quinta-feira, 28 de junho de 2012

Desinformação e a ausência do Estado aumentam a intolerância e o ódio contra os Xavante de Marãiwatsédé


(atualizada às 22:53)
escrito por: Rizza Matos

Nos últimos dias os jornais de Mato Grosso e alguns veículos nacionais têm estampado em suas capas, a manifestação dos invasores (nome dado pela justiça a essas pessoas que ocuparam o território) da TI Marãiwatsédé, localizada no nordeste de Mato Grosso. No último sábado (24) o grupo interditou a BR 158. De lá para cá uma série de textos foram produzidos sobre o assunto. As informações veiculadas por sites e jornais de MT são atropelos e fomentam uma desinformação [proposital], alguns casos são tão escrachados que a terra indígena é chamada de Suiá Missu, nome da agropecuária que existia na região na década de 70, que dominou o território onde o povo Xavante vivia antes da chegada dos não-índios. 

O protesto dos invasores aconteceu dias depois do encontro entre o cacique Damião Paridzané, representante legítimo da comunidade Xavante de Marãiwatesédé,  o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, o Secretário de Articulação Social do governo federal, Paulo Maldos, e a presidente da FUNAI, Marta Azevedo, no dia 22, no Rio de Janeiro durante a Rio +20. Na ocasião o cacique e mais um grupo de 12 indígenas entregaram uma carta (leia a carta) pedindo solidariedade e justiça para a luta de seu povo que dura mais de 20 anos. 

As lideranças do governo marcaram uma visita a TI para julho e reforçaram que a desistrusão, que foi anunciada em maio, deveria começar imediatamente. E depois de dois dias os invasores, ligados a Associação dos Produtores da Gleba Suiá Missú (Aprosum) liderados por Renato Teixeira (porta-voz do grupo) e pelo advogado Luís Alfredo, interditaram a BR 158, protestando contra a decisão do TRF, que no último dia 15 de maio derrubou a liminar que garantia a permanência dos invasores na área. (a reportagem tentou entrar em contato com advogado, mas ele não respondeu. Segundo informações da mídia, haviam mais de 300 manifestantes, inclusive alguns indígenas Xavantes. 



Em entrevista ao jornalista Rene Dioz, o coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Ribeirão Cascalheira, que atua junto a TI disse que “ um ônibus com 42 índios xavantes foi interceptado na noite do último sábado (23) saindo da região de Maraiwatsede. Os índios haviam sido levados para participar das manifestações encabeçadas por cerca de 300 posseiros. Segundo o representante da Funai, descobriu-se que eram todos Xavantes de aldeias nas imediações de cidades como Campinápolis, Barra do Garças e Água Boa. O ônibus havia sido fretado pela Associação dos Produtores da Gleba Suiá Missú (Aprosum), informou o coordenador”. 

Quanto vale a desinformação? 

Seguido das manifestações, duas pontes foram incendiadas na BR 158 que é a única via de acesso para a maioria das cidades da região norte Araguaia. Não se sabe quem foi. As fotos estão sendo amplamente divulgadas na internet, e isso vem fazendo com que internautas, sobretudo, as pessoas que vivem na região mostrem sua intolerância, ódio aos indígenas e mostrem o grau de desinformação que possuem. Regionalmente falando, grande parte da população do Araguaia é a favor dos invasores e consideram os índios “problema”, “preguiçosos” “ pessoas que impedem o progresso” . São trechos de publicações no facebook, na minha página pessoal em uma notícia sobre Marawatsédé. Em uma dessas inúmeros manifestações populares nas redes sociais, uma usuária foi ainda mais longe. Ao fazer o comentário sobre as pontes ela dispara palavrões contra os índios e também demostra sua indignação:



E até agora, o estado de Mato Grosso não se posicionou oficialmente sobre os últimos acontecimentos e continua inerte. Para Maria José, representante dos Direitos Humanos, da prelazia de São Félix do Araguaia,  que acompanha a questão há mais de 10 anos, diz que ausência do estado agrava a situação. “Em todo esse tempo, foram poucas as conquistas, o primeiro fato importante foi o retorno dos Xavante, obrigando o Estado a tomar providências; outro fato significativo foram as decisões da Justiça Federal (1ª e 2ª instâncias), determinando a retirada de todos os não-indígenas da TI Xavante; apesar das decisões tudo continuou como se nada tivesse acontecido, possibilitando que os invasores se articulassem, mantendo-se na TI ; isto foi um grande retrocesso, pelo qual o próprio Estado é responsável”, afirmou. 

