sábado, 16 de agosto de 2014

O Lado Sombrio do Brasil

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O Lado Sombrio do Brasil

Brasil: evoca Carnaval, Copacabana e a Copa do Mundo da FIFA.

Mas arranhando a superfície você irá encontrar um lado mais sombrio, porque esquecido da imagem popular do Brasil é o chocante tratamento de seus primeiros povos.

Seus estádios de futebol são construídos sobre terras indígenas e sua riqueza recém-descoberta vem da desapropriação de índios e do roubo de suas terras.

Agora o Brasil está planejando um novo assalto em seus primeiros povos: visando as terras que eles conseguiram manter.

Tome ação ↓ 

 

Fantasmas da Copa do Mundo

Quando os primeiros europeus chegaram ao Brasil em 1500, era o lar de mais de 10 milhões de índios. Cinco séculos de assassinatos, torturas, doenças e exploração devastaram esta população, e na década de 1950 sua população havia caído para cerca de 100.000.
O eminente senador e antropólogo Darcy Ribeiro estimou que durante o século passado uma tribo foi extinguido a cada ano e ele previu que não haveria um único índio em 1980. Acredita-se que quase 1.500 tribos foram extintas desde 1500.
Outras são tão reduzidas em tamanho que numeram menos que as 11 pessoas em um time de futebol:
5: A tribo Akuntsu (estado de Rondônia)
4: A tribo Juma (estado de Amazonas)
3: A tribo Piripkura (estado de Rondônia)
2: Os índios do Rio Tapirapé (estado de Maranhão)
1: ‘O último de sua tribo’/O homem do buraco (estado de Rondônia)
Os últimos sobreviventes da tribo Akuntsu.
©Survival

Os Estádios

No menor estádio, em Curitiba (capacidade: 41.456), caberia a maior tribo amazônica (os Tikuna: população 40.000) com assentos de sobra.
O estádio com a maior capacidade é o Maracanã no Rio (capacidade: 76.804). A audiência será bastante maior do que a tribo maior do Brasil, os Guarani (população: 51.000), alguns dos quais vivem a apenas 50km de Rio.

Estádios de Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Curitiba

Estas cidades estão em estados que hoje têm alguns dos conflitos de terras mais agudos. As tribos que vivem no sul do Brasil – os Guarani Mbyá, Guarani Ñandeva, Kaingang, Xokleng e Xetá – vivem em pequenas parcelas de terras, porque colonos têm roubado a maioria de seus territórios.
Tribo ameaçada: Os Xetá foram quase totalmente exterminados nos anos de 1950, porque suas terras foram roubadas deles. Em 1999, tinha somente 8 sobreviventes, três homens e cinco mulheres, todos da mesma família.
As terras ancestrais dos Guarani foram roubadas deles e ocupados por fazendeiros e plantações de cana-de-açúcar, e as florestas têm sido destruídas. Alguns índios são forçados a morar na beira da estrada.
© Paul Borhaug/Survival International

Maracanã, Rio de Janeiro

Maracanã é uma palavra indígena Tupi que significa papagaio. (Também pode se referir a maraca-na – um chocalho com sementes usado nas cerimônias religiosas dos Guarani). O nome verdadeiro é Estádio Mário Filho.
Quando o trabalho de reconstrução começou para a Copa do Mundo, um grupo de 70 índios de 17 diferentes tribos que estavam ocupando uma mansão abandonada do século 19 perto do estádio foram expulsos, e suas casas destruídas, pela criação de um grande estacionamento de carros, e um museu de futebol. Os índios queriam que o prédio fosse preservado como um Centro Cultural Indígena.
Esta mansão colonial foi a casa do primeiro instituto de pesquisa cultural indígena no Brasil em 1910. Pouco depois, tornou-se o escritório principal do Serviço de Proteção ao Índio, hoje Funai. Até 1978, era a sede do Museu dos Povos Indígenas no Brasil.
Tribo extinta: A tribo Goitacá que viveu ao longo da costa do Rio foi exterminada em um conflito armado com os colonos europeus.

Estádio de Cuiabá, Estado de Mato Grosso

Tribos que vivem nesta área incluem os Nambiquara, Umutina e Pareci.
 
