terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Pena de morte: uma visão global e o papel do Brasil

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Pena de morte: uma visão global e o papel do Brasil

"É importante que o debate impulsionado pela condenação de Marco Archer e Rodrigo Gularte possa estimular também a reflexão sobre as contradições brasileiras. Mesmo sem pena de morte, as polícias do País matam pelo menos seis pessoas por dia. Muitos desses casos são execuções sumárias", escreve Mauricio Santoro, cientista político, assessor de direitos humanos da Anistia Internacional e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI, em artigo publicado pela revista CartaCapital, 19-02-2015.
Eis o artigo.
Somos pioneiros em acabar com a execução oficial por parte do Estado, mas as polícias matam seis por dia.
Em janeiro de 2015, pela primeira vez um brasileiro foi executado por um governo estrangeiro. Policiais da Indonésiafuzilaram Marco Archer, que havia sido condenado por tráfico de drogas naquele país. A execução confrontou o Brasil com a realidade brutal da aplicação da pena de morte. Por que houve uma forte crítica externa ao governo indonésio? As execuções foram ilegais à luz do direito internacional ou a Indonésia está em seu direito soberano? As autoridades brasileiras agiram corretamente ao convocar para consultas seu embaixador em Jacarta? Para responder às perguntas, é preciso analisar como a pena de morte se encaixa no debate contemporâneo de relações internacionais e conhecer o surpreendente e pioneiro papel que o Brasil desempenhou nesse tema.
Panorama Internacional
Desde a Segunda Guerra Mundial há uma objeção crescente à pena de morte, que acompanha a valorização dos direitos humanos e o repúdio às catástrofes humanitárias do século XX. Esses movimentos levaram à abolição dessa forma de punição em diversos países. Atualmente, cerca de 70% eliminaram-na de seus códigos legais ou não a aplicam mais. Em 2013, por exemplo, 22 países (pouco mais de 10% do total mundial) realizaram execuções.
Que Estados ainda utilizam a pena de morte? Na estimativa da Anistia Internacional, a China sozinha executa mais do que o resto do mundo – algo em torno de 2 mil pessoas por ano, embora os dados sejam imprecisos devido à dificuldade de acesso ao sistema jurídico chinês. Nos demais países, ocorreram cerca de 800 execuções confirmadas em 2013 – 80% naArábia SauditaIrã e Iraque. Todos esses quatro governos têm em comum o fato de serem regimes autoritários, que cerceiam de maneira cotidiana os direitos humanos de seus cidadãos.
Poucas democracias mantêm a pena de morte e as únicas que a utilizam com frequência são os Estados Unidos e aIndonésia. No caso americano, há uma distinção importante: os estados podem optar por aboli-la. Dezoito dos 50 assim o fizeram. Nos anos 2000, Nova York, Nova Jersey, Novo México e Illinois, entre outros, tomaram essa decisão. Texas,Flórida e Ohio concentram cerca de 70% das mortes. Na década de 1970, a Suprema Corte dos Estados Unidos chegou a proibir sua aplicação, julgando-a incompatível com a Constituição.
Organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch são contra a pena de morte em qualquer situação, considerando-a uma violação do direito à vida – que o Estado deve proteger, e não destruir – e uma forma de punição cruel, desumana e degradante. A Igreja Católica tem a mesma posição.
Quatro tratados internacionais proíbem a pena de morte, pelo menos em tempos de paz. Um deles, no âmbito da ONU: o Segundo Protocolo Opcional ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1989), e três acordos regionais, um na Organização dos Estados Americanos e dois na Europa. O tratado das Nações Unidas foi ratificado por 81 países, de todos os continentes.
A adesão a esses acordos é voluntária. Contudo, além dos tratados formais, desde 2007 a Assembleia Geral da ONUaprova resoluções recomendando que todas as nações adotem moratória nas execuções. Esses documentos não têm a força obrigatória da lei, mas possuem considerável influência política. Ir contra eles significa desrespeitar a opinião pública internacional.
Razões para o repúdio internacional à Indonésia
