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Aumentar o PIB ou o bem viver?
Carlos Bittencourt
do Observatório do Pré-sal
do Observatório do Pré-sal
No dia 12 de julho, a presidente Dilma fez uma importante declaração que deve ser lida e escutada em toda a sua profundidade: “Uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz para suas crianças e para seus adolescentes. Não é o Produto Interno Bruto.” Essa declaração tem o objetivo de acalmar os ânimos dos eleitores diante da crise que se avizinha ou aponta uma reorientação estratégica do governo para enfrentar esse próximo ciclo econômico que tende a ser mais recessivo que o anterior?
Nos últimos 10 anos, o Brasil passou por uma reformulação da aposta estratégica do período anterior. Por aqui também sopraram os ventos que varreram o domínio do neoliberalismo mais empedernido de toda a América Latina, ou de quase toda. O estado brasileiro reforçou seu papel como indutor do desenvolvimento capitalista, visando a um reposicionamento do Brasil, inclusive no cenário das potências globais. Fortaleceu, portanto, um processo acelerado de concentração de capitais e investimentos em alguns setores da economia, mais especificamente algumas majors como a Petrobras, a Vale e a JBS Friboi, todas fortemente relacionadas ao setor primário. Ao mesmo tempo, constituiu as bases de infraestrutura logística – de transporte e energia, por exemplo – para facilitar, reduzindo os custos e acelerando a rotação, a reprodução e o movimento desses capitais no território brasileiro. Vale destacar também o fortalecimento da orientação dessa produção para os portos do país, indicando uma regressão primário-exportadora que não tem diminuído com os incentivos ao setor da indústria de transformação.
O que se verifica, sem a necessidade de uma análise muito aprofundada, é que o modelo atual de desenvolvimento brasileiro é profundamente “crescimentista”, ou seja, voltado principalmente para o crescimento do PIB, o equilíbrio da Balança Comercial e de Pagamentos e o pagamento de juros e amortização da dívida. Esses são traços fundamentais do que se tem chamado neodesenvolvimentismo.
Um dos esteios desse modelo é o que alguns pensadores latinoamericanos, como Alberto Acosta, chamam de neoextrativismo. A produção de petróleo e minerais passa a se destacar nesse cenário. Embora a participação da indústria extrativa mineral no PIB tenha crescido 156% nos últimos 10 anos, o Plano Nacional de Mineração 2030 (PNM 2030), aprovado no ano passado pelo governo, aponta como meta mais do que a duplicação da produção mineral brasileira. “A produção para alguns minerais e produtos de base mineral, com base em 2008, para ao consumo interno e também as exportações, deverá crescer de três a cinco vezes (até 2030)”, segundo o PNM 2030 (esse aumento representa, além do reforço à tendência de reprimarização, uma catástrofe do ponto de vista social e ambiental, pois submeterá milhares de comunidades à dinâmica altamente destrutiva e impactante da mineração).
Se há, de fato, um interesse sério do governo em privilegiar a melhoria socioambiental do país frente ao crescimento econômico, são necessárias medidas concretas e imediatas de reorientação de rumo. O PNM 2030, por exemplo, prevê investimentos para o setor da mineração da ordem de 150 bilhões de dólares até 2022. A realização de investimentos dessa monta cria uma orientação de futuro, quase um destino, para a estratégia de desenvolvimento. Por dois motivos basicamente: porque a materialização desses recursos no território implica um profundo remodelamento social, cultural, ambiental e porque o tempo para que investimentos desse calibre se tornem lucro é longo e, por isso, costumam perpetuar-se até a exaustão das minas.
A expansão da indústria mineral está umbilicalmente associada à lógica do crescimento do PIB e do equilíbrio da Balança Comercial e de Pagamentos. Sem o saldo da mineração na balança comercial brasileira, nos últimos anos, o Brasil seria deficitário. Ao mesmo tempo, essa expansão gera infortúnios para a vida de milhares de crianças e adolescentes atingidos pela mineração, são inúmeros os casos de trabalho infantil e escravo nas guseiras que beneficiam o minério de ferro. Há estudos que indicam o aumento da prostituição, inclusive infantil, em muitas áreas por onde se expande a mineração. Apesar dos grandes ganhos de capital que gera e da sua importante participação para o crescimento do PIB, a mineração emprega pouquíssimos trabalhadores e, ao invés de deixar benefícios para os locais onde se instala, deixa prejuízos sociais e ambientais.
Se o que disse a presidenta Dilma Roussef, mais do que proselitismo, representa uma reorientação estratégica, é fundamental e urgente construir as bases para essa reorientação. A lógica que substituirá o crescimento e a expansão do PIB como objetivo principal buscará a distribuição e a quebra dos mecanismos de concentração. Em segundo lugar, deve-se buscar diversificar a economia para impedir a sua “monotonização” em poucos setores. Para isso, ao mesmo tempo em que se deve investir fortemente em educação, pesquisa e tecnologia para constituir uma produção com mais capacidade intelectual e técnica agregada, deve-se valorizar a pequena produção, os setores extrativos tradicionais e artesanais e uma produção agropecuária fundada na pequena propriedade. Dessa maneira, é possível impedir a escassez e redistribuir a produção, a terra e a riqueza, garantindo, certamente, mais felicidade para a maioria das crianças, adolescentes e cidadãos do Brasil, do campo e da cidade.
Já há um forte debate nacional e internacional que, mesmo de forma incipiente, aponta nesse sentido. A criação de indicadores como o FIB (Felicidade Interna Bruta), de mecanismos de avaliação do acesso à cidadania como o projeto do Ibase Indicadores de Cidadania (Incid), todo o debate que vem se fazendo em torno do decrescimento e, mais recentemente na América Latina, a defesa de uma estratégia pós-extrativista, são pistas desse novo caminho a trilhar. Em um país com o tamanho do Brasil, com a sua diversidade ambiental, cultural, climática e social, é possível criar as bases para um desenvolvimento alternativo, voltado para quem vive no país e não para quem vive dele. Fica o desafio: que a felicidade e o bem viver das nossas crianças e adolescentes seja a medida da grandeza do país, e não o PIB.
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