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http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/waimiri-atroari-desaparecidos-politicos-entrevista-especial-com-egydio-schwade/508652-waimiri-atroari-desaparecidos-politicos-entrevista-especial-com-egydio-schwade
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Durante a ditadura militar, “nenhum jornalista, missionário ou integrante do Cimi e de outras entidades do movimento popular que pudessem resistir ou manifestar uma posição a favor dos índios tinha acesso às terras dos waimiri-atroari”, diz ex-secretário do Cimi.
Confira a entrevista.
“Os índios waimiri-atroari são desaparecidos políticos, como os demais que desapareceram no rio Araguaia”, defendeEgydio Schwade (foto), ex-secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi. É a partir desta denúncia que ele reivindica que o massacre contra aproximadamente dois mil índios waimiri-atroari, ocorrido no período da ditadura militar, faça parte da Comissão da Verdade, que tem a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas entre 1964 e 1985. Schwadeparticipou do processo de alfabetização dos waimiri-atroarientre 1985 e 1987 e conta que, a partir de desenhos, os indígenas começaram a contar “as atrocidades que haviamocorrido no período militar”. E enfatiza: “Eles desapareceram porque resistiram contra os projetos do governo militar. (...) Muitos indígenas foram mortos, uns com napalm, outros eletrocutados, uns com armas de fogo”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Egydio Schwade relata que os conflitos entre os waimiri-atroari e o governo iniciaram por conta da construção da BR-174, que “tinha a intenção de acessar uma rica mina de minérios estratégicos, localizada no alto rio Uatumã, próximo ao rio Alalaú”, e da construção da hidrelétrica de Balbina. Segundo Schwade, “tanto a hidrelétrica de Balbina quanto a mineradora ficavam nas terras dos índios waimiri-atroari e, portanto, a BR-174 atravessou no centro das terras dos indígenas”.
Egydio Schwade é graduado em Filosofia e Teologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Foi um dos fundadores do Cimi e primeiro secretário executivo da entidade, em 1972. Hoje é colaborador dessa instituição, residindo em Presidente Figueiredo, AM.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que contexto político e histórico os dois mil índios waimiri-atroari desapareceram? O desaparecimento dos indígenas tem algo a ver com a abertura da BR-174?
Egydio Schwade – Entre 1967 e 1977, o governo militar construiu a BR-174, a estrada Manaus – Boa Vista, ouManaus – Caracaraí, como é conhecida. Em princípio, a estrada tinha a finalidade de ligar essas duas cidades. Mas, ao construí-la, o governo tinha principalmente a intenção de acessar uma rica mina de minérios estratégicos, localizada no alto rio Uatumã, próximo ao rio Alalaú. Em seguida, o governo construiu a hidrelétrica de Balbina buscando produzir energia para a Zona Franca de Manaus.
Dizia-se ao povo que o objetivo principal da construção da estrada era facilitar a ligação entre Manaus e Boa Vista, mas os interesses eram outros. Tanto a hidrelétrica de Balbinacomo a mineradora ficavam nas terras dos índios waimiri-atroari e, portanto, a BR-174 atravessou no centro das terras dos indígenas. Naturalmente, eles, desde o início, nunca foram contatados e começaram a resistir diante do avanço das obras.
Ao verem aqueles tratores aparecendo e revirando suas terras, os waimiri-atroari começaram a resistir de todas as maneiras. Muitas vezes os tratores amanheciam amarrados com cipós. Essa era uma maneira clara de dizer que não queriam que as obras continuassem. Como essa resistência ficou muito forte, a empresa construtora, que era ligada ao estado do Amazonas inicialmente, começou a usar armas de fogo contra os indígenas. Temos diversos ofícios que demonstram que a construtora pedia armamento para o Exército.
IHU On-Line – Como a Fundação Nacional do Índio – Funai se manifestava, na época, em relação a esses empreendimentos nas terras indígenas e, posteriormente, ao desaparecimento dos índios? Qual era a relação da Funai com os militares?
Egydio Schwade – A Fundação Nacional do Índio – Funai foi criada 1967. Em 1968, quando os conflitos contra os indígenas ficaram mais agudos, a Funai ainda não tinha funcionários especializados na região e, então, convocou o Pe. João Calleri, da Prelazia de Roraima, que era alguém muito experiente, para trabalhar com as comunidades. Ele já havia feito a atração dos índios yanomami numa aldeia em que havia trabalhado durante quatro anos. Esse padre aceitou trabalhar para a Funai nesse processo de pacificação dos indígenas.