Indonésia não ratificou nenhum tratado internacional contra a pena de morte, mas havia demonstrado sensibilidade às tendências globais, abstendo-se de utilizá-la por diversos anos, entre 2008 e 2013. Essa decisão foi mantida mesmo diante dos graves desafios de segurança enfrentados pelo país, como o combate a grupos extremistas político-religiosos. Em grande medida, representava parte dos esforços dos novos governos democráticos estabelecidos após a ditadura deSuharto (1967-1998) para respeitar os direitos humanos.
Eleito presidente em 2014, Joko Widodo fez da pena de morte um cavalo de batalha eleitoral e transformou sua aplicação – em particular no caso do tráfico de drogas – em promessa de campanha. Em grande medida, para ganhar a simpatia dos grupos muçulmanos que advogam políticas mais repressivas com relação a entorpecentes. É a contramão das tendências globais que apontam para abordagens mais liberais e flexíveis, como as adotadas por diversos estados americanos, em vários países da Europa Ocidental e no Uruguai, e como recomendada pela comissão da ONU sobre drogas.
A Indonésia é um importante destino turístico internacional, sobretudo por conta de Bali e outras ilhas conhecidas pela beleza, e que são também pontos importantes do comércio global de drogas. O país já havia executado anteriormente outras pessoas por tráfico, mas até 2015 nenhum cidadão de uma nação rica havia sido punido dessa forma. Neste ano, o holandêsAng Kim Soei foi vítima dessa punição, na mesma sequência em que foram fuzilados o brasileiro ArcherDaniel Enemuo eNamaona Denis (Nigéria) e Tran Thi Bich Hanh (Vietnã).
Foi um contraste com o passado, quando houve casos como o do francês Michael Blanc, libertado em 2014 depois de forte campanha internacional em sua defesa. Ele havia sido sentenciado à prisão perpétua na Indonésia, ao ser preso no aeroporto com 3,8 kg de haxixe, escondidos em equipamento de mergulho.
A mudança brusca no comportamento do governo da Indonésia, em contradição com as recomendações internacionais, levou a críticas externas ao presidente Widodo. Brasil e Holanda condenaram as execuções e a rejeição de seu pedido de clemência por seus cidadãos e convocaram seus embaixadores em Jacarta para consultas – importante sinal de censura diplomática. O governo brasileiro acompanha os casos de Archer e de Rodrigo Gularte desde suas prisões, há mais de uma década, e havia feito discreta e constante pressão de bastidores junto aos antecessores de Widodo.
O papel do Brasil no debate
Há uma longa tradição brasileira de repúdio à pena de morte que antecede em muito a execução de Archer. O Brasil foi pioneiro em abolir essa forma de punição. Desde a 1ª Constituição republicana, em 1891, o país a proíbe em tempos de paz, embora a mantenha em tempos de guerra para crimes ligados à segurança nacional. À época, na América Latina, só aCosta Rica tinha legislação semelhante.
A decisão brasileira foi fruto de trauma das décadas finais da monarquia, um dos piores erros judiciais da história do País: a execução do fazendeiro Manuel da Mota Coqueiro (1855), condenado erroneamente como mandante de uma chacina de oito colonos em suas terras. O imperador lhe negou o perdão, mas ficou tão impactado quando soube de sua inocência que passou a conceder a graça aos homens livres condenados à morte – nenhum foi executado a partir da década de 1860, embora escravos ainda o fossem até 1876.
ditadura de 1964-1985 rompeu com a tradição humanitária da república e reestabeleceu a pena de morte, mas não chegou a implementá-la oficialmente. Os assassinatos dos opositores do regime foram execuções extrajudiciais, crimes que ocorreram à margem do sistema jurídico.
Na Constituição de 1988, a proibição da pena de morte é cláusula pétrea. Não pode ser alterada por emenda constitucional, plebiscito ou referendo ou qualquer outra forma de mobilização – importante freio institucional aos ardores das versões brasileiras de Widodo. Após a promulgação da nova Carta Magna, o Brasil ratificou os acordos internacionais da ONU e daOEA contra a pena de morte, posição que reforça nos fóruns multilaterais e que, coerentemente, defendeu nas críticas àIndonésia.
É importante que o debate impulsionado pela condenação de Marco Archer e Rodrigo Gularte possa estimular também a reflexão sobre as contradições brasileiras. Mesmo sem pena de morte, as polícias do País matam pelo menos seis pessoas por dia. Muitos desses casos são execuções sumárias. Que tenhamos políticas de segurança pública à altura dos princípios humanitários expressos em nossa Constituição.

