http://www.ihu.unisinos.br/585903-a-anatomia-do-desmonte-das-politicas-socioambientais
Em editorial publicado nessa terça-feira, 08-01-2019, o Instituto Socioambiental - ISA critica redução drástica da importância e subordinação de órgãos de defesa do meio ambiente, de indígenas e quilombolas provocadas por reforma ministerial de Bolsonaro.
Já comentamos o caráter secundário com que ministérios importantes para essa agenda, como os do Meio Ambiente e Direitos Humanos, foram tratados na formação do governo (saiba mais). Agora a sinalização negativa, porém, traduz-se na drástica redução ou mesmo na eliminação de estruturas e competências.
Da lista de atribuições do MMA, espanta a ausência de qualquer menção ao combate ao desmatamento, que sempre constituiu atividade nuclear da política ambiental. Caso se confirme a inação estatal contra o crime ambiental, como dá a entender a nova normativa governamental, as consequências serão danos irreversíveis ao meio ambiente, caracterizado pela Constituição como patrimônio de toda a sociedade.
No momento em que atingimos 19% de desmatamento acumulado na Amazônia e os índices anuais crescem, importante recordar o alerta da comunidade científica (leia estudo). As pesquisas mostram que, atingidos entre 20% e 25% de desmatamento, a maior floresta tropical
do mundo entraria em um “ponto de não retorno”, a partir do qual todo o
seu equilíbrio seria modificado de forma irreversível, com a perda de serviços ambientais, incluindo a manutenção do regime de chuvas do qual dependem, entre outros, a agropecuária brasileira.
A desestruturação das políticas socioambientais parece fazer de conta que seus desafios e demandas não existem mais. A nova normativa chegou ao ponto de praticamente extinguir as referências ao combate às mudanças climáticas na estrutura do MMA. A Secretaria de Mudança do Clima e Floresta não existe mais. Restou apenas uma referência, de passagem, ao Fundo Nacional sobre Mudança Climática e ao seu comitê gestor. É como se o presidente quisesse acabar com o problema omitindo referências a ele.
No entanto, o problema existe e é reconhecido por 99% da comunidade científica mundial, que, ao contrário do que Bolsonaro imagina,
não é um bando de comunistas. Também é reconhecido e objeto de
políticas públicas em praticamente todos os países do mundo. Os
termômetros não mentem e não têm ideologia. Entre outras evidências,
segundo a Organização Mundial de Meteorologia, os
últimos quatro anos foram os mais quentes da história. Trata-se de
questão pragmática, que coloca em risco a qualidade de vida em todo
planeta, mesmo daqueles que fingem discordar do consenso global.
O nível dos oceanos está subindo, o que põe em risco a vida de milhões de brasileiros. A seca deixou de ser um problema nordestino e crises hídricas assolam cidades outrora abundantes em água. Processos de desertificação – que também deixaram de ser objeto das atribuições do MMA – se expandem. Fenômenos climáticos extremos ocorrem com intensidade crescente. Os impactos das mudanças climáticas sobre cidades e regiões agrícolas serão cada vez maiores (assista ao documentário 'O Amanhã é Hoje').
O esvaziamento do MMA seguiu com a transferência das políticas e instrumentos de recursos hídricos, incluindo a Agência Nacional de Águas (ANA), ao Ministério do Desenvolvimento Regional, além do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e seu principal instrumento, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), repassados ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Outra marca da nova estrutura administrativa é a subordinação de direitos fundamentais de minorias a interesses econômicos. Ficaram sob a responsabilidade do MAPA a oficialização de terras indígenas e quilombos, além de outros temas fundiários, como a reforma agrária e a regularização fundiária na Amazônia Legal e nos territórios tradicionais. Os temas ficarão sob o comando da nova Secretaria Especial de Assuntos Fundiários.
Já o Ministério dos Direitos Humanos ficou
ainda mais magro. Havia sido anunciado como gestor de políticas para
vários segmentos sociais e minorias, mas ficou reduzido a um conjunto de
secretarias sem instrumentos executivos, destinado a cumprir função
retórica e ideológica. A Fundação Nacional do Índio (Funai)
é o único (pedaço de) órgão vinculado à sua estrutura, mas, com o seu
esvaziamento, não se sabe exatamente quais serão suas funções. A Fundação Cultural Palmares, responsável pela certificação de comunidades quilombolas, ficou vinculada ao Ministério da Cidadania.
A desestruturação dos instrumentos de governo e a irresponsabilidade para com o País e as populações mais vulneráveis deixarão o próprio governo sem anteparos para responder a eventuais crises, que tenderão a bater na sua porta. A impressão é de que o novo desenho administrativo não implica apenas subordinação da agenda socioambiental a interesses econômicos e perda de poder de alguns órgãos, mas abre caminho ao desmonte de políticas reconhecidas, inclusive internacionalmente, construídas ao longo de décadas de avanços.
Em editorial publicado nessa terça-feira, 08-01-2019, o Instituto Socioambiental - ISA critica redução drástica da importância e subordinação de órgãos de defesa do meio ambiente, de indígenas e quilombolas provocadas por reforma ministerial de Bolsonaro.
Eis o editorial.
A Medida Provisória (MP) n.º 870/2019 e os decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro para reorganizar a estrutura e as competências ministeriais deixaram, deliberadamente, graves lacunas nos instrumentos e políticas socioambientais. A medida denota contrariedade a deveres atribuídos à administração federal pela Constituição e legislação correlata.Já comentamos o caráter secundário com que ministérios importantes para essa agenda, como os do Meio Ambiente e Direitos Humanos, foram tratados na formação do governo (saiba mais). Agora a sinalização negativa, porém, traduz-se na drástica redução ou mesmo na eliminação de estruturas e competências.
