segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Contagem regressiva para desocupação da Maraiwatsédé



Por Keka Werneck, da Assessoria de Imprensa do Centro Burnier Fé e Justiça
Fonte: http://centroburnier.com.br/wordpress/?p=3574
Ativistas do Fórum de Direitos Humanos e da Terra Mato Grosso (FDHT-MT) acompanham com preocupação a contagem regressiva para remoção dos não-índios da reserva indígena Maraiwatsédé, no Norte de Mato Grosso.
Há risco de conflito.
Se o cenário jurídico e político não mudar, daqui a uma semana, no dia 7 de dezembro, próxima sexta-feira, começam a ser retirados da área fazendeiros de grande, médio e pequeno porte, que, conforme entendeu a justiça até agora, ocupam a área irregularmente.
As primeiras notificações foram feitas no dia 7 de novembro, dando prazo de 30 dias para saída, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), ou seja, o caso chegou à última instância.
As notificações estão finalizadas, o que quer dizer que até o final de dezembro, a área deve ser garantida aos xavantes, etnia que habita a região.
O conflito – se ocorrer – será em “mata fechada”. Esse é o significado do nome dado pelos xavantes aos 165 mil hectares em disputa, que cortam três municípios mato-grossenses: Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia.
A Maraiwatsédé é uma reserva indígena extensa, que não pode ser comparada ao Parque Indígena do Xingu, com seus 2 milhões de hectares. Mas é cinco vezes maior do que o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, por exemplo, que tem 30 mil hectares.
É essa área extensa, de mata fechada, de solo produtivo, que está em disputa.
A imprensa de modo geral tem divulgado que há 7 mil não-índios a serem removidos de lá. Mas de acordo com o Censo Demográfico realizado no Brasil em 2010, é muito menos que isso. A população residente na área é de 2.427 pessoas. Destas, 1.945 declararam-se ou se consideraram indígenas. Aqueles que não se declararam nem se consideraram indígenas, ou sem declaração, são um total de 482 pessoas.

Donos da terra
Livres das burocracias, independentes das leis dos chamados homens brancos, alheios ao capitalismo, os índios xavantes já viviam na área em disputa desde sempre, gerações e mais gerações, até que em 1966, diante da política ocupacionista da Ditadura Militar, foram retirados da área e levados para a reserva São Marcos, também da etnia xavante, no município de Barra do Garças.
A ideia dos militares era abrir espaço à colonização de Mato Grosso e ao progresso.
Em nome disso, os xavantes transferidos chegaram na São Marcos onde estava tendo um surto de sarampo e em duas semanas dois terços deles morreram.
A diáspora xavante favoreceu às empresas colonizadoras, primeiro em nome da família Oriosto da Riva, que fundou o município de Alta Floresta; depois em favor da família Ometo; e por fim, a terra foi comprada por uma empresa petrolífera italiana, chama AGIP, que adquiriu o latifúndio, já considerado o maior do mundo, como título de capitalização.
No final dos anos 80, na Itália, mobilização social criou uma campanha para descobrir os impactos ambientais provocados por empresas de italianas no mundo. Chamou-se Campanha Norte-Sul. Sendo assim, a AGIP foi apontada como uma empresa que impacta negativamente a vida dos povos indígenas e o ecossistema amazônico e, portanto, seria uma vergonha ela continuar na área.
Pressionada e escapando do escândalo, a empresa, através do presidente, devolveu, publicamente, a Maraiwatsédé aos xavantes, na RIO 92.
A RIO 92 foi um primeiro encontro internacional que articulou nações em prol do desenvolvimento sustentável do planeta.
Mediante a devolução da terra, cabia à Fundação Nacional do Índio (Funai), através de um Grupo de Trabalho, apresentar um plano de desintrusão dos irregulares, o que foi feito. Depois disso, foram emitidas diversas portarias, delimitando e demarcando a área, até a homologação em 1998.
Mesmo diante da homologação, não havia clima para os xavantes voltarem à área. O ódio racial contra os indígenas era e é empecilho na região.
Em 2003, um grupo de 50 a 70 indígenas evadidos da Maraiwatsédé foram acampar na BR-158, onde ficaram por 10 meses, pressionando o Governo Federal e as instituições brasileiras, no sentido de garantir o retorno para casa. Nesse período, três crianças morreram, devido às péssimas condições na beira da estrada.
O grupo acabou entrando em uma fazenda chamada Karu, colocaram fogo na sede, e, como não tinha ninguém morando lá, não houve maiores problemas.
A entrada dos xavantes na Maraiwatsédé foi se dando aos poucos e ainda hoje a situação de penúria na aldeia é séria. Conforme dados da Operação Amazônia Nativa (OPAN), 80% das crianças estão desnutridas.
Nesse meio tempo, entre 1998 e 2004, junto com os xavantes, entraram também na reserva quem não tem direito a ela. Foram realizados leilões irregulares no sentido de ocupá-la. Há notícias em jornais comprovando isso. Desde então, o Governo Federal e Estadual foram avisados sobre essa situação de grilagem, que agora chega à última instância judicial.

