domingo, 28 de outubro de 2012

O ESTADO É CULPADO: OS GUARANI KAIOWA E A LUTA ECOSSOCIALISTA

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O ESTADO É CULPADO: OS GUARANI KAIOWA E A LUTA ECOSSOCIALISTA


gk



Opressão do Império à República
O território tradicional dos Guarani-Kaiowá situava-se entre a Serra de Maracajú, o Rio Apa, Rio Paraná e a fronteira com o Paraguai antes do processo traumático de colonização. A primeira investida contra seus territórios foi em 1770 na construção do Forte Iguatemi, a margem esquerda do rio.  A segunda investida foi a Companhia Matte Laranjeira, que trouxe grande impacto e mudou de forma irreversível o seu teko arandu – modo sábio de viver.
A intensificação de usurpação de direitos dos povos indígenas foi acentuada de forma drástica em 1943 com o Território Federal de Ponta Porã e a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), que fazia parte do projeto político genocida chamado de Marcha para o Oeste, no Governo de Getúlio Vargas. Diferente da Companhia Matte Larangeira a CAND contesta a posse de terra dos índios.
Em 1970 a chegada da produção de monoculturas de soja e o avanço do gado bovino, com forte estímulo governamental, no sul do Mato Grosso – atual de Mato Grosso do Sul – acelerou o processo de utilização de mão-de-obra indígena, ampliando assim, os impactos do confinamento nos pequenos pedaços de terra. O desgastante trabalho exige que o homem passe um longo período longe de seu núcleo familiar em condições de trabalho escravo. A impossibilidade de mobilidade espacial – peculiar da cultura Guarani-Kaiowá – provocada pelo confinamento, agrava os conflitos internos nas aldeias.
A violência interna nas aldeias tem relação direta com pequena parcela de terra que hoje são ocupadas pelos indígenas, gerando assim, falta de condições mínimas de sobrevivência e organização social nas comunidades. Nas aldeias/reservadas de Dourados (Jaguapirú e Bororó), que tem 3.600 hectares para 14 mil pessoas. São 145 assassinatos para cada 100 mil habitantes, número maior que o Iraque (falar do Iraque), que tem 93 assassinatos para cada 100 mil habitantes.
Existe um alto índice de homicídios, 495% maior que a média nacional que é de 24,5 homicídios para cada 100 mil habitantes. Por falta de perspectiva de vida e a constante opressão de 2003 a 2010, suicidaram-se 183 índios, na maioria jovens, enquanto no mesmo período no Brasil, suicidaram-se 30 indígenas. Os casos de suicídios entre os Guarani-Kaiowá veio a tona na década de 90 no Brasil, como um dos mais casos graves de violações de Direitos Humanos do Brasil.
O trabalho no corte de cana-de-açúcar, e a proximidade dos centros urbanos demandaram novas necessidades materiais. Inseriram os índios em uma lógica de aquisição de bens que não são próprios de sua cultura, mas, da forma capitalista de pensar e agir. Os impactos da proximidade e exploração dos karaí – como os Guarani referem-se aos não índios – é irreversível, pois, interfere na aldeia em todos os ambitos da vida cotidiana e social.