Resumindo: Um povo tenta voltar a seu local de origem, o governo reconhece, outorga a terra, mas o povo não consegue voltar porque a terra foi dividida e vendida a pessoas que se instalaram na região e criaram um sociedade rural e que impulsionou a migração e a ocupação desse lugar que até a década de 60 era despovoado. E hoje essas pessoas se tornaram a sociedade da região, possuem propriedade, bens familias, tradições e possuem mais dinheiro. Os Xavantes ficaram sem terra.  depois de serem retirados muitos morreram vítimas do contágio com doenças dos não-índios,  nômades passaram por várias aldeias, tiveram que morar do lado de fora da cerca que os impedia de entrar no seu território.

A Justiça já decidiu sobre o caso, mas existem muitos  recursos e muitas instâncias  que retardam a cumprimento da decisão.

A ideia amplamente divulgada na região do conflito é de que os intrusos são os Xavantes e são eles que devem sair.  E esse conflito não pode ganhar adeptos, não podemos admitir um retrocesso na forma em que nos relacionamos. Enquanto sociedade, temos que ser tolerantes aos diferentes povos, costumes, saber negociar, exigir, ceder, mas é preciso ter uma postura firme, porque senão o sistema  engole.

Na lógica do capital não faz sentido entregar uma terra que está devastada, desmatada (ideal para o agronegócio) para um grupo de Índios que não vai render nem 1 milhão de reais por ano. Essa é a conta. Porque tirar pessoas que estão criando gados, que plantam soja, que possuem negócios e que são responsáveis por uma parcela do comércio rural do estado? E se a terra for devolvida aos Xavantes, esse produtores serão obrigados a pagar multas altíssimas pelo desmatamento que fizeram na área.

No local do conflito, a demora do governo estadual e do governo federal dão margem para que os conflitos se intensifiquem, o que favorece que o clima de terror seja instaurado e toda essa situação é agravada com as informações que circulam livremente.  Uma informação errada, engatilha situações que complicam ainda mais, um compartilha o que outro faz, e de repente temos um movimento. E pessoas que muitas vezes nem possuem ligações diretas com a situação expressam os seus sentimentos de ódio, intolerância a um povo que é seu vizinho, isso tudo com ajuda dos meios de comunicação, sobretudo a internet, onde as informações circulam mais rapidamente e tem a facilidades de serem replicadas na vida real. Aquilo que você lê no Facebook, um rede social, com várias situações impossíveis de serem realizadas da dimensão real pode ser verdadeiro e fazer sentido fora da rede. 

O que essa jovem da imagem escreveu no facebook reflete pensamento de muita gente. Pois, um dos problemas sociais ocasionados por essa retirada será a possibilidade do  fim do município de Alto Boa Vista. Mas do mesmo jeito que existem pessoas em Alto Boa Vista, existem pessoas na aldeia de Maraiwãtsédé. São indivíduos  que possuem famílias, irmãos, tios, que possuem lembranças, vivendo na mãe terra, seguindo a ordem natural da vida. Mas as diferenças ideológicas e as barreiras impostas por um conjunto de situações impôs que essas pessoas fossem inimigas. O discurso que fomenta esse ódio é o mesmo desde sempre: "Nós vamos transformar tudo isso em lavoura de soja e em pasto, vamos trazer o progresso e o desenvolvimento. Nos aguarde, vamos tirar os índios daqui e viveremos felizes para sempre" 

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