Entretanto, não sabendo dos interesses do governo nas áreas indígenas, ele fez um plano para localizar todas as aldeias. Ao sobrevoar a área, estimou uma população de três mil indígenas. Esse levantamento foi refeito pela Funai em 1972 e confirmou-se a perspectiva de três mil indígenas. Como ele sabia que os índios estavam bem alvoroçados por conta da construção da BR-174, propôs fazer a transferência dos índios para fora do roteiro da estrada, a partir do Norte. Ele tinha a intenção de fazer um grande reduto para os indígenas em uma região em que fica hoje a mina do Pitinga, onde já se concentrava o maior número de aldeias na época. Só que os diretores da construção da estrada não permitiram. Então, contra a sua vontade, o padre teve de entrar pelo caminho Sul, onde os índios estavam alvoroçados e faziam resistência aberta contra a construção da BR-174. Nesta primeira expedição, ele foi morto em circunstâncias ainda não esclarecidas. Mas de qualquer forma, ele foi morto porque estava a serviço desse plano do governo.
IHU On-Line – Qual era o posicionamento da Funai nessa época? Havia dissidência no órgão?
Egydio Schwade – Nessa época, iniciou-se um processo para evitar a entrada de pessoas que pudessem manter contato com os índios e diálogo direto. O governo não queria que pessoas que pudessem escutá-los tivessem contato com eles. Na época, eu era secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário Nacional – Cimi e nós pedimos, numa das primeiras assembleias na Amazônia, realizada em Belém, em 1975, que o governo suspendesse imediatamente a construção da BR-174 para que houvesse contato pacífico com os índios. Mas o governo não aceitou.
Nenhum jornalista, missionário ou integrante do Cimi e de outras entidades do movimento popular que pudessem resistir ou manifestar uma posição a favor dos índios tinha acesso às terras dos waimiri-atroari. A legislação oficial era violada pelo próprio governo.
Por conta da posição do governo, iniciou-se um conflito cada vez mais acirrado. A notícia que se tem é de que muitos indígenas foram mortos, uns com napalm, outros eletrocutados, uns com armas de fogo as quais, aliás, foram encomendadas em acordo com a Funai e 6º Batalhão de Engenharia de Construção – BEC. Esse Batalhão tinha um documento que autorizava e recomendava uso de dinamite, de arma de fogo, de metralhadoras, de granadas e outras.
IHU On-Line – O senhor teve acesso a esses documentos?
Egydio Schwade – Sim. Inclusive um funcionário da Funai, dois meses depois da divulgação desse documento secreto – que era para circular só entre os funcionários da Funai –, concedeu uma entrevista para o jornal O Globo, em 5 de janeiro de 1975, uma semana depois do último massacre dos funcionários da Funai. Ele disse que o Gilberto Pinto, um dos principais funcionários da instituição, havia mudado toda a estratégia de atração dos índios, utilizando granada. Gilberto Pinto dizia que os indígenas tinham de aprender uma lição que os impedisse de matar os brancos. Havia toda uma estratégia do governo para evitar que os massacres dos militares contra os indígenas chegassem à opinião pública. Por isso, entre 1967 e 1977, eles proibiam a entrada de pessoas dentro das terras indígenas.
Por volta de 1981, quando restavam apenas 374 indígenas sobreviventes e não havia mais condição nenhuma de resistir aos massacres dos militares, o governo mudou de estratégia. Aí apresentaram à opinião pública os índios como sendo dóceis e agricultores, que poderiam contribuir para o abastecimento de Manaus. Com a nova República houve uma continuidade da política adotada anteriormente, mas nós conseguimos ter acesso às comunidades.
IHU On-Line – Foi nesta ocasião que o senhor teve contato com os waimiri-atroari?
Egydio Schwade – Sim. Entre 1985 e 1987 iniciamos um processo de alfabetização dos waimiri-atroari. Foi nessa ocasião que índios começaram a nos contar através de desenhos – até porque não entendíamos seu idioma – as atrocidades que haviam ocorrido no período militar. Utilizamos o método Paulo Freire e rapidamente eles se alfabetizaram na língua.
