sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Aplicativo de celular ‘lê’ mundo para deficientes visuais com ajuda de voluntários

bbc
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/01/150129_app_deficientes_lab


Aplicativo de celular ‘lê’ mundo para deficientes visuais com ajuda de voluntários

  • 29 janeiro 2015
Credito: BBC
App gratuito teve 99 mil inscrições de voluntários na primeira semana
Uma lata de sopa se parece muito com uma lata de feijão. Se você sacudí-los, eles fazem o mesmo som. Então, se você é cego e não quer jantar sopa hoje à noite, pense na possibilidade de baixar um novo aplicativo de smartphone que conecta você via vídeo, ao vivo, a um voluntário com visão normal que pode lhe dizer qual é qual.
Hans Jorgen Wiberg é o inventor do Be My Eyes, um aplicativo gratuito desenvolvido em Copenhague. Ele diz que a ideia original era que as pessoas cegas utilizassem o app principalmente em casa, onde há muitas coisas que precisam ser vistas e uma boa conexão por wi-fi.
Mas Wiberg disse à BBC que os usuários estão usando o aplicativo em outras situações também: "As pessoas usam quando eles vão a algum lugar de ônibus e, ao sair, não encontram a entrada do prédio. Usam o Be My Eyes para vencer esses últimos 20 metros", explica.
"A resposta tem sido esmagadora", diz Wiberg - que também é deficiente visual. "Lançamos o app há 12 dias e já temos 99 mil colaboradores em todo o mundo. Há tantas pessoas legais no mundo", diz. Um número muito menor, 8.000 pessoas cegas, se inscreveram em busca de ajuda.
Kevin Satizabal, de Londres, registrou uma demonstração do serviço que postou na internet. Ele bate o botão de conexão e nós ouvimos música durante a espera por um voluntário. A música para e aparece uma voluntária com um sotaque americano. Satizabal pergunta se ela está ouvindo e ela diz que pode ouvi-lo bem.
"Você poderia identificar esta embalagem?", diz ele. "Estou apontando a câmera para ele, não sei se você pode vê-lo."
A voluntária arregala os olhos para ver e responde. "É algo de Páscoa... morango sabor marshmallow." Depois de um rápido "obrigado" e "de nada", a ligação termina.

Experiência

Credito: BBC
Voluntários leem rótulos para ajudar deficientes
Smartphones, juntamente com um cão ou uma bengala, tornaram-se uma parte importante do kit de ferramentas de uma pessoa cega. As comunidades online de fãs de tecnologia cegos trazem informações sobre quais modelos têm o software com leitor de tela por fala, por exemplo.
Mas esta é a primeira experiência com ajuda por vídeo ao vivo.
Quando abrimos o Be My Eyes pela primeira vez, ele pergunta: "Qual é o seu papel?" O usuário pode então escolher: "Sou cego" ou "Não sou cego".
Se o usuário é cego, ele começa a configurar o app E é informado sobre o que esperar: "Os ajudantes são voluntários e não podemos garantir a qualidade da sua ajuda ou assumir responsabilidade por suas ações. Além disso, como contamos com pessoas de verdade para ajudá-los, te aconselhamos a ser paciente. Quando você solicita ajuda, você não pode, em nenhuma circunstância, compartilhar qualquer conteúdo de nudez, ilegal, de ódio ou de conotação sexual através do serviço."
Mas uma conexão de vídeo com uma pessoa aleatória é totalmente segura se você não enxerga?
Alguns argumentaram que as pessoas cegas já tem que abordar estranhos na rua se precisam de informações, e que fazer isso pela internet é, sem dúvida, um risco físico menor. Mas Wiberg aponta outras preocupações óbvias de segurança que devem ser consideradas o usar o app. "Você nunca deve mostrar o seu cartão de crédito para algum desconhecido", diz ele. "Você tem que usar sua família ou amigos para esse tipo de coisa."
Se o usuário sofrer qualquer abuso ele pode denunciar o voluntário. Wiberg diz que o app não dá nenhuma informação sobre a localização do usuário ou do ajudante.

Fotos

Já existem outros serviços que descrevem as fotos para as pessoas cegas. A imagem pode ser enviada com uma pergunta em anexo.
Muitas vezes, o voluntário responde com outras perguntas: "Você pode rodar a foto em 180 graus e enviar outra foto, por favor, porque eu não posso ver a frente", por exemplo. Por vídeo e conexão de áudio, porém, alguém pode pedir ao usuário para "girar um pouco mais ... um pouco mais ..." até que um rótulo de texto seja visível. É um método mais imediato do que à espera de uma resposta de uma foto que pode ter sido, sem querer, tirada em um ângulo inútil.
Outro ponto positivo deste novo app, para os usuários, é o fato de que é gratuito. O aplicativo TapTapSee cobra pela ajuda recebida - 50 fotos custam US$ 4,99.
Então, quanto tempo leva para receber ajuda após pressionar o botão de vídeo do Be my Eyes? "Quando você recebe 99 mil inscrições em uma semana, isso gera alguns problemas de servidor", diz Wiberg, "mas quando a situação se acalmar um pouco você deve ser capaz de conseguir ajuda em um minuto."
O projeto atualmente recebeu US$ 300 mil para o desenvolvimento, e mais desenvolvimento pode ser necessário, já que, atualmente, só funciona no iPhone, da Apple. Wiberg diz que eles tentarão mantê-lo como um serviço gratuito.

Por todo o Brasil, manifestações marcam Semana de Combate ao Trabalho Escravo

bdf
http://www.brasildefato.com.br/node/31178

Por todo o Brasil, manifestações marcam Semana de Combate ao Trabalho Escravo

Agência Brasil
Marco na luta contra o trabalho escravo no país, Chacina de Unaí (MG) completa 11 anos sem que mandantes sejam julgados
28/01/2015

Da Redação

O Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait) realizou, nesta quarta-feira (28), um ato na frente do Supremo Tribunal federal (STF), em Brasília (DF), para relembrar os 11 anos da Chacina de Unaí e o início das manifestações da Semana Contra o Trabalho Escravo no país.

No dia 28 de janeiro de 2004, os Auditores-Fiscais do Trabalho Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e o motorista do Ministério do Trabalho e Emprego, Ailton Pereira de Oliveira, foram brutalmente assassinados durante uma fiscalização rural em fazendas no interior de Minas Gerais, onde havia indícios de prática de trabalho escravo.

Dos oito envolvidos no crime, três estão presos em Minas Gerais desde 2013. Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda foram condenados por homicídio triplamente qualificados e formação de quadrilha.

O processo, contudo, está novamente parado após o pedido de vista do ministro Dias Toffoli, do STF, nos habeas corpus pedidos por Norberto Mânica, acusado de ser mandante do crime, e por José Alberto de Castro acusado de ser o intermediário. 
Os réus pedem a transferência do julgamento de Belo Horizonte para a Vara Federal criada em Unaí, local onde residem e têm influência econômica e política. Antério Mânica, um dos acusado de ser o mandante, já foi prefeito da cidade por duas vezes pelo PSDB.
Durante o Ato Público, o Sinait cobrou que o julgamento de todos aconteça de forma neutra e imparcial. A manifestação também alertou para a ocorrência do trabalho escravo nas zonas rural e urbana e para a necessidade de reforçar políticas públicas para erradicá-lo.
Protestos pelo Brasil
A Comissão Pastoral de Terra (CPT) também está organizando diversos eventos para alertar sobre a importância do combate ao trabalho escravo no Brasil. Nesta quarta-feira (28) foi apresentado em São Paulo o relatório sobre tráfico de pessoas e trabalho escravo no estado, elaborado pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, em parceria com os dois Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) no estado e com o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região.

Também nesta quarta ocorreram eventos em Nova Olinda no Tocantins; Marabá (PA) e em Salvador (BA). Em Imperatriz, no Maranhão, um dos estados com maior número de registros de trabalho escravo, teve início nesta segunda-feira (27) e vai até sexta-feira (30) a primeira oficina estadual de multiplicadores no combate à prática. 
Na cidade de Araçuaí, no nordeste de Minas Gerais, a CPT apoiará a 30º Missão do Imigrante até o próximo sábado (31). O evento tem o intuito de fortalecer a cultura dos imigrantes. 
Na sexta feira (30) a CPT se reunirá com o governador do Mato Grosso Pedro Taques (PDT) que pretende anunciar a retomada das atividades da Comissão Estadual de Erradicação de Trabalho Escravo do Mato Grosso (Coetrae).