Reforma agrária na lei ou na marra: Ligas Camponesas completam 60 anos

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Reforma agrária na lei ou na marra: Ligas Camponesas completam 60 anos

Em 1º de janeiro de 2015 as Ligas Camponesas completaram 60 anos. Elas nem existem mais, porém seu legado histórico ainda está aí, vivo e pulsando. Surgiram no Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, em 1º de janeiro de 1955, e foram extintas logo após o golpe militar de março de 1964.
A reportagem é de Vandeck Santiago, publicada pelo Diário de Pernambuco, 05-01-2015.
Em 9 anos de existência, conseguiram levar o camponês para a sala de estar da política nacional - a reivindicação de reforma agrária conseguiu assento na agenda de prioridades do Brasil e tornou-se o principal item das Reformas de Base idealizadas pelo governo João Goulart.
Tamanha foi a repercussão das Ligas que elas chegaram às páginas da imprensa mundial (incluindo o New York Times) e despertaram a atenção do recém-iniciado governo John Kennedy, dos EUA.
A ação das Ligas Camponesas teve papel de destaque no rol de tensões sociais na América Latina que preocupavam osEUA, a ponto de o governo Kennedy ter criado um programa destinado a evitar que elas descambassem para revoluções esquerdistas (o Aliança para o Progresso). Alguns dos principais integrantes da administração Kennedy (como o historiadorArthur Schlesinger) estiveram no Nordeste para avaliar a situação social e política da região.
Nos anos 40 já tinha havido em Pernambuco uma organização com o nome "Ligas Camponesas", mas de atuação efêmera e sem nenhum destaque. A que fez a diferença mesmo foi a de 1955, no Engenho Galileia, onde moravam pouco mais de mil pessoas (104 famílias).
Curioso que esta entidade foi criada com outro nome, o de Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP). O grupo que a criou teve a liderança de dois militantes ligados ao PCB, os irmãos José Ayres dos Prazeres eAmaro dos Prazeres (conhecido como "Amaro do Capim").
Num primeiro momento a SAPPP não teve resistência do proprietário, mas logo depois surgiram os problemas. Foi quando uma comissão decidiu ir ao Recife tentar a ajuda de um deputado estadual recém-eleito, ligado aos camponeses, o advogado pernambucano Francisco Julião (1915-1999). Deu-se aí o encontro da chispa com a palha seca.
Sob um ponto de vista estritamente burocrático, Julião não criou as Ligas (quando ele chegou, a entidade geradora do movimento já estava fundada). Mas foi ele quem deu notoriedade, dimensão e relevância política ao movimento. O próprio nome - Ligas Camponesas - é responsabilidade dele: na época, na tentativa de dizer que a entidade tinha ligações com comunistas, os seus opositores a chamavam de "Liga".
Julião resolveu apropriar-se do nome - já que os adversários vão chamá-la assim, então vamos nós mesmos batizá-la como tal. A palavra de ordem mais lembrada da entidade - "Reforma agrária na lei ou na marra" - é também obra de Julião, um defensor assumido na época da agitação social.
Todas as medidas tomadas em favor dos camponeses no período de 1955 a 1964 (como o Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963) e até depois do golpe (como o Estatuto da Terra, de novembro de 1964) foram motivadas pela agitação do campo provocada pelas Ligas.
As terras do Engenho Galileia foram desapropriadas em 1959 - o primeiro ato de reforma agrária no Brasil do pós-guerra. Dos que moram lá hoje, pelo menos um tem ligação com as lutas daquela época: Zito da Galileia, neto de um famoso líder do movimento, Zezé da Galileia, já falecido. Zito mantém viva a memória das Ligas e no próximo dia 11 vai inaugurar lá a biblioteca José Ayres dos Prazeres. Sessenta anos depois, a história do Galileia ainda rende inspiração.

