparam em 1999 a antiga fazenda São Carlos. Na época, os proprietários sofriam um processo que previa o confisco em leilão pelo Banco do Brasil, em troca de uma dívida de quase treze milhões de reais. Assim, o MST organizou as famílias acampadas na região e decidiu participar do leilão, oferecendo e ocupando a áreas inicialmente com 20 famílias que foram prontamente despejadas pela polícia. O banco confiscou a fazenda, que passou a pertencer à União e ficou passível de reforma agrária.
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