Mulheres continuam sendo condenadas e presas por sofrerem abortos espontâneos

adital
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=83858


Mulheres continuam sendo condenadas e presas por sofrerem abortos espontâneos

Benedito Teixeira
Adital
O desprezo pela condição de cidadã e de sujeito de diretos das mulheres é tamanho que, em alguns países latino-americanos e caribenhos, até mesmo o aborto espontâneo é criminalizado e resulta em punições severas. Ou seja, é negado à mulher o direito de atender às exigências do próprio organismo, quando este, por algum motivo, não consegue dar prosseguimento a uma gravidez. A constatação é de Rosângela Talib, da coordenação das Católicas pelo Direito de Decidir (CDD) no Brasil, movimento que partindo do ponto de vista teológico feminista luta pelo direito das mulheres de decidirem sobre a sua saúde reprodutiva, incluindo a descriminalização e legalização total do aborto, mas principalmente no caso de risco de vida para a mulher, gravidez por violência sexual e gestação de anencéfalos. 
ccd
Católicas pelo Direito de Decidir lutam pelos direitos reprodutivos e sexuais femininos à luz do catolicismo.


Parece mesmo irreal que uma mulher possa ser punida, inclusive condenada a prisão, por uma interrupção involuntária da gravidez. "É o extremo da culpabilização da sexualidade feminina”, assinala Rosângela, para quem a igreja, em especial as cristãs como a católica, e os valores culturais continuam influenciando de maneira decisiva o imaginário social e as rígidas leis antiaborto na região latino-americana, quando, na verdade, o aborto deveria ser encarado como um problema de saúde pública. 
A punição de mulheres que sofrem abortos espontâneos ainda é uma realidade em países latino-americanos. É o caso, por exemplo, de El Salvador, onde não importa se o aborto é espontâneo, ou a vida da mulher corre riscos ou se foi fruto de violência sexual. Lá, interromper uma gravidez, seja qual for o motivo, é crime e quem arrisca abortar pode ser condenada a dezenas de anos de cadeia. Isso também pode acontecer no Chile, Honduras, Nicarágua e República Dominicana. 
Na maioria dos países, como o Brasil, a depender do caso, a interrupção da gravidez é permitida em caso de ser espontânea, de risco de vida para a mãe, gestação de anencéfalo e estupro, mas somente até a 20ª semana de gravidez. Aborto voluntário continua sendo crime. Rosângela aponta que, no Brasil, são poucos os casos, mas mulheres continuam sendo condenadas por abortarem voluntariamente. Apenas Cuba, o Distrito Federal mexicano e, mais recentemente, o Uruguai já legalizaram o aborto na América Latina e Caribe. 
Em El Salvador, María Teresa Rivera, foi sentenciada a 40 anos por homicídio doloso em 2012. Ela não sabia que estava grávida até que um dia, na fábrica de tecidos onde trabalhava, sentiu uma necessidade urgente de ir ao banheiro. Algum tempo depois, foi encontrada por sua sogra, caída no chão e sangrando. Ela, que nem sabia que estava grávida, sofreu um aborto espontâneo. E por este "crime” foi condenada. María Teresa tem um filho de cinco anos. Quando ela sair da prisão, seu filho já será um adulto. 
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Ativistas salvadorenhas lutam pela libertação de mulheres presas por abortarem espontaneamente.

Já Guadalupe Vásquez tinha apenas 18 anos e trabalhava como empregada doméstica quando ficou grávida e teve um aborto espontâneo. Ela dormia na casa dos patrões, em um quarto pequeno, que nem sequer tinha luz elétrica. Foi nesse quarto onde teve as complicações obstétricas e um parto precoce. Em estado de choque e com um sangramento severo, foi levada ao hospital. Lá, Guadalupe foi acusada pelo pessoal médico por aborto e, durante o julgamento, foi modificada a tipificação do delito a homicídio qualificado, sendo condenada a 30 anos de prisão. 
Mesmo entidades que atuam pela não legalização do aborto como o Movimento em Favor da Vida (Movida), no Brasil, condenam a criminalização do aborto no caso de ser espontâneo. "Não podemos exigir que a mulher controle seu próprio organismo e, mesmo no caso de aborto voluntário, devemos procurar entender as razões que levaram a mulher a fazer isso, muitas vezes, pressionada pela própria família e/ou pelo parceiro”, assinala Fernando Lobo, fundador do Movida, destacando que, em primeiro lugar, deve vir a vida da mulher, ainda que ressalte que aquelas que fazem abortos voluntários no Brasil estão sujeitas a punições. Mesmo no caso da gestação de anencéfalo, ele defende que a mulher aguarde um aborto espontâneo e não provocado. Nas ocorrências de estupro, ele entende que cada caso deve ser avaliado isoladamente. 
Para Lobo, a informação de que há milhares de mortes de mulheres em decorrência de abortos por ano no Brasil é uma falácia. "Você conhecia alguém que já morreu por causa de aborto? Pelos números do SUS [Sistema Único de Saúde], o número de óbitos em decorrência de abortos não passou de 100 casos, se não me engano, em 2011”, observa. Em contrapartida, há estudos que estimam serem os abortos o quinto maior causador de mortes maternas no Brasil. Com base em números do DataSus, a imprensa tem divulgado que são realizados cerca 850 mil abortos clandestinos por ano no Brasil. O número de internações por complicações durante abortos passa de 200 mil, sendo 155 mil por interrupção induzida. 
Lobo, do Movida, e Rosângela, das CCD, concordam em um ponto: é preciso fortalecer as iniciativas de educação em saúde sexual e reprodutiva das mulheres, ampliando o acesso a métodos anticonceptivos. Para a membro das Católicas, engana-se quem acha que a legalização do aborto provocará uma corrida aos hospitais. As experiências mostram que, pelo contrário, a legalização do aborto acarreta uma maior conscientização da sociedade sobre a prevenção da gravidez e, em países que já legalizaram, como é o caso do Uruguai, os índices de abortos provocados reduziram com o tempo. 
O aborto e a igreja 
Na avaliação de Rosângela, das CCD, a igreja católica, mesmo com abertura progressista possibilitada pelo Papa Francisco nos últimos dois anos, não avançou praticamente nada na discussão sobre os direitos reprodutivos e sexuais das mulheres. Ou seja, a mulher continua sendo reprimida em sua sexualidade. "A igreja continua pregando que o sexo só deve ser aceito se for dentro do casamento heterossexual e com vistas à procriação, o que está muito distante da revolução sexual por que vêm passando as mulheres”, observa Rosângela. 
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Rosângela Talib, das CCD: Igreja ainda não avançou na discussão sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.


Para ela, já será uma grande conquista quando a igreja aceitar, oficialmente, o aborto em caso de risco de vida da mulher, gestação de anencéfalo e estupro. No entanto, é uma perspectiva ainda muito distante de ser concretizada, em sua opinião, pois, por motivos muitas vezes religiosos, em pelo século XXI, há muito mais iniciativas, em especial legislativas, no caso do Brasil, para criminalizar do que para descriminalizar e legalizar o aborto. 
Campanhas 
Entidades de direitos humanos como o Grupo Cidadão pela Despenalização do Aborto, em El Salvador, e a Anistia Internacional lutam para proteger as mulheres condenadas por sofrerem abortos. Ainda na semana passada, o Parlamento de El Salvador aprovou um indulto para Guadalupe Vásquez, que cumpria a pena de 30 anos de prisão por ter sofrido um aborto espontâneo. Na avaliação das instituições, a decisão deve agora servir de precedente para outras 16 mulheres salvadorenhas que permanecem presas devido à penalização total do aborto e abrir a porta à necessária mudança da lei. 
Uma das maiores defensoras de Guadalupe Vásquez é Morena Herrera – figura de destaque na luta pela liberdade em El Salvador, feminista e ativista dos direitos sexuais e reprodutivos – que explica as razões por que a penalização total do aborto naquele país tem de ser anulada. Desde 2009, ela está nessa luta, através da associação que lidera – o Grupo Cidadão pela Despenalização do Aborto. 
"Um dia recebi um telefonema. Era uma estudante que estava no banheiro de uma escola, com uma hemorragia. Pedi a uma colega que a levasse a um hospital privado. Ela tinha sido violada nas imediações da universidade [e engravidado], mas não contou a ninguém. Tomou umas cápsulas feitas de soda cáustica, que lhe destruíram as paredes das artérias – mas continuava grávida. Para nós, este é o dilema: preferimos ver esta pessoa morta ou na prisão? É esta a realidade que vivemos todos os dias. É arrasador”, descreve Morena. 
anistia-internacional
Morena Herrera luta pela causa das mulheres criminalizadas em El Salvador.


