terça-feira, 25 de março de 2014

Ucrânia: o fantasma de um país dividido

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Ucrânia: o fantasma de um país dividido

Enquanto pessoas comemoram o resultado do referendo na Praça Lênin, em Simferopol, capital da Crimeia, Washington e seus aliados condenam realização de referendo na Crimeia
Enquanto população comemora resultado do referendo na Crimeia, Washington e aliados condenam consulta
Após referendo na Crimeia, seis cidades querem decidir seu futuro. Embora ameacem com sanções, EUA consideram, nos bastidores, solução conciliadora
Por Cauê Seignermartin Ameni
A Crimeia, pequena região ucraniana, polarizou o debate político nas últimas semanas. Fragmentou o país, colocando nacionalistas pró-ocidente de um lado, federalistas pró-Rússia de outro, desestabilizando a mais recente empreitada ocidental no leste europeu.
Ao contrário do que dizem muitos “analistas”, não foi apenas a maioria russa na Crimeia que votou pela incorporação a Moscou. Dos eleitores, 83,10% foram às urnas. Entre estes, 96,77% votaram a favor da Crimeia unir-se à Russia, enquanto 2,51% foram contra e 0,72% dos votos foram anulados. A formação étnica na Crimeia, segundo o censo de 2001 revela que 58,32% são russos, 24,32% ucranianos e 12,10% tártaros. Uma matemática simples demonstra que também ucranianos e tártaros posicionaram-se majoritariamente a favor do novo status para a região.
Há razões para isso. O movimento ultra-nacionalista em Kiev, que ocupa postos destacados no novo governo interino, não é aceito por considerável parte da população, sobretudo no sul-leste do país, onde se desencadearam movimentos separatistas. Em meio a tensões, as regiões de Donetsk, Carcóvia e outras quatro cidades não reconheceram a mudança do regime. Estão surgindo grupos de auto-defesa para defender suas instituições públicas de grupos ultra-nacionalistas. Reivindica-se separação das regiões.
crimeiraAlém disso, para muitos russos, a Crimeia e outras cidades do leste, que no passado foram sitiada pelos invasores nazistas, têm grande importância histórica-emocional.
Em Donetsk, há divisão étnica (48% são russos e 46% ucranianos), mas a cultura e a língua russa são predominantes. Por conta disso, os protestos pró-Russia somam maior forças nas ruas. Como relata a reportagem na CNN, grandes manifestação na praça Lenin, recolhem petições todos os dias, e voluntários em abriram tendas para que os manifestantes se inscrevam nos pelotões de auto-defesa. Petr Bogomol, um mineiro da região, disse à Time, ”Nós não queremos viver em um país com fascistas”, referindo-se ao governo interino em Kiev, que governa o país desde a derrubada do presidente 22 de fevereiro. “Nós queremos uma união com a Rússia e queremos federalização”.
“Há dois meses, eu daria a vida pela Ucrânia”, diz uma Ana Ivanova, 60, professora, “Mas o que aconteceu em Maidan matou o meu amor pela Ucrânia.”  Isto não quer dizer que não seja patriota, explica “Sou mais patriota do que os fascistas de Maidan.”
O mesmo cenário se desenha em Carcóvia, segunda maior cidade do país, onde enormes mobilizações embaladas por musicas russas, clamam por independência através de referendo. Manifestante da assembleia de Kharkov, pedem ao Kremlin, que “garanta seus direitos e liberdades” para que o referendo planejado para 27 de abril, possa ser realizado.
Outras cidades, como Dnepropetrovsk, Lugansk, Odessa e Nikolaev também foram palco de massivas manifestações pró-Rússia. Vídeos e fotos podem ser vistos aqui. O Kremlin defende, astutamente, que esses estados escrevam suas próprias regras através do referendo, oferecendo uma solução federativa para as regiões.
Impotência ocidental: A impotência do Ocidente diante da reação russa na Ucrânia ficou evidente quando vieram as “sanções”. Washington decidiu “punir”… 21 personalidade envolvidas no referendo. Treze russos e oito ucranianos sofrerão, durante seis meses, restrições de viagens e bloqueio de bens. Já as cartas nas mãos de Moscou são mais potentes. A Ucrânia, que não se recupera, da queda de quase 15% do PIB em 2009, sofreu outro golpe na sua cambaleante economia. O governo russo permitiu, no começo de março que a Comgaz, subsidiária da companhia russa Gazprom, retirasse o desconto de 30% de no preço gás fornecido a Kiev, o que elevou a dívida da Ucrânia para US$ 2 bilhões.
