sábado, 7 de março de 2015

As alegrias e as dores das mulheres contemporâneas

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As alegrias e as dores das mulheres contemporâneas

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Por Ângela Abdo*
Ao longo da história, a mulher tem lutado pelo reconhecimento do seu valor como ser humano, deixando de ser, aos poucos, o "sexo frágil” ou propriedade de alguém, seja do pai, do esposo e afins para assumir o seu papel social.

A mulher vem crescendo e posicionando-se no âmbito social, cultural, político e econômico, frutos de uma luta histórica contra costumes machistas, discriminatórios, inclusive no ambiente familiar, que levam à desvalorização da sua força produtiva, provocando rebaixamento do nível salarial.
Diante de tantas conquistas, deveríamos ter mulheres felizes e realizadas! Mas o que temos visto são mulheres sobrecarregadas com jornadas cansativas, famílias destruídas, problemas com os filhos sofridos e desajustados.
Vivemos num mundo conturbado por várias ideologias, sem espaço para Deus. Neste contexto, as mulheres que se encontram sem um rumo certo tornam-se presas fáceis ao consumismo, individualismo, superficialidade e às ilusões do mundo.
A progressiva conquista de novos lugares e papéis femininos trouxe uma infinidade de ganhos que, como não poderia deixar de ser, teve seu preço. E, para tentar dar conta de tantos ideais, a mulher atual precisa ser bem flexível para exercer tantos papéis e assim corresponder às inúmeras demandas próprias de sua época. Além de mãe dedicada, deve ser uma esposa, amiga, namorada, dona de casa que dá conta de tudo, e conciliar tudo isso com o trabalho.
Em pleno Século XXI, como lidar com esta realidade? Esta nova condição não é, necessariamente, boa nem ruim; depende de como a encararmos. Muitas enfrentam um enorme sentimento de culpa e de débito, por não conseguirem exercer todos os papéis de mãe, esposa, dona de casa e mulher, criando, assim, grandes frustrações.
Mulheres que são mães alimentam um sentimento de culpa por não ter tempo integral para cuidar dos filhos e deixam de educar, passando a "compensá-los” com coisas materiais para tentar suprir a sua ausência.
O mundo moderno é exigente. Assim como o marido deseja uma mulher charmosa e atenciosa, o chefe espera uma profissional competente. Por todas essas cobranças, a mulher tem feito um esforço sobre-humano para desempenhar todas as atribuições. Tudo isso acaba produzindo na mulher um estresse acentuado, muita angústia, ansiedade, sentimentos de culpa e abandono de si - fatores esses que podem ser prejudiciais à sua saúde física, mental e espiritual.
Em um mundo com relações marcadas pela superficialidade, onde a aparência e status ganharam espaço, não é tarde para aprimorar a espiritualidade e viver um cotidiano que tem um sentido maior que ser apenas aquela que cumpre funções utilitárias, mas ser alguém que muda a si mesmo e o mundo. É a hora da virada, para quem ainda não conseguiu uma boa qualidade de vida neste mundo tão competitivo e exigente.
*coordenadora do grupo de mães que oram pelos filhos da Paróquia São Camilo de Léllis (ES) e assessora no Estudo das Diretrizes para a RCC Nacional. É articulista do canal "Formação” do Portal Canção Nova (formacao.cancaonova.com) e autora do livro "Mães que oram pelos filhos” pela Editora Canção Nova.

A bancada evangélica, Direitos Humanos e 'fé e política'

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A bancada evangélica, Direitos Humanos e 'fé e política'

