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Pelas beiradas
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Pelas beiradas
ESCRITO POR WLADIMIR POMAR |
QUI, 11 DE ABRIL DE 2013 |
Para quem considera a luta política uma expressão da luta de classes, talvez os atuais movimentos da burguesia não sejam tão desencontrados como parecem. Por um lado, no campo econômico, os chamados rentistas, tanto os que pertencem à sua fração financeira quanto os das frações industriais e comerciais, se esforçam, através de velhas e novas manobras especulativas, em transformar a inflação do tomate em explosão inflacionária e em motivo para a elevação dos juros.
Economistas renomados receitam desemprego e redução dos investimentos como forma insubstituível para barrar a inflação. E incentivam a burguesia a refugar a realização de investimentos, mesmo em obras de infraestrutura financiadas com dinheiro público. A não ser que as taxas de rentabilidade, as margens ou, falando mais rudemente, os lucros, não forem maiores. Falar em investimento de risco na indústria se tornou assunto proibido não só no sistema financeiro, mas também na própria fração industrial da burguesia.
Por outro lado, no campo propriamente político, os movimentos parecem desconexos. O tucanato coloca de lado qualquer veleidade de adotar um discurso popular e assume, descaradamente, o projeto direitista e reacionário de reinstalar o neoliberalismo completo no país. Ao mesmo tempo, outras expressões políticas da direita, antes acercadas do tucanato, tendem a aderir ao governo. Paralelamente, no próprio seio do governo está sendo gerada uma candidatura de esquerda, que pretende se apresentar como algo novo, diferente do que denomina lulopetismo.
No Congresso se afirma cada vez mais uma maioria, supostamente governista, que não aceita realizar qualquer reforma democrática, que abre espaço para correntes conservadoras assumirem postos de relevo e que cobra caro a aprovação de qualquer projeto governamental. E no judiciário consolida-se acriminalização da política, com a tendência de os tribunais substituírem o legislativo como órgãos de última instância legal.
A formalização da investigação policial e judicial contra o ex-presidente Lula, com base nas denúncias de um meliante desclassificado, é apenas a ponta de um iceberg que tem como objetivo estratégico destruir a influência petista sobre o governo e sobre as camadas pobres e médias da sociedade.
Um olhar um pouco mais atento sobre esses movimentos demonstra que eles estão articulados, seja por infiltrações de flanco, seja por ataques diretos ao núcleo da política governamental. Em contrapartida, o PT e o governo parecem continuar tratando tais movimentos como conjunturais, ou táticos, sem levar em conta sua natureza estratégica.
A inflação, por exemplo, continua sendo encarada como uma questão sazonal, desconsiderando que a política de transferência de renda passou a pressionar crescentemente, e de forma prioritária, a oferta de alimentos. O preço do tomate se transformou de um problema momentâneo, relacionado com a sazonalidade climática, num problema que diz respeito à necessidade imperiosa de aumentar substancialmente a produção de alimentos, de modo a impedir que a escassez de tais produtos se torne um instrumento de luta contra a política econômica do governo.
Em outras palavras, ou o governo estabelece com urgência uma estratégia consistente de ampliação, suporte, garantia e subsídio à agricultura familiar, responsável por mais de 80% da produção de alimentos para o mercado doméstico, ou o tomate deste ano ganhará a companhia do pepino e de outros legumes nos próximos anos. Isto pode criar uma situação econômica e política difícil, porque atinge não apenas a classe média, mas também grandes contingentes das camadas populares.
Algo idêntico precisa ser adotado quanto aos investimentos, não só em infraestrutura, mas também no setor industrial. É evidente que, nas condições atuais da economia e da sociedade brasileira seria impensável querer realizar o desenvolvimento das forças produtivas sem contar com a participação da burguesia. No entanto, alguns setores da esquerda acreditam que isso só será possível se o governo fizer todas as concessões exigidas para despertar o instinto animal empreendedor dessa classe.
Isto talvez seja verdade para algumas outras burguesias, mas não para a brasileira. A prática recente mostrou que mais de 300 bilhões de reais em desonerações e outras medidas adotadas pelo governo sequer fizeram com que essa burguesia piscasse um olho. Quase toda ela se acostumou ao rentismo, a juros estratosféricos e a preços administrados de monopólio. Como os Bourbons, que nada aprendem, ela esqueceu que a continuidade desse costume significa retornar à situação de quebradeira a que ela própria foi levada pelas políticas neoliberais.
Em tais condições, a estratégia de concessões poderá ter efeitos perversos, não só para o governo. Assim, mesmo que algumas concessões sejam explicáveis, será indispensável adotar uma estratégia diferente, que realmente force a burguesia a investir, mesmo a contragosto.
Este tipo de estratégia nada tem de bolchevique. Como já indicamos em outros comentários, ele foi empregado pelos pais da pátria norte-americanos e, nos anos 1930, por Roosevelt, diante da resistência de sua burguesia a tirar dinheiro do bolso e investir na produção.
Algo parecido também precisa ser pensado para sair do marasmo político e da correlação parlamentar e judiciária desfavorável. Criou-se uma situação em que o governo parece não ter forças no legislativo para aprovar reformas políticas democráticas, como a eleitoral e a regulamentação das comunicações. E em que as forças populares parecem não ter condições de evitar a transgressão dos procedimentos legais pelo judiciário.
Nesse contexto, a história ensina a necessidade de adotar estratégias de mobilização social e política, e de construção de instrumentos contra-hegemônicos, que pressionem os parlamentares e os juízes num diapasão muito mais elevado do que aquele que o partido da mídia emite diariamente. É lógico que realizar ajustes estratégicos desse tipo exige muita comunicação, discussão e entendimento entre os interessados. Mas, se isso não ocorrer, o governo e o PT correm o risco de serem comidos pelas beiradas.
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