Dilma reduz estrutura da Funai e tem menor demarcação de terras desde 1985

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Dilma reduz estrutura da Funai e tem menor demarcação de terras desde 1985

No momento em que aumentam as pressões no Congresso contra as reivindicações indígenas por mais terras, a Fundação Nacional do Índio (Funai), cuja missão é proteger e promover os direitos dessa população, vive um processo de enfraquecimento no governo Dilma Rousseff. A presidente encerrou o primeiro mandato com a menor área de terras indígenas demarcada desde a redemocratização e começou o segundo período no Palácio do Planalto sem indicar mudança no desinteresse pelo órgão.
A reportagem é de Roldão Arruda, publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 19-02-2015.
Há 20 meses, a Funai está sob comando interino. Desde que a demógrafa Marta Azevedo pediu demissão, em junho de 2013, Dilma não nomeou oficialmente nenhuma pessoa para o cargo. O atual presidente interino, Flávio de Azevedo, é um procurador vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU) que prestava serviços à área jurídica da Funai até outubro, quando assumiu o posto temporário.
Dilma mantém há 20 meses a Funai com presidente interino. Primeiro mandato da presidente terminou com a menor área de terras indígenas demarcada desde a redemocratização
Para organizações que atuam na defesa dos indígenas, essa situação é mais uma demonstração do desinteresse de Dilmapelo órgão. A presidente é a que manteve a fundação sob comando interino pelo período mais longo desde sua criação, em 1967. Nesses 48 anos, a Funai teve 33 presidentes – média de 1 ano e 4 meses de mandato para cada um. Nos dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a instituição teve dez presidentes. Com Luiz Inácio Lula da Silva, foram três.
Na avaliação de Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o enfraquecimento da Funai está se agravando. “A manutenção de interinos no cargo de presidente é um dos reflexos mais visíveis desse processo”, disse. “Existem enormes pressões políticas para que não sejam aprovados relatórios de delimitação e demarcação de novas terras, uma das principais responsabilidades do presidente da Funai. Como ele pode levar adiante essa função se está interino no cargo?”
Esse enfraquecimento da Funai apontado pelo dirigente do Cimi ocorre em paralelo à maior pressão no Congresso para aprovação de uma emenda constitucional que delega ao Legislativo o poder de demarcar terras indígenas. Hoje, essa prerrogativa é exclusiva do Executivo.
No governo Dilma, essa atribuição foi pouco efetiva. A petista homologou em quatro anos a criação de 11 terras, um total de 2 milhões de hectares, mais baixa marca dos governos pós-ditadura militar. Em metade do tempo, Itamar Francohomologou 16 áreas e 5,4 milhões de hectares.
Quedas
Para Buzatto, outros indicadores de enfraquecimento são a redução do quadro de funcionários, especialmente os que atuam nas demarcações, e do orçamento. Segundo a Funai, o quadro de funcionários permanentes caiu de 2.396 em 2010 para 2.238 em 2014. O grupo dedicado à delimitação e demarcação de terras foi reduzido de 21 para 16 funcionários fixos. O número de antropólogos na equipe baseada em Brasília baixou de seis para dois.
O encolhimento também é visível no orçamento. Em 2013, a verba da Funai (a soma de custeio e investimento, em valores já corrigidas pela inflação) chegou a R$ 174 milhões. Em 2014, segundo o órgão, foram R$ 154 milhões.
Fora isso, hoje há 13 processos de demarcação parados no Ministério da Justiça, onde precisam de uma Portaria Declaratória para seguirem tramitando no governo. Outros 21 processos de demarcação já estão na mesa de Dilma, à espera da assinatura da presidente. Segundo levantamento da Assessoria Especial de Participação Especial, essas terras indígenas totalizam 1,4 milhão de hectares.
Para André Villas-Bôas, secretário executivo do Instituto Socioambiental (ISA), o esvaziamento da Funai começou nogoverno Lula e se agravou com Dilma. “Diante de obras como as hidrelétricas que estão sendo construídas e que afetam populações indígenas, o óbvio teria sido o fortalecimento de instituições que cuidam dessas populações. O que se vê é o oposto, com licenciamentos a toque de caixa e desenvolvimento a qualquer preço.”

