sexta-feira, 13 de junho de 2014

Le Pen vs. Le Pen no ringue da extrema direita francesa

carta maior
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Le-Pen-vs-Le-Pen-no-ringue-da-extrema-direita-francesa/6/31131


Le Pen vs. Le Pen no ringue da extrema direita francesa

Marine Le Pen tenta colocar um disfarce democrático na ultradireita francesa. Mas seu pai tratou de tirar esta máscara ao proferir injúrias antissemitas


Eduardo Febbro, para o Pagina12
Mathias Destal / Flickr
O DNA ideológico e familiar não bastou para manter a unidade ou a continuidade dissimulada entre a história e o presente no seio do partido de extrema direita Frente Nacional. Jean-Marie Le Pen, o fundado do movimento ultradireitista francês, e sua filha, Marine Le Pen, a presidente atual do partido, estão brigados depois que o pai jogou pelo ralo todos os esforços que a filha fez para normalizar a extrema direita para fazê-la se passar por um partido a mais dentro da oferta democrática. A ruptura entre os dois se consumou com a decisão tomada pela Frente Nacional de fechar o blog que Jean-Marie Le Pen tinha no portal do FN, através do qual desatou a polêmica. Em sua crônica semanal de opinião difundida no portal, o presidente vitalício do Frente Nacional e recém reeleito eurodeputado atacou os artistas que criticam o FN e, especialmente, o cantor francês de origem judia, Patrick Bruel. O artista se negou a atuar nas localidades onde a ultradireita venceu as eleições municipais de março (mais de mil localidades), o que lhe valeu uma resposta muito do estilo de Jean-Marie. Jean disse que “da próxima vez o meteremos no forno.”
 
Esta piada imunda abriu uma caixa de Pandora e complicou a desdiabolização que a filha havia tentado com muito êxito. As reações não só vieram de fora como, sobretudo, de dentro do próprio partido e de sua presidenta. Marine Le Pen enfrentou o pai publicamente quando julgou suas declarações como “um erro político”. O pai, condenado duas vezes por negacionismo, voltou para a batalha. Jean-Marie Le Pen acha que a direção do partido que lhe criticou “deu um tiro no pé. Isto é estúpido, impactante e nojento. Estão me tratando de maneira indigna”,  declarou. Longe de se manter apenas nesse patamar, a polêmica subiu de tom dentro do movimento de extrema-direita. O antagonismo pai e filha é um veneno perigoso para Marine, não só porque põe a mostra as origens irrecusáveis da extrema direita fancesa, como também porque se coloca no caminho justo no momento em que a líder do Frente está negociando para criar seu próprio grupo político dentro do Parlamento Europeu. No entanto, os privilégios necessários para a formação de um grupo autônomo no Parlamento de Estrasburgo não são conseguidos facilmente. Marine Le Pen se choca precisamente com a oposição de outros partidos de ultradireita ou populistas da Europa, como o britânico UKIP, de Nigel Farage, que reprovam seu antissemitismo  
 
As eleições européias do mês de maio levaram o Frente Nacional a seu topo. Com 26 por cento dos votos, o FN se tornou o partido em primeiro lugar na França, a frente do conservador UMP e do governante Partido Socialista. Guardião da linhagem histórica da ultradireita, Jean-Marie Le Pen irrompeu para complicar seu novo desenho. No entanto, as reações de sua própria filha e de outros pesos pesados do movimento deixam entrever que a guerra não é somente entre pai e filha, mas muito mais densa.
 
Marine Le Pen parece ver no gesto de seu pai mãos que agem às escondidas, como se alguém estivesse dinamitando seu trabalho de limpeza. “Àqueles que colocam em dúvida minha linha política ou minha estratégia, não lhes resta nada senão encontrar um candidato para o próximo congresso” (que ocorrerá em novembro), declarou Marine Le Pen, ao que o pai respondeu: “não criem problemas, não serei candidato”. Espetáculo pouco usual na extrema direita. Um dos deputados mais conhecidos do FN, o célebre advogado Gilbert Collard, recomendou a Jean-Marie que seguisse os passos do rei espanhol Juan Carlos e se aposentasse.

Desde que tomou as rédeas do partido em janeiro de 2011, Marine Le Pen se empenhou em limpar a bagunça de seu pai. A herdeira qualificou os campos de concentração como “o sumo da barbárie” e até ameaçou de ir à justiça contra quem declarasse que o Frente Nacional era de “extrema direita”. Em pleno auge da restauração, o FN passou de partido maldito para ser um movimento a mais com seus modos reatualizados pela filha de Le Pen: partido popular, republicano, nacionalista, atual, sem laço algum com os fachos nostálgicos da colonização ou com a simbologia nazista. O pai saiu dizendo que não, que eles seguem ainda este caminho e são o coração da Frente Nacional, que esta singularidade extremista, antissemita e xenófoba está na raíz genética da extrema direita francesa.
 
Em 1987, Jean-Marie Le Pen criou uma polêmica internacional quando disse que as câmaras de gás eram “um detalhe da história”. Suas incursões verbais no antissemitismo mais hediondo são frequentes. Mas desta vez, quem recebeu o projétil foi sua filha. Para Marine Le Pen, as declarações do pai são uma humilhação; para os democratas, uma salvação. Vários editorialistas agredeceram o papai. Luc Le Vaillant escreveu no matutino Libération: “a única possibilidade que há de sobrevivência da democracia francesa é que Jean-Marie Le Pen seja eterno, que siga proferindo suas insanidades antissemitas”. Marine Le Pen colocou uma máscara de decência na extrema direita. Jean-Marie Le Pen a tirou.
 
Tradução de Roberto Brilhante

Nenhum comentário:

Postar um comentário