sexta-feira, 18 de abril de 2014

Direitos das mulheres zapatistas

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Direitos das mulheres zapatistas

Noticias Aliadas
Adital

Por Orsetta Bellani
Lei Revolucionária das Mulheres prevê acesso a cargos políticos e militares, a terem um salário digno, educação, saúde, a não serem maltratadas e escolherem seus parceiros
A cada manhã, Fabiana acorda às 4h30, como todas as mulheres de sua comunidade. Mói o milho fervido na noite anterior até formar uma massa suave que mostra algumas bolinhas, que amassadas e cozidas na panela de barro se transformam em tortinhas. Fabiana, da etnia maya tzotzil, tem 23 anos, um marido e dois filhos e é a base de apoio do Exercito Zapatista da Libertação Nacional (EZLN). Trabalha em sua casa quase todo o dia, diariamente carrega o menino mais novo. Contudo, o marido a ajuda em algumas tarefas tradicionalmente consideradas "de mulheres”, como debulhar o milho ou depenar as aves, e, às vezes, se encarrega de cuidar dos meninos enquanto ela cozinha.
"Nasci no povo de San Juana Chamula, nos altos de Chiapas. Quando tinha 10 anos, minha família se tornou zapatista e a Junta do Bom Governo nos entregou uma parcela de terra nessa comunidade”, relata Fabiana a agência Notícias Aliadas. ”Aqui conheci meu marido. Estamos muito felizes com nossos dois filhos e decidimos que não queremos mais”.
Triplamente oprimidas
A possibilidade de planejar a maternidade é um dos direitos estabelecidos pela Lei Revolucionária das Mulheres, que as zapatistas redigiram em 1994. A Lei está em vigor nos territórios sob a influência de EZLN e prevê também o direito das mulheres a terem cargos políticos e militares, a poderem desfrutar de um salário digno, de educação, saúde, a não serem maltratadas e a poderem escolher seu parceiro.
"Historicamente, a condição da população indígena em Chiapas tem sido de exclusão, e as mulheres vivem uma tripla opressão: por serem mulheres, pobres e indígenas”, explica a Notícias Aliadas Guadalupe Cárdenas, do Coletivo Feminista Mercedes Oliveira (Cofemo), de San Cristóbal de Las Casas, Chiapas. "Sua participação política sempre foi invisibilizada, mas com a Lei Revolucionária das Mulheres isso mudou: começaram a ir às manifestações, a tomar microfones e falar, a ter cargos políticos. Houve uma grande troca de sensibilidade em Chiapas, fora do movimento zapatista, e os homens começaram a valorizá-las pelo menos em seu discurso; já não é politicamente correto excluir a participação das mulheres”.
Na mesma comunidade de Fabiana vive Teresa, que tem 15 anos e disse estar muito orgulhosa de pertencer a EZLN. À tarde, Teresa e sua prima se sentam em frente à loja comunitária e olham os garotos passarem. Contam que a namorada de um deles o deixou, e que agora ele tem outra namorada que não é zapatista.
Explicam que ela disse que queria ser zapatista, e que no caso contrário, ele teria que sair da organização. Acrescentaram que nas comunidades em resistência elas elegem os parceiros e logo conhecem as respectivas famílias, enquanto que o costume anterior ao surgimento da EZLN era que o rapaz escolhia sua esposa, e logo estabelecia com a família dela um pagamento pelo dote. Ao perguntar a Teresa se quer casar e ter filhos, ela ri e responde que acredita que sim, mas agora é muito jovem.
A uns quilômetros da Comunidade de Teresa, no povoado maya tzotzil – não zapatista – de San Juan Chambula, as mulheres se casam ainda meninas. Em 12 de março passado, uma adolescente de 14 anos deixou seu marido depois de três anos de maus tratos. Um juiz ordenou sua captura por abandonar o lar e a condenou a pagar uma multa de 24.400 pesos mexicanos (quase US$ 2.100). A menina, que havia sido comprada por 15 milhões de pesos (equivalente a quase $1,15 milhão), denunciou haver passado 29 horas em cárcere privado sem comer, sem cobertor, entre o lixo e fezes humanas.
A Lei zapatista já não permite decisões desse tipo, tão abertamente lesivas a dignidade humana, embora não se possa pensar que possa ter mudado, por decreto, um conjunto de práticas tão radicadas na cultura e nas consciências.
Resistir dentro da resistência
As mesmas zapatistas, nos cadernos sobre a participação das mulheres no governo autônomo, que publicaram em agosto de 2013 para o curso "A liberdade segundo as zapatistas’, que se desenvolveu no marco da chamada Escuelita Zapatista (um curso de uma semana em que cada participante pôde conviver uma semana em uma comunidade em resistência, como hóspede de uma família), notam que, nos últimos 20 anos, houve um grande avanço em suas comunidades, embora, todavia não se possa falar de paridade entre os gêneros. Segundo escrevem, a dificuldade em aceitar que as zapatistas possam ter cargos políticos é tanto de homens como de mulheres, por uma formação que não as concebe como sujeitas de direitos.
"Uma vez, aconteceu que várias mulheres milicianas ficaram grávidas e a ordem do comando zapatista foi que abortassem, com o apoio de algumas organizações não governamentais. Se as companheiras quisessem continuar a gravidez teriam que deixar de ser milicianas e viver sua vida como amas de casa, enquanto que os homens que as engravidaram não tiveram nenhuma consequência”, relata Cárdenas, que trabalhou na zona zapatista até o ano de 2000. "De todos os modos, eu creio que as zapatistas estão aprendendo a resistir dentro da resistência, são clandestinas entre os clandestinos. Aprenderam o caminho da resistência ao neoliberalismo, assim que puderam empreender o caminho da resistência ao patriarcado. De fato, já estão fazendo, não estão de acordo com muitas coisas de sua organização e sua cultura e estão mudando. É lento, mas estão fazendo as mudanças que necessitam”.

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