Cinco projetos podem atingir índios e Amazônia

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http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=102743


Cinco projetos podem atingir índios e Amazônia

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Emenda que bloqueia demarcação de terras voltará a tramitar. Outras propostas privatizam bancos genéticos, estimulam mineração predatória e introduzem plantio de cana na região
Por Stefano Wrobleski, no blog InfoAmazonia
Em 2014, protestos de movimentos sociais, como a invasão do Congresso por lideranças indígenas, fizeram com que as discussões parlamentares em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 fossem sucessivamente canceladas. A matéria, em tramitação na Câmara dos Deputados, retira do Presidente da República a competência pela demarcação de terras indígenas, transferindo-a ao Congresso Nacional. Embora as fortes mobilizações tenham feito com que o projeto fosse arquivado, ele deve voltar à pauta da Câmara em 2015, avaliam organizações não governamentais (ONGs) ouvidas porInfoamazonia. Além da PEC 215, outras quatro matérias podem voltar a tramitar neste ano e, se aprovadas, trazer impactos negativos para a Amazônia.
Os projetos destacados não foram arquivados ao final de 2014 ou têm grandes chances de voltarem à pauta, seguindo os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado. Com algumas exceções (confira abaixo projeto a projeto), o arquivamento acontece ao término de cada legislatura – um período de quatro anos que tem início no dia 1º de fevereiro do ano seguinte de cada eleição para os representantes do Congresso Nacional, com a posse dos eleitos.
Se arquivados, os projetos perdem sua tramitação e precisam ser reapresentados ao plenário, repetindo todo o rito feito anteriormente para ser aprovado. Com o desarquivamento, as propostas voltam a tramitar de onde pararam no período anterior.
1) Demarcação de terras indígenas
A PEC 215, apresentada em 2000 pelo então deputado federal Almir Sá (PPB-RR), pretende alterar a Constituição Federal deixa ao Congresso Nacional a competência pela aprovação da demarcação de terras indígenas. Hoje, a palavra final é do Ministro da Justiça, depois de um longo processo que envolve estudos antropológicos de identificação liderados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e prazo para contestações por qualquer parte interessada no reconhecimento da área.
Se aprovada, a proposta ainda exigiria a tramitação de um projeto de lei delimitando os critérios e procedimentos de demarcação das terras indígenas. Além das terras indígenas, emendas à PEC 215 procuram transferir também ao Congresso o reconhecimento de áreas remanescentes de quilombos e a criação de unidades de conservação.
Veja abaixo as terras indígenas e áreas protegidas da Amazônia e confira o desmatamento da floresta nas últimas décadas
“É um projeto extremamente preocupante”, afirma Aldem Bourscheit, especialista em políticas públicas do WWF-Brasil. “Os argumentos [em favor da PEC 215] são esdrúxulos, na linha de que o país já teria muitas terras indígenas”. Ele considera que, na prática, a aprovação da PEC “acabaria engessando a demarcação de terras indígenas”. Já para Márcio Astrini, coordenador de campanha do Greenpeace Brasil, as terras indígenas “são a forma mais eficiente de combater o desmatamento”.
Arquivada em 2014, a PEC 215 pode voltar a ser discutida por uma comissão especial em 2015. Para isso, a matéria precisa ser desarquivada por um dos 26 deputados que, em 2000, assinaram pela apresentação da proposta e voltaram à Câmara dos Deputados em 2015. Eles têm até 31 de julho para pedir pelo desarquivamento. Quando foi elaborada por Almir Sá, a PEC 215 contou com o apoio de 232 parlamentares(confira a lista aqui). Por ser uma proposta que pretende alterar a Constituição, são necessárias ao menos 171 assinaturas (ou um terço da Casa).
2) Recursos genéticos
[Atualização: O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 11/2 e seguiu para o Senado]
PL 7.735 de 2014 é destacado por Adriana Ramos, coordenadora para a Amazônia do Instituto Socioambiental (ISA). A proposta pretende substituir a Medida Provisória 2.186-16/2001, que regula atualmente o uso comercial do patrimônio genético. Segundo Adriana, o PL “simplifica a legislação sobre o uso da biodiversidade”. “A partir de uma dificuldade que o governo tem de fiscalizar, o Executivo fez uma lei que simplifica o que deve ser fiscalizado”.
Comunidades tradicionais – como indígenas e quilombolas – têm informações e práticas sobre os usos destes recursos genéticos, que interessam às indústrias farmacêutica, alimentícia, de higiene, entre outros. Abrigando cerca de uma em cada cinco espécies do planeta, o Brasil tem a maior biodiversidade do mundo, enquanto possui milhares de comunidades tradicionais que fazem uso desta diversidade biológica.
Para Adriana, um problema do projeto atualmente é que, se aprovado, deve estabelecer que microempresas não precisem mais repartir ganhos financeiros com as comunidades locais. “Mas muitas grandes empresas usam essas empresas menores para fazer uso dos recursos genéticos obtidos”, pontua. A ONG também reclama que as populações afetadas não foram consultadas na elaboração do projeto, o que contraria a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada em 2002 pelo Brasil.
TEXTO-MEIO
