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Jornalista francês relata uso de armas químicas na Síria
Jean-Philippe Rémy, correspondente do ‘Le Monde’, passou dois meses nos arredores de Damasco e relata uso de armas químicas por parte de tropas do governo. Governo sírio faz a mesma acusação em relação aos rebeldes, mas nenhum dos lados apresentou provas concretas. Em seu relato, Rémy garante que “não se trata de simples gases lacrimogêneos, mas sim de produtos de outra classe, muito mais tóxicos”. Por Eduardo Febbro, de Paris.
Eduardo Febbro
Paris – Sem fumaça nem cheiro e quase nenhuma explosão. Para os homens da brigada Tahrir Al-Sham (“Libertação da Síria”) que defendiam o setor “Bahra 1” do bairro de Jobar, na entrada de Damasco, a explosão que ocorreu tinha algo particular: “Pensamos que se tratava de um projétil de morteiro que não havia explodido e ninguém prestou muita atenção”, disse Omar Haidar, encarregado de operações da brigada, a Jean-Philippe Rémy, o enviado especial do jornal Le Monde a Síria. No entanto, o que havia caído e não explodiu como sempre eram armas químicas. O jornalista francês passou dois meses na frente de batalha síria e, nos últimos dias, pode corroborar a informação denunciada pela oposição e frente a qual as grandes potências fecharam os olhos e ouvidos: o emprego de armas químicas por parte das tropas leais a Bachar Al-Assad. Jean-Philippe Rémy conta que, “quando os combatentes do Exército Sírio Livre (ESL) mais avançados em Damasco compreenderam que tinham sido expostos a produtos químicos lançados pelas forças governamentais já era muito tarde. Qualquer que seja o gás utilizado, já produziu seus efeitos, a apenas algumas centenas de metros das casas da capital síria”.
Omar Haidar disse que o ruído da explosão lembrou-lhe num primeiro momento o barulho de “uma lata de Pepsi caindo no chão”. Mas logo apareceram os sintomas: “Os homens tossem violentamente. Os olhos queimam, suas pupilas se retraem ao extremo, sua visão se obscurece. Em seguida surgem as dificuldades respiratórias, por vezes aguda, os vômitos, os desmaios. Foi preciso evacuar os combatentes mais afetados, antes que eles se asfixiassem”. O relato do enviado especial do Le Monde é pontual, quase cirúrgico. Jean-Philippe Rémy constata que “ao longo de nossa reportagem de dois meses nos arredores da capital síria, reunimos elementos comparáveis em um leque muito maior. A gravidade dos casos, sua multiplicação e a tática de emprego destas armas demonstram que não se trata de simples gases lacrimogêneos usados nas frentes de combate, mas sim de produtos de outra classe, muito mais tóxicos”.
Segundo o relato de Rémy, na frente de Jobar os ataques com gases apareceram “pontualmente ao longo do mês de abril”. Não foram empregados massivamente, mas sim de “maneira ocasional e localizada pelas forças governamentais que apontavam na direção dos pontos de contato mais duros com um inimigo rebelde e próximo”. O exército sírio já havia empregado gases químicos em outras regiões como Homs e Alepom totalmente fechadas ao acesso à imprensa e aos organismos de ajuda internacional. Mas recorreu a eles em um dos pontos mais estratégicos ainda em mãos dos rebeldes. Não havia até agora nenhum testemunho tão cru, direto e preciso da parte de um jornalista.
Na narração de Jean-Philippe Remy, o ataque com armas químicas contra Jobar não foi um dos mais graves. Houve outro, maior, quando os rebeldes da Liwa Marawi Al-Ghouta (forças especiais dos rebeldes) foram expostos a concentrações químicas massivas: “os encontramos na hora em que foram levados para hospitais, lutando para sobreviver”. No setor norte de Jobar, o comandante Abu Mohammad Al-Kurdi, chefe da primeira divisão do ESL, viu como os soldados do regime abandonaram seus postos e, em seu lugar, apareceram homens “com roupa branca de proteção química (...) que logo lançaram no solo objetos que pareciam pequenas bombas, como minas, que espalharam um produto químico na atmosfera”.
O rumor sobre o emprego de armas químicas por parte do governo de Bachar Al-Assad circula desde os primeiros meses do conflito. A Síria detém importantes quantidades de gases neurotóxicos, em especial gás sarin. Os Estados Unidos, a Turquia e Israel disseram ter provas materiais sobre esses gases, mas, até agora, nunca apresentaram a prova concreta dessa afirmação. O mesmo ocorreu com a OTAN e as Nações Unidas. O presidente norteamericano, Barack Obama, disse em uma ocasião que se Damasco utilizasse esse tipo de armas isso equivaleria a atravessar a “linha vermelha” capaz de desencadear uma intervenção externa na Síria. O ministro francês de Relações Exteriores, Laurent Fabius, disse segunda-feira em Bruxelas que “existem suposições cada vez mais sólidas do uso localizado de armas químicas. Essas suposições requerem verificações muito precisas. Estamos fazendo isso”.
Por outro lado, o governo sírio acusa os rebeldes de empregar as mesmas armas químicas em suas ofensivas. Mas Damasco também não apresentou provas disso até agora. A suspeita de que Damasco está recorrendo a estas armas cresceu em meados de março quando ocorreu o ataque contra Kahn el Asal, no norte da Síria, onde houve cerca de 30 mortos e mais de 100 feridos. Testemunhas dos ataques denunciaram a existência de gases tóxicos. No final de março houve outra denúncia precisa quando ocorreram combates em uma base militar em Adra, perto de Damasco.