Da lista de atribuições do MMA, espanta a ausência de qualquer menção ao combate ao desmatamento, que sempre constituiu atividade nuclear da política ambiental. Caso se confirme a inação estatal contra o crime ambiental, como dá a entender a nova normativa governamental, as consequências serão danos irreversíveis ao meio ambiente, caracterizado pela Constituição como patrimônio de toda a sociedade.
Atingimos 19% de desmatamento acumulado na Amazônia e os índices anuais crescem
Tweet
A desestruturação das políticas socioambientais parece fazer de conta que seus desafios e demandas não existem mais. A nova normativa chegou ao ponto de praticamente extinguir as referências ao combate às mudanças climáticas na estrutura do MMA. A Secretaria de Mudança do Clima e Floresta não existe mais. Restou apenas uma referência, de passagem, ao Fundo Nacional sobre Mudança Climática e ao seu comitê gestor. É como se o presidente quisesse acabar com o problema omitindo referências a ele.
Termômetros não têm ideologia
Atingidos entre 20% e 25% de
desmatamento, a maior floresta tropical do mundo entra em um “ponto de
não retorno”, a partir do qual todo o seu equilíbrio seria modificado de
forma irreversível, com a perda de serviços ambientais
Tweet
O nível dos oceanos está subindo, o que põe em risco a vida de milhões de brasileiros. A seca deixou de ser um problema nordestino e crises hídricas assolam cidades outrora abundantes em água. Processos de desertificação – que também deixaram de ser objeto das atribuições do MMA – se expandem. Fenômenos climáticos extremos ocorrem com intensidade crescente. Os impactos das mudanças climáticas sobre cidades e regiões agrícolas serão cada vez maiores (assista ao documentário 'O Amanhã é Hoje').
O esvaziamento do MMA seguiu com a transferência das políticas e instrumentos de recursos hídricos, incluindo a Agência Nacional de Águas (ANA), ao Ministério do Desenvolvimento Regional, além do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e seu principal instrumento, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), repassados ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Outra marca da nova estrutura administrativa é a subordinação de direitos fundamentais de minorias a interesses econômicos. Ficaram sob a responsabilidade do MAPA a oficialização de terras indígenas e quilombos, além de outros temas fundiários, como a reforma agrária e a regularização fundiária na Amazônia Legal e nos territórios tradicionais. Os temas ficarão sob o comando da nova Secretaria Especial de Assuntos Fundiários.
Direitos Humanos mais magro
Segundo a OMM, os últimos quatro anos
foram os mais quentes da história. Trata-se de questão pragmática, que
coloca em risco a qualidade de vida em todo planeta, mesmo daqueles que
fingem discordar do consenso global
Tweet
A desestruturação dos instrumentos de governo e a irresponsabilidade para com o País e as populações mais vulneráveis deixarão o próprio governo sem anteparos para responder a eventuais crises, que tenderão a bater na sua porta. A impressão é de que o novo desenho administrativo não implica apenas subordinação da agenda socioambiental a interesses econômicos e perda de poder de alguns órgãos, mas abre caminho ao desmonte de políticas reconhecidas, inclusive internacionalmente, construídas ao longo de décadas de avanços.
Leia mais
- 'A proteção do meio ambiente não pertence a nenhuma corrente política ou ideológica'
- “Bolsonaro promete um muro de vergonha para o meio ambiente”. Entrevista com Marcio Astrini
- Brasil envergonha a agenda climática, afirma Greenpeace
- Sete propostas de Jair Bolsonaro contrárias ao meio ambiente
- Fusão de ministérios antecipa desmonte ambiental no Brasil de Bolsonaro
- Eleições 2018 e a pauta ambiental. Duas propostas totalmente opostas em disputa no 2º turno. Entrevista especial com Lucas Ferrante
- Brasil, um país do passado
- Escolha de Ernesto Araújo para chanceler põe em risco liderança ambiental brasileira
- As ameaças de Bolsonaro ao papel central do Brasil no meio ambiente
- Ascensão de Bolsonaro gera tensão entre ambientalistas
- Gestão do meio ambiente não vai existir e banqueiros concentrarão poder
- Eleições 2018 e a pauta ambiental. Duas propostas totalmente opostas em disputa no 2º turno. Entrevista especial com Lucas Ferrante
- Sete propostas de Jair Bolsonaro contrárias ao meio ambiente
- Amazônia é ignorada na maioria dos planos de governo dos presidenciáveis
- Bolsonaro defende o fim do Ministério do Meio Ambiente
- Planos de Bolsonaro para o meio ambiente deixam entidades em alerta
- Bolsonaro ameaça Amazônia, seus povos e biodiversidade, alertam geógrafos paraenses
- Bolsonaro é uma ameaça ao planeta
- Sem Licença Para Destruir
- ‘Absurdo falar em desmatamento zero’, afirma líder ruralista
- Meio ambiente: “As ações do governo mancham a imagem do Brasil”
- “Nem um centímetro a mais para terras indígenas”, diz Bolsonaro
- Para Nature, eleição de Bolsonaro é ameaça à Ciência
- Bolsonaro e crime ambiental em Unidade de Conservação
- Bolsonaro testa limites com anúncios econômicos e ministérios: estratégia ou caos?
- Secretário nomeia amigo ruralista para Câmara de Compensação Ambiental de SP
- Licenciamento ambiental: um acordo no almoço, outro no café
- Agenda ambiental do próximo governo não é só prejudicial ao país, mas uma ameaça ao planeta. Entrevista especial com José Eustáquio Diniz Alves
Nenhum comentário:
Postar um comentário