carta maior
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cidades/Mobilidade-e-movimentos-sociais-cidade-em-disputa/38/29403
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cidades/Mobilidade-e-movimentos-sociais-cidade-em-disputa/38/29403
31/10/2013 - Copyleft
Renato BalbimMobilidade e movimentos sociais: cidade em disputa
O que ainda está em disputa é o espaço público. É o território vivido e sendo vivido, é o novo período popular da história de Milton Santos.
Junho de 2013 colocou a mobilidade urbana na pauta do debate nacional, seguindo o espaço já ocupado pela mobilidade social e de renda, e o discurso dos feitos sociais da dita nova classe media. Mas os que passam a se deslocar não são necessariamente saudados nas ruas, shoppings e aeroportos. As fraturas sociais são profundas, o Estado não executa politicas estruturais de inclusão e cidadania, e os conflitos urbanos formam o quadro dessa condição.
Reivindicações setoriais marcam a história das nossas cidades, mas o que se viu agora foi um tema público-urbano mobilizar a atenção da maioria das pessoas, que saíram às ruas em muito mais que 558 cidades, número oficialmente divulgado. A condição urbana, resultado do modelo de urbanização brasileiro, uniu o debate e as manifestações. Esse é o fato novo!
O que se viu vai além das grandes revoltas urbanas brasileiras, inclusive as do inicio do século XX, quando do urbanismo-sanitarista, ainda atual para muitos. Primeiro por não ser uma luta temática, setorial ou local, depois porque não foi identificada com grupos sociais e de renda específicos. O que aconteceu colocou o urbano e a urbanidade no centro da questão, tendo como mote a (i)mobilidade.
É a questão urbana, estupido!, escracha Erminia Maricato, deixando de lado o reducionismo das inúmeras interpretações acerca das reivindicações.
O que ainda está em disputa é o espaço público. É o território vivido e sendo vivido, é o novo período popular da história de Milton Santos, galopando em bytes, irrompendo como forasteiros em nossas vilas. É a disputa que parte da profunda segregação socioespacial, da fragmentação, da guetização de pobres e ricos, dos embates cotidianos representados por pequenas violências (como se assalto aqui, arrastão ali, fossem coisas pequenas).
A sociedade brasileira se viu de frente, se reuniu por instantes, não que tenha se unido. Viu parte de suas questões estruturais urbanas, identificou o outro que, todas as manhãs e finais de dia, também sofre com a precariedade, agora “democratizada”. Miraram-se os investimentos em transporte, como outros, atrelados somente à Copa, às Olimpíadas, e não aos efetivos anseios e necessidades.
Numa sociedade que não vive o principio básico da cidadania, do embate cotidiano das diferenças; em que nos vemos entre iguais quer nos shoppings ou bailes funk, a ocupação do espaço da diversidade assustou, a reivindicação da esfera da política, a polis em disputa, não agradou a diversos setores.
Pela primeira vez assistimos de fato ao embate da cidade-corporação, com a antiga cidade-estado, já há longo tempo sem efetiva participação e investimento deste, que esteja claro. O resultado foi explosivo, e pelas indicações dos nossos políticos e dos movimentos sociais, cada um ao seu modo, será ainda mais no futuro breve. Junte-se à política da city-marketing o seu braço armado, zelando pelo patrimônio, e a grande mídia que o faz a todo custo.
O Estado armou e colocou a polícia na rua, de maneira bastante feroz, indistintamente. Cabral, neste caso, ainda não descobriu seu porto-seguro. E a sociedade vai tecendo seus entendimentos sobre o uso da força no Brasil de jogos e eventos.
As movimentações de junho conseguiram uma proeza que nenhum movimento de reforma urbana havia conseguido. Criou-se uma linguagem unificadora para a expressão do modelo de urbanização brasileiro, na qual a agenda social mostrou-se de fácil enunciação: tarifa zero, menos 20 centavos etc. Mas, também, de fácil cooptação e capitulação.
Além da centena de cidades que baixaram os preços das tarifas para patamares que deveriam ter sido praticados com a desoneração que já vinha desde o inicio do ano, o que se vê é outra centena de propostas e iniciativas que instituem gratuidades no sistema de transporte. Brasília, Goiânia e Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, assim como o Congresso Nacional, propõem gratuidades sem qualquer relação com o sistema de mobilidade, e que poderão implicar em piora das condições de transporte, além de ônus excessivo ao erário ou ao trabalhador. Essas benesses, se aprovadas, acompanharão os novos aumentos do inicio de 2014, que fique claro!
É o jubileu das transportadoras, que verão seus caixas reforçados e o barulho da roleta se intensificar. Espera o político que ações desconexas assim se transformem em multiplicação de votos?
A Presidenta Dilma, sensível como todos os políticos, propôs pactos, dentre eles um pela reforma politica, outro pela mobilidade. O primeiro está preso em algum engarrafamento. O segundo anda, mas parece estar num trem suburbano carioca.
Os prefeitos das grandes cidades, representados pela Frente Nacional dos Prefeitos, sustentam que seja aprovado o REITUP, regime especial de incentivos para o transporte coletivo. Projeto de lei proposto há 10 anos, que como outros, ganhou luzes com as manifestações.
O REITUP institui a desoneração do transporte coletivo nos três níveis da federação, obriga a implantação da integração tarifária do sistema e institui uma série de mecanismos de controle social, inovando ao propor a regulação por meio de pactuação em convênio, com a participação dos entes públicos e empresas. Curiosamente, não vem recebendo apoio do governo federal, que já desonerou todos os seus impostos e taxas sobre o transporte, sem pedir nada em troca, nem mesmo a redução da tarifa, resultado esse de ganho pontual das manifestações.
O Conselho Nacional das Cidades, órgão que deveria ser amplamente ouvido nesse momento, se esforça em busca do elo perdido. Sem espaço junto às manifestações em função da sua falta de efetividade, agora propõe numero razoável de medidas, algumas delas implantáveis por governos de qualquer matiz politico-ideológica, e também apoiam o REITUP.
Enfim, investimentos, desonerações e gratuidades sociais são ações necessárias e reivindicadas, mas a disputa catalisada pelos 20 centavos é a do espaço público. Possíveis ações que se venha a tomar para responder a crise do transporte apenas surtirão os efeitos esperados pelo conjunto da sociedade se forem acompanhadas de mudança de paradigma.
Controle social e regulação, efetivos, não apenas deliberados em lei, mas pactuados federativamente e exercidos solidariamente em prol das funções públicas de interesse comum, eis a grande e inicial expectativa.
Créditos da foto: Blog da Boitempo
Nenhum comentário:
Postar um comentário