Depois que os waimiri-atroari aprenderam a nossa língua, começaram a contar sobre os índios desaparecidos. Então, em certa ocasião, do dia para a noite, fomos expulsos das áreas indígenas. Um linguista da Unicamp e sua esposa, que também participavam do processo de alfabetização em outra parte do território dos waimiri-atroari, foram expulsos da área. Outro antropólogo, que já tinha, no período militar, um bom contato com os indígenas, queria completar seus estudos, mas foi barrado e não pode entrar na aldeia, apesar das autorizações que portava e da recomendação da universidade.
Depois da nossa expulsão, a Funai, junto da Eletronorte, criou o Programa Waimiri-Atroari. E por quê? Esse programa foi exigido pelo Banco Mundial, porque, em função do financiamento da hidrelétrica de Balbina, ele começou a ser duramente questionado por entidades internacionais. De forma que ele teve que tomar uma atitude, ou seja, exigir que aEletronorte financiasse durante 25 anos um programa junto dos waimiri-atroari, destinado principalmente à educação e à saúde. Na verdade, foi esse programa que continuou com muita elegância e muita diplomacia a estratégia de repressão aos estudiosos, antropólogos, missionários, e a todo mundo que quisesse levantar a questão dos waimiri-atroari desaparecidos.
IHU On-Line – Como os governadores da região se manifestavam diante da construção da BR-174? Eles tinham conhecimento do que estava acontecendo com esses indígenas?
Egydio Schwade – Claro! Os governadores exigiam a construção da estrada. Danilo Areosa, ex-governador do Amazonas, dizia: “nós precisamos dessa estrada para termos acesso às minas e ao minério que nos dará subsídio para termos finanças, para atender à saúde e à educação no nosso estado”. Essa era a justificativa. O governador de Roraima dizia o seguinte: “não podemos deixar que meia dúzia de tribos indígenas venha impedir o desenvolvimento de Roraima”.
IHU On-Line – Por que a história dos waimiri-atroari nunca veio à tona?
Egydio Schwade – Por causa da política dos grandes projetos do governo, que considera uma hidrelétrica mais importante do que as pessoas, que considera uma estrada que liga uma mineradora ou mesmo um estado a outro mais importante do que os seres humanos.
A hidrelétrica de Balbina foi construída, por exemplo, para garantir os interesses da Zona Franca de Manaus. Da mesma forma, hoje, Belo Monte está sendo construído para garantir energia que não beneficiará os brasileiros. Por que o governo não utiliza os telhados das grandes cidades para instalar uma energia renovável a partir da energia solar? Não há interesse nesse modelo de energia e de desenvolvimento.
IHU On-Line – Ainda existem comunidades waimiri-atroari? Quantos indígenas são e como vivem?
Egydio Schwade – Existem. Depois da ditadura militar, eles começaram a se recompor e hoje já são mais de 1.000 pessoas. Parte deles vive em Roraima e outra parte no Amazonas.
IHU On-Line – Tem ainda contato com eles?
Egydio Schwade – Uma jornalista me entrevistou recentemente e fez uma crítica em relação a isso: ela pediu para ver os índios e eles sempre arrumam alguma desculpa para não receberem as pessoas. Os indígenas dizem que estão em festa ou estão caçando. Eles evitam a aproximação com jornalistas e, até mesmo, comigo em algumas às vezes. Eu me estabeleci próximo dos waimiri-atroari e me mantenho cá e lá. Em 1997, quando nós começamos a criar abelhas, ministramos um curso na comunidade e convidamos os povos indígenas. Eles participaram do curso e convidaram meu filho e eu para irmos à aldeia.
IHU On-Line – O que os waimiri-atroari dizem a respeito da ditadura militar?
Egydio Schwade – A situação é complicada, porque alguns já foram “trabalhados” pela Funai e não querem relembrar o que aconteceu na ditadura. Mas como nós tivemos essa oportunidade de escutá-los, eles contam como ocorreram as torturas e mortes.
IHU On-Line – Por que o senhor quer que o massacre contra os índios waimiri-atroari faça parte da Comissão da Verdade? Qual sua expectativa? Essa proposta já foi apresentada ao governo brasileiro? Qual a reação?
Egydio Schwade – Levantei essa questão porque os índios waimiri-atroari são desaparecidos políticos, como os demais que desapareceram no rio Araguaia. Eles desapareceram porque resistiram contra os projetos do governo militar. Pelo que estou escutando nos últimos dias, parece que está se formando finalmente a Comissão Nacional da Verdade e ela está decidida a considerar essa perspectiva também. Estou falando sobre os waimiri-atroari, mas têm muitos outros povos que foram massacrados de forma semelhante. Por exemplo, os Paracanã em função da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, no estado do Pará.
