Em 26 de agosto de 2011 17:52, Marco Aurélio escreveu:
Queridos colegas, no início deste mês impetrei um HC no TJMT,
objetivando sanar uma situação gravissima que está ocorrendo na cidade
de Sorriso/MT, porém para minha surpresa a decisão do desembargador
relator foi ainda mais assustadora.
O caso é o seguinte: Na comarca de Sorriso não há local adequado onde
as presas possam ficar. Assim, até o mês passado toda mulher detida
era encaminhada no dia seguinte para Cuiabá ou Sinop (situação essa
que também combati por meio de vários habeas corpus impetrados junto
ao TJMT).
Como o TJMT deferiu liminar em quase todos os casos, sob o fundamento
de que a presa provisória tem direito a ficar na comarca onde tramita
seu processo e também porque tem direito a ser mantida perto da
família, a juíza responsável pela vara criminal de Sorriso passou
então a mantê-las na comarca, porém determinou que elas fossem
segregadas na sede da delegacia de polícia civil local.
Pois bem, ao fazer uma visita ao local (cela da delegacia de polícia),
constatei que as presas (ao total 06) estavam sendo mantidas como
verdadeiros animais enjaulados, motivo pelo qual, tirei inumeras
fotografias e às anexei ao HC que impetrei para que o TJMT desse fim
ao constrangimento ilegal que estava sendo cometido.
O Habeas Corpus foi distribuído para a Segunda Camara Criminal do TJMT sob o numero 85.518/2011.
Acreditava eu que o Tribunal diante da gravidade dos fatos narrados no
HC, bem como pelas fotografias que foram à ele anexas, determinasse a
imediata soltura das assistidas. Porém no dia 24/08/2011, tive a
péssima noticia de saber que o HC havia sido negado e extinto por
decisão monocrática.
Colegas, os fundamentos utilizados pelo relator para não conceder a
ordem é algo que causa temor.
Faço questão de colar abaixo a decisão:
"Se nos depara habeas corpus, com clamor por liminar, impetrado pelo
Defensor Público Marco Aurélio Saquetti em favor de Edna Correia
Ferreira, Vandisnéia Miguel Pereira, Gonçalina Maria da Costa, Solange
Ribeiro de Lima, Kennia Dayana de Farias Leandro e Márcia dos Santos
Lima, submetidas, em tese, a constrangimento ilegal assacado à
autoridade judiciária da Quinta Vara da Comarca de Sorriso.
À guisa de supedâneo à veleidade deduzida, assevera que as pacientes,
enquanto presas provisoriamente na Cadeia Pública de Sorriso, estão
submetidas a condições subumanas, vez que o ambiente é insalubre, a
cela individual acondiciona 06 (seis) pessoas sem dispor de um
banheiro, obrigando-as a fazer as necessidades fisiológicas em uma
sacola plástica que posteriormente é arremessada pela pequena janela
ali existente, única fresta, aliás, por onde podem ver a luz do sol,
vez que, diante da pequena quantidade de agentes, estão sendo
impedidas de sair da cela até mesmo para tomarem banho, ao que
acrescenta da ausência de energia elétrica, a tornar insuportável não
só a temperatura no local ante a impossibilidade de se ligar ao menos
um ventilador, mas as noites de sono, quando as presas ficam
submetidas à total escuridão, situação que as tem torturado
psicologicamente, notadamente uma delas, que se encontra no terceiro
mês de gestação e sequer tem recebido acompanhamento médico pré-natal,
e arremata dizendo da ausência de colchões para todas as pacientes,
obrigando-as a deitarem-se diretamente no chão sujo e fétido.
Propugna, pois, por ordem de habeas corpus apta ao imediato
relaxamento da prisão em flagrante das pacientes, medida que almeja
ver roborada ao fim. Juntou documentos.
Às expressas, depara-se-nos conduta omissiva levada a termo não pela
autoridade judiciária da Quinta Vara da Comarca de Sorriso, mas pelo
Poder Executivo Estadual, visto que o constrangimento ilegal
experimentado pelas pacientes diz com a incompatibilidade das
condições da Cadeia Pública de Sorriso com a dignidade da pessoa
humana e os direitos fundamentais não só de qualquer cidadão, mas
também de todo aquele que se encontre cerceado em sua liberdade de ir
e vir.
Com efeito, embora se saiba da superpopulação carcerária e da
promiscuidade de presos provisórios mantidos em cadeias públicas e no
mesmo estabelecimento prisional que presos condenados, esta não é uma
realidade somente da Comarca de Sorriso, infelizmente.
Além do mais, a transferência de presos, em princípio, é atribuição
discricionária da Administração Pública, conforme reconheceu a Segunda
Turma do c. STF no RHC nº 61.463/RJ, Relator Ministro Francisco Rezek,
DJU 16.12.1983, “a transferência de presidiários se inscreve no âmbito
do poder discricionário da administração estadual”, e, sendo cediço
que o controle da atividade administrativa pelo Poder Judiciário se
circunscreve ao exame da legalidade e legitimidade, não podendo
manifestar-se sobre o mérito administrativo (oportunidade e
conveniência), é-lhe vedado, concessa venia, interferir na atividade
administrativa do Estado.