A gravidez indesejada é uma realidade dolorosa para muitas mulheres e jovens em El Salvador. Como Morena Herrera salienta, em 36% dos nascimentos registrados em hospitais, as parturientes têm entre nove e 18 anos. Sem uma educação sexual adequada, com acesso muito limitado a contraceptivos e a proibição total do aborto, as jovens são deixadas sem nenhuma outra saída – a não ser a dos abortos clandestinos (35 mil por ano) ou do suicídio (com uma taxa de 57% das mortes durante a gravidez). 
Diante dessa realidade, a Anistia está promovendo uma campanha para pressionar o presidente de El Salvador, Sánchez Cerén, a descriminalizar o aborto no país; libertar incondicional e imediatamente todas as mulheres e meninas presas por se submeterem a um aborto ou por abortarem espontaneamente; garantir o acesso a aborto seguro e legal a todas as mulheres e meninas nos casos de estupro ou incesto, quando a saúde da mulher estiver em risco e quando for improvável que o feto sobreviva; e garantir o acesso à informação e serviços modernos de contracepção e proporcione uma educação sexual integral para todos e todas. Qualquer pessoal em todo o mundo pode preencher o formulário e assinar a petição
 
Mulheres estupradas, mesmo a legislação permitindo o aborto neste caso no Brasil, até a aprovação da lei de 2013, que obriga o atendimento em hospitais públicos, era muito difícil realizá-lo pelo SUS. 
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo deveria ser punida de acordo com o Código Penal.

Benedito Teixeira

Editor da Adital

Com intervenção dos EUA, caos no Iêmen gera risco de uma guerra maior

carta maior
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Com-intervencao-dos-EUA-caos-no-Iemen-gera-risco-de-uma-guerra-maior-/6/32749


Com intervenção dos EUA, caos no Iêmen gera risco de uma guerra maior

Caos político atual, com o presidente, primeiro ministro e gabinete tendo sido forçados a renunciar em massa, ameaça tornar o país um Estado falido.


Thalif Deeb, ISP News
Arquivo

Quando o Iêmen norte e sul se uniram em um único país sob a bandeira República Árabe do Iêmen em maio de 1990, um jornal britânico ressaltou com sarcasmo: “dois países pobres agora se tornaram um país pobre.”

Desde seu nascimento, Iêmen continuou a ser categorizado pela ONU como um dos 48 países menos desenvolvidos do mundo, o mais pobre dos pobres, dependente de auxilio estrangeiro e batalhando pela sobrevivência econômica. 

Mas o caos político atual – com o presidente, primeiro ministro e gabinete tendo sido forçados a resignar em massa semana passada – ameaça tornar o país em um estado falido.

E, mais significante, Iêmen também corre o risco de se dividir em dois novamente – e pode estar a caminho de outra guerra civil.

Charles Schmitz, um analista do Instituto do Oriente Médio, foi citado semana passada dizendo: “Estamos olhando para a ruptura de um país, e estamos entrando em um processo longo de negociações, mas também podemos estar entrando em uma guerra.”

Em um relatório divulgado na terça-feira, o Grupo de Crise Internacional com sede em Bruxelas disse que a caída do governo botou de pé a transição atribulada e “levanta o verdadeira perspectiva de fragmentação territorial, colapso econômico e violência disseminada se não houver um acordo logo.”

O governo do presidente Abdu Rabbu Mansour Hadi era um aliado próximo dos EUA, que cooperava com os ataques de drones americanos contra a Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP) localizada nas regiões remotas do Iêmen.

Os EUA estavam tão confiantes com seu aliado que as demissões no governo “surpreenderam oficiais americanos,” de acordo com o New York Times. Matthew Hoh, membro sênior no Centro de Políticas Internacionais (CIP), disse à IPS, “não sei se o Iêmen irá se dividir em dois ou não. Mas acredito que o medo maior é de que o Iêmen descenda ao caos massivo com violência entre muitas facções como vemos no Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria, todas as nações que foram recipientes da política externa americana de intervencionismo.”

De acordo com um diplomata Árabe, os Houthis que tomaram o poder são parte integral do setor xiita muçulmano, os Zaydis, e são aparentemente financiados pelo Irã. Mas o país é dominado por uma maioria sunita e que é apoiada pelo vizinho Arábia Saudita, ele disse, o que poderia fomentar um conflito sectário – como na Síria, Iraque e Líbano. 

Ironicamente, todos eles, incluindo os EUA, têm um inimigo em comum na AQAP, o qual se disse responsável pelo recente massacre nos escritórios da revista satírica em Paris.
“Em suma, é uma bagunça política monumental,” disse o diplomata, falando como anônimo.

Vijay Prashad, George e Martha Kellner Chair em História do Sul da Ásia e Professor de Estudos Internacionais na Faculdade Trinity, disse à IPS que é muito difícil avaliar o que irá acontecer no Iêmen a esta altura. 

“As linhas de batalha estão longe de serem claras,” ele disse. O chamado governo pró-EUA tem, desde 2004, jogado um jogo muito delicado com os Estados Unidos em termos de contra-terrorismo. 

De um lado, ele disse, o governo do ex presidente Ali Abdullah Saleh e depois Hadi, sugeriu aos EUA que fossem anti al-Qaeda. Mas por outro lado, usaram o fato da al-Qaeda para ir atrás de seus adversários, incluindo os Zaydis (Houthis).
“Esse jogo duplo sempre foi conhecido pelos americanos. Cooperavam com isso. Foi o que permitiu a AQAP tomar Jar e outras regiões do Iêmen e segurá-las com alguma facilidade,” disse Prashad.

Ele dispensou como “ridículas” as alegações de que os Zaydis são “representantes do Irã”. Disse que são uma confederação tribal que encarou o limite da espada de Saleh-Hadi.

“São decididamente contra a al-Qaeda, e não tornariam necessariamente fácil a existência da AQAP,” disse Prashad ex Edward Said Chair na Universidade Americana de Beirute e autor de “Primavera Árabe, Inverno Libanês.”

Hoh disse à IPS: “baseado nos resultados de décadas de influencias norte-americana em tentar escolher ganhadores e perdedores nesses países ou continuar a jogar o jogo geopolítico absurdo de apoiar uma teocracia repressiva, Arábia Saudita, contra outra, Irã, em guerras representadas, o melhor para os Iemenitas é que os americanos não se metam ou tentam posicionar um lado contra o outro.” A política externa americana no Oriente Médio pode ser categorizada como um desastre, especialmente para o povo do Oriente Médio.

“Os únicos beneficiários das políticas americanos no Oriente Médio  tem sido os grupos extremistas, os quais tiram vantagem da guerra, dos ciclos de violência e ódio, para recrutar e preencher sua mensagem e propaganda, e companhias de armas americanas e ocidentais que vêem lucros aumentando cada ano,” disse Hoh, que serviu junto com o Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA no Iraque e nos times da embaixada no Afeganistão e no Iraque.

Quando os dois Iêmen se uniram, a maioria das armas que o pais unificado herdou vieram da Rússia, que era um aliado militar próximo do Iêmen do Sul.

Os aviões de guerra do Iêmen e seus helicópteros da ex União Soviética – incluindo MiG-29 jatos e Mi-24 helicópteros de ataque – foram mais tarde reforçados com sistemas de armas americanos e ocidentais, incluindo naves de transporte (transferidas da Arábia Saudita), helicópteros Bell, mísseis anti-tanque TOW e tanques de batalha M-60.

Nicole Auger, uma analista militar monitorando o Oriente Médio/África no Internacional Forecast, uma líder em inteligência defensiva de mercado e meteorologia industrial, disse à IPS que armas americanas e auxilio militar tem sido cruciais para o Iêmen ao longo dos anos, especialmente pelo financiamento do Departamento de Defesa 1206 “treinar e equipar.”