Os Umutina foram dizimados por sarampo e outras doenças. Numeravam 400 em 1862, mas em 1943, eram apenas 72. Sua população está agora recuperando lentamente.
Os Nambiquara sofreram terrivelmente quando a rodovia BR 364, financiada pelo Banco Mundial, foi cirada no vale fértil que era sua terra. Eles numeravam 7.000 em 1915, mas em 1975 apenas 530 deles permaneciam.
Hoje, a população dos Nambiquara é de 2.000, mas suas terras ainda estão sendo invadidas por garimpeiros de diamantes, madeireiros e fazendeiros.
‘Eles enfrentaram cães, correntes, armas Winchester, metralhadoras, napalm, arsênico, roupas contaminadas com varíola, falsos certificados, remoções, deportações, estradas, cercas, incêndios, ervas daninhas, gado, os decretos de lei e a negação dos fatos.’ Darcy Ribeiro, senador e antropólogo brasileiro.
Tribo ameaçada:1.400 km de Cuiabá (quase equidistante entre os estádios de Manaus e Cuiabá), vivem os Kawahiva, umas das tribos isoladas mais ameaçadas do mundo.
© C Levi-Strauss

Estádio de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais

Aproximadamente 100 km ao nordeste de Belo Horizonte é uma terra indígena chamada ‘Fazenda Guarani’, habitada por índios Krenak e Pataxó. Ambos sofreram grande perdas quando tentaram impedir a expansão da fronteira colonial.
Na década de 1960, o Estado brasileiro estabeleceu duas prisões secretas administradas por polícias militares para punir e reformar indígenas que resistiram às invasões de seus territórios. Um ex-presidiário os chamou de campos de concentração onde os índios foram forçados a trabalhar, e batidos e colocados em confinamento solitário se eles recusavam. ‘Eu fui presidiário aqui por doze anos. A polícia bateu nos Krenak tanto que tínhamos que banhar com água e sal depois.’ Manelão Pankararu
A Comissão Nacional da Verdade do Brasil está investigando os maus tratos dos indígenas nas prisões.
Tribo ameaçada: Os Krenak numeram hoje somente 350.
 




Estádio de Manaus

Manaus, a capital do estado de Amazonas, é a única cidade amazônica a sediar a Copa do Mundo. O estádio foi construído no estilo de uma cesta indígena.
Tribo extinta: Manaus tem o nome da tribo Manáos, agora extinta. Os Manáos lutaram contra o domínio portuguesa, liderados pelo seu grande líder Ajuricaba que uniu várias tribos para resistir, mas foi eventualmente derrotado.
Manaus cresceu muito no final do século XIX, com a riqueza do ciclo da borracha. Dezenas de milhares de indígenas foram escravizados e forçados à cortar seringa. Atrocidades terríveis aconteceram com os índios – milhares morreram torturados, ou de doenças e desnutrição. Alguns indígenas evitaram a escravidão se retirando para as cabeceiras remotas dos tributários na Amazônia, onde hoje eles evitam qualquer contato com a sociedade nacional.
Cem quilômetros de Manaus é a terra dos índios Waimiri Atroari. A partir do século XVIII, essa tribo valentemente resistiu invasões dos caçadores e seringueiros, e muitos morreram em conflitos violentos, mas o contato foi feito na década de 1970, quando o governo criou uma estrada que atravessou suas terras. Centenas de pessoas morreram de doenças e em confrontos violentos com as tropas do exército enviados para reprimir sua resistência contra a estrada. O General Gentil Nogueira Paes disse, ‘A estrada tem que ser concluída mesmo que tenhamos que abrir fogo nesses índios assassinos se for preciso. Eles já nos desafiaram fortemente e eles estão obstaculizando a construção.’ A Comissão Nacional da Verdade do Brasil está investigando as atrocidades contra os Waimiri Atroari durante esse período.
Tribo ameaçada: A população dos Waimiri Atroari havia caído de 6.000 para 374, a população em 1988. Hoje são mais de 1.500. Acredita-se que pelo menos um grupo de índios isolados vive em seu território.
Tribo ameaçada: Apenas 370 km de Manaus há duas tribos isoladas. No Brasil, tem mais tribos isoladas que em qualquer outro pais: a Funai estima que existam até 80 grupos isolados. Muitos, como os Kawahiva e os Awáestão em fuga dos madeireiros fortemente armados e fazendeiros que estão destruindo sua floresta.
© Fiona Watson/Survival

