fonte: estadão
Estados não estão preparados para aplicar nova lei que diminui a pena de quem estuda na prisão
Bruno Lupion e Ricardo Chapola, do estadão.com.br
SÃO PAULO - Desde junho, os presos brasileiros têm direito a reduzir um dia da sua pena a cada três dias dedicados ao estudo. O objetivo é ajudar os detentos a conseguir emprego quando forem soltos e diminuir a reincidência, mas a medida corre risco de não sair do papel. Dos cerca de 500 mil presos no Brasil, apenas 8% estudam, segundo pesquisa inédita obtida pelo estadão.com.br. A demanda por ensino é muito maior - 64% dos presos não completaram o ensino fundamental - mas faltam recursos para levar as salas de aula para dentro dos presídios. Quem ganha com isso, segundo especialistas, é a escola do crime.
Divulgação/CDP
Dos cerca de 500 mil presos no Brasil, apenas 8% estudam, aponta pesquisa
A situação nos Estados é crítica. Em 12 deles, não há nenhum professor atuando dentro do sistema penitenciário, e em 21 a proporção de presos estudando é menor que 10%, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes, a partir de dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) de dezembro de 2010.
Mesmo nos Estados mais ricos, parece ser baixo o interesse em aplicar a Lei nº 12.433/11, que criou o benefício conhecido por remição pelo estudo. Em São Paulo, por exemplo, não há nenhum professor dando aulas aos presos - a docência é exercida por 50 'monitores' selecionados entre os próprios detentos, que lecionam para 15 mil dos 170 mil presos do Estado - menos de 9%. No Rio Grande do Sul, 5% dos presos estudam, e em Goiás e Minas Gerais, apenas 4%. A pior situação é no Pará, onde nenhum detento estuda, apesar de o Estado ter declarado ao Depen que cinco professores e dois pedagogos atuam no sistema prisional. Pernambuco é o Estado mais bem preparado, com 17% dos presos tendo aulas, seguido pelo Ceará, com 15%.
O baixo investimento na educação em presídios contribuiu para as altas taxas de reincidência, segundo especialistas. "O Estado precisa disputar contra o crime organizado o destino dos presos, pois muitos deles são novatos quando entram no sistema penitenciário", opina Fábio Sá e Silva, pesquisador do Ipea e ex-dirigente do Depen. "A pessoa está no presídio numa situação de ociosidade e, se ela tem a oportunidade de estudar, aumentam as chances de reinserção", diz. "Quem entra na prisão já é um desajustado social, e se lá dentro não recebe nenhum tipo de apoio, volta pra sociedade muito pior", diz o jurista Luiz Flávio Gomes.
A logística de levar salas de aula para dentro das prisões, porém, impõe desafios. De um lado, os professores não recebem preparo específico e temem por sua segurança física e, do outro, os agentes penitenciários desconfiam da presença dos professores em seu ambiente de trabalho. Para completar o quadro, muitas cadeias vivem superlotadas.
"A rivalidade entre agentes penitenciários e professores é o principal ponto de atrito na aplicação do ensino nos presídios", afirma o professor Roberto da Silva, 52 anos, líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação em Regimes de Privação da Liberdade da Faculdade de Educação da USP. Silva, ele mesmo um ex-presidiário que seguiu a carreira acadêmica, afirma que, vencidas as resistências iniciais, o professor se torna uma fonte de autoridade moral para os presos. "É o profissional mais respeitado na prisão, mais que o advogado e o psiquiatra", diz.
Ele critica, no entanto, o modelo criado pela Lei nº 12.433/2011, que autoriza a redução de um dia da pena a cada 12 horas de estudo, divididas em três dias. Para Silva, o 'prêmio' deveria ser vinculado ao cumprimento do ciclo escolar, e não à frequência em sala de aula. Como o benefício não é relacionado ao bom desempenho, ele acredita que os presos irão à sala de aula para cumprir uma mera formalidade. "A educação trabalha com cenários de médio e longo prazo. Do jeito que está, é pedir para o professor simplesmente legitimar a presença do preso, sem que haja o compromisso de ler, aprender e fazer as tarefas", diz.
Na prática, a lei já prevê que os dias a serem descontados da pena ganhem um bônus de um terço caso o detento conclua o ensino fundamental, médio ou o superior. O preso, no caso, é duplamente beneficiado. "É para deixar claro que a educação tem o objetivo de fazer a pessoa progredir", afirma Sá e Silva.