Desde 2006, ela apontou, Iêmen recebeu um pouco mais de 400 milhões de dólares no auxilio da seção 1206 a qual apoiou a Força Aérea Iemenita (com aquisições de transporte e naves de vigilância), suas unidades de operações especiais, seu monitoramente de fronteiras e suas guardas costeiras.

Enquanto isso, o auxilio militar americano sob os programas Financiamento Externo Militar (FMF) e Treinamento e Educação Internacionais Militares (IMET) aumentou substancialmente, ela disse.

Também, o Iêmen está recebendo assistência com os programas de Não-Proliferação, Anti-Terrorismo, Não-Exploração e Programas Relacionados (NADR) e de Controle Internacional de Narcóticos e Aplicação da Lei (INCLE).

De acordo com a justificação orçamentária congressista americana – o apoio americano ao stor militar e de segurança “irá continuar uma prioridade em 2015 de forma a avançar com a paz e a segurança no Iêmen.”

"Mandei matarem os estudantes e destruírem tudo"

ihu
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/539394-qmandei-matarem-os-estudantes-e-destruirem-tudoq


"Mandei matarem os estudantes e destruírem tudo"

Os 43 estudantes da Escola Normal Rural da Ayotzinapa deixaram o mundo dos desaparecidos e entraram oficialmente no dos mortos. Na terça-feira, as autoridades mexicanas concluíram, já sem indício de dúvida, que os jovens foram capturados, assassinados e incinerados. E tudo por uma terrível confusão: os pistoleiros de Guerreros Unidos acreditavam que eram integrantes de um cartel rival, Los Rojos.
A reportagem é de Jan Martínez Ahrens, publicada pelo jornal El País, 28-01-2015.
A conclusão, inteiramente rejeitada pelas famílias, abre caminho para o encerramento de um caso que convulsionou o país como poucos na história recente e cuja persistência nas primeiras páginas, alimentada por dúvidas sobre a investigação oficial, fez dele um hóspede incômodo para o Executivo. Um foco de erosão e protesto diante do qual o presidente, cuja popularidade chega a mínimos históricos, decidiu virar a página: “Estou convencido de que este instante, este momento da história do México, de sofrimento, tragédia e dor, não pode nos deixar imobilizados; não podemos ficar aí”.
JAN MARTÍNEZ AHRENS
Pai de uma das vítimas, no lixão onde estudantes foram mortos. / SAÚL RUIZ
Neste novo capítulo da tragédia de Iguala teve um papel fundamental a recente detenção do Felipe Rodríguez Salgado, também conhecido como El Cepillo. O pistoleiro de Guerreros Unidos, líder de uma célula de 10 criminosos, foi o homem que, segundo confissão própria, recebeu de seu chefe a instrução de liquidar os estudantes. O núcleo de sua horripilante declaração fala por si: “Chucky [seu chefe] me telefonou para dizer que iam me entregar dois pacotes com detidos e que eram de Los Rojos […] Eram entre 38 e 41, não contei; alguns vinham amarrados com cordas ou algemados, e outros espancados e ensanguentados […]. Ao chegar ao lixão de Cocula, descemos os estudantes das caminhonetes. Percebi que alguns, os que estavam por baixo, já tinham morrido, acredito que por asfixia. Continuavam vivos 15 a 18 estudantes[…]. Mandei El Pato se encarregar de tudo, interrogar, dar um fim neles e destruir tudo […]. El Pato já tinha deitado quatro no chão e deu um tiro na nuca deles”.
Com essa explosiva confissão na mão, o Governo mexicano decidiu pôr ponto final nas especulações sobre a tragédia deIguala. Para isso, pôs diante das câmaras o procurador-geral, Jesús Murillo Karam, e o diretor da Agência de Investigação Criminal, Tomas Zerón. Ambos repassaram minuciosamente as investigações efetuadas: 487 relatórios periciais, 386 declarações, 99 detidos, 95 telefones celulares investigados, 14 registros… Dessa bateria de provas destacaram os restos ósseos (um deles identificado pelo DNA como pertencente ao normalista Alexander Mora Venancio), os vestígios da fogueira que supostamente consumiu os cadáveres, as confissões dos pistoleiros e dos agentes municipais, os reconhecimentos dos sobreviventes, assim como as conexões e localizações dos telefones celulares naquela noite. Tudo isso permitiu oferecer um quadro final, “uma verdade histórica” do ocorrido, e que, em essência, corresponde à reconstrução oficial conhecida desde novembro passado.
Relato do horror
O relato começa na tarde de 26 de setembro, quando os normalistas entraram em Iguala (Guerrero) com a intenção de arrecadar recursos para suas atividades e tomar à força quatro ônibus para participar dos atos em memória da matança deTlatelolco na Cidade do México. Sua chegada a uma localidade dominada pelo cartel de Guerreros Unidos não passou inadvertida. Os falcões alertaram seus chefes, entre eles o próprio prefeito e sua esposa, dois importantes integrantes da organização criminosa. A ordem de pará-los terminou em loucura. A Polícia Municipal de Iguala, um terminal do narco, iniciou uma feroz perseguição que deixou seis mortos sobre o asfalto e permitiu a captura de 43 estudantes aterrorizados. Para apagar rastros, colocou-os nas mãos dos agentes do município vizinho de Cocula, igualmente corruptos. Os pistoleiros estavam convencidos de que entre os estudantes havia membros do cartel rival, Los Rojos. E da captura se passou ao extermínio. Os normalistas foram entregues aos pistoleiros em Lomas Del Coyote. Colocados em duas caminhonetes, foram levados para o depósito de lixo de Cocula. Empilhados como animais, um em cima do outro, a maioria chegou morta por asfixia. Os sobreviventes foram mortos com um tiro na nuca. Seus cadáveres foram incinerados em uma fogueira e os restos, sempre segundo essa versão, jogados em sacos de lixo no rio San Juan.
Em vista da abundância de testemunhos, a intenção governamental de virar a página vai ser difícil de cumprir. O próprio procurador-geral reconheceu que enquanto não forem detidos todos os envolvidos a investigação continuará aberta. Entre os foragidos estão os chefes de polícia de Iguala e Cocula e também os tenentes do Guerreros Unidos que deram a ordem de matar os estudantes. Seus testemunhos são peças-chave para esclarecer as últimas dúvidas. Entre elas, a fundamental: por que os pistoleiros acharam que os estudantes eram de um cartel rival. Murillo Karam assinalou que não há prova que indique a presença de infiltrados do narcotráfico entre os estudantes. E se é assim, o que ocasionou essa terrível confusão?
Tampouco será fácil para o Governo, em pleno ano eleitoral, restaurar a confiança. As famílias dos falecidos se distanciaram das teses oficiais. Para muitos deles, o Executivo carece de credibilidade e se nega a chegar ao final da trama. “Repudiamos a forma de atuação do Governo, pretendem encerrar o caso de maneira descarada, sem se importar com o dano que causam às famílias. Não bastam as declarações dos assassinos, queremos uma demonstração científica. Os pais continuam na luta”, assinalou o porta-voz das famílias, Felipe de la Cruz. “Na falta de informação detalhada, não podemos permitir que este caso seja encerrado de um dia para outro”, afirmou o representante dos normalistas, David Flores.
Em meio à tempestade, alguns veículos de imprensa chegaram a apontar a responsabilidade do Exército e da Polícia Federal na matança. Uma acusação desmentida pelas autoridades mexicanas. Mas a fogueira dificilmente se apagará. Os protestos pela tragédia de Iguala continuam reunindo milhares de pessoas e, em um país que se viu sacudido em poucos meses por uma sucessão de escândalos nas mais altas esferas, qualquer fagulha pode aprofundar a crise.