Jung Mo Sung
Adital
A bancada evangélica da Câmara Federal entrou na disputa, com o PT, pela presidência da Comissão dos Direitos Humanos; a mesma comissão que já foi palco de muita polêmica com a presidência do deputado evangélico Marco Feliciano. Não vou discutir aqui as questões regimentais sobre se a candidatura avulsa do deputado Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ), pastor da Assembleia de Deus e apadrinhado do pastor Silas Malafaia, quebra ou não o acordo dos blocos partidários ou alguma norma do regimento interno da Câmara. O tema que quero levantar é o da relação "fé/religião e política”.
No artigo anterior, eu tratei da importância da noção de "missão divina” na violência "sem limite” do Estado Islâmico. Sem essa noção religiosa, não é possível entender a agressividade e a determinação do EI, mas também o seu projeto político da construção de um califado teocrático. É em nome da sua fé e da sua visão do mundo baseada na sua religião que dirigentes e militantes do EI estão em uma guerra santa; assim como é em nome da fé e da religião que a bancada evangélica disputa o poder na Câmara e na Comissão dos Direitos Humanos. É claro que há outros fatores em jogo, mas não se pode minimizar o papel da religião.
O tema da "fé e política” não é algo novo no Brasil. Em termos históricos mais recentes, foram as CEBs e as pastorais sociais católicas que, a partir da década de 1970, impulsionaram a militância política em nome da fé. A participação dos cristãos em nome da fé foi bem vista pela esquerda não cristã porque eram aliados na luta contra a ditadura e a exploração capitalista; porém foi criticada, não somente por setores conservadores das igrejas e da sociedade, mas também por setores progressistas liberais modernos em nome da separação entre a religião (reduzida a esfera privada) e a esfera pública. "Fé e política” era vista por esses como um retrocesso a uma cultura pré-moderna.
Em nome do "Deus libertador”, muitas pessoas e comunidades eclesiais (em geral católicas, mas também protestantes históricos e evangélicos) entraram, e muitos ainda estão, nas lutas sociais e políticas; ajudaram organizar movimentos populares e também partidos, especialmente o PT e os seus núcleos de base (que ficou na memória dos antigos militantes). Seguindo este caminho, setores social e politicamente mais conservadores das igrejas evangélicas entraram na política em nome da sua fé e religião: hoje elegem deputados pastores ou líderes "leigos” e até controlam partidos. E nas instituições do Estado defendem os valores sociais e morais que acreditam ser de acordo com a sua fé e missão.
Essas três correntes constituem um pequeno exemplo do "pluralismo religioso” do nosso tempo. Não somente por serem de religiões ou denominações diversas, mas, mais importante, por terem visões muito distintas de Deus e/ou missão divina ou religiosa no mundo. Em nome de Deus, alguns degolam os inimigos da fé e querem impor teocracia, outros são radicalmente contra casamento de pessoas do mesmo sexo ou o aborto e defendem o sistema de mercado livre, e há também aqueles que defendem os direitos da comunidade LGBT e a superação do capitalismo... Temos diante de nós uma imensa pluralidade religiosa.
Diante de situações concretas – como da Comissão dos DH ou a guerra no Oriente Médio –, o discurso abstrato do respeito a priori da religião do outro não é suficiente, nem realista. Nos conflitos que nos afetam, tomamos posições. É possível nos manter respeitoso para com grupos que em nome da sua fé degola um inocente? Ou que legitimam, em nome dos seus valores religiosos, a submissão total das mulheres e a demonização dos homossexuais?
Também não é suficiente dizer que devemos substituir as religiões por espiritualidades. Porque também há espiritualidades que nos levam à indiferença para com pessoas que sofrem, que se afastam, se alienam dos conflitos sociais ou que movem as forças da injustiça e opressão. Não devemos esquecer do Espírito/espiritualidade do Capitalismo.
A proposta de reduzir a fé à esfera da vida privada não é viável, porque a própria separação da vida privada e pública – uma invenção da modernidade -- não é absoluta e a fé, quando realmente vivida, não se deixa reduzir a essa pequena parte da vida. Uma quarta opção, o caminho de usar a minha/nossa noção de Deus e da "missão divina” para julgar os conflitos e legitimar uma determinada posição nos levaria a um domínio de uma visão religiosa do mundo sobre as outras.
Penso que não devemos abdicar da relação "fé/religião e política”, mas precisamos repensar seriamente essa relação. E neste processo, devemos entender que a bancada evangélica na Comissão dos DH é movida por uma compreensão religiosa do mundo, por seus valores morais e sua fé. Podemos discordar da posição deles, mas devemos entender que por detrás da atuação deles está a relação "fé e política”. Este caso é uma pequena ponta de iceberg de um problema muito importante que está por detrás de muitos conflitos militares, políticos, sociais e econômicos no mundo de hoje.
Não há uma solução fácil. Precisamos encontrar um critério ético "universal” que esteja acima da doutrina concreta das religiões e da diversidade ideológica e das filosofias sociais e que seja capaz de defender os direitos humanos de todas as pessoas.
(Jung Mo Sung é autor junto com J. Rieger e N. Miguez, do "Para além do Espírito do Império”, Paulinas.)

Jung Mo Sung

Graduado em Filosofia (1984) e em Teologia (1984) doutorado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (1993) e pós-doutorado em Educação pela Univ. Metodista de Piracicaba (2000). Atualmente é professor titular da Universidade Metodista de São Paulo, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Autor, com H. Assmann, de "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus. Twitter: @jungmosung

Assentar os acampados é reconhecê-los cidadãos

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 Assentar os acampados é reconhecê-los cidadãos

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ESCRITO POR OSVALDO RUSSO   
SEXTA, 06 DE MARÇO DE 2015

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, tomou posse com grande expectativa dos movimentos sociais e anunciou, entre as prioridades de sua gestão, a reforma agrária e o assentamento das famílias acampadas no Brasil.

Decidir acampar na beira da estrada e permanecer nela durante tempo indeterminado não é alternativa fácil de seguir. Importa em sacrifício e risco para a família – homens, mulheres, crianças, adolescentes, jovens e idosos. Os movimentos sociais, com sua organização e resistência, têm sido capazes de sinalizar esperança agora e no futuro.

Por isso, os sem terra se juntam, se conscientizam e lutam por terra e condições de vida. Nos dias atuais, se ocupações de terra escandalizam, no passado, a rebelião dos escravos também escandalizava, mas os açoites neles não. Sem ser ouvido, Joaquim Nabuco dizia: “a abolição da escravatura é inseparável da democratização do solo pátrio”.

O conservadorismo reage, mas hoje há leis e, apesar dos altos preços de terra, ainda assim é viável e necessário assentar os sem terra. Custa bem mais para a sociedade não assentar: insegurança alimentar, miséria e pobreza; desigualdades, violação de direitos, migração desordenada e violência. As metrópoles brasileiras e o erário que o digam.

