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http://www.ihu.unisinos.br/noticias/524065-a-ditadura-vai-ao-cinema-30-anos-de-filmes-sobre-o-regime-militar
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"O que mais me chamou a atenção, ao recapitular dezenas de longas-metragens que fixaram em nosso cinema e em nosso imaginário coletivo um discurso compartilhado sobre a ditadura, foi o fato de que no Brasil não se aplica o velho adágio de que a História é contada pelos vencedores. Ao contrário, ainda sob o regime militar prevaleceu no cinema brasileiro o ponto de vista dos derrotados e das vítimas, dos perseguidos e torturados, dos inocentes e dos exilados – mesmo, paradoxalmente, naqueles filmes realizados sobre os auspícios da Embrafilme, órgão do Governo, sendo o caso paradigmático “Pra frente, Brasil”, de Roberto Farias (1982) – que, esclarece a autora, não foi o primeiro longa a tratar da tortura, como se costuma pensar, já que antes dele vieram os “esquecidos” “E agora, José? Tortura do sexo”, de Ody Fraga, e “Paula – A história de uma subversiva”, de Francisco Ramalho Jr, ambos de 1980. Patrocinado pela ditadura e proibido pela mesma ditadura durante quase um ano (até que passassem a Copa e as eleições de 1982), “Pra frente, Brasil” permanece como um exemplo notável de como eram confusas as relações entre cinema e Estado no período", escreve Luciano Trigo, escritor e jornalista, em artigo publicado no portal G1, 22-09-2013.
Eis o artigo.
Em “Ditadura em imagem e som – 30 anos de produções cinematográficas sobre o regime militar brasileiro”, a cientista social e pesquisadora Caroline Gomes Leite faz um inventário crítico dos filmes nacionais que problematizaram, por ângulos variados, o regime militar e a repressão ao longo de três décadas. Seu recorte não é o cinema feito sob a ditadura, mas o cinema feito sobre a ditadura, estabelecendo como marco inicial 1979, o ano da Lei da Anistia e da revogação do AI-5, início da redemocratização do país. É um trabalho ambicioso em volume e escopo, resultado de uma pesquisa acadêmica empreendida com rigor, mas é também uma leitura atraente para qualquer leitor minimamente interessado no assunto.
A conclusão que tiro da leitura, contudo, não está no livro. O que mais me chamou a atenção, ao recapitular dezenas de longas-metragens que fixaram em nosso cinema e em nosso imaginário coletivo um discurso compartilhado sobre a ditadura, foi o fato de que no Brasil não se aplica o velho adágio de que a História é contada pelos vencedores. Ao contrário, ainda sob o regime militar prevaleceu no cinema brasileiro o ponto de vista dos derrotados e das vítimas, dos perseguidos e torturados, dos inocentes e dos exilados – mesmo, paradoxalmente, naqueles filmes realizados sobre os auspícios da Embrafilme, órgão do Governo, sendo o caso paradigmático “Pra frente, Brasil”, de Roberto Farias(1982) – que, esclarece a autora, não foi o primeiro longa a tratar da tortura, como se costuma pensar, já que antes dele vieram os “esquecidos” “E agora, José? Tortura do sexo”, de Ody Fraga, e “Paula – A história de uma subversiva”, deFrancisco Ramalho Jr, ambos de 1980. Patrocinado pela ditadura e proibido pela mesma ditadura durante quase um ano (até que passassem a Copa e as eleições de 1982), “Pra frente, Brasil” permanece como um exemplo notável de como eram confusas as relações entre cinema e Estado no período.
“O golpe civil-militar de 1964 atingiu com grande impacto o cinema brasileiro – ou ao menos sua parcela identificada com um projeto nacional com tendências de esquerda, abrigada sob o nome de Cinema Novo”, escreve a autora na Introdução, para logo em seguida lembrar que esses mesmos cineastas identificados com uma proposta radical de transformação social buscaram abrigo na “Embra”, criada pelos militares. Essa contradição aparente se prolonga após a redemocratização, na medida em que os cineastas precisaram conciliar seus projetos com a dependência do Estado e as exigências do mercado , na busca por uma audiência popular, mas não é este o foco do livro: Caroline está menos interessada em examinar as condições de existência do cinema brasileiro que os enunciados por meio dos quais este cinema “ressignificou” o regime militar, apreendendo os filmes “como intérpretes do passado a partir de seu lugar no presente”.
Essa análise é estruturada em seis capítulos temáticos, nos quais uma “panorâmica” – uma visão geral do modo como o cinema abordou determinados aspectos da ditadura – é sucedida por um “close”, no qual o olhar da autora se detém sobre filmes específicos e representativos. Os temas incluem a tortura, a visão da direita, a luta armada, a alienação da sociedade e a relação das novas gerações com o período. Em relação à tortura, por exemplo, a autora enfatiza os graus com que diferentes filmes – “O bom burguês” (1983), “Kuarup” (1989), “Corpo em delito” (1990), “Lamarca” (1994), “O que é isso, companheiro?” (1997), “Ação entre amigos” (1998), “Zuzu Angel” (2006) e ”Batismo de sangue” (2007) , entre outros – explicitam (ou não) a vinculação da tortura a uma política de Estado, vinculação muitas vezes camuflada ou atenuada.
Mas o capítulo mais interessante e original de “Ditadura em imagem e som” é “Direita nas telas”: aqui Carolineempreende o exame necessário de um vício recorrente em nosso cinema: a de reduzir os militares e agentes da repressão a homens essencialmente maus que, por características intrínsecas, agem com truculência e crueldade, sem qualquer contextualização histórica e, principalmente, sem discutir o ideário que referendou a ação desses vilões e sua aceitação e respaldo por boa parte da sociedade brasileira. A julgar pela maioria dos filmes que trataram do assunto, a ditadura militar não teve antecedentes nem descobramentos na nossa política e na nossa História, como se fosse um período isolado em si mesmo, um tumor a-histórico, sendo que o “povo” não teve nada a ver com isso (salvo na condição de vítima). Isso se deve em parte ao impulso de enquadrar as narrativas fílmicas sobre a ditadura nas fórmulas cinematográficas tradicionais de matriz hollywoodiana, construindo-se sempre uma “polaridade que opõe regime criminoso e vítimas inocentes, sem especificar os termos do conflito” (a frase é do crítico Ismail Xavier, muito bem citado pela autora, que completa: “(…) a caracterização dos opressores é rasa e baseada no caráter pessoal dos personagens”.
Cabe lembrar aqui uma exceção: o excelente documentário “Cidadão Boilesen” (2009), que explora a pouco lembrada aliança econômica e política entre empresários e militares no combate à ameaça da esquerda – aliança que tem levado historiadores a adotar com cada vez mais frequência a expressão “golpe militar-civil”. Já no último capítulo, sobre a herança do período para as gerações subsequentes, incluindo a minha, que nasceram e cresceram sob a ditadura,Caroline trata das maneiras como o cinema retratou a dificuldade de identificação dos jovens das classes médias com os embates ideológicos de seus pais. Para essas gerações, por exemplo, as drogas e o sexo livre já eram parte do cotidiano, e não instrumentos de protesto capazes de acrescentar algum sentido à vida. Merece destaque aqui o filme “Paula – A história de uma subversiva” (1979), de Francisco Ramalho Jr, que aborda as aflições, conflitos e desencontros amorosos de um grupo de jovens nos anos 80.
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