Em duas décadas, fiscais resgataram do trabalho escravo quase 50 mil pessoas

ihu
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Em duas décadas, fiscais resgataram do trabalho escravo quase 50 mil pessoas

As operações de fiscalização para combater o trabalho escravo ou análogo à escravidão resgataram, em duas décadas, mais de 47 mil trabalhadores submetidos a condições degradantes e a jornadas exaustivas em propriedade rurais e em empresas localizadas nos centros urbanos.
A reportagem é de Ivan Richard, publicada pela Agência Brasil, 28-01-2015.
De acordo com dados da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, obtidos pela Agência Brasil com exclusividade, desde 1995, quando o país reformulou seu sistema de combate ao trabalho escravo contemporâneo, foram realizadas 1.724 operações em 3.995 propriedades e aplicadas multas indenizatórias cujo valor supera os R$ 92 milhões.
Em 1995, o Brasil reconheceu a existência e a gravidade do trabalho análogo à escravidão e implantou medidas estruturais de combate ao problemaPortal/MTe
Em 1995, o Brasil reconheceu a existência e a gravidade do trabalho análogo à escravidão e implantou medidas estruturais de combate ao problema, como a criação do Grupo de Fiscalização Móvel e a adoção de punições administrativas e criminais a empresas e proprietários de terra flagrados cometendo esse crime. A política também criou restrições econômicas a cadeias produtivas que desrespeitam o direito de ir e vir e submetem trabalhadores a condições de trabalho desumanas.
Passados 20 anos da adoção de medidas que intensificaram o combate ao trabalho escravo, o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, do Ministério da Trabalho, Alexandre Lyra, disse à Agência Brasil que houve uma migração do ambiente onde se pratica esse tipo de crime, das zonas rurais para as cidades.
No ano passado, por exemplo, fizemos resgate em navio de cruzeiro de 11 tripulantes submetidos a jornada exaustiva. Temos agora a construção civil que, em 2013, foi o que mais apresentou resultado, temos o setor têxtil, em São Paulo. Então, temos uma mudança no ambiente em que está ocorrendo esse trabalho, mas a fiscalização, após 20 anos, está preparada para atuar”, explicou Lyra.
Para ele, a aprovação da Emenda Constitucional do Trabalho Escravo pelo Congresso foi mais um avanço. Lyra, contudo, alertou para a importância da regulamentação da emenda e para a possibilidade de mudança no atual conceito de trabalho análogo à escravidão. Com a migração da prática do trabalho escravo do campo para as cidades, caracterizar esse crime apenas pela restrição de liberdade, como querem alguns setores no Congresso, em especial a bancada ruralista, seria um “retrocesso”.
O que a bancada ruralista quer, agora com o apoio de outros setores, como o da construção civil, é que o trabalho escravo fique tão somente caracterizado quando houver a supressão de liberdade, que é uma ideia antiga, que perdurou até 2003, quando houve uma inovação legislativa na qual foram ampliadas as hipóteses de trabalho análogo ao de escravo no Código Penal”, alertou Lyra. “Essa ideia de que trabalho escravo é apenas supressão de liberdade, vigilância armada e impossibilidade de ir e vir não encontra mais respaldo nas caracterizações atuais. Esvaziando do conceito do trabalho análogo ao escravo a condição degradante e jornada exaustiva, pouco sobrará.”
Para o procurador-geral do Trabalho, Luís Antônio Camargo, o país ainda deve lamentar a existência do trabalho escravo, mas também reconhecer que houve avanços na enfrentamento do problema. “Não podemos dizer que a situação está resolvida, mas avançamos muito desde 1994, 1995. Hoje, estamos muito mais organizados, muito mais articulados, mas ainda temos um caminho muito longo. Temos que lamentar o fato de um país rico como o nosso ainda ter uma chaga desse tamanho, que é o trabalho escravo contemporâneo, mas comemora-se [o combate ao crime]."
Para ele, a articulação entre os diversos órgãos públicos e organizações da sociedade civil possibilitou ao país o reconhecimento e o respeito mundial no que se refere ao combate a esse crime. A criação do grupo móvel de fiscalização e o lançamento do plano de erradicação do trabalho escravo foram “fundamentais” e “contribuem para um avanço significativo" no enfrentamento do problema.
Hoje (28), Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, Lyra lembrou que qualquer pessoa pode denunciar situações em que um trabalhador esteja submetido a situações degradantes usando o Disque 100. “Esse é o meio mais democrático, mas temos também a Comissão Pastoral da Terra, o Ministério Público do Trabalho ou os próprios postos do Ministério do Trabalho nos estados, basta discar 100 que um atendente especializado vai atender à denúncia.”

Clima de terrorismo impede demarcação de terras indígenas. Entrevista especial com Marco Antônio Delfino de Almeida

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Clima de terrorismo impede demarcação de terras indígenas. Entrevista especial com Marco Antônio Delfino de Almeida

“A União tenta atender a todo mundo (produtores rurais e indígenas) ao mesmo tempo, mas não atende ninguém”, sustenta o procurador.
Fonte: www.olhardireto.com.br
Ao defender as comunidades indígenas, o Ministério Público Federal não está apoiando um determinado grupo social em detrimento de outros, não se trata, como argumenta Marco Antônio Delfino de Almeida, simplesmente de defender uma causa, mas de garantir os direitos constitucionais. “É preciso que fique claro: o que o Ministério Público está defendendo é aConstituição Federal. A defesa das comunidades indígenas é igualmente um mandato expresso do Ministério Público Federal”, defende o procurador em entrevista por telefone à IHU On-Line.
A pauta da demarcação de terras indígenas já é longa e há sete anos não avança em nada. “Desde 2008, há esse clima de terrorismo que impede que o processo de demarcação avance. O próprio governo federal recuou politicamente. Ele entende que politicamente não é uma briga que vale à pena de ser travada”, descreve.
Frente a esta queda de braço, onde de um lado estão as forças políticas amparadas pelo setores mais conservadores do Congresso e de outro os indígenas e os movimentos sociais, o governo parece se furtar ao debate. “O que vejo, infelizmente, é que a União fica numa posição extremamente cômoda. Há um compromisso político, mas com um determinado segmento. E aí se usa o eufemismo de que a demarcação vai avançar com responsabilidade ou acordo e, ao mesmo tempo, se faz compromissos com as lideranças indígenas de que irá cumprir seu papel”, aponta o procurador. “Ou seja, a União tenta atender a todo mundo (produtores rurais e indígenas) ao mesmo tempo, mas não atende ninguém. Enquanto não começar a atuar e sair dessa posição cômoda de imobilismo nada vai avançar”, complementa.
Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br
Com base em uma falsa “questão de fundo”, o Congressoempurra com a barriga a pauta indígena e mantém sua precária lógica de abordagem dos temas. “A grande questão é que oCongresso acaba entendendo o processo de demarcação sempre como o antagonismo de matéria e antimatéria. O processo de demarcação é sempre visto como um processo de destruição da produção”, explica Marco Antônio.
A reforma agrária, tal como a questão indígena, tem que ter uma adequada atuação. Tem que ter recursos que sejam carreados de forma adequada para que a reforma venha a funcionar. (...) A Reforma agrária também é um mandamento constitucional, ela tem que ocorrer. Não é questão de acreditar ou não. Tem que ocorrer”, ressalta.
Marco Antonio Delfino de Almeida (foto) é procurador do Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul, graduado em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Campo Grande – Unaes e mestre em Antropologia pela Universidade Federal da Grande Dourados.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O Ministério Público no Mato Grosso do Sul - MPF/MS conseguiu determinação judicial para que a União demarque as terras indígenas e pague arrendamento aos fazendeiros que possuem áreas ocupadas por índios em toda a região centro-sul do estado. Qual o significado dessa ação?
Marco Antônio Delfino de Almeida - Nós procuramos demonstrar que há um impasse no processo de demarcação. Um impasse que, obviamente, não interessa a ninguém. E a juíza foi muito feliz em conseguir conciliar o direito constitucional a terra, obviamente garantido aos indígenas, e, ao mesmo tempo, o interesse econômico do proprietário rural. O que nós vemos, infelizmente, é que é um processo que não se iniciou agora, mas se acirrou muito depois da assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta - TAC. O que nós tínhamos antes da assinatura do TAC, que foi celebrado entre a Fundação Nacional do Índio - Funai e o Ministério Público Federal - MPF, em 2007, era um processo de “incêndios”. Uma determinada comunidade reivindicava uma área e a Funai constituía um grupo de trabalho e havia identificação dessa área. Logo em seguida, outra comunidade verificava que houve atendimento daquela e também pleiteava. Ou seja, era um processo a conta-gotas. Sendo que é de pleno conhecimento do governo federal que essa área é de ocupação indígena intensa, plenamente documentada e comprovada. Então, o colega Charles Pessoa (procurador de Justiça que antecedeuMarco Antônio Delfino de Almeida em Dourados, Mato Grosso do Sul) teve a iniciativa elogiosa de efetuar esse TAC, justamente para que, ao invés de se fazer esse processo de conta-gotas, fosse possível se concentrar e não privilegiar uma ou outra comunidade e sim todas ao mesmo tempo. Ou seja, não aquela que, de repente, tem uma influência ou poder político maior, mas todas aquelas comunidades indígenas ao mesmo tempo. E, também, se resolver a questão do ponto de vista de segurança jurídica. Essa era a intenção.