Com investimento de 7,2 bilhões de reais, ao custo médio de 60 mil reais por família, é possível assentar 120 mil famílias sem terra que estão acampadas, segundo o MST, em todo o país. De acordo com o orçamento aprovado, a localização dos acampamentos, a disponibilidade de áreas desapropriáveis para fins de reforma agrária e a oferta de terras, as mesmas poderão ser obtidas mediante os instrumentos legais da desapropriação por interesse social, destinação de terras públicas e, complementarmente, compra direta.

Isso significa apenas 10% dos gastos dos turistas brasileiros no exterior em 2013. As famílias sem terra, após determinado período de assentadas, não mais dependeriam do benefício relativo ao Bolsa Família e deixariam de receber do programa cerca de 1,2 bilhão de reais ao ano. O assentamento dessas famílias seria, assim, financiado pela economia de seis anos de transferências de renda da política social.

Se as indenizações e as compras das terras forem pagas 90% em Títulos da Dívida Agrária (TDA) pelo prazo de 10 anos, em relação à terra nua, e 10% em dinheiro, em relação às benfeitorias, a inclusão produtiva rural, por meio do assentamento das 120 mil famílias acampadas, custaria 60% da transferência de renda para as mesmas, cujo cronograma de execução poderia ser pactuado com os movimentos sociais.

Se esses assentamentos possuírem uma área média de 40 hectares (depende da região), a somas de suas áreas totalizaria 4,8 milhões de hectares. Descontadas as áreas de reserva legal, de preservação permanente, inaproveitáveis e ocupadas por construções, restaria uma área total aproveitável estimada em três milhões de hectares (25 hectares por família). Quantos milhões de toneladas de alimentos seriam produzidos nessas áreas?

Essa política de assentamento, com infraestrutura adequada, reforçaria a presença da agricultura familiar na produção de alimentos saudáveis e na geração de trabalho e renda no meio rural. Associada a outras políticas públicas, como assistência técnica e creditícia, educação, saúde, assistência social, qualificação profissional e habitação, contribuiria para a superação da pobreza rural e o desenvolvimento rural sustentável.

A agenda agrária e social do país é mais ampla, mas, em relação ao assentamento dos acampados, o significado para o Brasil é que os deserdados de sua própria terra e que lutam por terra, trabalho e justiça se encontrariam enfim com a Pátria – como cidadãos.


Osvaldo Russo, ex-presidente do Incra, é membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).

A publicação deste texto é livre, desde que citada a fonte e o endereço eletrônico da página do Correio da Cidadania

Maré: “O padrão de violência que a polícia imprimia se repete na atuação do exército”

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Maré: “O padrão de violência que a polícia imprimia se repete na atuação do exército”




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ESCRITO POR GABRIEL BRITO E PAULO SILVA JR, DA REDAÇÃO   
SEXTA, 06 DE MARÇO DE 2015


Enquanto se discutem calorosamente os graves problemas políticos e econômicos pelos quais passa o Brasil, a maioria das pessoas não atenta para outro processo tão ou mais nocivo à democracia: a crescente militarização da vida cotidiana. Obviamente, os mais pobres são os primeiros a sentir na pele, de forma muito mais dramática que nas corretamente denunciadas repressões em manifestações. Se alguns pedem “intervenção militar” como solução para alguma coisa, precisam ser informados de que ela já corre solta em algumas partes do país.

“De abril de 2014 pra cá, aconteceram 20 mortes dentro da Maré. Claro que não foram todas causadas pela ação do exército e, sim, por um conflito já instalado. Porém, tais conflitos não foram devidamente estudados, elaborados e refletidos. O padrão de violência que a polícia imprimia se repete na atuação do exército. Logo no segundo ou terceiro mês de presença do exército, já se configurava que o ordenamento pensado não estava preocupado em criar condições de garantia dos direitos dos moradores”, denunciou Elaina Sousa e Silva, em entrevista ao Correio.

Como se vê, estamos diante de um grande retrato, dado o tamanho do Complexo da Maré, do fracasso das políticas de segurança pública do Estado brasileiro e seu viés exclusivamente militarista. No entanto, estamos também diante de sua acentuação. Na conversa, Eliana, coordenadora da Redes de Desenvolvimento da Maré, explica como a entrada do exército na região, por conta da Copa do Mundo, não diminuiu os índices de violência, além de fazer uma avaliação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), há mais de seis anos em voga no Rio de Janeiro.

“A UPP é um projeto que está muito questionado, sob o ponto de vista da eficácia e da estrutura. Estão dizendo que vão implantar cinco UPPs na Maré, no momento em que também falam em avaliar o que foi feito até agora por essa presença policial nas favelas, para tentar avanços. O novo governo tem um discurso de que os erros já mostrados pelo projeto seriam corrigidos e se avançaria na perspectiva de um projeto mais profundo, que realmente trabalhe outras dimensões, para além do enfrentamento bélico. Tudo ainda é vago, falta muita concretude para que tais ideias se tornem política pública”, analisou Eliana.

A entrevista completa, realizada nos estúdios da Central 3, pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, como foi a manifestação “em favor da vida” promovida pelos moradores do Complexo da Maré, no dia 23 de fevereiro?

Eliana Sousa Silva: Foi um movimento espontâneo das famílias atingidas no último mês por violações de direitos cometidas pelo exército. Tivemos um crescente número de violações nesse período, todo dia. Isso criou animosidades e uma situação de indignação, o que culminou na manifestação. A movimentação e revolta dos moradores ocorreram de forma espontânea.

