domingo, 10 de maio de 2015

Jornalistas francesas vítimas de machismo

carta
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Jornalistas francesas vítimas de machismo

Jornalistas publicaram um manifesto onde relataram casos de políticos machistas, que fazem desde piadas e elogios a convites e insinuações.


Leneide Duarte-Plon, de Paris
MacPepper / Flickr
A denúncia de 40 jornalistas francesas em forma de manifesto revela que mesmo numa democracia madura e altamente politizada as mulheres têm que se proteger do assédio dos homens que vivem no universo da política.
 
Na terça-feira, 5 de maio, 40 jornalistas que cobrem política publicaram no jornal Libération o manifesto intitulado « Bas les pattes » (Tirem as mãos) no qual relataram casos de um machismo anacrônico que vai de piadas e elogios a convites e insinuações. As jornalistas mais jovens ou que exercem a profissão em caráter precário não tiveram coragem de assinar o próprio nome. Mas as mais experientes não somente assinaram como deram longas entrevistas em programas políticos de rádio e TV a fim de denunciar « o machismo de que são vítimas no exercício da profissão ».
 
Elas cobrem o mundo político numa das cidades mais civilizadas da Europa mas vivem no quotidiano o machismo ordinário, que no imaginário coletivo é característico dos países latino-americanos. No convívio com « eleitos do povo », ministros ou seus assessores, as jornalistas vivem situações que envergonhariam os eleitores de muitos deles.
 
Uma « informação » em troca de um « aperitivo », observações quanto a um decote que insinua apenas um colo ou elogios à elegância ou às belas pernas de moças que cobrem os trabalhos parlamentares são constrangimentos a que se viam expostas diversas profissionais. Até descobrir em conversas entre colegas que era um comportamento recorrente. Reunidas, resolveram dizer « basta ». Libération fez uma manchete de primeira página sem fotos, com o peso no título e no inusitado da denúncia do manifesto.
 
« Pensávamos que o caso Dominique Strauss-Kahn tinha ocasionado mudanças e que as atitudes machistas, símbolo de um atraso na cidadania e na política estavam em vias de extinção. Nada disso », diz o texto.
 
Quanto ao nome de políticos que ultrapassam a linha vermelha, as jornalistas preferiram calar. Queriam denunciar práticas inaceitáveis e não as pessoas que as praticam, estigmatizando-as. Das 40 jornalistas que se dizem vítimas de machismo, somente 16 assinaram seus nomes e o nome da mídia para a qual trabalham. As outras se recusaram a assinar para não ser prejudicadas nas próprias redações, o que mostra que a luta antimachismo não é uma unanimidade.
 
Histórias de amor entre políticos e jornalistas
 
Os excessos e os constrangimentos devem diminuir com a denúncia da prática de assédio. Mas histórias de amor entre políticos e jornalistas vão sempre existir. O próprio Dominique Strauss-Kahn foi casado muitos anos com a jornalista Anne Sinclair até o fatídico acontecimento do Sofitel de Nova York, em 2011. François Hollande separou-se de Ségolène Royal - com quem nunca foi casado - depois de conhecer Valérie Trierweiler, jornalista de Paris Match. A relação durou até o ano passado, quando a França e o mundo descobriram estupefatos que por baixo da aparente falta de atrativos físicos de Hollande se esconde um don Juan.  
 
A sociedade francesa percorreu um longo caminho para chegar ao século XXI com garantias de direitos e liberdades iguais para os dois sexos. Apesar disso, na Câmara dos Deputados (Assemblée Legislative), apenas 27% dos eleitos são mulheres. Não é ainda o ideal mas é um grande progresso quando se sabe que até 1944 as mulheres francesas não podiam sequer votar, muito menos eleger outras mulheres para a Câmara ou o Senado. Mas falta ainda eleger uma mulher para a presidência da República, como o Brasil, o Chile ou a Argentina já fizeram.
 
Parece difícil de conceber hoje, mas até 1965 as francesas não podiam ter uma conta bancária. E mais, não podiam exercer uma atividade profissional sem o consentimento do marido.
 
Maio de 68 serviu para sacudir o conservadorismo da França em diversos campos. Graças ao movimento feminista que preconizava « mon corps m’appartient », em 1975 as francesas se tornaram totalmente donas de seus corpos : a lei Simone Veil, ministra da Saúde, garantiu às mulheres o direito de decidir se querem ou não levar a termo uma gravidez. As que não podem ou não querem ter um filho têm a total liberdade de fazer um IVG (Interrupção voluntária da gravidez) em total segurança e gratuitamente em qualquer hospital público. Foi a primeira coisa que me perguntaram no Hospital Rothschild quando, recém-chegada a Paris no ano da implantação da lei Veil, o médico confirmou minha gravidez. Se tivesse optado por fazer o IVG, o próprio hospital marcaria os exames e o dia.
 
O Brasil já elegeu uma presidente. Resta saber quando as brasileiras vão poder realizar um aborto sem infringir a lei ou, pior, colocar a vida em risco.

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