"É preciso que fique claro: o que o Ministério Público está defendendo é a Constituição Federal"

Só que, o momento que houve a assinatura também foi o momento em que houve o julgamento do caso de Raposa Serra do Sol. E lá houve aquela questão de marcação contínua, descontínua e foi um processo que mobilizou intensamente os movimentos rurais. E houve em Raposa Serra do Sol um caso em que quiseram transpor para cá e que, absolutamente, não existe. Diziam que o TAC abarcaria cidades, que cidades desapareceriam. Então, desde 2008, esse clima de terrorismo impede que o processo de demarcação avance. O próprio governo federal recuou politicamente. Ele entende que politicamente não é uma briga que vale à pena de ser travada. E, desde 2008, sustenta que há uma reação entre os produtores que impede a ação governamental. Porém, na verdade o que nós temos é uma questão política que o governo não tem interesse em superar.
O que temos é um cenário absolutamente de impasse e que só prejudica todo mundo. Temos várias decisões judiciais que asseguram aos indígenas permanência no território. Essa é uma permanência precária. Uma vez conseguida através de aparelhos públicos, é necessário que demandemos novas medidas judiciais para assegurar escola, para água, para produção, entre outras. Também são áreas pequenas, que para os indígenas representam uma pequena fração do território a que eles tem direito.
Ou seja, tem todos os empecilhos jurídicos para que seja plenamente utilizado. Por parte dos produtores rurais é um prejuízo econômico, por conta da retirada dessa área da parte produtiva. Para a União também é extremamente cômodo por que ela fala simplesmente: “não, essa área está em litígio”. E assim, simplesmente, permanece silente. As mesas de negociação que ocorreram não avançaram. Nós não temos uma perspectiva, em médio prazo, de solução. O governo, de uma forma muito clara, tem ações contraditórias.
IHU On-Line - Houve um momento, em 2007, que governo e MPF sentaram numa mesa, houve negociação e daí surgiu o TAC. Mas, pelo que o senhor afirma, já no outro ano as determinações desse documento não valiam mais para o governo. É isso mesmo? E o MPF está tendo, agora, que intervir nesses mesmos pontos apenas para fazer com que o TAC seja cumprido?
Marco Antônio Delfino de Almeida - Sim, sim, é isso. São vários problemas. O TAC é um compromisso que normalmente o MPF celebra com particulares, eventualmente com órgãos públicos. Via de regra, é um instrumento que obviamente obriga aquele que assinou a cumprir. Agora, é extremamente complicado, num país que nós entendemos que as instituições venham a funcionar, que o órgão responsável realmente cumpra. O que o TAC diz é isso: “Funai, ao invés de se fazer esse processo à conta-gotas, a identificação de territórios, faça de uma forma concentrada, cumpra-se essa obrigação”. Obrigação essa que a lei 6.001 estabeleceu, desde 1978, que, em cinco anos, todas as terras deveriam ser demarcadas. Aí, esses cinco anos foram parar lá na Constituição.
Ou seja, até 1993, todas as terras deveriam ter sido demarcadas. Não foram. Então, já é uma omissão grave do Estado brasileiro em não cumprir uma ação que a Constituição determina. Aí, você determina que o órgão que deveria já ter feito isso desde 78, e depois de 93, faça o que manda a lei. Então, dá prazo adicional para que ele cumpra. Ele – o governo federal - vai lá, com toda a pompa e circunstância, e assina um compromisso. E entende que, a partir do momento que é assinado pelo presidente da Funai, que está submetido ao Ministério da Justiça, que tem autorização do Ministério, tenha que cumprir. Eu não quero crer que o presidente da Funai assinou um TAC sem o Ministério da Justiça saber e sem que tenha havido o compromisso do governo federal como um todo. Mas, todo esse compromisso é descumprido. Simplesmente fala: “esqueçam o que assinei”. Mostra o quão pouco as instituições, que deveriam ter o mínimo de respeito com a Constituição,encarem suas obrigações.

"A defesa das comunidades indígenas é igualmente um mandato expresso do Ministério Público Federal"

Nós estamos falando de uma situação extremamente grave, plenamente relatada na Organização das Nações Unidas - ONU, em diversos relatório da Anistia Internacional. Ou seja, até as pedras sabem que os indígenas do Mato Grosso do Sul esperam. Nos últimos dez anos, mais de 600 suicídios, o maior número de violência intraétnica. O Mato Grosso do Sulestá na casa de 150, 160 homicídios por 100 mil habitantes. As pessoas estão morrendo, esperando que a solução para esse problema seja gerada. Um problema que a União, de uma forma clara, teve e que não pode se apartar, dizer que desconhece. Talvez os Guaranis Kaiowás, por exemplo, sejam a comunidade mais etnografada, fotografada, de todas as que existem no país. É uma questão muito estudada.
IHU On-Line - O senhor quer dizer que não tem como a União argumentar que não conhece essa realidade do Mato Grosso do Sul? 
Marco Antônio Delfino de Almeida - Não tem como dizer! Desde 1917, o FBI (Fundação Brasileira do Índio, órgão que antecedeu a Funai) está em Mato Grosso do Sul. Ou seja, há quase 100 anos. Então, é uma realidade que eles conhecem há 100 anos.
IHU On-Line - O senhor pontua duas questões: 1) a União não está respeitando a própria Constituição; 2) em função disso foi necessário que o MPF firmasse um acordo. E nem esse acordo está sendo respeitado. Diante desse cenário, de que maneira o MPF se torna um mecanismo de solução dos problemas devido a incompetência do estado em resolver a questão indígena? 
Marco Antônio Delfino de Almeida - Ainda que nós, muitas vezes, tenhamos essa pecha de que somos defensores incondicionais dos direitos indígenas, é preciso que fique claro: o que o Ministério Público está defendendo é a Constituição Federal. A defesa das comunidades indígenas é igualmente um mandato expresso do Ministério Público Federal. E entendemos que em Mato Grosso do Sul o MPF está cumprindo a Constituição Federal. Está fazendo com que as determinações constitucionais sejam plenamente cumpridas, inclusive assegurando a todos aqueles que de alguma forma esquecidos.
A União não pode se esquivar. Estava aqui há 100 anos, é parte indissociável desse processo. Todas essas terras indígenas estavam nessa faixa de fronteira, de 66 para 100, 150 quilômetros. No entanto, títulos estaduais, por exemplo, que foram fornecidos tinham que ser ratificados para serem plenamente válidos. Ora, se a União ratificou títulos, é porque minimamente ela se omitiu no dever dela de pesquisar se naquelas áreas havia ou não presença de comunidades indígenas. E não satisfeita da forma omissiva de ratificar títulos, a FBI e posteriormente a Funai removeram populações indígenas. E pode dizer que isso foi em outra realidade, na década de 40. Mas não é verdade. Isso são dados de 1978, em que a Funai – veja, a Funai, não FBI. Poque isso é muito colocado. Como se as instituições, só por trocar de nome mudassem, resolvessem. Os vícios permanecem, as práticas permaneceram – pegou índio, botou no caminhão e mandou para 400 quilômetros de distância. Isso é o que? É limpeza étnica. É a mesma coisa que se faz na Sérvia, em outros lugares. É deslocar populações. Mas, não satisfeita com isso, em 1993, fez a mesma coisa: pegou população e deslocou de local.
E o interessante é que em 1993 foi após a Constituição de 1988. O ano de 1993 é uma data interessante porque, teoricamente, é o ano em que todas as terras deveriam ter sido demarcadas. Só que, nesse mesmo ano, a Funai ainda estava removendo indígenas de um lado para outro. Traz para Dourados. Não, Dourados está muito cheio. Agora, manda para Amambaí. Ah, mas lá também não dá. Enfim, pegando indígenas e removendo como se fossem engradados de cerveja, armários. Era essa a prática.
E, reitero, não satisfeita com essa prática de remoção, ainda fez a titulação em área indígena. Nós tivemos a Colônia Agrícola Nacional de Dourados. Área de 300 mil hectares, boa parte dela dentro de território indígena. Nós tivemos oProjeto Integrado de Colonização de Sete Quedas, dentro de área indígena. Tivemos Projeto de Colonização de Iguatemi, dentro de área indígena.
Ou seja, projeto de colonização, projetos de incentivo ao povoamento, feitos pela União. Então, a União tem papel central nesse processo. E foi muito feliz a juíza ao trazer a União para o papel que ela deve assumir. Ela não pode se afastar do papel central na evolução dessa questão. Não é possível que nós tenhamos um país em que três ministros de estado, três altas autoridades públicas, façam declarações públicas, como foi feito em 2013, de que a resolução da questão indígena emMato Grosso do Sul demoraria 90 dias.
E passados um ano e meio nada acontece. É extremamente complicado se entender que, mesmo no Brasil, as instituições tenham tanta fragilidade. Se bem que já é esperado. Se a partir de um momento que um TAC é assinado pelo presidente da instituição que, teoricamente, garante o direto dos índios e o TAC não é cumprido, não é de se surpreender que autoridades públicas caminhem no mesmo sentido.
IHU On-Line - Em que medida a questão indígena é uma pauta que não evolui no Congresso e no Executivo por incompetência e inabilidade em tratar do tema? 