Os testemunhos e feridos contaram à imprensa que se tratou de uma “espécie de fósforo que ataca o sistema nervoso e provoca perda de equilíbrio e desmaios”. A última versão da Convenção sobre as Armas Químicas data de 1993 e foi assinada por 188 Estados. Somente Síria, Egito, Coreia do Norte, Somália, Angola e Sudão do Sul não assinaram a convenção enquanto Israel e Birmânia a assinaram, mas ainda não a ratificaram, com o que, assim como os países não signatários, não estão sob supervisão internacional. A ampla série de reportagens publicada pelo Le Monde traz muitos elementos novos, provas mais que tangíveis e uma rigorosa exploração de regiões e hospitais onde centenas de pessoas se viram expostas aos efeitos das armas químicas.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Omar Haidar disse que o ruído da explosão lembrou-lhe num primeiro momento o barulho de “uma lata de Pepsi caindo no chão”. Mas logo apareceram os sintomas: “Os homens tossem violentamente. Os olhos queimam, suas pupilas se retraem ao extremo, sua visão se obscurece. Em seguida surgem as dificuldades respiratórias, por vezes aguda, os vômitos, os desmaios. Foi preciso evacuar os combatentes mais afetados, antes que eles se asfixiassem”. O relato do enviado especial do Le Monde é pontual, quase cirúrgico. Jean-Philippe Rémy constata que “ao longo de nossa reportagem de dois meses nos arredores da capital síria, reunimos elementos comparáveis em um leque muito maior. A gravidade dos casos, sua multiplicação e a tática de emprego destas armas demonstram que não se trata de simples gases lacrimogêneos usados nas frentes de combate, mas sim de produtos de outra classe, muito mais tóxicos”.
Segundo o relato de Rémy, na frente de Jobar os ataques com gases apareceram “pontualmente ao longo do mês de abril”. Não foram empregados massivamente, mas sim de “maneira ocasional e localizada pelas forças governamentais que apontavam na direção dos pontos de contato mais duros com um inimigo rebelde e próximo”. O exército sírio já havia empregado gases químicos em outras regiões como Homs e Alepom totalmente fechadas ao acesso à imprensa e aos organismos de ajuda internacional. Mas recorreu a eles em um dos pontos mais estratégicos ainda em mãos dos rebeldes. Não havia até agora nenhum testemunho tão cru, direto e preciso da parte de um jornalista.
Na narração de Jean-Philippe Remy, o ataque com armas químicas contra Jobar não foi um dos mais graves. Houve outro, maior, quando os rebeldes da Liwa Marawi Al-Ghouta (forças especiais dos rebeldes) foram expostos a concentrações químicas massivas: “os encontramos na hora em que foram levados para hospitais, lutando para sobreviver”. No setor norte de Jobar, o comandante Abu Mohammad Al-Kurdi, chefe da primeira divisão do ESL, viu como os soldados do regime abandonaram seus postos e, em seu lugar, apareceram homens “com roupa branca de proteção química (...) que logo lançaram no solo objetos que pareciam pequenas bombas, como minas, que espalharam um produto químico na atmosfera”.
O rumor sobre o emprego de armas químicas por parte do governo de Bachar Al-Assad circula desde os primeiros meses do conflito. A Síria detém importantes quantidades de gases neurotóxicos, em especial gás sarin. Os Estados Unidos, a Turquia e Israel disseram ter provas materiais sobre esses gases, mas, até agora, nunca apresentaram a prova concreta dessa afirmação. O mesmo ocorreu com a OTAN e as Nações Unidas. O presidente norteamericano, Barack Obama, disse em uma ocasião que se Damasco utilizasse esse tipo de armas isso equivaleria a atravessar a “linha vermelha” capaz de desencadear uma intervenção externa na Síria. O ministro francês de Relações Exteriores, Laurent Fabius, disse segunda-feira em Bruxelas que “existem suposições cada vez mais sólidas do uso localizado de armas químicas. Essas suposições requerem verificações muito precisas. Estamos fazendo isso”.
Por outro lado, o governo sírio acusa os rebeldes de empregar as mesmas armas químicas em suas ofensivas. Mas Damasco também não apresentou provas disso até agora. A suspeita de que Damasco está recorrendo a estas armas cresceu em meados de março quando ocorreu o ataque contra Kahn el Asal, no norte da Síria, onde houve cerca de 30 mortos e mais de 100 feridos. Testemunhas dos ataques denunciaram a existência de gases tóxicos. No final de março houve outra denúncia precisa quando ocorreram combates em uma base militar em Adra, perto de Damasco.
Os testemunhos e feridos contaram à imprensa que se tratou de uma “espécie de fósforo que ataca o sistema nervoso e provoca perda de equilíbrio e desmaios”. A última versão da Convenção sobre as Armas Químicas data de 1993 e foi assinada por 188 Estados. Somente Síria, Egito, Coreia do Norte, Somália, Angola e Sudão do Sul não assinaram a convenção enquanto Israel e Birmânia a assinaram, mas ainda não a ratificaram, com o que, assim como os países não signatários, não estão sob supervisão internacional. A ampla série de reportagens publicada pelo Le Monde traz muitos elementos novos, provas mais que tangíveis e uma rigorosa exploração de regiões e hospitais onde centenas de pessoas se viram expostas aos efeitos das armas químicas.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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