Confira a entrevista.
“Os índios waimiri-atroari são desaparecidos políticos, como os demais que desapareceram no rio Araguaia”, defendeEgydio Schwade (foto), ex-secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi. É a partir desta denúncia que ele reivindica que o massacre contra aproximadamente dois mil índios waimiri-atroari, ocorrido no período da ditadura militar, faça parte da Comissão da Verdade, que tem a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas entre 1964 e 1985. Schwadeparticipou do processo de alfabetização dos waimiri-atroarientre 1985 e 1987 e conta que, a partir de desenhos, os indígenas começaram a contar “as atrocidades que haviamocorrido no período militar”. E enfatiza: “Eles desapareceram porque resistiram contra os projetos do governo militar. (...) Muitos indígenas foram mortos, uns com napalm, outros eletrocutados, uns com armas de fogo”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Egydio Schwade relata que os conflitos entre os waimiri-atroari e o governo iniciaram por conta da construção da BR-174, que “tinha a intenção de acessar uma rica mina de minérios estratégicos, localizada no alto rio Uatumã, próximo ao rio Alalaú”, e da construção da hidrelétrica de Balbina. Segundo Schwade, “tanto a hidrelétrica de Balbina quanto a mineradora ficavam nas terras dos índios waimiri-atroari e, portanto, a BR-174 atravessou no centro das terras dos indígenas”.
Egydio Schwade é graduado em Filosofia e Teologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Foi um dos fundadores do Cimi e primeiro secretário executivo da entidade, em 1972. Hoje é colaborador dessa instituição, residindo em Presidente Figueiredo, AM.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que contexto político e histórico os dois mil índios waimiri-atroari desapareceram? O desaparecimento dos indígenas tem algo a ver com a abertura da BR-174?
Egydio Schwade – Entre 1967 e 1977, o governo militar construiu a BR-174, a estrada Manaus – Boa Vista, ouManaus – Caracaraí, como é conhecida. Em princípio, a estrada tinha a finalidade de ligar essas duas cidades. Mas, ao construí-la, o governo tinha principalmente a intenção de acessar uma rica mina de minérios estratégicos, localizada no alto rio Uatumã, próximo ao rio Alalaú. Em seguida, o governo construiu a hidrelétrica de Balbina buscando produzir energia para a Zona Franca de Manaus.
Dizia-se ao povo que o objetivo principal da construção da estrada era facilitar a ligação entre Manaus e Boa Vista, mas os interesses eram outros. Tanto a hidrelétrica de Balbinacomo a mineradora ficavam nas terras dos índios waimiri-atroari e, portanto, a BR-174 atravessou no centro das terras dos indígenas. Naturalmente, eles, desde o início, nunca foram contatados e começaram a resistir diante do avanço das obras.
Ao verem aqueles tratores aparecendo e revirando suas terras, os waimiri-atroari começaram a resistir de todas as maneiras. Muitas vezes os tratores amanheciam amarrados com cipós. Essa era uma maneira clara de dizer que não queriam que as obras continuassem. Como essa resistência ficou muito forte, a empresa construtora, que era ligada ao estado do Amazonas inicialmente, começou a usar armas de fogo contra os indígenas. Temos diversos ofícios que demonstram que a construtora pedia armamento para o Exército.
IHU On-Line – Como a Fundação Nacional do Índio – Funai se manifestava, na época, em relação a esses empreendimentos nas terras indígenas e, posteriormente, ao desaparecimento dos índios? Qual era a relação da Funai com os militares?
Egydio Schwade – A Fundação Nacional do Índio – Funai foi criada 1967. Em 1968, quando os conflitos contra os indígenas ficaram mais agudos, a Funai ainda não tinha funcionários especializados na região e, então, convocou o Pe. João Calleri, da Prelazia de Roraima, que era alguém muito experiente, para trabalhar com as comunidades. Ele já havia feito a atração dos índios yanomami numa aldeia em que havia trabalhado durante quatro anos. Esse padre aceitou trabalhar para a Funai nesse processo de pacificação dos indígenas.