Correio da Cidadania: Quais as razões gerais para a insatisfação da população contra a intervenção militar na Maré, inclusive com a participação do exército?

Eliana Sousa Silva: Para nós, é uma aberração ter o exército atuando em áreas como a Maré e em favelas. Não é a primeira vez, dado que o Complexo do Alemão também teve a experiência do exército, antes de ter a UPP. No caso da Maré, o exército entrou em abril 2014, no momento prévio à Copa do Mundo, sob uma grande expectativa, em função da localização, que é estratégica. Toda pessoa que entra no Rio de janeiro, de carro ou avião, tem de passar pelo Complexo da Maré, já que se localiza entre as principais vias de acesso à cidade – Avenida Brasil, Linha Amarela e Linha Vermelha.

Assim, o governo estava preocupado em como a situação da Maré poderia criar problemas para o evento esportivo. O exército entrou ali pra criar um cordão de isolamento – palavra utilizada por eles mesmos, e que uso aqui de forma crítica – e conter os conflitos. A Maré é o maior conjunto de favelas do Rio, onde moram 130 mil pessoas. É uma cidade, 80% dos municípios brasileiros não têm esse tamanho.

Portanto, há a complexidade de se ter uma região muito adensada e, historicamente, com os três grandes grupos criminosos armados atuando. Além deles, tem a milícia. São 16 favelas agrupadas e 4 comandos atuando e gerando conflitos, ao lado de um histórico muito ruim da polícia, sem nenhum respeito aos direitos dos moradores e com muitas violações contra eles. O exército entrou com a perspectiva de controlar a Maré, mas também foi anunciada a oportunidade de se fazer a transição para a UPP, de modo a criar as condições para a polícia e outros aparatos da segurança pública se instalarem lá, um território, de fato, complexo.

As facções perceberam o padrão de ordenamento imposto pelo exército, que num primeiro momento foi de aproximação às pessoas e instituições locais, para criar uma ideia de tranquilidade em relação aos grupos criminosos. Algumas pessoas foram presas e se tirou a presença ostensiva das armas por ali. Havia, de fato, pessoas fortemente armadas, numa área estratégica da cidade. Foram feitas reuniões com o secretário de segurança, generais e coronéis que atuavam na região e havia a ideia de proximidade com a população e mudança da realidade. Porém, em algumas partes existem conflitos mais permanentes, e até resistência dos grupos criminosos, e isso não mudou muito, mesmo após o início da ocupação.

Correio da Cidadania: E qual a realidade atual da atuação do exército?

Eliana Sousa Silva: Pra se ter uma ideia, logo no segundo ou terceiro mês de presença do exército, já se configurava que o ordenamento pensado não estava preocupado em criar condições de garantia dos direitos dos moradores. Começou com uma troca permanente de corporação. A cada dois meses, vem uma tropa de alguma parte diferente do Brasil. Vieram tropas de São Paulo, Rio Grande do Sul e, agora, do Nordeste. Ou seja, a cada dois meses tem de ser feito todo um novo trabalho de aproximação. O exército faz um treinamento, mas mesmo assim fica muito distante das necessidades reais da comunidade. A cada mudança de corporação, vinha o general se apresentar, falar em corrigir problemas etc. Mas fomos vendo que é só discurso e retórica.

O que temos de concreto é que de abril de 2014 pra cá aconteceram 20 mortes dentro da Maré. Claro que não foram todas causadas pela ação do exército e, sim, por um conflito já instalado. Porém, tais conflitos não foram devidamente estudados, elaborados e refletidos. O padrão de violência que a polícia imprimia se repete na atuação do exército.

Correio da Cidadania: Indo a fundo em detalhes pouco conhecidos de quem está longe dessa realidade, o que você pode contar da relação cotidiana entre os militares e moradores?

Eliana Sousa Silva: Aqui na Maré, nosso histórico é de sempre tentar puxar a agenda de segurança pública da cidade. É difícil. O tema da segurança pública, de modo geral, é complicado de debater nas favelas. Isso porque temos de lidar com o medo de tratar do assunto de maneira republicana. A ideia de direito à segurança pública, para o morador de favela, ainda é muito distante. Principalmente segurança proporcionada pelo Estado, o ente que deve garantir tal direito.

Os moradores têm convivido ao longo do tempo com muitas situações difíceis, com um aparato bélico muito forte em sua volta. Mas no primeiro momento até ouvimos relatos de moradores dizendo que essa presença tinha abrandado alguns modos de operar dos grupos criminosos. Existe, portanto, um anseio por outro tipo de segurança, de ver o Estado atuando corretamente, apesar de se conviver com a deformação de ter um exército armado em seu ambiente.

O que vamos percebendo é que o exército perdeu a ideia de que está ali para uma missão que vá além de garantir minimamente, através do aparato bélico, o funcionamento da vida na região. Eles perderam a noção do que devem ou não fazer. Acham que podem fazer qualquer coisa. Desde que começou o processo de violação de direitos, tentamos fazer eventos, como uma coletiva de imprensa com os moradores, para expor o que tem acontecido. Havia uma violência muito forte contra os jovens. Coisas que as pessoas se acostumaram a ver com a PM, o choque, o BOPE, e que de alguma maneira teve um hiato. Depois, o exército começou a agir do mesmo modo e veio a reação das pessoas.

