carta maior
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Chile-o-outro-terrorismo/6/31815
Oscar Cornejo Rideau
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Chile: o outro terrorismo
O raciocínio que coloca no mesmo saco o novo governo, a criminalidade, estudantes, mapuches e a desaceleração da economia é terrorismo antigo no Chile.
O atentado que aconteceu no metrô é um fato gravíssimo e totalmente condenável. Isso não está em discussão. Entretanto, deste lamentável acontecimento, proliferaram-se outros fatos que são ainda mais inquietantes, diante dos quais é preciso estar em alerta máximo, sobretudo porque eles têm a capacidade de alterar severamente o Estado de Direito e a vida das pessoas.
Após a explosão, a mídia fez uma cobertura típica de tabloide sensacionalista e apresentou todo tipo de hipótese, conectando gratuitamente casos que não têm qualquer tipo de relação lógica. Por exemplo, os roubos de caixas eletrônicos com avisos de bomba, ou o assalto do carro-forte Brinks no aeroporto, com os pacotes suspeitos encontrados no metrô.
Em meio deste frenesi conspirativo, que é bastante esperável nesta situação, a tribuna foi oferecida a certas vozes que, com títulos de especialistas, deram declarações francamente inaceitáveis.
Para mencionar apenas uma delas, no canal 13, em uma entrevista ao vivo que durou cerca de duas horas, o senhor Jorge Valdés, especialista em segurança, declarou reiteradamente que era urgente que a lei antiterrorista retornasse mais severa. Sugeriu incorporar mecanismos como infiltração de agentes do Estado nas “juntas de vizinhos, sindicatos e nas universidades”, porque, segundo ele, uma grande organização terrorista com “formação no Chile e no exterior” estava por trás de “todas as explosões” e buscava “impor o terror” no país. A seu ver, era “evidente que estes grupos estavam instruídos pelo grupo Lautaro e por diversas organizações anarquistas”, que agora se sentiam em plena liberdade para atuar. Estas funções, de tão necessárias, deveriam ser implementadas imediatamente, mesmo se a lei não as contemplasse.
Em tom similar, o ex-chefe nacional da inteligência argumentava que o ministro Hinzpeter fora injustamente criticado por querer impor “mão dura” em meio ao clima de caos que imperava no país, e que foi um profundo erro não aplicar a lei antiterrorista toda vez que fosse necessário, por exemplo, nos atentados da Araucanía.
Tais declarações se somam a outra que afirmavam todo tipo de coisa, como a necessária incorporação de tropas especiais no conflito mapuche, a eliminação de “garantias excessivas” para os encapuzados, até barbaridades ditas por transeuntes entrevistados “ao acaso” que iam desde “levar os militares para as ruas” até o retorno da prisão por suspeita. Todas elas seguidas das repetições de reportagens infelizes sobre grupos anárquicos, algumas com erros tão grosseiros como aquele que afirmava, sem pudores, que dentro das facções mais perigosas dos “terroristas”, estavam os denominados “veganos”.
Em tudo isto, o governo também não ficou para trás, invocando a lei antiterrorista sucessivas vezes, a mesma que havia se comprometido a não usar, e que recebeu severas críticas por parte de organismos internacionais por violar os direitos humanos, a proporcionalidade da pena, a não discriminação racial, entre outros princípios mínimos de justiça.
Para além dos exemplos, que são muitos, urge que a cidadania esteja extremamente atenta ao possível uso mal-intencionado dos acontecimentos feito por certas pessoas cujos fins políticos e ideológicos não são exatamente os de proteger, mas de propiciar um falso clima de pânico em que se justifique a fragilização das garantias constitucionais e criminalize os movimentos sociais, tirando de cena as demandas de fundo que foram sustentadas pela população.
A inescrupulosa ligação dos acontecimentos que pretende colocar no mesmo saco o novo governo, a criminalidade, os estudantes, os mapuches e a desaceleração da economia não é uma estratégia nova na política nacional, mas faz parte do comum repertório dos grupos minoritários que veem seus interesses ameaçados pelo empoderamento dos cidadãos. São eles que, apesar de não andarem encapuzados e de usarem armas mais refinadas do que latas de conserva com pólvora, formam as verdadeiras associações terroristas que prejudicam o país.