Entretanto, não sabendo dos interesses do governo nas áreas indígenas, ele fez um plano para localizar todas as aldeias. Ao sobrevoar a área, estimou uma população de três mil indígenas. Esse levantamento foi refeito pela Funai em 1972 e confirmou-se a perspectiva de três mil indígenas. Como ele sabia que os índios estavam bem alvoroçados por conta da construção da BR-174, propôs fazer a transferência dos índios para fora do roteiro da estrada, a partir do Norte. Ele tinha a intenção de fazer um grande reduto para os indígenas em uma região em que fica hoje a mina do Pitinga, onde já se concentrava o maior número de aldeias na época. Só que os diretores da construção da estrada não permitiram. Então, contra a sua vontade, o padre teve de entrar pelo caminho Sul, onde os índios estavam alvoroçados e faziam resistência aberta contra a construção da BR-174. Nesta primeira expedição, ele foi morto em circunstâncias ainda não esclarecidas. Mas de qualquer forma, ele foi morto porque estava a serviço desse plano do governo.
IHU On-Line – Qual era o posicionamento da Funai nessa época? Havia dissidência no órgão?
Egydio Schwade – Nessa época, iniciou-se um processo para evitar a entrada de pessoas que pudessem manter contato com os índios e diálogo direto. O governo não queria que pessoas que pudessem escutá-los tivessem contato com eles. Na época, eu era secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário Nacional – Cimi e nós pedimos, numa das primeiras assembleias na Amazônia, realizada em Belém, em 1975, que o governo suspendesse imediatamente a construção da BR-174 para que houvesse contato pacífico com os índios. Mas o governo não aceitou.
Nenhum jornalista, missionário ou integrante do Cimi e de outras entidades do movimento popular que pudessem resistir ou manifestar uma posição a favor dos índios tinha acesso às terras dos waimiri-atroari. A legislação oficial era violada pelo próprio governo.
Por conta da posição do governo, iniciou-se um conflito cada vez mais acirrado. A notícia que se tem é de que muitos indígenas foram mortos, uns com napalm, outros eletrocutados, uns com armas de fogo as quais, aliás, foram encomendadas em acordo com a Funai e 6º Batalhão de Engenharia de Construção – BEC. Esse Batalhão tinha um documento que autorizava e recomendava uso de dinamite, de arma de fogo, de metralhadoras, de granadas e outras.
IHU On-Line – O senhor teve acesso a esses documentos?
Egydio Schwade – Sim. Inclusive um funcionário da Funai, dois meses depois da divulgação desse documento secreto – que era para circular só entre os funcionários da Funai –, concedeu uma entrevista para o jornal O Globo, em 5 de janeiro de 1975, uma semana depois do último massacre dos funcionários da Funai. Ele disse que o Gilberto Pinto, um dos principais funcionários da instituição, havia mudado toda a estratégia de atração dos índios, utilizando granada. Gilberto Pinto dizia que os indígenas tinham de aprender uma lição que os impedisse de matar os brancos. Havia toda uma estratégia do governo para evitar que os massacres dos militares contra os indígenas chegassem à opinião pública. Por isso, entre 1967 e 1977, eles proibiam a entrada de pessoas dentro das terras indígenas.
Por volta de 1981, quando restavam apenas 374 indígenas sobreviventes e não havia mais condição nenhuma de resistir aos massacres dos militares, o governo mudou de estratégia. Aí apresentaram à opinião pública os índios como sendo dóceis e agricultores, que poderiam contribuir para o abastecimento de Manaus. Com a nova República houve uma continuidade da política adotada anteriormente, mas nós conseguimos ter acesso às comunidades.
IHU On-Line – Foi nesta ocasião que o senhor teve contato com os waimiri-atroari?
Egydio Schwade – Sim. Entre 1985 e 1987 iniciamos um processo de alfabetização dos waimiri-atroari. Foi nessa ocasião que índios começaram a nos contar através de desenhos – até porque não entendíamos seu idioma – as atrocidades que haviam ocorrido no período militar. Utilizamos o método Paulo Freire e rapidamente eles se alfabetizaram na língua.
Depois que os waimiri-atroari aprenderam a nossa língua, começaram a contar sobre os índios desaparecidos. Então, em certa ocasião, do dia para a noite, fomos expulsos das áreas indígenas. Um linguista da Unicamp e sua esposa, que também participavam do processo de alfabetização em outra parte do território dos waimiri-atroari, foram expulsos da área. Outro antropólogo, que já tinha, no período militar, um bom contato com os indígenas, queria completar seus estudos, mas foi barrado e não pode entrar na aldeia, apesar das autorizações que portava e da recomendação da universidade.