A matéria é de autoria do Poder Executivo. Por isso, não foi arquivada no fim de 2014 e continua com sua tramitação regular. A proposta tramita em regime de urgência – quando a Casa tem até 45 dias para votar – e chegou a ser colocada em votação no plenário em dezembro de 2014, mas a discussão foi adiada por obstrução da pauta. Na ocasião, parlamentares contrários ao projeto deixaram o plenário para evitar a formação do quórum necessário à votação. Uma comissão especial para analisar o tema chegou a ser criada no papel em julho de 2014, mas nunca foi constituída de fato.
3) Código da MineraçãoO novo Código da Mineração, em discussão na Câmara dos Deputados, pretende substituir o decreto-lei 227, de 1967, que atualmente regula a atividade. O Projeto de Lei (PL) 37/2011determina que o governo deve licitar as áreas de mineração e, também, vai aumentar a arrecadação estatal. A proposição enfrenta grande pressão de empresas que atuam no meio, pois como demonstrou a Agência Pública influencia o financiamento de campanhados políticos envolvidos com a comissão especial que analisa o PL.
O projeto não avança na regulamentação da atividade em termos ambientais, mas a discussão preocupa Adriana Ramos: “Me parece que propostas de mineração de terra indígena vão tentar ser aprovadas separadamente”. Aldem Bourscheit, do WWF-Brasil, acredita que “o Brasil precisa, sim, de uma nova legislação de mineração”. “Mas infelizmente, até o momento, os projetos em curso não assumiram a proteção que a gente espera”.
O PL 37/2011 tem regime de prioridade – quando deve entrar na pauta de votação imediatamente depois de todas as proposições em regime de urgência. A matéria foi produzida pelo deputado Weliton Prado (PT-MG), que foi reeleito em 2014 e tem até o dia 31 de julho para pedir o desarquivamento do projeto e manter o estágio atual de tramitação. Caso contrário, uma nova proposta terá que ser apresentada.
4) Cana na AmazôniaCom o Projeto de Lei do Senado (PLS) 626 de 2011, Flexa Ribeiro (PSDB-PA), autor da proposta, quer legalizar o plantio de cana-de-açúcar em áreas degradadas da Amazônia. A atividade é dificultada no bioma desde 2009, quando o decreto nº 6.961, que impede a concessão do crédito rural para plantações do tipo na Amazônia, foi publicado pelo presidente Lula.
O problema, segundo Márcio Astrini, é que o cultivo pode aumentar a “pressão pelo desmatamento”. “A cana vai ocupar grandes áreas, que hoje são da pecuária, arroz, algodão e soja, e empurrar essas outras culturas para dentro da floresta”. O ambientalista do Greenpeace ainda avalia que existe uma “falta de governança” no zoneamento da região que fragilizaria a situação e aumentaria a destruição da floresta.
Veja o avanço do desmatamento na Amazônia
O projeto havia sido aprovado em maio de 2013 em caráter terminativo (quando só precisa do aval das comissões responsáveis para ser aprovado e não vai para votação do plenário da Câmara dos Deputados) pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle. No entanto, o PLS voltou a tramitar depois que o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) incluiu uma emenda à votação e pediu a inclusão de duas comissões na discussão para ser aprovado. A votação está parada na Comissão de Assuntos Econômicos, onde recebeu parecer contrário do relator Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). Outras três comissões ainda precisam analisar a emenda antes que o projeto possa ser aprovado e encaminhado à Câmara dos Deputados.
Como o mandato de oito anos de Flexa Ribeiro termina só em 2019, o PLS 626/2011 não foi arquivado e continua com sua tramitação regular.
5) Mineração em áreas protegidasAldem Bourscheit, do WWF, aponta o PL 3.682, de 2012, como uma das propostas preocupantes que podem voltar à pauta neste ano. Seu autor, o deputado Vinícius Gurgel, do PR do Amapá, foi reeleito e quer que seja autorizada a mineração em até 10% das áreas de unidades de conservação. Como contrapartida, o deputado propõe que a mineradora que explorar dentro de unidades de conservação doe “ao órgão ambiental competente” uma terra com “o dobro da dimensão da área cedida e as mesmas características”, como explica na ementa do projeto. A atividade hoje é proibida nestas zonas.
Na defesa da proposta, o parlamentar argumenta que “um grande número dessas unidades [de conservação], especialmente na Amazônia, foram criadas sobre terras com grande potencial mineral”. Gurgel pondera que estas reservas são necessárias para o crescimento econômico.
“Mas os impactos nunca vão se limitar a estes 10%. A atividade da mineração sempre tem grande impacto”, afirma Bourscheit. “Existem outras áreas de conservação que poderiam atender a atividade de mineração. O Brasil não precisa degradar suas áreas protegidas para abrigar essas atividades”.
Tramitando em caráter conclusivo (quando pode ser aprovado somente com o aval das comissões responsáveis e não vai para votação do plenário da Câmara dos Deputados), o projeto está na Comissão de Minas e Energia, onde ainda não foi votado, mas já tem um parecer favorável do relator, o deputado Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG). O deputado propôs um substitutivo ao projeto de Vinícius Gurgel que submete a delimitação das unidades de conservação de proteção integral ao Congresso Nacional e não cria limites ou contrapartidas à mineração nestas áreas. O PL 3682/2012 ainda deve passar por outras duas comissões antes de ser aprovado.
Como foi reeleito, Vinícius Gurgel precisa pedir que o projeto seja desarquivado até 31 de julho.
Veja onde há mineração na Amazônia e combine os dados com as áreas protegidas e terras indígenas