Uma retaliação ocidental séria teria um custo muito alto. Hoje, 58% do gás natural usado na Ucrânia vem da Rússia, que alimenta também Europa e tropas americanas no Afeganistão. Washington paga anualmente cerca de UR$ 1 bilhão a Moscou pelo fornecimento.
Sabendo disso, e temendo maiores reações pós-Crimeia, Obama recuou: ”Há um caminho melhor, mas acho que mesmo os ucranianos reconheceriam que se envolver militarmente com a Rússia não seria apropriado e não seria bom nem para a Ucrânia”.
O compromisso que se tenta costurar…: Haveria um acordo possível? O ex-embaixador dos EUA à URSS de 1987 a 1991, John Matlock, tenta soprar alguma solução em editorial para a revista Times: ”Embora talvez seja difícil para as partes relevantes aceitarem, as premissas de uma solução para a confusão ucraniana são claras: 1) a nova Constituição deve oferecer uma estrutura federal de governo, dando às províncias ucranianas, no mínimo, tantos direitos quantos têm os estados norte-americanos; 2) o idioma russo deve ter assegurado status idêntico ao do idioma ucraniano; e 3) a Ucrânia deve oferecer garantias de que não se tornará membro da OTAN nem de qualquer outra aliança militar que exclua a Rússia. “
Há sinais de que os políticos em Washington começam lentamente a frear os falcões da Casa Branca. Mas talvez agora seja tarde demais.
… e as pressões dos ultra-nacionalistas em Kiev: Estreitando as relações econômicas da Ucrânia com a União Europeia, o primeiro ministro interino, Arseniy Yatsenyuk, assinou em 21/03, em Bruxelas, o mesmo documento rejeitado por Yanukovitch que o levou à sua queda. Ao mesmo tempo, pede para que o mundo não reconheça o referendo na Crimeia e imponha sanções econômicas contra a Russia. O Parlamento em Kiev que aprovou a dissolução da assembleia regional da Crimeia, promete intimidar futuros movimentos separatistas no sul-leste do país.
Os lideres nacionalistas mais exaltados em Kiev, reconhecidos pelos seus traços neonazistas, espalharam-se pelo governo interino que durará até maio, quando haverá novas eleições. Porém, compõem hoje as chamadas posições das estruturas do poder; Vice-Primeiro Ministro: Alexandr Sych (Partido Svoboda); Ministro da Defesa: Igor Teniukh  (Partido Svoboda); Ministro do Interior: Arsen Avakov (oficialmente, é membro do Partido da Pátria, mas tem forte relação com o Setor Direita): Presidente do Conselho de Defesa e Segurança Nacional: Andrei Paribii (do partido Nacional-Social da Ucrânia): Vice-presidente do Conselho de Defesa e Segurança Nacional: Dmitri Iarosh (Setor Direita).
Para se ter uma ideia mais clara do que se trata, basta ver o posicionamento público do líder Oleh Tyahnybok do ultra-nacionalista Svoboda (cujo nome original era Partido Nacional-Socialista), que clama pela “libertação” de seu país da “máfia judaico-moscovita”. Já o Setor Direita é descrito pelo repórter Max Blumenthal, do New York Times, como “grupo nebuloso, que se auto-intitula ‘nacionalista autônomo’. Seus membros são identificados pelo jeito skinhead de trajar, estilo de vida ascético e fascínio pela violência nas ruas”.
O novo parlamento também decidiu construir uma Guarda Nacional de 60 mil membros. “Aqueles que querem defender o seu país com um rifle em suas mãos, sejam bem-vindo à Guarda Nacional”, disse o primeiro-ministro Iatsenyuk. Quem dirigirá a Guarda, é o novo chefe de segurança, Andrei Paribii, um dos fundadores do Partido Nacional-Social, junto com seu vice Dmitri Iarosh, líder do Right Sector.
Por que o recém empossado primeiro-ministro Arseni Iatseniuk, colocou esse facção política no poder? Será que foi porque eles – os neofascistas – foram decisivos para colocar Iatseniuk no lugar onde hoje esta, com ajuda das forças ocidentais?
Por isso pode-se concluir, da mesma forma que o escritor russo Aleksandr Solzhenitsyn concluiu quando o ex-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA Zbigniew Brzezinski disse que os EUA deveriam defender a independência da Ucrânia no referendo que resultou sua independência em 1991: “Por que o Departamento de Estado [dos EUA] decidiria quem devia ficar com Sevastopol? Se alguém se lembra das declarações, absolutamente sem qualquer tato, do presidente Bush, sobre apoiar a soberania da Ucrânia, mesmo antes do referendo sobre o assunto, pode-se concluir que tudo isso só tem a ver com um único objetivo comum: usar todos os meios, não importam as consequências, para enfraquecer a Rússia”.
Só que dessa vez os russos podem mais.

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