segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Neste domingo, o Brasil se chama São Paulo

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Política| 27/10/2012 | Copyleft 

Neste domingo, o Brasil se chama São Paulo

Em São Paulo e em Campinas, o eleitor foi apresentado a dois candidatos do PT que deram rosto a algo que faz sentido nas suas vidas. Assim não fosse, essas candidaturas não se sustentariam. Uma prova da fragilidade das imagens descarnadas é o desastre espetacular chamado Russomano, um pedagógico exemplo de que rosto e espetáculo não constituem nem ameaçam o poder. É porque o que eles representam faz sentido e está presente nas vidas dos eleitores que as suas candidaturas não apenas cresceram, como floresceram e apontam para uma inesperada e bem vinda renovação do PT, e justamente no estado de São Paulo, o reduto da hoje crepuscular oposição.

Prestem atenção, nem que por misericórdia, nestas afirmações: Lula é o grande derrotado das eleições de 2012; o grande vencedor é Eduardo Campos, ele foi até assunto na The Economist; o PT acabou: o julgamento do mensalão pôs um fim à hegemonia que saqueou o estado brasileiro e mergulhou a sociedade num pesadelo de corrupção; você vai querer me dizer que o PT é inocente? Ora veja, para condenar alguém, numa acusação de quadrilha, não se precisa de prova direta e, vale dizer, boato e fofoca têm a mesma eficácia de prova direta. Quantos anos de cadeia para esses corruptos? 40, 15, muito pouco. Vejam, Dilma não pode ser confundida com Lula: o seu governo é medíocre e a sua possibilidade de acumular votos ou apoio não pode depender de um partido que está praticamente derrotado e será destruído, com o julgamento do mensalão. Agora, Aécio entrou de vez na campanha municipal deste ano; Aécio, não um poste qualquer, uma pessoa que nada tem a ver com o jogo, um neófito, esse Márcio Pochmann, por exemplo.

Nenhuma dessas coisas foi inventada por mim. Todas foram ditas, com mais ou menos literalidade, pelos colunistas políticos que se dedicam, segundo falam, a noticiar e comentar os principais “fatos” políticos. A relação semântica entre o que é dito acima e a realidade político-eleitoral que se encerra amanhã, no Brasil, é de pane total. Uma perspectiva ingênua, crente no sonho de Montesquieu da tripartição dos poderes do estado, poderia argumentar que a independência do judiciário em relação ao andar das coisas no executivo e no legislativo do país explicaria a aparente falta de relação entre esse julgamento e o atual processo eleitoral. Mas se tem uma coisa que ninguém que pretenda respeitar o esclarecimento pode reivindicar, a título de qualquer tentativa de defesa, a estas alturas, é a ingenuidade.

A inocência é o pior dos defeitos que se pode cultivar na luta pelo esclarecimento. Se tem algo de irredutível na experiência de dois mandatos e meio do PT na presidência da república é isso. A Política, como se sabe, habita e contamina o reino que se situa entre a inocência perdida e a delinquência negada. Não é requerido e é mesmo indevido que se espere que monopólios ou veículos de comunicação que emprestam carros a sessões de tortura digam a verdade ou tenham respeito pela realidade. Monopólio e tortura são propriedades da delinquência. Tampouco é requerido e menos ainda devido que se abrace a delinquência em nome de uma amadurecida não-inocência inventada em contraposição a uma igualmente inventada propriedade angelical que teria estado presente em algum momento do passado do PT ou da esquerda. Quer dizer, não é a Rede Globo e a Folha de São Paulo que devem ser exigidos e denunciados como delinquentes, enquanto se louva o obscurantismo inventado para combater uma inocência jamais havida. É com isso em mente que faz sentido dizer que é o governo federal, na terceira gestão de um projeto político, o grande vencedor com a sigla partidária do PT, nestas eleições.

E é em São Paulo e em Campinas que essa tese ganha força. É em duas candidaturas oriundas não do PT como partido político, mas das experiências Lula e Dilma, que se torna irredutível o tamanho da vitória que se avizinha. Demorou, mas o Brasil chegou em São Paulo e, neste domingo, as duas maiores cidades do estado de São Paulo e uma das maiores cidades do mundo se aproximam de uma eleição nacional. Amanhã, o nome do Brasil é São Paulo. E não é justo nem verdadeiro dizer que Lula é o grande vencedor destas duas irredutíveis vitórias políticas, a serem eleitoralmente confirmadas, neste domingo.

Fernando Haddad e Márcio Pochmann podem se tornar prefeitos não porque Lula os escolheu e os pôs lá, como fossem bonecos ou “postes”. Esses dois doutores, oriundos da universidade pública brasileira, são de uma geração política que se tornou dirigente nos governos petistas de Marta (caso de Pochmann) e de Lula.

Haddad se tornou conhecido porque foi um bom ministro da Educação. Pochmann, porque transformou o IPEA e porque, em momento algum, parou de pensar o tamanho dos problemas do país que acompanham ou interpelam os seus avanços. Haddad é o gestor responsável pela mudança na universidade brasileira e na relação desta com a cidadania. Será preciso décadas ainda para que o impacto das cotas, da ampliação dos campi e do número de vagas nas universidades públicas e do PROUNI seja analisado com o tamanho e a força civilizatória devidos. Por ora, o que há são dados preliminares e uma mudança de paisagem e de produtividade no ensino e na pesquisa universitária, que poderiam estar melhor, com servidores e professores mais bem remunerados, mas que, de fato, saiu da treva em que o tucanato os tinha afundado.

Pochmann se tornou conhecido por sua atividade intelectual e como pesquisador, sobretudo a partir da presidência bem sucedida no IPEA. E isso, por si só, torna a sua candidatura extraordinária; é como se a República de Platão fosse, de uma maneira a um só tempo promissora e historicizada, instanciada numa candidatura que abraça o líder popular e a atual presidenta e defende como programa de governo “uma cidade do conhecimento”.

Sim, é preciso uma certa misericórdia para escutar ou ler ou assistir à turma que comunica e desinforma a respeito desses fatos. O que a candidatura de Haddad e a de Pochmann representam não é o PT, apenas, não é a esquerda, enquanto tal; eles representam uma experiência de governo: as suas campanhas são campanhas que se estruturam com programas referidos e reivindicados num governo, numa experiência governamental. Lula e Dilma são cabos eleitorais porque eles, os candidatos, trabalharam junto, num governo, isso mesmo, num governo.

Nada nesse processo é trivial e menos ainda comum. Nunca aconteceu algo assim, dessa dimensão, em tão longevo período de estabilidade democrática, dentro das regras do jogo, portanto.

Em São Paulo e em Campinas, o eleitor foi apresentado a dois candidatos do PT que deram rosto a algo que faz sentido nas suas vidas. Assim não fosse, essas candidaturas não se sustentariam. Uma prova da fragilidade das imagens descarnadas é o desastre espetacular chamado Russomano, um pedagógico exemplo de que rosto e espetáculo não constituem nem ameaçam o poder. É porque o que eles representam faz sentido e está presente nas vidas dos eleitores que as suas candidaturas não apenas cresceram, como floresceram e apontam, hoje, para uma inesperada e bem vinda renovação do PT, e justamente no estado de São Paulo, o reduto da hoje crepuscular oposição.

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