De caixa d'água a lata de lixo: seca cria mercado milionário

bbc
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/02/150218_economia_falta_dagua_ru


De caixa d'água a lata de lixo: seca cria mercado milionário

  • 20 fevereiro 2015
Clodoaldo Lins (BBC)
Gerente da Leroy Merlin, Clodoaldo Lins diz que a venda de caixas d'água em sua loja aumentou 506%.
A crise hídrica no Sudeste brasileiro pode gerar um impacto negativo para a economia como um todo, mas tem representado uma enxurrada de novos clientes para alguns segmentos específicos, que lucram com as torneiras secas.
Produtos como caixas d'água, calhas, reservatórios, baldes e galões de água mineral, e serviços como a perfuração de poços artesianos e a distribuição de água em caminhões-pipa estão assistindo a uma explosão de demanda em função da expectativa de um racionamento - em especial na Grande São Paulo, onde a situação é mais crítica.
"Tivemos um aumento de 506% nas vendas de caixa d'água em janeiro na comparação com o ano anterior em nossa loja - e uma alta da mesma ordem foi experimentada em Sao Paulo", diz Clodoaldo Lins, gerente de uma loja da Leroy Merlin na zona sul da capital paulista.
Segundo ele, a espera por alguns modelos mais procurados hoje chega a 60 dias, embora também haja unidades para pronta entrega.
"Temos vendido cerca de 100 caixas d'água por dia. Às vezes, 150. E nossa sorte foi ter se preparado, adiantando os pedidos para os nossos fornecedores, porque sabemos de lojas concorrentes que estão sem o produto."
Lins diz que, além das caixas d'água, os clientes da loja também estão comprando todo tipo de recipiente para armazenar água em casa - de cestas de lixo a caixas organizadoras de escritório.
Caminhão-pipa (Reuters)
Caminhões-pipa são alternativa para consumidores sem água
"Quando a Cantareira chegou a quase 5% (de sua capacidade), há duas semanas, vendemos todas as 180 cestas de lixo da loja em 4 horas. Tudo o que pode servir para reservar água está vendendo bem."
A concorrente Telhanorte também registrou um aumento expressivo na venda de caixas dágua na grande São Paulo - da ordem de 600%.
Não é a tôa que os fabricantes estão tendo de adaptar sua estrutura produtiva e esquema logístico para atender a essa demanda.
A Fortlev, por exemplo, uma das líderes do setor, diz que hoje todo o excedente de produção das fábricas do Espírito Santo, Bahia e Santa Catarina vai para São Paulo.
"Não temos mais estoque de caixas d'água. Agora o produto sai da linha de montagem direto para o caminhão", diz Evandro Sant’Anna, diretor Comercial e de Marketing da Fortlev.
Sant'Anna explica que a espera dos clientes também aumentou de 7 a 14 dias para 14 a 28 dias.