"O que vejo, infelizmente, é que a União fica numa posição extremamente cômoda"

Marco Antônio Delfino de Almeida – O que vejo, infelizmente, é que a União fica numa posição extremamente cômoda. Há um compromisso político, mas com um determinado segmento. E aí se usa o eufemismo de que a demarcação vai avançar com responsabilidade ou acordo e, ao mesmo tempo, se faz compromissos com as lideranças indígenas de que irá cumprir seu papel. Ou seja, a União tenta atender a todo mundo (produtores rurais e indígenas) ao mesmo tempo, mas não atende ninguém. Enquanto não começar a atuar e sair dessa posição cômoda de imobilismo nada vai avançar.
A União sustenta que ela precisa de segurança jurídica nas suas ações. Ora, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ já fez um relatório apontando um rol de soluções. Já há várias decisões judiciais sustentando que a indenização é uma possibilidade. Só que a União recorre de tudo. Essa decisão de agora, com certeza, vai recorrer e tentar suspender. Ela, definitivamente, não tem interesse em solucionar. O interesse é manter essa solução em que pequenas áreas são ocupadas. O prejuízo é imenso para todo mundo, mas é mais cômodo do que efetivamente cumprir seu papel, tomar uma atitude que seja efetivamente englobante, sistêmica. E volto a afirmar: está longe de ser um imobilismo ocasionado por desconhecimento da situação. Só de relatórios aqui tem vários, diversos. Não há como dizer que desconhece a realidade local.
IHU On-Line - E o papel do Congresso? Não poderia pressionar a União para quebrar esse imobilismo? 
Marco Antônio Delfino de Almeida – A grande questão é que o Congresso acaba entendendo o processo de demarcação sempre como o antagonismo de matéria e antimatéria. O processo de demarcação é sempre visto como um processo de destruição da produção. Ora, no caso específico de Mato Grosso do Sul, o que nós temos é: os indígenas ocupam 80 mil hectares, o que vai dar 0,3% da superfície do território do estado. Mato Grosso tem 27% de sua superfície ocupada por terras indígenas. E é o maior produtor de grãos, mesmo tendo restrições ambientais, porque parte do Mato Grosso está no bioma amazônico, tem área de transição de serrado e apenas uma parte, ao sul, tem um regime de regramento ambiental semelhante ao Mato Grosso do Sul. Nele, você pode plantar em 80% da área da propriedade rural. Ainda que você tivesse esse número elevado para 1%, 1,5%, acreditar que isso irá de forma grave afetar a produção é uma falácia. Imagine-se que essa área passe de 0,3% para 2% da superfície do estado. Apenas em terras degradadas hoje, no Brasil, nós temos 18 milhões de hectares. É algo em torno de 2,5% da superfície do país. São terras degradadas que não produzem e que poderiam produzir se fossem adequadamente tratadas. Essa oposição entre demarcação e produção não se sustenta. É dar a uma população que historicamente tenha o direito àquilo o que é seu. E não estamos falando em presente, mas sim em cumprir a legislação. É apenas isso: dar a cada um o que é seu. O Estado Romano tinha três fundamentos: viver honestamente, não lesar o outro e dar a cada um o que é seu. O que se está defendendo: que se dê aos indígenas é o que é deles, que foi retirado deles. 
E não há que se falar coisas como: “ah, vão devolver então a Copacabana”. Mas alguém está reivindicando Copacabana? Não. Também é outra falácia muito sonora do ponto de vista argumentativo, mas que também não se sustenta.
IHU On-Line - Diante de todos esses argumentos, se constrói a seguinte equação: de um lado há o produtor rural, que já foi posto naquela terra, e de outro há o índio que não tem a terra que é sua por direito. Como resolver essa equação? O caminho da indenização é a solução?
Marco Antônio Delfino de Almeida - É o caminho. Porque boa parte desses títulos dados aos produtores foram feitos pelos estados, em muitos casos ratificados pela União. Não há como a União, nesses casos, voltar e, 30 anos depois, esquece aquele ato de retificação e considerar o título nulo. Está certo que estamos acostumados a mandatários não cumprirem aquilo que eles se obrigam a fazer. Mas o Estado, principalmente em casos documentais, tem uma obrigação clara. Então, nesses casos em que tiver havido ou a colonização pelo governo federal ou a ratificação do título pela União, eu não vejo outra solução que não seja a indenização.
IHU On-Line - Hoje, a Funai é ligada ao Ministério da Justiça. Há quem defenda uma desvinculação, levando-a para outra pasta. O senhor acredita que isso traria uma efetividade maior para a Funai? E qual seria o melhor ministério para abrigá-la?

"A Reforma Agrária também é um mandamento constitucional, ela tem que ocorrer"

