sexta-feira, 7 de março de 2014

Ucrânia: entre máfias e o expansionismo militar

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Ucrânia: entre máfias e o expansionismo militar

Mesmo que não desemboque em uma guerra, o conflito na Ucrânia e na Crimeia marcará de maneira decisiva as relações internacionais nos próximos anos.


Alejandro Nadal - La Jornada, México
Arquivo

A crise na Ucrânia pode desembocar em uma luta armada de consequências terríveis. Mesmo que não desemboque em uma guerra, o conflito na Ucrânia e na Crimeia marcará de maneira decisiva as relações internacionais e as percepções entre os europeus, norte-americanos e russos durante os próximos quinquênios.

As raízes dessa crise constituem um tema complexo e, por isso, é preciso desconfiar das narrativas simplistas (provenientes de Moscou ou Washington).
 
Entre as causas que levam ao conflito atual se encontram na expansão do militarismo norte-americano, que nunca abandonou suas obsessões da Guerra Fria. Também está na voracidade do capital financeiro, que busca consolidar o neoliberalismo na Ucrânia.

As máfias que estão no poder na Rússia e em Kiev são o complemento perfeito para detonar o conflito. Para o povo ucraniano, as opções foram permanecer sob o domínio de máfias que simpatizam com Moscou ou se entregar a máfias inclinadas à aproximação com a União Europeia e Washington. O pano de fundo desse coquetel explosivo é a longa história de nacionalismos e movimentos separatistas.
 
Sem dúvidas, para muitos leitores, falar de “expansão do militarismo norte-americano” soa como exagero. Mas é preciso considerar os seguintes elementos. Em 1949, criou-se a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Sua missão era clara: enfrentar as forças que a União Soviética tinha estacionadas em seu território e nos países da Europa do leste. A URSS respondeu criando seu próprio bloco, com o Tratado de Varsóvia.

A OTAN parecia ter perdido sua razão de existir com a derrocada da URSS. Os arsenais nucleares dos Estados Unidos e da Rússia foram objeto de vários tratados de redução de armas estratégicas e, em termos gerais, criou-se uma atmosfera de certa distensão. Mas as correntes mais conservadoras nos Estados Unidos não resistiram à tentação de aproveitar o momento para buscar a expansão da OTAN e deslocar a linha divisória da antiga Guerra Fria até a fronteira com a Rússia.

A OTAN não apenas manteve, mas também cultivou suas ambições estratégicas no que havia sido o espaço soviético durante a Guerra Fria. Essa expansão se iniciou com Clinton e prosseguiu com Bush. Para alguns analistas, a isso se somam os sonhos do Pentágono de um dia ver a frota norte-americana ancorar em Sebastopol e Balaclava, os principais portos da Crimeia. Mas o sonho do Pentágono é um pesadelo para o nacionalismo russo.

Em 1999, Polônia, Hungria e República Tcheca entraram na OTAN em meio a um feroz debate e à oposição da Rússia. Em 2004, foi a vez das repúblicas bálticas (Estônia, Letônia e Lituânia), além da Eslovênia, da Bulgária e da Romênia. Poucos analistas se detiveram para pensar como a Rússia interpretaria esse processo.

George F. Kennan, provavelmente o mais perspicaz e experiente artífice da política externa norte-americana, advertiu em 1997 que a expansão da OTAN constituía “o erro mais grave e detestável dos Estados Unidos na história do pós-guerra”. Para Kennan, esse ato “inflamaria o militarismo russo e afogaria a democracia, porque impulsionaria a política externa russa em direção a objetivos que não seriam de nosso agrado”.

Ninguém o escutou e, em 2008, George W. Bush fez planos para que a Geórgia e a Ucrânia se tornassem membros da OTAN. Por isso, o comunicado do encontro da OTAN em abril desse ano ressalta que “Georgia e Ucrânia serão membros da OTAN”, ainda que sem especificicar a data. O conflito entre Rússia e Geórgia em 2008 alertou os europeus sobre o risco de continuar por essa via, e isso freou os planos de outorgar à Ucrânia um “plano de condição de membro”, o primeiro passo para entrar na OTAN. A leitura russa de todo esse processo foi imediata: Washington e seus aliados não abandonaram suas prioridades da guerra fria, e sua estratégia continuava sendo rodear a Rússia por todos os seus flancos.

Depois do colapso da URSS, a Ucrânia se converteu no terceiro maior estado em quantidade de armas nucleares (depois de Estados Unidos e Rússia). Mas, em 1996, todo o seu armamento nuclear havia sido entregue à Rússia, e a Ucrânia se transformou em um estado livre de armas nucleares. Embora o exército ucraniano não possa deter uma ofensiva russa, tampouco estamos falando de uma força desprezável, e qualquer conflito armado teria consequências desastrosas. A economia mundial, e em especial a europeia, não estão prontas para enfrentar o castigo de um espetacular aumento nos preços do petróleo, além do desabamento dos mercados de capital e a volatilidade sem par das principais divisas.

Para conseguir uma maior integração econômica com a Ucrânia, a União Europeia buscou negociar um pacto que daria a Kiev um status privilegiado comercial e financeiramente. Bruxelas ainda ofereceu um trato especial em matéria de vistos e outros incentivos, mas em dar a condição de membro. O verdadeiro objetivo da UE é reduzir a influência russa, especialmente depois da iniciativa de Putin na Síria (que esfriou os planos mais intervencionistas dos Estados Unidos) e da concessão do asilo a Snowden (fato que Washington não perdoa).

O pacote oferecido pela UE incluía as típicas medidas de austeridade que colocaram a Grécia de joelhos e causaram tanto dano à Europa. Mas o mais importante é que o tratado com a UE incluía cláusulas de conteúdo militar que obrigariam a Ucrânia a seguir os alinhamentos estratégicos da OTAN. Para Moscou, isso seria o cúmulo e, por isso, intensificou a pressão sobre o corrupto presidente ucraniano Yanukovich.
 
No último dia 9 de novembro, Putin se reuniu secretamente com seu colega ucraniano para assinar um tratado alternativo entre Kiev e Moscou. Na reta final, além do acesso ao mercado russo, Putin se dispôs a perdoar parte importante da dívida ucraniana, além de vários milhões de euros em créditos.

O anúnciou gerou uma onda de protestos que terminou por derrubar Yanukovich. Moscou sentiu que perdeu a oportunidade de frear as pretensões de expansão dos norte-americanos e europeus. A intervenção na Crimeia é uma resposta arbitrária, perigosa e para lá de ilegal. Infelizmente, nenhuma das potências que hoje pretende dar lições de civilidade a Moscou tem as mãos limpas. A hipocrisia de Washington é grande, mas no chega a ocultar seu desprezo pelo direito internacional. Os exemplos de invasão ao Iraque e ao Afeganistão (antes de o Conselho de Segurança autorizar uma intervenção) ainda estão frescos na memória.

Sobra pouco tempo para resolver a crise. Se ele não for aproveitado, será trilhado o caminho que conduz ao conflito armado. Moscou poderia retirar suas tropas da Crimeia em troca de voltar ao status quo ex-ante (leis de estrangeiros e do idioma russo). Mas o tom belicoso e a ameaça de sanções provenientes de Washington e Bruxelas não vão acalmar os ânimos.
 
Tradução: Daniella Cambaúva

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