Estádio do Brasília

Tribo ameaçada: Apenas cinco horas de carro de Brasília, pequenos grupos de índios se escondem. Eles são os Avá Canoeiro que agora são somente 24 pessoas – os últimos remanescentes de uma tribo orgulhosa e forte que tem estado na fuga desde 1780, e agora está na beira da extinção. No início da década de 1980, centenas de trabalhadores de construção chegaram para construir uma usina hidrelétrica no Rio Tocantins, na terra dos Avá Canoeiro.
O lago da barragem inundou o último refúgio dos índios, e sua terra para caçar. Quando a construção começou, a Funai montou uma missão urgente para contactar os grupos restantes – logo ficou claro que poucos Avá Canoeiro tinham sobrevivido. Em 1983, eles eventualmente contactaram um casal de Avá Canoeiro, Iawi e Tuia, e a mãe e tia de Tuia, Matcha e Naquatcha. O pequeno grupo tinha sobrevivido um massacre cruel em 1962, e depois tinha passado 20 anos se escondendo em cavernas no alto das montanhas.
Iawi e Tuia tiveram dois filhos, Trumak e Putdjawa que tem um filho chamado Paxeo, com um índio Tupirapé.
Outro pequeno grupo de Avá Canoeiro, totalizando em torno de uma dúzia de pessoas, foi contatado em 1973. Quase todos tiveram cicatrizes das balas dos pistoleiros contratados pelo rancho Camagua, propriedade de um banco brasileiro. O grupo foi encontrado morando escondido em um pântano – o seu último refúgio que tinha sido seu terra de caça, agora dividida por cercas de arame farpado – e os índios estavam sofrendo de desnutrição. Este grupo tem menos de 20 pessoas.
© Walter Sanches/FUNAI

Estádios do Nordeste: Recife, Salvador, Fortaleza e Natal

Das 23 tribos da costa do nordeste, apenas os Fulnio retêm sua língua.
 
Esta área foi uma das primeiras a serem colonizadas. Hoje é o local de alguns dos mais amargos conflitos de terra. Os Pataxó Hã Hã Hãe têm lutado pelos direitos territoriais por décadas, durante as quais foram sujeitos à violência e ao assassinato de seus líderes.
Seis horas de carro ao sul de Salvador, os índios Tupinambá são frequentemente ameaçados pela polícia, que tem invadido suas aldeias para expulsá-los de suas terras em favor de fazendas de gados. Em agosto de 2013 quatro índios Tupinambá foram assassinados e seus corpos mutilados, e 26 casas destruídas.

Dinheiro

O governo do Brasil está gastando pelo menos EUA$791 milhões para pagar pela segurança durante a Copa do Mundo. Uma soma semelhante pagaria pelo menos três vezes o orçamento anual da Funai – Fundação Nacional do Índio.

FIFA ignora a história dos povos indígenas do Brasil

No seu siteFIFA não menciona os indígenas:

FIFA diz: ‘Oficialmente, contudo, o português Pedro Alvares Cabral é considerado como o descobridor do Brasil. Sua frota, procurando as Índias, desembarcou no sul de o que hoje se chama Bahia dia 22 de abril de 1500’.
O líder indígena Davi Kopenawa Yanomami diz: Os brancos clamam hoje: ‘Nós descobrimos a terra do Brasil!’ Isso não passa de uma mentira. Ela existe desde sempre e Omama nos criou com ela. Nossos ancestrais a conheciam desde sempre. Ela não foi descoberta pelos brancos! Mas os brancos continuam a mentir para si mesmos pensando que descobriram esta terra! Como se ela estivesse vazia!
‘Nós descobrimos estas terras! Possuímos os livros e, por isso, somos importantes!’, dizem os brancos. Mas são apenas palavras de mentira. Eles não fizeram mais que tomar as terras das gentes da floresta para se pôr a devastá-Ias. Eu sou filho dos antigos Yanomami, habito a floresta onde viviam os meus desde que nasci e eu não digo a todos os brancos que a descobri! Ela sempre esteve ali, antes de mim. Eu não digo: ‘Eu descobri esta terra porque meus olhos caíram sobre ela, portanto a possuo!’ Ela existe desde sempre, antes de mim. Eu não digo: ‘Eu descobri o céu!’ Também não clamo: ‘Eu descobri os peixes, eu descobri a caça!’ Eles sempre estiveram lá, desde os primeiros tempos.
© Sarah Shenker/Survival

