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O senhor mercado e o bem-viver | |||
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“Sou um operador de mercado. Se enxergo uma chance de ganhar dinheiro, corro atrás. Não é problema meu como vão sanear a economia”, falou Alessio Rastani, investidor, em entrevista à BBC inglesa. “Pessoalmente, venho sonhando com essa crise há três anos. Vou confessar uma coisa: eu vou para a cama toda a noite sonhando com uma nova recessão, com um momento como esse. Daqui a 12 meses, a poupança de milhões de pessoas irá desaparecer. Esta crise é como um câncer. Não se deve esperar que o governo resolva. Prepare-se. Governos não mandam no mundo. Quem manda é a Goldman Sachs. E a Goldman Sachs não está nem aí para este pacote de medidas de resgate. Os grandes fundos também não”.
A entrevista de pouco mais de três minutos caiu como uma bomba, porque denunciou o que se costuma chamar de sistema. Como escreveu Bárbara Gancia na Folha de São Paulo: “O seu emprego, meu dileto leitor, sua poupança, sua reles existência, aparentemente, nada disso interessa ao sistema financeiro globalizado”.
Gordon Gekko, o principal personagem do filme “Wall Street”, de Oliver Stone, na magistral interpretação de Michael Douglas, ‘player’ do mercado financeiro, diz: “A ganância nunca acaba. Um tubarão tem que nadar sempre para frente, senão morre”.
O filme teve seqüência em 2010: Wall Street – o dinheiro nunca dorme. Em 1987, antes da fase mais dura do neoliberalismo, Gekko, operador de mercado, descreve em palestra para jovens investidores como o dinheiro-papel é cada vez mais mercadoria que voa pelo mundo, de uma mão a outra: nada produz, não põe pão na boca das crianças famintas, não garante salário no final do mês para os trabalhadores e os pobres, não incentiva a produção de alimentos para os agricultores africanos, não produz vida, muito menos em abundância.
Dinheiro é mercadoria, igual a prego que sai da fábrica, soja que sai da lavoura, vestido produzido pela costureira. Manchete do jornal Valor Econômico de 6 de setembro diz: “Instabilidade de moedas dá alto retorno a fundos – Multimercados com aplicações no exterior estão aproveitando a forte oscilação das divisas provocada pela incerteza com a Europa e pela piora das expectativas com relação à economia dos EUA”.
Em 2011, Alessio Rastani diz na BBC: “O mercado está condenado”. Ou condenados estarão os milhões e bilhões que dele não usufruem? Ou condenada está a natureza que não consegue mais renovar a água e o ar? Ou condenados estão os sonhos de qualidade de vida e de esperança no futuro?
O rei está nu. Já o enxergam os jovens norte-americanos acampados na praça em frente à Bolsa de Nova Iorque. Já o descobriram os jovens espanhóis, ingleses, gregos e chilenos que marcham nas ruas.
Hora de mudar, de procurar caminho diferente da ganância sem fim e sem esperança. Hora de buscar vida, vida em abundância, construir a sociedade do bem-viver. O Movimento Fé e Política, em seu 8º Encontro Nacional, dias 29 e 30 de outubro, em Embu das Artes (SP), propõe: “Em Busca da Sociedade do Bem-viver: sabedoria, protagonismo, política” (Inscrições e informações: www.fepolitica.org.br).
Numa sociedade do Bem-viver, é preciso ‘sair da dicotomia entre ser humano e natureza. E despertar para uma consciência de que somos filhos da Mãe Terra, da Pachamama, tomar consciência de que somos parte dela, de que dela viemos e com ela nos complementamos” (Katu Arkonada, pesquisador do Centro de Estudos Aplicados aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Bolívia).
“A natureza é a condição de possibilidade para vida humana e, em tal virtude, seu relacionamento com as sociedades humanas depende da forma como elas se visualizam e se projetam no futuro” (Pablao Dávalos). Para o índio aymara Simon Yampara, da Bolívia, “nos Andes, tudo tem vida. Nos Andes, convive-se em interação com os diversos mundos, como o animal, o vegetal, o da terra, o das deidades naturais, com o mundo das pessoas, em que ninguém é mais nem menos importante. Trata-se de considerar a natureza como “sujeito e não como objeto” (Esperanza Martinez, bióloga equatoriana).
O bem-viver exige uma nova visão sobre a economia, o crescimento econômico, o planeta. A idéia tradicional do desenvolvimento, que leva muitas vezes à violência, à imposição, à subordinação, precisa ser abandonada, quanto a idéia de um mercado absoluto, onde o enriquecimento individual, o lucro, o acúmulo são o valor máximo, supremo.
Vida! Vida em plenitude, em abundância, para todas e todos, é o que o mundo e o planeta aspiram e necessitam urgentemente. O Movimento Fé e Política propõe a reflexão e o caminhar coletivo rumo à sociedade do Bem-viver, com a sabedoria da busca da verdade, o protagonismo dos pobres e trabalhadores e a política dos que querem mudar o mundo.
PS. Estava terminando este artigo quando recebi a notícia do falecimento do Pe. Agostinho Pretto, em 6 de outubro, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Dedico-o a ele, militante e pastor, proclamador incansável do Reino (Bem-viver) em plenitude, já a partir deste mundo.
* Assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República, integra a Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política
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