A medida não é unânime. Na Câmara dos Deputados, uma voz dissonante foi a do Delegado Waldir, do PSDB de Goiás, que votou contra a remição pelo estudo. "Quando o criminoso está nas ruas, ele não pensa em estudar. Pensa em matar, em roubar", afirma. "Temos milhares de pessoas nas ruas sem acesso ao estudo, desde a creche até o ensino superior, e o governo quer instalar escolas dentro dos presídios. Não é justo". Ele argumenta que os presos já têm benefícios demais - como livramento condicional e a liberdade provisória - e não há necessidade de criar outros.
Estados planejam ampliar número de salas de aula nas prisõesSÃO PAULO - O estadão.com.br perguntou aos Estados a situação da oferta de ensino nos presídios e confrontou suas respostas com os números do levantamento do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.
São Paulo. A Fundação "Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel" de Amparo ao Preso (Funap), responsável por auxiliar o governo do Estado a levar o ensino formal aos presídios de São Paulo, informou que o cenário deve melhorar nos próximos anos, com o aumento do número de presos que recebem educação no presídio. A diretora do órgão, Lúcia Casali de Oliveira, disse que os presos, muitas vezes, preferem o lazer e as visitas ao estudo, e atribuiu o baixo número de encarcerados que estudam ao pouco interesse dos presos. "O Estado não obriga nenhum detento a estudar", pontuou.
Amazonas. A Secretaria de Justiça do Amazonas informou que nove professores atuam no sistema prisional, contratados pela Secretaria da Educação. Ainda segundo a secretaria, outros 14 professores estão em processo seletivo para atuar no sistema prisional. O número ainda é baixo, segundo a secretaria, pois o governo tem "dificuldade para sensibilizar os profissionais a atuarem dentro do sistema penitenciário". O levantamento mostrou que sistema carcerário do Estado contava com apenas um professor.
Ceará. A Secretaria da Justiça do Ceará informou que existem atualmente 97 professores nas unidades penitenciárias cearenses. Eles são selecionados pela Secretaria da Educação do Estado, responsável pela educação nos presídios. Além disso, a secretaria disse que 118 professores estão matriculados em um curso de especialização para atuar dentro dos presídios e, em breve, começarão a lecionar nas prisões. Em dezembro de 2010, o Estado informou ao Depen que não tinha professores no setor penitenciário.
Minas Gerais. A Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais informou ter um orçamento de R$ 12,5 milhões para a construção de 80 escolas em prisões e mais R$ 2,5 milhões em salas de ensino a distância.
Mato Grosso do Sul. Segundo a Agência Estadual de Administração Penitenciária do Mato Grosso do Sul, o Estado conta com 69 professores contratados, distribuídos nas escolas dos presídios, mais sete coordenadores pedagógicos, seis servidores administrativos, uma diretora e uma diretora-adjunta. Segundo o levantamento, em dezembro de 2010 não havia professores atuando no setor penitenciário de Mato Grosso do Sul.
Paraíba. O secretário de Administração Penitenciária da Paraíba, Harrison Targino, disse que há aproximadamente 2000 presos estudando no Estado.
Pernambuco. O governo do Estado projeta a erradicação do analfabetismo nas prisões de Pernambuco em quatro anos e divulgou um orçamento de R$ 4 milhões para investir no setor. Segundo o gerente de Educação, Edinaldo Pereira, o corpo docente é constituído por professores concursados, terceirizados e também de monitores.
Rio Grande do Sul. A Secretaria de Segurança Pública do Estado informou que possui 167 professores atuando em 40 estabelecimentos prisionais. Desses, 95% são da alçada da Secretaria Estadual de Educação, e o restante, das Secretarias Municipais de Educação. Segundo a pesquisa, o setor penitenciário do Estado não tinha nenhum professor atuando no sistema penitenciário do Estado em dezembro de 2010.
Santa Catarina. Os 61 professores do sistema prisional do Estado são vinculados à Secretaria Estadual de Educação e ligados também ao Programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA). De acordo com a Secretaria de Justiça de Santa Catarina, os professores são servidores públicos ou Admitidos em Caráter Temporário (ACT's). Na pesquisa realizada pelo Instituto Luiz Flávio Gomes, o Estado não tinha nenhum professor atuando no setor penitenciário.
Sergipe. Além de alegar a existência de professores em todas as suas unidades prisionais, a Secretaria de Justiça de Sergipe atribui a dificuldade de ampliar o número de presos que estudam ao grande número de detentos em condição de prisão provisória - cerca de 70% da população carcerária. O levantamento mostrava que o setor penitenciário não contava com nenhum professor em dezembro de 2010.
Tocantins. A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Tocantins informou ter inaugurado neste ano os departamentos especificamente responsáveis pelo planejamento e aplicação de políticas para o setor penitenciário.
As secretarias competentes dos Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia e Roraima não se manifestaram.
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