Nenhuma palavra sobre os índios:

FIFA diz: ‘A floresta tropical brasileira é outra fonte de riquezas naturais, incluindo óleo de tungue, borracha, óleo de carnaúba, fibra de caroá, plantas medicinais, óleos vegetais, resinas, madeira para construção e várias madeiras utilizadas na fabricação de móveis. O Brasil também começou com a mineração recentemente, novamente aproveitando de seus abundantes recursos naturais.’
A realidade: A floresta não é apenas uma ‘fonte de riquezas naturais’; é a terra ancestral de centenas de milhares de índios, e muito dessa terra foi roubada deles ou destruída. A mineração em terras indígenas vem acontecendo há décadas.

Nenhuma palavra sobre os índios:

FIFA diz:‘O Brasil tem cerca de 190 milhões de habitantes: é o quinto país mais populoso da Terra. Quase 75 por cento da população é católico, e outros 26 milhões são protestantes. A comunidade judaica do Brasil é muito pequeno em comparação.’
‘A língua oficial é o português, mas muitos brasileiros falam outros idiomas de acordo com suas origens. O alemão e o italiano, por exemplo, são bastante prevalentes nas cidades do sul.’
A realidade: A grande maioria das línguas faladas no Brasil são línguas indígenas – mais de 200.

E os indígenas brasileiros têm sua própria versão de futebol

Alguns povos indígenas no Brasil têm seus próprios esportes parecidos ao futebol.
Os Pareci, por exemplo, que vivem a 100 km do estádio de Cuiabá, jogam xikunahity. O jogo é jogado por duas equipes de 10 homens em um retângulo, semelhante em tamanho a um campo de futebol, que ‘chutam’ a bola feita de mangaba com a cabeça. Normalmente, uma aldeia Pareci desafia outra para um jogo. Cada jogador traz objetos como anzóis e linha para o jogo, e as apostas são colocadas.
Os Enawene Nawe, a 400 km de Cuiabá, também jogam futebol de cabeça.
© Survival

O patrocinador da Copa do Mundo, Coca-Cola, usa índios para promover seus produtos – mas a empresa está implicada na luta territorial dos índios

A Coca-Cola usa uma imagem de um índio sorridente bebendo Coca-Cola, em sua publicidade. Mas a empresa está comprando açúcar da gigante alimentícia Bunge – que compra cana-de-açúcar de terras roubadas dos Guarani.
Um porta-voz Guarani disse: ‘A Coca-Cola tem de parar de comprar açúcar da Bunge. Enquanto essas empresas lucram, nós somos forçados a aguentar a fome, a miséria e os assassinatos’.
© Survival

A Coca-Cola usa uma imagem de um índio sorridente bebendo Coca-Cola, em sua publicidade. Mas a empresa está comprando açúcar da gigante alimentícia Bunge – que compra cana de açúcar de terras roubadas dos Guarani.

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Aja agora!

Os índios do Brasil precisam de sua ajuda. Sem apoio de fora, eles têm pouca chance de sobrevivência.
O Brasil é o lar de mais tribos isoladas do que em qualquer outro lugar do planeta. Eles são os mais vulneráveis de todos os povos do país.
Eles dependem completamente de sua floresta para sua sobrevivência, mas grande parte está sendo destruída para a exploração madeireira, pecuária, mega-barragens, estradas, exploração de petróleo e gás, e muito mais. O governo e os latifundiários agora estão planejando abrir suas terras ainda mais, para grandes projetos industriais.
Esses projetos e as ondas de imigrantes que atraem ameaçam dizimar inteiras comunidades isoladas, como tem acontecido tragicamente com inúmeras tribos no Brasil desde que foi colonizado pelos europeus há 500 anos.
Somente com suas terras intactas e protegidas para seu uso exclusivo, as tribos isoladas poderão sobreviver. Esta é uma das crises humanitárias mais graves do nosso tempo.
Os índios isolados do Brasil são os mais vulneráveis de todos os povos do país.
©Gleison Miranda/FUNAI/Survival

Saiba mais…

Para aprender mais sobre a história dos indígenas do Brasil, leia a reportagem da Survival ‘Deserdados’, que relata sua historia desde a invasão dos europeus até o ano 2000

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