Agua Mineral (Reuters)
Indústria de água mineral também tem assistido a um aumento da demanda
"Além disso, também percebemos uma procura maior por cisternas. Temos um aumento de 5 a 10 vezes no número de unidades vendidas", diz ele.

Caminhões-pipa

As empresas que distribuem água em caminhões-pipa também estão entre as que aumentaram o faturamento com a crise hídrica.
Distribuidoras consultadas pela BBC Brasil dizem ter registrado uma alta de 10% a 50% nas vendas desde outubro de 2014. Alguns clientes reclamam que seus preços também subiram.
Nilton Savieto, síndico de 12 edifícios em sete bairros de São Paulo, diz que em outubro pagava entre R$ 500 e R$ 600 por um caminhão-pipa de 15 mil litros. No final de janeiro, o preço teria chegado a R$ 900. "E no início de fevereiro, algumas empresas já me disseram que só conseguiriam entregar a água por R$ 1.200", afirma.
As distribuidoras alegam que seus custos operacionais também subiram - e até mais que o valor repassado aos clientes.
"Em alguns casos, nossos poços artesianos não dão conta da demanda. Aí precisamos comprar água de empresas parceiras, que está entre 30% e 40% mais cara desde outubro", diz Neiva Rodrigues, dona da empresa H2Ondina, de Cotia, há 28 anos no mercado.
"Mesmo assim, estou muito otimista em relação ao crescimento do negócio nos próximos anos. Estamos atendendo muito a região central de São Paulo, onde não havia tanta demanda, e também a zona sul."
No caso da perfuração de poços artesianos, Carlos Eduardo Giampá, da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (Abas) calcula que tenha havido um aumento de 30% nas licenças de construção desde outubro.
"Há um interesse crescente de condomínios, hospitais e indústrias", diz ele.
Vinicius Ramos (Acqualimp)
Vinícius Ramos, da Acqualimp, diz que empresa está investindo para expandir produção
"Mas calcula-se que 80% dos poços perfurados em São Paulo sejam irregulares - e o número dessas obras deve ter aumentado ainda mais com a crise hídrica."

Investimentos

Animadas pela demanda mais aquecida, algumas dessas empresas também planejam novos investimentos e até a contratação de mais pessoal - na contra-mão de outros setores da economia.
A Acqualimp, que produz caixas d'água, cisternas e tanques, por exemplo, planeja aumentar em 100% sua capacidade de produção e contratar cerca de 40 novos funcionários.
"Obviamente, não sabemos o que vai acontecer com a demanda no ano que vem, se o abastecimento de água for normalizado - o mais provável é que ela caia para patamares mais baixos", diz Vinicius Ramos, diretor de varejo da Acqualimp.
Ele diz, porém, que dois fenômenos impulsionados pela crise hídrica parecem ter vindo para ficar. O primeiro diz respeito ao uso mais consciente da água. O segundo, às incertezas sobre o suprimento desse recurso.
"No Brasil, muitas casas ainda não têm caixa d'água. Daqui para frente, acho que isso vai passar a ser uma prioridade", diz ele.