É muito absurdo, pois a ideia transmitida é a de que a sociedade acha justificáveis as violações, pelo fato de existirem grupos armados na região – que também oprimem os moradores. Mas não é possível não se trabalhar com outra abordagem em relação à questão da violência. Não conseguimos entender a ideia de combater violência com violência, a ideia de que é preciso matar inocentes sem nada a ver com isso.

Estamos novamente inseguros, com medo da reação do exército, que piorou muito depois da morte de um soldado. Depois dessa morte, percebemos o afastamento da ideia de se aproximar da comunidade e uma maior hostilidade. Agora, o medo é muito presente, inclusive nos rostos deles mesmos. Andam armados, com feições tensas... É muito delicada a situação.

Correio da Cidadania: Como tem sido a repercussão política e social do que acontece na Maré, em relação ao restante da cidade?

Eliana Sousa Silva: A repercussão é grande no Rio porque é inacreditável ter um exército há tanto tempo numa área, com gastos astronômicos, e a situação não melhorar. E nos perguntamos por que não se gasta esse dinheiro na forma como realmente se deve promover segurança pública. É uma situação nebulosa. Fazemos um trabalho ao lado da comunidade desde 2009, e temos reflexões com os moradores sobre o tema, sobre como a sociedade civil pode interferir no processo. Segurança pública não pode ser tratada somente pela polícia, precisa do envolvimento da sociedade.

Na verdade, trata-se da ideia de construção de um direito historicamente negado. E temos de aprender a lidar com ele. Em 2012, fizemos uma campanha e um material sobre como a polícia pode abordar um morador, o que é legal e ilegal, como o morador pode buscar seus direitos... Tudo no sentido de as próprias pessoas fazerem valer seus direitos nesse campo. Existe uma ideia de que as pessoas estão lá acuadas, coitadinhas, mas existe uma reação. E a Maré vem mostrando que as pessoas podem interferir no processo da política de segurança pública.

Parece que nada existia antes da UPP entrar em uma favela. Não é verdade. A Maré tem escolas, e há mais 20 sendo construídas, tem um centrinho, guia de ruas, um mapeamento de toda a atividade econômica local... E percebemos que tudo é fruto da luta dos moradores. O único direito ainda não garantido é o da segurança pública. Não existe aparato de justiça e nem sequer uma delegacia. Um lugar com 130 mil habitantes não tem uma delegacia próxima, para as pessoas denunciarem alguma coisa. A ideia de buscar os direitos é a que temos enfatizado para a população, porque é a única forma de mudar isso.

Correio da Cidadania: Como vocês avaliam as políticas de segurança do governo carioca, tanto na Maré como no âmbito geral da cidade? Após seis anos, qual o balanço que vocês fazem da implementação das UPPs no Rio de Janeiro?
Eliana Sousa Silva: Um terço da população do Rio vive em favelas. É uma questão importante em relação à segurança pública e às diferentes violências que temos em tais territórios. A ideia de construção de um projeto nesse campo é fundamental na cidade. Era preciso algum projeto voltado ao enfrentamento de grupos criminosos que atuam em distintos territórios.

Inicialmente, a ideia da UPP era desarmar tais grupos e a partir de então construir outras referências de ordenamento e ocupação dos territórios, por uma lógica republicana, como costuma ser no restante da cidade. No Rio, uma parte da cidade, principalmente a zona sul, é suprida de forma muito significativa neste aspecto, ao passo que outras áreas historicamente ficaram abandonadas. A UPP era a alternativa a esse déficit.

O que percebemos é que o projeto vem tendo problemas de se manter tal como planejado, pois não é possível ter a quantidade necessária de policiais bem formados, de acordo com uma ideia de proximidade com a população, em tantos territórios que precisam de tal ordenamento. Portanto, temos problema na formação de policiais. E também temos problemas no sentido de que os grupos criminosos até recuam, mas simbolicamente continuam muito fortes e interferem em questões muito básicas.

A UPP é um projeto que está muito questionado, sob o ponto de vista da eficácia e da estrutura. Estão dizendo que vão implantar cinco UPPs na Maré, no momento em que também falam em avaliar o que foi feito até agora por essa presença policial nas favelas, para tentar avanços. O novo governo tem um discurso de que os erros já mostrados seriam corrigidos e se avançaria na perspectiva de um projeto mais profundo, que realmente trabalhe outras dimensões, para além do enfrentamento bélico. Tudo ainda é vago, falta muita concretude para que tais ideias se tornem política pública.

No entanto, é a alternativa que temos aqui. Estamos tentando trabalhar com ela de modo a fazer os índices de violência realmente caírem e a cidade perceber, já que a letalidade, como um todo, é muito grande por aqui.

Leia também:
‘Queremos do Estado a garantia de direitos civis básicos que na favela não são respeitados’ - entrevista com Edson Diniz, da Redes de Desenvolvimento da Maré, após chacina que causou 12 mortes em julho de 2013.
Encontros que deixam marcas. Um relato sobre o ato da Maré – Sobre a manifestação dos moradores, no dia 23 de fevereiro de 2015.


Gabriel Brito e Paulo Silva Jr são jornalistas.

