domingo, 14 de junho de 2015

Grécia: encurralada pelos países ricos

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Grécia: encurralada pelos países ricos

A Grécia se coloca o verdadeiro adversário do 'status quo'. O objetivo ao combatero Syriza é demostrar que a esquerda não pode dirigir um país europeu.


Roberto Savio
Theophilos Papadopoulos /  Flickr
ROMA, junho (IPS) – Cinquenta anos de Guerra Fria e o fato de que Angela Merkel cresceu onde então era a Alemanha Oriental poderiam explicar, possivelmente, a curiosa influência política que os Estados Unidos exerce sobre a Europa.
 
Uma reunião bilateral entre Merkel e o presidente estadunidense Barack Obama, durante a cúpula do grupo dos sete países mais ricos do planeta (G-7) – na cidade alemã de Elmau, nos dias 7 e 8 deste mês –, terminou com um acordo para solucionar os problemas de ambos os países.
 
A mandatária germânica aceitou que a União Europeia (UE) continue aplicando sanções à Rússia, o que induziu os demais países a seguir sua decisão. Por sua parte, Obama modificou a posição de Washington a respeito da ajuda econômica à Grécia.
 
Essa postura foi claramente expressada aos líderes europeus alguns dias antes, pelo secretário do tesouro estadunidense, Jack Lew, que defendeu a necessidade de o problema grego para evitar um impacto global que não se deve permitir.
 
Essa posição acelerou repentinamente as negociações, com a esperança de que tudo se resolveria antes da cúpula do G-7.
 
Mas a Grécia não aceitou o plano que foi apresentado pelo presidente da Comissão Europeia, o luxemburguês Jean-Claude Juncker, porque era suspeitosamente semelhante à postura do Fundo Monetário Internacional (FMI), a favor de mais cortes de gastos sociais e mais austeridade.
 
Na cúpula, Obama endureceu essa posição dos Estados Unidos a respeito da Grécia, ao dizer, de forma imperativa, que “Atenas deve executar as reformas necessárias”.
 
A queda de braço entre a Grécia e seus sócios europeus já dura cinco anos.
 
A crise grega foi produzida pelos gastos excessivos dos que precederam o atual governo de Alexis Tsipras, que levaram a um aumento em grande escala do emprego público e a um sistema de previdência extremadamente oneroso.
 
Em 2009, o Movimento Socialista Pan-helênico (Pasok) ganhou as eleições e foi revelado que as cifras econômicas que Atenas enviava a Bruxelas eram falsas.
 
O deficit anual real era várias vezes superior ao declarado, de quase 12,5% do produto interno bruto (PIB). Foi a confirmação do que a UE e seus organismos suspeitavam há muito tempo, apesar de que nada havia sido feito ainda.
 
Sem entrar em detalhes sobre as angustiantes negociações anteriores entre a Grécia e a UE, se chega às eleições de janeiro deste ano, com a vitória do Syriza, o partido progressista de Tsipras.
 
Seu programa era claro: rechaçar o plano de austeridade imposto pela Troica, o FMI, a UE e o Banco Central Europeu – iniciativa impulsada por Alemanha, Holanda, Áustria e Finlândia.
 
A Grécia está de joelhos. Oficialmente, o desemprego saltou de 11,9% em 2010 para 25,5% na atualidade, mas alguns concordam que, na realidade, esse número já deve estar próximo dos 30%.
 
Entre os jovens, a ociosidade chega a alcançar os 60%. O PIB caiu 25%, os cidadãos gregos perderam ao redor de 30% de sua renda média e o gasto público foi reduzido de tal forma que os hospitais têm grandes dificuldades para funcionar minimamente.
 
Contudo, a exigência da Troica é simples: cortem e sigam cortando até a eliminação do deficit.
 
Por exemplo, a previdência sofreu cortes importante, e já foi solicitada uma nova redução. Com isso, foi possível economizar apenas 100 milhões de euros, e causar um prejuízo enorme aos aposentados e pensionistas que vivem com 685 euros por mês – alguns com até menos que isso.
 
Quando Juncker assumiu a presidência da Comissão Europeia (o órgão executivo da UE), anunciou um grandioso Plano Marshall para o continente. Após sua proclamação, porém, o projeto desapareceu completamente.
 
A austeridade é a brecha que divide as opções dos Estados Unidos e da União Europeia.
 
Os norte-americanos escolheram o caminho do investimento para o crescimento – apesar da pressão do opositor Partido Republicano a favor da austeridade –, e a economia está crescendo de novo.
 
Mas na Europa liderada pela Alemanha, se impôs a tese – com a insistência dos próprios alemães – de que o exemplo germânico é universalmente válido.
 
Existe um consenso generalizado de que a crise da Grécia, que representa somente 2% do PIB da UE, poderia ter sido solucionada logo no começo, com um empréstimo de algo entre 50 e 60 bilhões de euros (56 e 68 bilhões de dólares).
 
Mas desde que Tsipras se tornou primeiro-ministro, e graças ao apoio popular da vitória eleitoral, o governo grego começou a se negar a implantar o plano dos credores e a Grécia se transformou num tema de grande importância.
 
Agora se fala num possível “Grexit”, a saída da Grécia da Zona Euro e da União Europeia. Algo que poderia gerar um efeito dominó, e significaria o fim do sonho de uma Europa baseada na solidariedade e no sentido de comunidade.
 
No G-7, Obama insistiu nos investimentos e no estímulo à demanda como uma forma de sair da crise. Merkel reiterou uma vez mais que a Europa não necessita de estímulos financiados pelo endividamento, mas sim de incentivos procedentes da reforma das economias ineficientes.
 
Este espetáculo me faz lembrar de uma frase do famoso jornalista cingalês Tarzie Vittachi: “tudo sempre é sobre outra coisa”.
 
É interessante observar que uma das razões citadas para justificar a para postura dura contra o Syriza é que os cidadãos da Espanha, de Portugal e da Irlanda, os primeiros que tragaram a amarga pílula da austeridade, se indignariam se a Grécia pudesse optar por um caminho diferente. Casualmente, esses três países possuem governos conservadores.
 
Todo o sistema político europeu se estremeceu quando Syriza ganhou as eleições, e voltou a se sacudir dias atrás, quando as eleições regionais espanholas terminaram com uma vitória do Podemos, o partido de nova esquerda, contrário à austeridade.
 
Por alguma razão, o governo húngaro de Viktor Orbán, extremamente autoritário e conservador, a recente vitória do também muito conservador Andrzej Duda na Polônia, assim como o crescimento de Matteo Salvini na Itália, mesmo sendo parte da xenófoba e antieuropeísta Liga Norte, não criam nenhum pânico.
 
No panorama atual, a Grécia se coloca o verdadeiro adversário do “status quo”. O objetivo ao combater Tsipras e o Syriza é castigar uma figura antissistema e demostrar que a esquerda radical não pode dirigir um país europeu.
 
Porém, alguém realmente acredita que as massas de cidadãos em Madrid, Lisboa ou Dublín iriam às ruas para protestar se a Europa fizesse um salto mortal de solidariedade e idealismo, e decidisse atenuar suas draconianas exigências à Grécia?
 
* Jornalista ítalo-argentino. Cofundador e ex-diretor-geral de Inter Press Service (IPS). Nos últimos anos, também fundou Other News, um serviço que proporciona “informação que os mercados eliminam”. Other News – em espanhol: http://www.other-news.info/noticias/ em inglês: http://www.other-net.info/


Créditos da foto: Theophilos Papadopoulos / Flickr

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