Marco Antônio Delfino de Almeida - O FBI ficou durante muito tempo ligado ao Ministério da Agricultura, porque o objetivo era usar os indígenas como mão de obra. Especialmente no Mato Grosso do Sul eles foram usados amplamente como mão de obra. O que é outro ponto interessante.Toda a base econômica do estado foi calcada na mão de obra indígena. Posteriormente, o FBI teve idas e vindas e durante em toda a sua existência, na maior parte do tempo, esteve vinculado ao Ministério da Agricultura.
Com a chegada dos militares e a criação da Funai, passou ao Ministério do Interior. Eram caixinhas: Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - Sudam, Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - Sudene e uma outra caixinha era a Funai. Mais recentemente que ela passou para o Ministério da Justiça. Enfim, durante todo esse período, desde a FBI até a localização da Funai no Ministério do Interior, houve grande interferência política, governada por militares.
Eu, sinceramente, não vejo uma eventual desvinculação da Funai do Ministério da Justiça como algo que vá ocasionar uma alteração drástica na realidade que tem. Como verificamos se uma ação é prioritária? Há um mandato constitucional que determina que em até cinco anos toda a terra indígena seja demarcada. Isso seria em 1993. A mora já é uma mora de 22 anos. Se tenho mora de 22 anos, eu minimamente vou entender essa ação como prioritária.
Se me proponho a respeitar a Constituição, a entender a Constituição como lei maior que deve nortear as questões de Estado, eu entendo que a mora constitucional é algo gravíssimo. E, assim, deve ser reparada o mais breve possível. Logo, tenho que angariar a maior quantidade de recursos para que essa mora seja purgada, não exista mais. E essa priorização não deve ocorrer com a mudança de caixinha, daqui para lá. Vai ocorrer com recursos humanos e materiais, com suporte político, o que a Funai não tem há muito tempo.
IHU On-Line - Como é viver num Estado que é considerado pelo Ministério Público Federal como o maior conflito fundiário do Brasil? Qual o maior desafio? 
Marco Antônio Delfino de Almeida – Do ponto de vista pessoal você tem alguns problemas. A gente já teve algumas ameaças à atuação. Não ameaças físicas, mas reações. Ações foram movidas para tentar tolher a atuação do Ministério Público, supostamente e para que os procuradores não atuassem. Foram pedidos de indenizações movidos pelos sindicatos rurais num intuito claro de tolher a atuação institucional. Mas entendo isso como uma reação despropositada. Porque o Ministério Público está aqui para cumprir a Constituição.
Infelizmente, cumprir a Constituição não é algo que seja simples. Muitas vezes também não é cômodo e é isso que as pessoas acabam não vislumbrando. O que queremos é que os direitos constitucionais sejam plenamente exercidos. Tanto uma eventual reparação pelo erro do Estado como o direito a terra assegurado às populações indígenas. Mas é obvio que isso causa uma reação. Nada que venha a afetar de forma expressiva nossa atuação.
IHU On-Line - O senhor acredita em Reforma Agrária?
Marco Antônio Delfino de Almeida - A Reforma Agrária, tal como a questão indígena, tem que ter uma adequada atuação. Tem que ter recursos que sejam carreados de forma adequada para que a reforma venha a funcionar. E uma série de filtros tem que ser colocados para que efetivamente ocorra. Eu falo isso porque a Reforma Agrária também é um mandamento constitucional, ela tem que ocorrer. Não é questão de acreditar ou não. Tem que ocorrer. Agora, a implementação é que depende de alguns pontos. Especialmente nos locais onde a terra é muito valorizada, como no caso doMato Grosso do Sul. Aqui, há regiões na faixa de 20 a 25 mil hectares e você tem, ao mesmo tempo, da mesma forma como a Funai, um órgão que não recebe a quantidade de recursos humanos e materiais necessários ao seu desempenho. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra foi perdendo número muito grande de servidores. Vários servidores de um concurso da década de 80, na faixa de 20 a 30%, vão sair. Tanto a Funai quanto o Incra perdem esses servidores sem a perspectiva de reposição, especialmente nesse cenário que é de contenção de despesas.
Então, precisa realizar determinada ação de reforma agrária. Não há recursos humanos e materiais disponíveis para fiscalizar a implementação. Falo daqueles recursos para os assentamentos, que deveriam vir para que a pessoa possa produzir, ter uma vida digna, cumprir efetivamente um mandamento constitucional que é produzir e inverter esse fluxo que é do campo para a cidade. É esse recurso que não aparece. Então, as pessoas ficam sem água, sem acesso a linhas de crédito. Essa pessoa, no artigo valiosíssimo que é a terra, faz o que? Comercializa. Se não houver atuação adequada do órgão fundiário, também vamos ter problema. 
É um problema de mais fácil solução do que a questão indígena. Acho que o problema é de gestão. A gestão do órgão agrofundiário tem vários problemas, ás vezes causados por falta de recursos, mas que tem que ser solucionado se quisermos uma reforma agrária de qualidade.
IHU On-Line - O senhor acompanha os problemas dos Guarani Kaiowá de perto. Gostaria que o senhor atualizasse esse tema. Qual a atual situação?
Marco Antônio Delfino de Almeida - Os Guarani Kaiowá são uma comunidade indígena, a segunda maior do país, com 40 mil indígenas. Temos um cenário de extrema vulnerabilidade dessas comunidades. Se pegarmos os mais variados índices que medem a qualidade de vida dessas pessoas, veremos que os índices são muito ruins. Em 2006, tivemos um quadro gravíssimo de desnutrição infantil. E aí houve toda uma atuação do Estado. Quando o Estado quer, ele atua. Houve muitas reportagens em 2006 e 2007 que retrataram de forma brutal essa desnutrição das comunidades, quando as pessoas simplesmente morriam de fome. E a partir do momento que essa questão foi minimamente resolvida, a atuação do Estado não mais passou a ser prioritária. E ainda índices de violência elevadíssimos, na faixa de 150, 160 homicídios por 100 mil habitantes. Em São Paulo, o índice é de 8 a 9. O índice de alerta da Organização Mundial da Saúde - OMS é 10 e no Brasil é 25 ou 24. E, mesmo com as nossas ações, os índices permanecem. Não há uma atuação sistêmica, global.
O Estado age sempre de forma pontual e demandada pela ação judicial. Não tem uma política que venha contemplar de forma expressiva essa população. Então, talvez apenas quando houver uma determinação internacional, uma condenação na corte interamericana, é que o governo vai se mobilizar. Algo semelhante à Lei Maria da Penha. A violência contra a mulher é uma realidade no país. Mas, apenas quando houve a condenação houve toda essa mobilização de aprovação da legislação, construção de centros e tudo mais. O conhecimento do problema era de todas as autoridades, mas não havia uma mobilização para a sua solução.
A situação dos Guarani Kaiowá é semelhante. Não há como colocar ar de surpresa e dizer que não sabia. Como não sabia? Há agentes públicos aqui há quase 100 anos, em contato direto com essa realidade. Como é que o governo vai desconhecer isso. Não estamos falando de uma comunidade recém contatada, com outros problemas. Estou falando de uma realidade em que as reservas do Mato Grosso do Sul existem há quase 100 anos. 
Essa é outra questão. Muitas vezes as pessoas naturalizam e colocam que lugar de índio é na reserva. Como se a reserva fosse local de índio. A reserva é um local que foi escolhido, determinado para abrigar indígenas. Tem um livro de Couto Magalhães chamado Os Selvagens (Itatiaia Editora: Belo Horizonte, 1975), que é praticamente a política governamental indígena. Essa época em que se passa Os Selvagens, nos Estados Unidos estavam discutindo o que iriam fazer com os indíos. Iriam exterminá-los, mas o extermínio era muito caro porque as guerras são muito caras e há uma reação pública a tudo isso. Paralelamente a discussão dessa posição dos Estados Unidos, o custo das guerras indígenas que ocorreram tanto no Chile quanto na Argentina também são levados em conta e se pensa: “não, as guerras são muito custosas e com certeza serão o mesmo no Brasil. Então, é interessante pegar esse um milhão de braços e utilizar para explorar como mão de obra nas lavouras para colonizar o país”. E as reservas são nesse sentido. São espaços para colocação de mão de obra, que era utilizada nas fazendas. Os indígenas foram usados como mão de obra na cultura de erva-mate. Depois nas fazendas, para derrubada de mata, plantio de gramas. Nas década de 60, 70 passaram a atuar nas lavouras de cana.
Então, na linha de Os Selvagens, o indígena foi essa mão de obra que foi usada ao invés de exterminar. Mas para que fossem feitas as reservas você teve que retirar populações. E há 100 anos essas populações indígenas são retiradas. Essas reservas são, do ponto de visto jurídico, campos de deslocados internos. Que é, na verdade, uma espécie de parente do refugiado. Só que o refugiado tem esse viés externo, fora do país. O deslocado interno é aquele deslocado de sua área, mas que fica dentro de seu país. É o caso da Nigéria, agora, por exemplo, BoKo Haram. E no Brasil não foi nenhum grupo terrorista, foi o próprio Estado Brasileiro que fez todo processo de retirada.
Os índios e Copacabana
E nesse sentido que volto ao exemplo de Copacabana. “Se os indígenas quiserem nossa Copacabana, o que vamos fazer?”, dizem. Ora, e o que esses mesmos senhores que fazem toda essa declaração pomposa fariam se um caminhão encostasse na porta do prédio deles em Copacabana, no Rio de Janeiro, pegasse todos os pertences, com a família e todos os parentes e os levasse a 400 quilômetros de distância. O que fariam? Isso foi feito com os indígenas aqui. E nós estamos falando em 1978, 1993, 1994. Não estamos falando em 1500, 1600. Mesmo assim, há uma dificuldade em se reparar essas comunidades.
Essa questão do marco temporal também é interessante. O próprio Supremo Tribunal Federal - STF, a ministra Carmem Lúcia, entendeu que reparações econômicas de crimes contra humanidade são imprescritíveis. Então, se fui torturado eu posso demandar do Estado sem qualquer marco temporal. Se o fato for hoje, posso entrar com reparação econômica contra o Estado daqui há 20 ou 30 anos. Ora, e a reparação que visa estabelecer a dignidade dessas comunidades? Aí se estabelece um marco temporal. Se você não estava em seu território em 1988, não tem direito a reparação. Mas porque a diferença? Também nesse caso, se estabelece uma diferenciação. Uma diferenciação que havia lá no século XVI, entre humanos e não humanos. Será que os índios são humanos ou não humanos? Será que tem alma? Então, para os humanos há flexibilidade e para os não humanos se estabelece o marco temporal.
Por João Vitor Santos e Ricardo Machado