Resposta à CNA sobre direitos dos povos indígenas e a desintrusão de Marãiwatsédé, no Mato Grosso
No último dia 11 de dezembro, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) divulgou nota oficial, apresentando elementos que não condizem com a realidade na desintrusão da Terra Indígena Marãiwatsédé, localizada no Mato Grosso. Assinada por Kátia Abreu, presidente da CNA e senadora do Tocantins pelo Partido Social Democrata (PSD), essa nota questiona a desintrusão e, em uma inversão mentirosa da história, chama os indígenas que vivem na área de “invasores”. A respeito das afirmações feitas pela CNA, por meio de sua presidente, incansável defensora dos interesses dos ruralistas, a Relatoria do Direito Humano à Terra, Território e Alimentação e a Plataforma Dhesca Brasil esclarecem que:
- Os Xavantes de Marãiwatsédé vivem na região desde o final do século XVIII, ou seja, há mais de duzentos anos, portanto, é inadmissível serem visto como “invasores”, mesmo por uma entidade de classe. Ao contrário, os Xavantes foram expulsos de suas terras em 1966 pelo Regime Militar, mas retornaram à região, sendo que o Estado brasileiro inclusive já reconheceu o direito territorial indígena nos anos 1990. Este reconhecimento se deu por Decreto Federal, publicado em 11 de dezembro de 1998, o qual estabeleceu a demarcação administrativa da Terra Indígena Marãiwatsédé, localizada nos Municípios de Alto Boa Vista e São Félix do Araguaia, Estado de Mato Grosso.
- É de conhecimento público, inclusive com notícias veiculadas na mídia nacional, que a presença de não índios em Marãiwatsédé (aqueles que não se recusam a reconhecer as terras como dos índios Xavantes a chamam de Suiá Missú) foi incentivada por políticos e se deu após essa decisão judicial de 1998.
- O processo de desintrusão da TI Marãiwatsédé é resultado do cumprimento de sentença da Justiça Federal de 2007, que determina a retirada de todos os não índios de Marãiwatsédé, e de decisão unânime da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que reconheceu e reafirmou o direito dos Xavante. Os desembargadores entenderam que os posseiros não têm nenhum direito a indenização, por se tratarem de “meros invasores da área, inexistindo possibilidade de ajuizamento de ação indenizatória”. Ao contrário do que afirma a nota da CNA, as decisões judiciais estão sendo respeitadas e a desintrusão é uma obrigação que o Executivo Federal está cumprindo.
- Os interesses da presidente da CNA vão além de sua defesa do “direito de propriedade dos produtores rurais”. Há um interesse em especial pela TI Maraiwãtsédé, tendo em vista que o advogado que representa a Associação dos Produtores Rurais da Suiá Missu, entidade que defende os invasores, é Luiz Alfredo Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu.
- A Constituição Brasileira estabelece que os índios têm direito à “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Desta forma, a retirada de não índios de Marãiwatsédé não só é legítima como uma obrigação do Executivo Federal.
Ainda, diante desse mandato constitucional, o respeito à Constituição é especialmente extensivo às pessoas investidas em cargos públicos, o que inclui ministros de Estado. Neste sentido, repudiamos declarações feitas pelo Ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, em artigo publicado na edição do dia 15 de dezembro do jornal “Diário de São Paulo”. Nesse artigo, o Ministro se posiciona contra o processo de retirada dos invasores, não só negando direitos indígenas positivados na Carta Magna do Brasil, mas também negando obrigações de seu próprio Governo. Por fim, reafirmamos a luta em defesa dos direitos humanos, especialmente dos direitos indígenas, que só serão garantidos a partir do acesso e permanência em suas terras. Consequentemente, reafirmamos nosso compromisso e apoio incondicionais à desintrusão da TI Marãiwatsédé, obrigação do Estado brasileiro e processo fundamental para garantir o direito do povo Xavante à autodeterminação e à manutenção de seu modo de vida.
Brasília/DF, 20 de dezembro de 2012.
Relatoria do Direito Humano à Terra, Território e Alimentação. Plataforma Dhesca Brasil.
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