Depois da nossa expulsão, a Funai, junto da Eletronorte, criou o Programa Waimiri-Atroari. E por quê? Esse programa foi exigido pelo Banco Mundial, porque, em função do financiamento da hidrelétrica de Balbina, ele começou a ser duramente questionado por entidades internacionais. De forma que ele teve que tomar uma atitude, ou seja, exigir que aEletronorte financiasse durante 25 anos um programa junto dos waimiri-atroari, destinado principalmente à educação e à saúde. Na verdade, foi esse programa que continuou com muita elegância e muita diplomacia a estratégia de repressão aos estudiosos, antropólogos, missionários, e a todo mundo que quisesse levantar a questão dos waimiri-atroari desaparecidos.
IHU On-Line – Como os governadores da região se manifestavam diante da construção da BR-174? Eles tinham conhecimento do que estava acontecendo com esses indígenas?
Egydio Schwade – Claro! Os governadores exigiam a construção da estrada. Danilo Areosa, ex-governador do Amazonas, dizia: “nós precisamos dessa estrada para termos acesso às minas e ao minério que nos dará subsídio para termos finanças, para atender à saúde e à educação no nosso estado”. Essa era a justificativa. O governador de Roraima dizia o seguinte: “não podemos deixar que meia dúzia de tribos indígenas venha impedir o desenvolvimento de Roraima”.
IHU On-Line – Por que a história dos waimiri-atroari nunca veio à tona?
Egydio Schwade – Por causa da política dos grandes projetos do governo, que considera uma hidrelétrica mais importante do que as pessoas, que considera uma estrada que liga uma mineradora ou mesmo um estado a outro mais importante do que os seres humanos.
A hidrelétrica de Balbina foi construída, por exemplo, para garantir os interesses da Zona Franca de Manaus. Da mesma forma, hoje, Belo Monte está sendo construído para garantir energia que não beneficiará os brasileiros. Por que o governo não utiliza os telhados das grandes cidades para instalar uma energia renovável a partir da energia solar? Não há interesse nesse modelo de energia e de desenvolvimento.
IHU On-Line – Ainda existem comunidades waimiri-atroari? Quantos indígenas são e como vivem?
Egydio Schwade – Existem. Depois da ditadura militar, eles começaram a se recompor e hoje já são mais de 1.000 pessoas. Parte deles vive em Roraima e outra parte no Amazonas.
IHU On-Line – Tem ainda contato com eles?
Egydio Schwade – Uma jornalista me entrevistou recentemente e fez uma crítica em relação a isso: ela pediu para ver os índios e eles sempre arrumam alguma desculpa para não receberem as pessoas. Os indígenas dizem que estão em festa ou estão caçando. Eles evitam a aproximação com jornalistas e, até mesmo, comigo em algumas às vezes. Eu me estabeleci próximo dos waimiri-atroari e me mantenho cá e lá. Em 1997, quando nós começamos a criar abelhas, ministramos um curso na comunidade e convidamos os povos indígenas. Eles participaram do curso e convidaram meu filho e eu para irmos à aldeia.
IHU On-Line – O que os waimiri-atroari dizem a respeito da ditadura militar?
Egydio Schwade – A situação é complicada, porque alguns já foram “trabalhados” pela Funai e não querem relembrar o que aconteceu na ditadura. Mas como nós tivemos essa oportunidade de escutá-los, eles contam como ocorreram as torturas e mortes.
IHU On-Line – Por que o senhor quer que o massacre contra os índios waimiri-atroari faça parte da Comissão da Verdade? Qual sua expectativa? Essa proposta já foi apresentada ao governo brasileiro? Qual a reação?
Egydio Schwade – Levantei essa questão porque os índios waimiri-atroari são desaparecidos políticos, como os demais que desapareceram no rio Araguaia. Eles desapareceram porque resistiram contra os projetos do governo militar. Pelo que estou escutando nos últimos dias, parece que está se formando finalmente a Comissão Nacional da Verdade e ela está decidida a considerar essa perspectiva também. Estou falando sobre os waimiri-atroari, mas têm muitos outros povos que foram massacrados de forma semelhante. Por exemplo, os Paracanã em função da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, no estado do Pará.
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