http://www.oecoamazonia.com/br/reportagens/brasil/301-o-mapa-de-mato-grosso-amarelou
O mapa de Mato Grosso amarelou
Andreia Fanzeres
31 de Agosto de 2011
Uma comissão formada por autoridades do governo de Mato Grosso foi à Brasília na última terça, 30 de agosto, apresentar ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a representantes de outros 14 ministérios a proposta de Zoneamento Socioeconômico e Ecológico (ZSEE) do estado. A lei, sancionada em abril pelo governador Silval Barbosa, contém equívocos técnicos e jurídicos, elimina terras indígenas, reduz áreas voltadas à conservação e proteção dos recursos hídricos e praticamente dobra as regiões destinadas à agricultura e à pecuária. Isso evidencia que, se um dia o estado já esteve comprometido com uma gestão ambiental responsável, isso já ficou no passado.
As falhas da proposta e os prejuízos socioambientais da lei de zoneamento foram discutidos pela sociedade mato-grossense em maio, durante um seminário em Cuiabá que contou com a presença de indígenas, movimentos sociais, pesquisadores, parlamentares e procuradores. O governo de Mato Grosso se recusou a comparecer ao evento que demonstrou, entre diversos pontos, a clara conexão da proposta com o enfraquecimento do Código Florestal Brasileiro.
“Pelo ‘novo’ Código, os zoneamentos estaduais não terão mais que ser avalizados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Outro ponto de consonância é a lógica de consolidação do máximo de ocupações possível”, apontou André Lima, do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM). O ex-secretário de meio ambiente de Mato Grosso,Alexander Maia, reconheceu publicamente que os recentes megadesmatamentos no estado têm relação com o ‘novo’ Código Florestal e com a lei do zoneamento. No final de agosto, ele entregou o cargo alegando pressão política.
Um depende do outro
Segundo o IPAM, o zoneamento de Mato Grosso representa um acréscimo de mais de 50 mil km2 de áreas com licença para desmatar, se comparado à situação atual. Em toneladas de gás carbônico equivalente, isso significa mais três bilhões, o que atinge os compromissos internacionais de redução de emissões firmados pelo Brasil.
Já o ‘novo’ Código deixa propositalmente em aberto a elaboração de leis (federais, estaduais ou municipais), capazes de autorizar a supressão de áreas de preservação permanente (APPs) em casos de utilidade pública. “Os artigos 38 e 58 indicam que novos desmatamentos terão facilidade para regularização e o embargo às áreas devastadas não será mais obrigatório. A pena de recuperar a vegetação em 30 anos – e apenas 50% da área desmatada, mesmo assim com espécies exóticas ou através de compensação em outro estado – passa uma sensação de impunidade. É impossível afirmar que o ‘novo’ Código trará uma melhor governança ambiental”, explica Lima, do IPAM. “Isso mostra que o desmatamento compensa economicamente”.
A permissão para recuperar reservas legais em 50% e não 80% na Amazônia, contido no ZSEE de Mato Grosso, antecipa uma mudança prevista no ‘novo’ código, assim como a medida que exime a necessidade de recomposição florestal em propriedades de até quatro módulos fiscais. Isso, pelos cálculos do IPAM, equivale a uma área de 30 a 48 milhões de hectares no país. “É absurda a permissividade quanto ao plantio de cana de açúcar na Bacia do Alto Paraguai e na Amazônia. A proposta só exclui áreas alagadas, onde é impossível cultivar qualquer coisa. Também impede a criação de unidades de conservação em áreas com potencial de exploração hídrico e mineral”, diz Bruno Siqueira Abe Saber Miguel, analista ambiental do MMA.
Diversos povos indígenas disseram desconhecer a lei do zoneamento. De acordo com a promotora Márcia Zollinger, do Ministério Público Federal (MPF), há terras indígenas listadas nas diretrizes da lei, mas que não estão no mapa. Este é o caso de 13 áreas que somam cerca de dois milhões de hectares. Outras, por sua vez, estão representadas no mapa como hachuras, no rol das convenções cartográficas, como rios, estradas e cidades. “Sob essas áreas no mapa o que vale é a categoria de uso do solo e não o status de proteção da terra indígena. Isso induz ao conflito fundiário porque desorienta. E é uma violação à legislação federal. Está patente a inconstitucionalidade desta lei”, afirmou Zollinger.