Posição do Governo
O Governo do Estado, através do governador Silval Barbosa (PMDB), defende a retirada dos índios e a permanência dos não-índios. Barbosa já expôs na imprensa sua posição. O procurador geral do Estado, Jenz Prochnow Júnior, confirma que entrou com uma petição junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a competência do Supremo para analisar a matéria e pedindo que ela desça ao Tribunal Regional Federal (TRF), de onde ainda não deveria ter saído.
A decisão pela desintrusão em 30 dias foi dada pelo então presidente do Supremo, ministro Carlos Ayres. E é o que está valendo.
“Essa área está antropotizada (habitada por não-índios) e não atende mais aos interesses da comunidade silvícola”, argumenta o procurador Prochnow Júnior, utilizado o termo silvícola abominado pelo movimento indígena porque ainda denota ideia de que os indígenas são – digamos assim – de natureza diferente da humana. “Manter essa terra com os índios é afastar o desenvolvimento econômico de Mato Grosso, as plantações, enfraquecer o agronegócio”, continua o procurador.
Esse discurso desenvolvimentista, conforme do coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Gilberto Vieira, é fraco, não tem cabimento jurídico, porque é inconstitucional e acirra o ódio racial contra os índios, porque fica parecendo que eles são um incômodo à construção do Estado como sendo um eldorado do progresso. “A terra para os indígenas não tem essa conotação capitalista, de lucro, expansionista. Eles usam a terra para viver em harmonia com ela. A terra para os indígenas é mítica, mística, espiritual. Em torno dela acontece toda uma filosofia de vida, uma produção cultural, um respeito ambiental”, explica Vieira.
O fato é que os índios, ao contrário do entendimento do Estado, querem ficar – sim! – na terra.
Perguntado então se o Estado vai manter essa postura contrária aos interesses indígenas, o procurador Prochnow Júnior afirma que não é isso, que a intenção é achar uma saída de consenso.

Lei para quem?
Quem propõe essa saída de consenso é o deputado José Geraldo Riva (PSD) e o então deputado Adalto de Freitas (PMDB) autores da Lei 9.564 aprovada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso que autoriza a transferência dos xavantes da Maraiwatsédé para o Parque Estadual do Araguaia. Essa lei foi sancionada pelo governador Silval Barbosa.
Conforme Gilberto Vieira, do CIMI, essa lei é inconstitucional porque fere o artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º diz. “É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco”.
Leia o artigo 231 na íntegra aqui.
Prochnow Júnior aponta que em 1988 nem havia índios naquela área.
Vieira retruca que não havia indígenas lá porque eles foram expulsos.
O procurador diz ainda que a área é muito grande e a terra indígena deve ser garantida – sim! – mas dentro dos limites do razoável.
Vieira explica que esses limites do razoável não devem ser calculados apenas pensando em lucro e sim no modo de vida das etnias que ainda caçam e pescam, entre outras práticas, que devem ser mantidas, caso o Brasil queira defender a riqueza das diversas culturas indígenas.

Papel da imprensa
Essa história da Maraiwatsédé já está sendo contada mundo a fora pela imprensa, que, de modo geral, pelo menos no Brasil, tem tido uma postura em favor dos não-índios, na visão do movimento indigenista, que lamenta isso com tristeza.
Tanto é que a Polícia Federal soltou relatório sobre a operação na área do qual consta trecho crítico à conduta da imprensa. Diz o relatório: “Durante todos os dias em que realizamos atividades de Patrulha no Posto da Mata nunca tivemos a presença da Imprensa. Exatamente no dia em que realizamos o investimento sobre o distrito a Imprensa aparece para cobrir o evento. A imprensa funcionou como um catalisador da violência propagada pelos elementos isolados que tentavam agitar os demais populares. Em nenhum momento a emissora presente (filiada da Rede Globo de Cuiabá), procurou a coordenação da Operação, limitando-se a acompanhar os populares mais agitados”.

Ódio racial
É importante ressaltar que não há um parlamentar se quer, seja deputado estadual, federal ou senador, por Mato Grosso, que tenha se colocado claramente em favor dos índios.
É nesse cenário sócio-político-ambiental que o conflito surge como possibilidade.
Conforme o movimento indigenista, os índios, embora sejam proprietários legais da área, estão vivendo dias sob forte tensão, vitimados pelo ódio racial, como se eles é que fossem os irregulares, isolados na aldeia, só a espera do que pode acontecer.
“O conflito está sendo fomentado por um grupo menor, que representa 10% das pessoas que serão retiradas. Então acreditamos que não vai ter problema. A notificação das pessoas se deu de forma pacífica também. As pessoas lamentam que isso esteja acontecendo, algumas choram, estão tristes de ter que sair, porém não reagem de forma violenta. Mas, com relação ao ódio aos índios, isso é muito perceptível e aparece nas falas das pessoas toda hora, mas são pessoas identificadas. Elas dizem: nós vamos sair, mas esses índios também não vão ficar nessa terra, coisas assim e às vezes tenho que dizer que, caso a fala perdure, isso configuraria crime mesmo. Também fiquei sabendo de pessoas que estão sendo constrangidas a não sair pacificamente, senão ateariam fogo na casa delas. Nos preocupamos com a vida de Dom Pedro Casaldáliga, também que foi ameaçado…” –  conta o coordenador-geral de Movimentos do Campo e Territórios da Secretaria-Geral da Presidência da República, Nilton Tubino, que estava na área até essa semana. Tubino voltou à Brasília, mas retorna à Maraiwatséde semana que vem para acompanhar a desintrusão.

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