A principal recomendação nesta situação é permanecer em constante suspeita, condenando severamente o ataque de inocentes, mas não se deixar enganar pelas armadilhas do discursos de setores ainda mais extremistas que os autores do atentado, pois apenas uma cidadania crítica pode estar realmente a salvo do terrorismo, em qualquer uma das múltiplas formas como ele se apresenta.
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Oscar Cornejo Rideau é estudante de humanidades e ensaísta.
A tradução é de Daniella Cambaúva.
Após a explosão, a mídia fez uma cobertura típica de tabloide sensacionalista e apresentou todo tipo de hipótese, conectando gratuitamente casos que não têm qualquer tipo de relação lógica. Por exemplo, os roubos de caixas eletrônicos com avisos de bomba, ou o assalto do carro-forte Brinks no aeroporto, com os pacotes suspeitos encontrados no metrô.
Em meio deste frenesi conspirativo, que é bastante esperável nesta situação, a tribuna foi oferecida a certas vozes que, com títulos de especialistas, deram declarações francamente inaceitáveis.
Para mencionar apenas uma delas, no canal 13, em uma entrevista ao vivo que durou cerca de duas horas, o senhor Jorge Valdés, especialista em segurança, declarou reiteradamente que era urgente que a lei antiterrorista retornasse mais severa. Sugeriu incorporar mecanismos como infiltração de agentes do Estado nas “juntas de vizinhos, sindicatos e nas universidades”, porque, segundo ele, uma grande organização terrorista com “formação no Chile e no exterior” estava por trás de “todas as explosões” e buscava “impor o terror” no país. A seu ver, era “evidente que estes grupos estavam instruídos pelo grupo Lautaro e por diversas organizações anarquistas”, que agora se sentiam em plena liberdade para atuar. Estas funções, de tão necessárias, deveriam ser implementadas imediatamente, mesmo se a lei não as contemplasse.
Em tom similar, o ex-chefe nacional da inteligência argumentava que o ministro Hinzpeter fora injustamente criticado por querer impor “mão dura” em meio ao clima de caos que imperava no país, e que foi um profundo erro não aplicar a lei antiterrorista toda vez que fosse necessário, por exemplo, nos atentados da Araucanía.
Tais declarações se somam a outra que afirmavam todo tipo de coisa, como a necessária incorporação de tropas especiais no conflito mapuche, a eliminação de “garantias excessivas” para os encapuzados, até barbaridades ditas por transeuntes entrevistados “ao acaso” que iam desde “levar os militares para as ruas” até o retorno da prisão por suspeita. Todas elas seguidas das repetições de reportagens infelizes sobre grupos anárquicos, algumas com erros tão grosseiros como aquele que afirmava, sem pudores, que dentro das facções mais perigosas dos “terroristas”, estavam os denominados “veganos”.
Em tudo isto, o governo também não ficou para trás, invocando a lei antiterrorista sucessivas vezes, a mesma que havia se comprometido a não usar, e que recebeu severas críticas por parte de organismos internacionais por violar os direitos humanos, a proporcionalidade da pena, a não discriminação racial, entre outros princípios mínimos de justiça.
Para além dos exemplos, que são muitos, urge que a cidadania esteja extremamente atenta ao possível uso mal-intencionado dos acontecimentos feito por certas pessoas cujos fins políticos e ideológicos não são exatamente os de proteger, mas de propiciar um falso clima de pânico em que se justifique a fragilização das garantias constitucionais e criminalize os movimentos sociais, tirando de cena as demandas de fundo que foram sustentadas pela população.
A inescrupulosa ligação dos acontecimentos que pretende colocar no mesmo saco o novo governo, a criminalidade, os estudantes, os mapuches e a desaceleração da economia não é uma estratégia nova na política nacional, mas faz parte do comum repertório dos grupos minoritários que veem seus interesses ameaçados pelo empoderamento dos cidadãos. São eles que, apesar de não andarem encapuzados e de usarem armas mais refinadas do que latas de conserva com pólvora, formam as verdadeiras associações terroristas que prejudicam o país.
A principal recomendação nesta situação é permanecer em constante suspeita, condenando severamente o ataque de inocentes, mas não se deixar enganar pelas armadilhas do discursos de setores ainda mais extremistas que os autores do atentado, pois apenas uma cidadania crítica pode estar realmente a salvo do terrorismo, em qualquer uma das múltiplas formas como ele se apresenta.
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Oscar Cornejo Rideau é estudante de humanidades e ensaísta.
A tradução é de Daniella Cambaúva.
Créditos da foto: Infolatam
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