Resistir também é lutar

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Resistir também é lutar

Ministro do Supremo Tribunal Federal altera conceito de terra tradicionalmente ocupada para dificultar novas demarcações de terras indígenas
Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki (Wikimedia Commons / Creative commons)
Em recente decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o conceito de terra tradicionalmente ocupada foi violentamente atacado. O ministro do STF Teori Zavascki afirmou que “renitente esbulho [tomar posse do que pertence a outrem, insistentemente] não pode ser confundido com ocupação passada ou com desocupação forçada”. Segundo o ministro, apenas em caso de conflito contínuo por posse, seja armado ou judicial, caracterizaria-se o despojo constante de direitos e territórios tradicionais indígenas.
Em 2009, no processo de demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima, os juízes do STF elegeram a data de promulgação da Constituição Federal (1988) como marco temporário para caracterizar a referida tradicionalidade sobre a terra, ressaltando, no entanto, o chamado “renitente esbulho” como fator para os índios não habitarem todas as suas terras tradicionais. Essa ressalva, em teoria, garantiria o direito dos povos tradicionais às suas terras, mesmo não vivendo nelas naquele marco temporário. Com a decisão do ministro Zavascki, a garantia “subiu no telhado”.
Fosse a interpretação do ministro levada ao pé da letra, os índios deveriam estar presentes fisicamente em suas terras no ano de 1988, inclusive naquelas ocupadas por fazendeiros e grileiros, lutando contra armas de fogo para caracterizar o “esbulho”. Ou seja, na leitura do ministro, só a guerra física legitima a jurídica.
Para Danicley Aguiar, coordenador da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil, a interpretação de Zavascki está equivocada: “os índios nunca desistiram dos territórios que foram ocupados. O renitente esbulho é regra e foi construído para resolver o princípio do marco temporário. Um juiz não pode dizer para um índio que não tem condições de luta, recursos financeiros ou um advogado que ele não lutou, que ele desistiu”.
Segundo Aguiar, além de injusta com a resistência histórica dos povos indígenas do Brasil, a interpretação abriria espaço para que grandes áreas de floresta griladas de Tis na Amazônia sejam beneficiadas e juridicamente incorporadas ao agronegócio brasileiro.
O que apenas incentiva o trabalho de grileiros e posseiros, segundo Cléber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). “A decisão fala para os inimigos dos povos indígenas que vale a pena usar do mecanismo de desocupação forçada. Os esbulhos que foram cometidos há tempo – e ainda são até hoje – serão validados perante a lei”, completou ele.
A resistência do Povo Xavante (Mato Grosso) é um exemplo de que a decisão do ministro não condiz com a realidade. Na década de 1960 os Xavante foram retirados à força de seu território, abrindo espaço para a invasão de latifundiários e posseiros. Empresas multinacionais compraram terras dentro do ancestral território indígena – hoje a homologada TI Marãiwatsédé – e fazendeiros ocuparam a área até janeiro de 2013, quando um auto da Justiça obrigou sua desintrusão. Vale lembrar que daquela época em diante, cerca de 90% da terra foi desmatada – ela é considerada um dos territórios mais destruídos da Amazônia.
“É uma decisão totalmente articulada com outros poderes. Eles tentam colocar isso como interpretação, mas é uma decisão politica para inviabilizar o processo de demarcação de Terras Indígenas”, afirma Sonia Guajajara, liderança nacional indígena que integra a coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Para ela, “o próprio Judiciário está incitando o conflito. Nem sempre os povos indígenas lutaram com armas. Nem sempre lutar significa estar em conflito, para nós. A saída dos territórios, muitas vezes, se deram por pura expulsão”.
As articulações da bancada ruralista que, em paralelo, reaviva a PEC 215 no Congresso Nacional, estão chegando em outras esferas de poder além do legislativo. “O lobby já chegou no Judiciário. Não são mais decisões a partir da análise jurídica, e sim de teor político. O agronegocio está espalhado nos três poderes”, avalia Sonia.
“O índio não precisa estar com o arco e flecha na mão, apontado para o fazendeiro, para ser válida sua luta”, conclui Danicley Aguiar.
A Funai (Fundação Nacional do Índio) foi intimada a apresentar parecer sobre a decisão, que ainda deve ser analisada pelos outros ministros que formam o pleno do STF. Caso esse plenário mantenha a decisão, pode haver um recrudescimento dos conflitos, levando a ainda mais mortes no campo.
Fonte: Greenpeace Brasil

TRE cassa mandato do governador de Rondônia por suposto abuso de poder

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TRE cassa mandato do governador de Rondônia por suposto abuso de poder

O TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Rondônia cassou os mandatos do governador Confúcio Moura (PMDB) e de seu vice, Daniel Pereira (PSB), na manhã desta quinta feira (5). Cabe recurso.
Por quatro votos favoráveis à cassação e três contrários, os juízes acataram denúncia da coligação “Frente Muda Rondônia”, do candidato Expedito Júnior (PSDB), derrotado no segundo turno por Moura no ano passado, quando o peemedebista foi reeleito.
Procurada, a assessoria do governo disse que só vai se pronunciar após receber a notificação.
Na ação de investigação eleitoral, Confúcio foi acusado de abuso de poder econômico por distribuir almoço e refrigerantes para mais de 2.000 pessoas que participaram da convenção do PMDB, realizada no dia 29 de junho, em Porto Velho.
A votação desta manhã foi acirrada. Ficou empatada em 3 a 3 e coube ao presidente do TRE, desembargador Moreira Chagas, desempatar o pleito.
O TRE vai notificar o governador e o vice, que terão cinco dias para recorrer da decisão.
O governador Confúcio Moura, cassado pelo TRE nesta quinta (5), inaugura obra em Extrema (RO)
‘DESVIO DE RECURSOS’
Não é primeira investigação contra Moura sobre supostas irregularidades em campanha eleitoral. No ano passado, investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal apontaram desvio de recursos públicos para abastecer a campanha de 2010 de Moura.
Na ocasião, foi deflagrada pela PF a Operação Plateias, que resultou na prisão de quatro suspeitos só em Rondônia. Ao todo, foram cumpridos 193 mandados em nove Estados (RO, GO, SP, RJ, BA, PA, SE, AM e AC), no Distrito Federal e na Espanha.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, há indícios de que o dinheiro desviado no suposto esquema abasteceu a campanha de Moura em 2010.
O governador chegou a prestar depoimento. As investigações estão em curso.
Fonte: Folha de São Paulo

Agricultura é vilã ou vítima na crise hídrica?

ihu
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/540517-agricultura-e-vila-ou-vitima-na-crise-hidrica


Agricultura é vilã ou vítima na crise hídrica?

Enquanto cidades como São Paulo apertam o cinto para não ficar sem água em meio a uma crise sem precedentes e fazem esforços para reduzir o consumo hídrico, o uso na agricultura entra em debate. O setor gasta mais água do que deveria ou seu consumo é justificado pela produção de alimentos?
A reportagem é de Paula Adamo Idoeta, publicada pela BBC Brasil, 04-03-2015.

Cerca de 72% da água captada no país vai para a produção agrícola, o que está em linha com a média de 70% no mundo, segundo a ANA (Agência Nacional de Águas). Mas esse consumo envolve diversas variáveis e, segundo especialistas consultados pela BBC Brasil, ainda há desperdício significativo no setor e muito o que fazer para economizar água.

Os analistas concordam em uma coisa: o Brasil tem água o bastante para todos, mas precisa aprender a geri-la de forma mais eficiente e combater os desperdícios.

"Em locais onde falta água, podemos, no futuro, precisar optar por culturas agrícolas que consumam menos água. Isso faz parte de um planejamento maior. Mas o Brasil não pode passar por uma crise como a que temos agora, porque nós temos água", opina o pesquisador Lineu Rodrigues, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, ligada ao ministério da Agricultura).

Para Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da ONG SOS Mata Atlântica, a eficiência passa por criar uma relação mais "sustentável" entre o setor e os recursos hídricos. "Há setores que têm reduzido sua pegada hídrica. É preciso separar a agricultura que incorporou a sustentabilidade – muitas vezes porque depende disso para obter certificados internacionais que a permita exportar – da perversa, de muitas monoculturas (que exaurem os recursos do solo) e dos setores que usam muito veneno", opina.

A seguir, perguntas e respostas sobre algumas das principais questões envolvendo água e plantio. As opiniões díspares evidenciam as diferentes realidades do setor:

Como é o consumo de água na agricultura?

Especialistas do setor agrícola alegam que, na área rural, o consumo de água em geral não compete com o uso pelas pessoas.

Mas, para a SOS Mata Atlântica, muitas vezes o plantio concorre com o consumo humano, seja na captação ou em casos de poluição das fontes de água.

Agricultura de irrigação tende a crescer, e desafio é que isso não eleve o consumo de água

Segundo a ANA (Agência Nacional de Águas), a cobrança pela captação da água na agricultura varia conforme o tamanho do uso (pequenos produtores rurais costumam ser isentos) e o local de onde é retirado: em algumas bacias hidrográficas, há isenção de custos para os agricultores, o que estimula desperdícios; em outras, paga-se pela autorização de captação (a chamada outorga) ou por litro captado.

Em São Paulo, segundo o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), seis bacias hidrográficas - de um total de 22 - cobram pela utilização dos recursos hídricos: Paraíba do Sul; Piracicaba/Capivari/Jundiaí; Sorocaba/Médio Tietê; Baixada Santista; Baixo Tietê e Alto Tietê.

Lineu Rodrigues, da Embrapa, diz que o uso da água na agricultura tem uma diferença significativa com relação ao uso humano e ao industrial: a qualidade dos resíduos. "A água que volta para o rio depois do consumo humano tem qualidade horrível, é esgoto. Na agricultura bem-feita, ela volta limpa. Nossa análise de poços no Cerrado mostra isso. É injusto não levar isso em conta", diz.

Mas Ribeiro, da SOS Mata Atlântica, afirma que nem sempre é esse o caso: "Por causa dos defensivos agrícolas usados no Brasil, muitos deles proibidos no exterior, o produto final muitas vezes é uma água contaminada".

Há desperdícios? A agricultura está sendo forçada a economizar?

Não há, na ANA ou no governo brasileiro, estatísticas oficiais sobre a extensão do desperdício da água na agricultura. ASOS Mata Atlântica diz que as perdas podem chegar a 70%; Rodrigues, da Embrapa, vê perdas menores, de 15% a 20%, na região onde trabalha.

Tampouco há, segundo a ANA, metas oficiais para economizar água no setor agrícola, mas produtores que não cumpram medidas de eficiência ou gastem água além do previsto podem, em tese, perder a outorga para captar recursos hídricos. A própria agência, no entanto, aponta que, na prática, isso não ocorre com frequência.