Governo Dilma, repressão do Estado e o neodesenvolvimentismo
Por esse resgate histórico, fica clara a culpa do Estado brasileiro em implementar políticas que são contrárias aos direitos dos povos indígenas, com uma perspectiva integrá-los na sociedade não indígena. O Estado brasileiro fez uma brutal e forçada remoção de milhares de famílias de suas terras tradicionais para as “Reservas do SPI” e emitiu títulos de propriedades para terceiros em cima das terras dos índios, visando à colonização.
São 30 acampamentos indígenas nas margens das rodovias de Mato Grosso do Sul. No período de 1980 até os dias de hoje, os Guarani-Kaiowá retomaram 11 parcelas de suas terras, em um total de aproximadamente 22 mil hectares. A população indígena que é a segunda maior do Brasil, com 73 mil indígenas, não ocupa nem 0,5% do território do estado. São 40 mil Guarani-Kaiowá que sofrem a pior violação dos Direitos Humanos do país.
A necessidade de demarcação é antiga, com a promulgação da Constituição Federal de 1998 foi estabelecido um prazo de cinco anos para que fosse feita as demarcações de terras. Todas as terras indígenas do Brasil já deveriam ser demarcadas e empossadas. Até o final de 2009 tramitavam 143 processos judiciais que envolviam disputas de terras e demarcação em áreas indígenas.
A não demarcação e medidas como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 acirram ainda mais o conflito. Nos últimos oito anos 254 índios foram assassinados em Mato Grosso do Sul. Esse número é maior que a soma de todos os outros assassinatos de indígenas no país no mesmo período, que chega a 202 assassinatos. O que nós presenciamos é um verdadeiro genocídio dos Guarani-Kaiowá.
A PEC 215 é chamada pelos indígenas de “PESTE” 215, pois ela é um atentado aos direitos históricos fundamentais adquiridos pelos indígenas no Brasil depois de muita luta. O projeto já foi aprovado em março pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara Federal. A proposta é que na mudança da Constituição se tire a competência do Executivo de homologação e demarcação das terras indígenas e também ratificar as terras já homologadas para as mãos do Legislativo, ou seja, na casa da bancada ruralista.  Deixa de ser, nesse caso, um ato administrativo para ser um ato político.
Os direitos previstos no artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e ADCT não são negociáveis, são clausulas pétreas conquistadas depois de intensas mobilizações. Essa medida só vai gerar mais conflito e mais instabilidade entre os povos. Nessa mesma época, a presidenta Dilma Rousseff e o governador do estado de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli fizeram um acordo de flexibilização de terras para estrangeiros investirem em celulose e etanol. Não se demarca terra, não se julga os assassinatos dos indígenas, não se garante direito mínimo, mas se vende a terra para estrangeiros.
O grande boom das usinas que produzem etanol começou em 2007 após acordo histórico firmado entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente dos Estados Unidos da América, Geroge W Bush. Já são 22 usinas instaladas nesse período e a mão-de-obra indígena continua sendo usada como nos séculos anteriores. São 10 mil trabalhadores que tentam sobrevir no exaustivo corte de cana, cada trabalhador corta 12 toneladas de cana por dia, afirma-se que a exaustão sofrida decorrente desse tipo de trabalho é similar as piores condições dos negros na escravidão. Em uma única operação no ano passado foram libertados de trabalho escravo 287 indígenas.
O governo federal, além de omisso sobre todas essas questões, há pouco tempo atrás decidiu que as decisões da FUNAI sobre possíveis demarcações de terras para os indígenas devem passar pelo Ministério de Minas e Energia. Isso quer dizer que a garantia de condições mínima de vida dos indígenas está subordinada ao projeto neodesenvolvimentista do governo Dilma e do PT. Sabemos que a aliança deste partido com o PMDB é estratégica no estado do MS, pois o desgaste ao defender uma política nada “democrático popular” no estado, com extrema repressão e total desrespeito aos direitos humanos, é menor quando feita por um partido tradicionalmente conservador, ao contrário do partido de Lula, um conservador com tradição de luta.
Por fim, cabe ressaltar a ligação da tragédia dos índios sul-mato-grossenses com a estratégia ecossocialista. Graças ao projeto de desenvolvimento da presidência do país, que necessita da ampliação da produção de etanol, exploração mais intensa da mão de obra, índios morrem e os estragos ambientais na região são justificados. O combate ao capital é essencial para a preservação dos recursos naturais na região, às condições e o modo de vida dos Guarani-Kaiowá (e outras tribos) e a mudança de um projeto de desenvolvimento, para uma proposta de “bem-viver”. Para isso, é preciso lutar com os indígenas, não apenas ser solidário. E é necessária uma crítica a qualquer proposta de desenvolvimento nacional que recupere, mesmo que criticamente, o paradigma produtivista do capitalismo. Não é possível combater o capitalismo apenas combatendo seus protagonistas, mas mudando o papel de seus subordinados.

Rafael de Abreu é diretor de Direitos Humanos da UNE

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