Em face da matéria versada no vertente habeas corpus e da louvável
preocupação do Defensor Público, ressalte-se, também, que não se
desconhece a lamentável situação carcerária existente, haja vista
tristes e trágicos acontecimentos noticiados pela imprensa a respeito
de pessoas recolhidas em cadeias públicas. As vozes da dignidade
humana repelem esta realidade fática e se deixam ecoar as garras da
tristeza, que voam nos horizontes, rasgando a finalidade da pena.
Pulula da prova pré-constituída que a assistência material não está
sendo plenamente prestada às pacientes, visivelmente lesadas no
direito de verem respeitadas as suas integridades físicas e morais,
mas ainda que tal não ecoasse às claras dos autos, não olvidamos que
os estabelecimentos prisionais não se conformam aos critérios legais,
encontrando-se superlotados por reclusos, sejam preventivos ou
condenados, sem a classificação recomendável.
Impossível alegar, frise-se, a falta de suporte
orçamentário-financeiro do Estado de Mato Grosso para a realização de
todas as medidas necessárias ao cumprimento integral dos artigos 1º,
3º e 40 da LEP porquanto as injunções estatais estão vencidas há muito
tempo, visto que a Lei de Execuções Penais brotou em 1984, já se
contando 27 (vinte e sete) anos de vigência, sem que, na prática, o
Estado de Mato Grosso realmente se empenhasse no cumprimento do
Diploma Federal, que estabeleceu prazos em relação ao seu cumprimento
(art. 203), nada obstante, o desrespeito à legislação federal se
consolidou no tempo e o transcurso do prazo se constituiu objeto de
mais um “esquecimento” por parte do Poder Público, que insiste em
olvidar diversos cidadãos em cadeias públicas e outras unidades
prisionais fiéis ao desrespeito aos direitos humanos e que mais se
assemelham a depósitos de pessoas.
Para agravar, veio ao mundo jurídico no último dia 04.07.2011 a Lei
n.º 12.403/2011, que prevê a separação obrigatória de presos
provisórios e condenados definitivamente, independentemente do local
do recolhimento [se delegacia ou penitenciária] e sem perder de vista
o respeito à integridade física e moral daqueles, além do
asseguramento de todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela
lei. Entrementes, tais disposições continuam a ser malferidas pelo
Estado de Mato Grosso, que, definitivamente, não manifesta nenhuma
intenção em regularizar os seus estabelecimentos prisionais.
Sucede que os efeitos deletérios de tal inércia, tais como aqueles
relatados pelo ilustre Defensor Público e materializados nas
fotografias que acompanham a prova pré-constituída, não comportam
débito na conta do Poder Judiciário, que tem se limitado ao seu papel
de cumprir a lei, recomendando ao ergástulo aqueles que preenchem os
requisitos para tanto. Ora, se as unidades prisionais não atendem às
condições mínimas de segurança, higiene e salubridade, sem ser
provocado, o Poder Judiciário nada pode fazer para mudar a situação.
A ação civil pública está aí ao alcance de todos os legitimados, assim
como ao Ministério Público é dado instar o Poder Executivo a assinar
termo de ajustamento de conduta para adequar os estabelecimentos
prisionais aos critérios mínimos de respeito aos direitos humanos,
porém, nada se verifica nesse sentido, assomando-se-nos, no mínimo,
pueril, atribuir à manutenção da prisão em flagrante das pacientes a
responsabilidade pelo tratamento desumano a que vem sendo submetidas,
como se o Código de Processo Penal pudesse ser expurgado do
ordenamento jurídico, de modo a não mais subsistir qualquer tipo de
prisão no Brasil, seja provisória ou definitiva, apenas porque o Poder
Executivo não assume a sua atribuição constitucional menos
“eleiçoureira”, permanecendo nessa letargia de forma propositada,
justamente porque transmite a falsa impressão aos desavisados [e ao
que se vê, aos não leigos também!], de que o caos no sistema prisional
brasileiro se deve ao mau uso que o Poder Judiciário faz do direito
penal, e não à sua indolência [do Poder Executivo]. Basta de
indigência moral!
Destarte, afigura-se-nos escolho invencível ao exame da questão posta
mercê da incompetência absoluta deste Juízo, a configurar carência de
pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do
processo.
Por conseguinte, damos por extinta a vertente relação
jurídico-processual, sem exame do mérito."
Bem colegas, não poderia deixar de compartilhar com voces a minha
imensa decepção diante de um decisão tão assustadora, pra não dizer
adjetivos mais graves e feios.
Acredito que o colega que atua perante a 2ª Camara Criminal do TJMT,
caso ache indicado e possivel, poderia tirar copia integral desse HC e
remetê-lo ao CNJ.
Por fim, desde ja deixo meus elogios ao colega Nelson que atua perante
a Comarca de Primavera do Leste, o qual escreveu um ótimo artigo sobre
o assunto (manutenção de presos em delegacias de polícia). Referido
artigo me ajudou muito na elaboração do respectivo Habeas Corpus.
abraço a todos.
Marco Aurélio Saquetti
Ótimo trabalho do Dr. Marco Aurélio. São profissionais comprometidos como ele que aos poucos plantam a semente da justiça. Infelizmente, não obteve uma resposta adequada, mas, nem por isso, seu esforço deve ser desvalorizado, pelo contrário, deve sim, despertar o bom senso da sociedade.
ResponderExcluirParabéns.