Desempenho fraco na gestão ambiental
Foto: Gustavo Nascimento/ ICV
Segundo análises do Instituto Centro de Vida (ICV), apesar de o estado ter reduzido o desmatamento em 90% em relação ao período 2001-2005, ainda é totalmente incapaz de controlá-lo. “94% do desmatamento em Mato Grosso é ilegal. Queimadas e degradação florestal se mantêm com índices muito altos”, lembra o coordenador executivo do ICV, Laurent Micol. O despreparo do estado para lidar com o desmate ilegal é revelado, entre outros fatores, pelo baixo número de adesões ao sistema estadual para licenciar propriedades: 3% de incremento da área em relação a 2009. Até hoje, apenas o município de Querência deixou a lista dos maiores desmatadores da Amazônia no estado, ao registrar 80,51% de propriedades no seu Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Os estudos do ICV apontaram que o estado também disponibiliza uma quantidade insuficiente de informações sobre desmatamento, queimadas e exploração florestal. Além disso, a taxa de responsabilização continua dando condições para mais desmate: apenas 0.5% das multas aplicadas foram efetivamente pagas em Mato Grosso.
A Assembleia Legislativa do estado segue indiferente em relação a todas essas questões. Ao perceber as articulações de contestação do zoneamento, lançou uma nota de esclarecimento negando todas as críticas e uma vinheta televisiva passando a imagem de que o processo de consultas públicas para a elaboração da proposta foi democrático. O vereador de Cáceres, Alonso Batista (PT), que presenciou ameaças de violência física e verbal contra organizações socioambientais presentes a diversas audiências, questionou. “Os parlamentares chegaram a dizer que não podiam acatar a opinião dos movimentos sociais. Ninguém sabia o que tinha sido realmente votado. Isso é democrático?”.
Saiba mais: Nota de esclarecimento da Assembleia Legislativa de MT
Saiba mais: Principais problemas da lei do zoneamento de Mato Grosso, sistematizados pelo Instituto Centro de Vida (ICV)
Uma comissão formada por autoridades do governo de Mato Grosso foi à Brasília na última terça, 30 de agosto, apresentar ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a representantes de outros 14 ministérios a proposta de Zoneamento Socioeconômico e Ecológico (ZSEE) do estado. A lei, sancionada em abril pelo governador Silval Barbosa, contém equívocos técnicos e jurídicos, elimina terras indígenas, reduz áreas voltadas à conservação e proteção dos recursos hídricos e praticamente dobra as regiões destinadas à agricultura e à pecuária. Isso evidencia que, se um dia o estado já esteve comprometido com uma gestão ambiental responsável, isso já ficou no passado.
As falhas da proposta e os prejuízos socioambientais da lei de zoneamento foram discutidos pela sociedade mato-grossense em maio, durante um seminário em Cuiabá que contou com a presença de indígenas, movimentos sociais, pesquisadores, parlamentares e procuradores. O governo de Mato Grosso se recusou a comparecer ao evento que demonstrou, entre diversos pontos, a clara conexão da proposta com o enfraquecimento do Código Florestal Brasileiro.
“Pelo ‘novo’ Código, os zoneamentos estaduais não terão mais que ser avalizados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Outro ponto de consonância é a lógica de consolidação do máximo de ocupações possível”, apontou André Lima, do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM). O ex-secretário de meio ambiente de Mato Grosso,Alexander Maia, reconheceu publicamente que os recentes megadesmatamentos no estado têm relação com o ‘novo’ Código Florestal e com a lei do zoneamento. No final de agosto, ele entregou o cargo alegando pressão política.
Um depende do outro
Segundo o IPAM, o zoneamento de Mato Grosso representa um acréscimo de mais de 50 mil km2 de áreas com licença para desmatar, se comparado à situação atual. Em toneladas de gás carbônico equivalente, isso significa mais três bilhões, o que atinge os compromissos internacionais de redução de emissões firmados pelo Brasil.