Os cinco especialistas consultados pela BBC Brasil concordam que o setor pode otimizar o uso hídrico, aprimorando a retenção de águas nas fazendas ou evitando desperdícios na irrigação.

Para Nelson Ananias Junior, assessor da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), falta regulamentação ao processo de retenção de água em propriedades agrícolas, o que facilitaria o armazenamento de águas em épocas de seca.

"Podemos plantar na seca (no Brasil), porque temos sol e solo", diz. "O limite é a água. Se ela for mais bem distribuída, produzimos mais."

Ananias diz que os produtores são incentivados a economizar água para economizar dinheiro, já que, quanto mais água os agricultores gastam, maiores são seus custos de energia - o custo para bombear água das fontes às plantações fica na conta dos produtores. Ainda assim, para a SOS Mata Atlântica, isso não pesa tanto no bolso do produtor: "A água e a energia são muito baratas".

CNA e a ANA anunciaram, em abril passado, um Acordo de Cooperação Técnica para mapear e aprimorar a gestão de recursos hídricos no país, capacitar produtores rurais e criar estratégias para agir em áreas de potenciais conflitos envolvendo o uso da agricultura irrigada, mas o acordo ainda não teve desdobramentos práticos.

A agricultura está sendo afetada pela falta d'água?

Safras como as de feijão, em Goiás, e o milho, em Minas e São Paulo, perderam produtividade por conta da crise hídrica.

Especialistas dizem que há água suficiente para todos, mas uma boa gestão é indispensável

Ananias, da CNA, explica que os produtores são diretamente impactados pela falta d'água porque a legislação brasileira determina que, em caso de seca, o uso prioritário é o humano, e não o agrícola.

Para Ribeiro, os mais prejudicados tendem a ser os produtores de pequeno porte. "Em Ibiúna (SP), por exemplo, pequenos agricultores de batata e hortaliça tinham toda sua documentação ambiental em dia, mas tiveram sua outorga suspensa (por causa da crise de abastecimento no estado)", diz a coordenadora da Rede das Águas da SOS Atlântica.

A irrigação é problema ou solução?

A irrigação ainda está presente em uma área relativamente pequena do total do plantio brasileiro, mas tende a crescer por ser bem mais eficiente e permitir que o produtor não dependa da chuva, explica Ivanildo Hespanhol, professor doDepartamento de Engenharia Hidráulica da Poli-USP.

Expandi-la, no entanto, significaria puxar mais água de fontes que, em alguns casos, podem competir com o uso humano.

Tarlei Arriel Botrel, professor da área de hidráulica da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), fala que a irrigação não pode ser vilanizada. "A irrigação é a transformação da água em alimento, e precisamos comer."

Ele e outros analistas concordam, porém, que há desperdício nessa área, como perdas por evaporação, pelo vento ou mesmo pelo excesso de água jogada nas plantas.

"Quando há displicência na irrigação, alguns lugares do plantio recebem mais água que os outros. Mas há métodos de irrigação de precisão, que diferenciam as plantas por seu tamanho e pela cultura. Com a escassez, está havendo uma mudança de mentalidade: é preciso saber quando e o quanto irrigar."

Que práticas podem evitar desperdícios?

Botrel afirma que tende a crescer a técnica de irrigação chamada de gotejamento (em que mangueiras direcionam gotas d'água às raízes das plantas), que, apesar de mais cara, economiza água.

Rodrigues, da Embrapa, afirma que simulações de irrigação (levando em conta regime de chuvas e necessidade das plantas) evitam que a água seja usada aleatoriamente.

"Se o produtor não é orientado, ele irriga como der, mas, se fazemos simulações de longo prazo, conseguimos saber o quanto colocar de água em vez de jogar água à toa", diz o pesquisador.

Uma tecnologia importante, ainda que pouco usada, é a de sensores e drones, que ajudam a identificar o melhor momento para irrigar. E há, também, projetos para utilizar a água de esgoto semitratado para usos agrícolas.

Hespanhol, da USP, defende que estações simples de tratamento de esgoto, perto de grandes centros urbanos, forneçam água para pequenos produtores. Mas essa técnica tem um risco: se a água não for bem tratada, pode contaminar a plantação com parasitas.

"Em geral, temos feito pouco uso controlado de esgoto tratado (para fins agrícolas) e de forma não planejada", afirmaHespanhol. "Esse uso controlado consiste em tratamento da água, em técnicas de aplicação – de forma que o esgoto não atinja as partes comestíveis das plantas – e na proteção dos agricultores, que devem ter acesso à educação, vacinação e água potável para o consumo próprio."

A pesquisa é outra frente na busca por eficiência: já existem, por exemplo, tipos de trigo que crescem com menos água. "O objetivo final é reduzir o uso da água sem perder produtividade", diz Rodrigues.

Em algumas regiões, os próprios agricultores apresentaram soluções para manter suas outorgas e evitar que seu uso concorra com o consumo humano. "Em Botucatu (SP), produtores começaram a irrigar suas plantações no final da tarde, para reduzir a evaporação, e pararam de usar defensivos agrícolas em uma faixa a 100m de distância do rio local, para evitar contaminação", diz Ribeiro, da SOS Mata Atlântica.