Já o ‘novo’ Código deixa propositalmente em aberto a elaboração de leis (federais, estaduais ou municipais), capazes de autorizar a supressão de áreas de preservação permanente (APPs) em casos de utilidade pública. “Os artigos 38 e 58 indicam que novos desmatamentos terão facilidade para regularização e o embargo às áreas devastadas não será mais obrigatório. A pena de recuperar a vegetação em 30 anos – e apenas 50% da área desmatada, mesmo assim com espécies exóticas ou através de compensação em outro estado – passa uma sensação de impunidade. É impossível afirmar que o ‘novo’ Código trará uma melhor governança ambiental”, explica Lima, do IPAM. “Isso mostra que o desmatamento compensa economicamente”.
A permissão para recuperar reservas legais em 50% e não 80% na Amazônia, contido no ZSEE de Mato Grosso, antecipa uma mudança prevista no ‘novo’ código, assim como a medida que exime a necessidade de recomposição florestal em propriedades de até quatro módulos fiscais. Isso, pelos cálculos do IPAM, equivale a uma área de 30 a 48 milhões de hectares no país. “É absurda a permissividade quanto ao plantio de cana de açúcar na Bacia do Alto Paraguai e na Amazônia. A proposta só exclui áreas alagadas, onde é impossível cultivar qualquer coisa. Também impede a criação de unidades de conservação em áreas com potencial de exploração hídrico e mineral”, diz Bruno Siqueira Abe Saber Miguel, analista ambiental do MMA.
Diversos povos indígenas disseram desconhecer a lei do zoneamento. De acordo com a promotora Márcia Zollinger, do Ministério Público Federal (MPF), há terras indígenas listadas nas diretrizes da lei, mas que não estão no mapa. Este é o caso de 13 áreas que somam cerca de dois milhões de hectares. Outras, por sua vez, estão representadas no mapa como hachuras, no rol das convenções cartográficas, como rios, estradas e cidades. “Sob essas áreas no mapa o que vale é a categoria de uso do solo e não o status de proteção da terra indígena. Isso induz ao conflito fundiário porque desorienta. E é uma violação à legislação federal. Está patente a inconstitucionalidade desta lei”, afirmou Zollinger.
Desempenho fraco na gestão ambiental
Foto: Gustavo Nascimento/ ICV
Segundo análises do Instituto Centro de Vida (ICV), apesar de o estado ter reduzido o desmatamento em 90% em relação ao período 2001-2005, ainda é totalmente incapaz de controlá-lo. “94% do desmatamento em Mato Grosso é ilegal. Queimadas e degradação florestal se mantêm com índices muito altos”, lembra o coordenador executivo do ICV, Laurent Micol. O despreparo do estado para lidar com o desmate ilegal é revelado, entre outros fatores, pelo baixo número de adesões ao sistema estadual para licenciar propriedades: 3% de incremento da área em relação a 2009. Até hoje, apenas o município de Querência deixou a lista dos maiores desmatadores da Amazônia no estado, ao registrar 80,51% de propriedades no seu Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Os estudos do ICV apontaram que o estado também disponibiliza uma quantidade insuficiente de informações sobre desmatamento, queimadas e exploração florestal. Além disso, a taxa de responsabilização continua dando condições para mais desmate: apenas 0.5% das multas aplicadas foram efetivamente pagas em Mato Grosso.
A Assembleia Legislativa do estado segue indiferente em relação a todas essas questões. Ao perceber as articulações de contestação do zoneamento, lançou uma nota de esclarecimento negando todas as críticas e uma vinheta televisiva passando a imagem de que o processo de consultas públicas para a elaboração da proposta foi democrático. O vereador de Cáceres, Alonso Batista (PT), que presenciou ameaças de violência física e verbal contra organizações socioambientais presentes a diversas audiências, questionou. “Os parlamentares chegaram a dizer que não podiam acatar a opinião dos movimentos sociais. Ninguém sabia o que tinha sido realmente votado. Isso é democrático?”.
Saiba mais: Nota de esclarecimento da Assembleia Legislativa de MT
Saiba mais: Principais problemas da lei do zoneamento de Mato Grosso, sistematizados pelo Instituto Centro de Vida (ICV)